TRÊS HOMENS EM CONFLITO (1966)

(Il Buono, Il Brutto, Il Cattivo) 

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #4

Dirigido por Sergio Leone.

Elenco: Clint Eastwood, Lee Van Cleef, Eli Wallach, Aldo Giuffrè, Mario Brega, Luigi Pistilli, Rada Rassimov, Antonio Casale, John Bartho, Angelo Novi e Antonio Casas. 

Roteiro: Agenore Incrocci, Sergio Leone, Furio Scarpelli e Luciano Vincenzoni. 

Produção: Alberto Grimaldi. 

Três Homens em Conflito é o ponto alto da parceria entre o diretor italiano Sérgio Leone e o hoje astro de Holywood Clint Eastwood. Pouco conhecidos na época, conseguiram alcançar o sucesso através da trilogia dos dólares, que marcou o western para sempre e simbolizou uma época onde o estilo Western Spaghetti ficou conhecido. Depois de “Por um punhado de dólares” e “Por uns dólares a mais”, a dupla alcançou seu melhor resultado em “Três homens em conflito” e brindou o cinema com uma obra que atravessa gerações graças à extraordinária qualidade que têm.

Já na apresentação dos créditos podemos perceber a originalidade de Leone através da montagem de imagens acompanhada da maravilhosa trilha de Ennio Morricone. O filme narra à estória de Tuco Benedito Pacifico Juan Maria Ramirez (isso tudo mesmo!), apelidado de “O Feio” (Eli Wallach), Angel Eyes Sentenza, apelidado de “O Mau” (Lee Van Cleef) e Blondie, apelidado de “O Bom” (Clint Eastwood). Estes três homens atravessam o velho oeste em meio a Guerra Civil americana à procura de 200 mil dólares que foram roubados. A introdução do filme e dos personagens é absolutamente perfeita. Na primeira delas, sem utilizar nenhuma palavra, o diretor cria um clima absurdamente tenso e demonstra com as imagens o quão perigoso é “O Feio”. Na introdução de “O Mau”, ele também cria este mesmo clima de tensão, e quando as primeiras palavras são ditas no filme, já sabemos o que está para acontecer. “O Bom” tem uma introdução de personagem mais bem humorada, e que ao mesmo tempo, serve para demonstrar a habilidade do personagem com a arma e um traço importante de sua personalidade: a esperteza.

A montagem de Eugenio Alabiso e Nino Baragli ajuda a manter a narrativa dos três personagens igualmente interessante, apesar de nos identificarmos mais com “O Bom”, talvez influenciados pela introdução deste personagem, onde ele é apresentado como o menos cruel dos três. Os bons diálogos do roteiro que Leone ajudou a escrever também merecem destaque, como a conversa entre dois personagens sobre as porcentagens que cada um merecia na parceria que tinham e outra conversa entre estes mesmos personagens em um quarto do Hotel sobre cinturões e esporas. O roteiro cruza os caminhos dos três personagens em diversos momentos da narrativa de forma inteligente e jamais cansativa, mantendo o espectador sempre atento ao que acontece. Também utiliza alguns artifícios como um diálogo expositivo entre “O Feio” e seu irmão padre (Luigi Pistilli), mas o truque é utilizado de forma inteligente, já que o conflito é bastante verossímil. Além disso, algumas frases são verdadeiras pérolas como o momento em que “O Feio” diz: “Na hora de atirar atire, não fale”. Leone também cria momentos de alívio cômico interessantes, como a bem humorada e muito inteligente cena com o exército azul empoeirado e parecendo cinza.

A atuação de Clint Eastwood é minimalista, com poucas mudanças de feição. O ator não expressa muitas emoções, o que cai bem no personagem frio e calculista que é “O Bom”. Um dos momentos de inspiração de Clint é quando “O Feio” pede que ele coloque a cabeça na corda e ele move a sobrancelha levemente, como quem está pensando “Fazer o que…”. Bem humorado. Interessante como seu personagem utiliza inteligentemente a seu favor o fato de ser o único que sabe algo extremamente importante na trama, permitindo-lhe trocar de parceria à qualquer momento, já que ele sabe que é o mais importante do trio. Já Lee Van Cleef tem uma atuação mais exagerada como “O Mau”, usando caras e bocas em diversos momentos da trama como na cena em que o personagem aparece pela primeira vez, o que acaba fazendo um contraponto interessante para a fria atuação de Clint. Mas é Eli Wallach quem consegue maior destaque entre os três personagens. Seu “Feio” é ao mesmo tempo ameaçador e ingênuo. Por diversas vezes sentimos pena dele e em outras tantas vezes sentimos raiva. Wallach consegue transmitir a personalidade insegura e ao mesmo tempo gananciosa do personagem em diversos momentos, como no momento em que ele é salvo pela primeira vez por seu comparsa. O sorriso misturado com tensão fica claro no rosto de Wallach, muito bem captado pela câmera próxima de Leone.

Também impressionante é o excelente trabalho de Ennio Morricone. A trilha sonora de Três Homens em Conflito é sensacional, com toda cara do velho oeste. Os assovios e os gritos que ouvimos em sua melodia principal se encaixam perfeitamente na melancólica e assustadora visão do velho oeste proposta por Leone. Ao longo de toda projeção somos presenteados com belíssimas melodias, além da maravilhosa música instrumental “The Ecstasy of Gold”, executada na íntegra em um momento chave e extremamente belo do filme. O trabalho de figurino e direção de arte também é competente, situando-nos na época com roupas bem características do velho oeste americano, além da excepcional maquiagem em certo momento da trama, onde um personagem está praticamente desfigurado por caminhar muitos dias sob o sol. A Fotografia de Tonino Delli Colli destaca as cores marrom, cinza, bege e em poucos momentos o azul escuro, demonstrando a aridez do velho oeste. Também demonstra visualmente o mundo seco, de pessoas com corações frios onde viviam os personagens.

Mas o grande destaque do filme é, sem dúvida nenhuma, a aula de direção dada por Sérgio Leone. O diretor italiano tem controle total do filme e demonstra como cada plano é cuidadosamente planejado. Observe por exemplo o talento de Leone ao criar planos e composições extremamente belas, muitas vezes utilizando somente as imagens para passar sentimentos ao espectador. Ele sabe cadenciar perfeitamente a alternância entre estes planos amplos com os closes, utilizados para acentuar o traço surrado daqueles personagens queimados pelo sol. Estes closes também demonstram a frieza com que eles encaram momentos extremamente tensos, como os duelos armados. O filme todo é recheado de momentos bem orquestrados, uma verdadeira coleção de cenas absolutamente perfeitas. Para citar algumas, repare a composição visual da cena do trem cortando a corrente presa a um determinado personagem, a tensa cena da invasão de um quarto de Hotel, a já citada cena acompanhada da música “The Ecstasy of Gold”, a explosão da ponte e o ataque aos comparsas de “O Mau”. São momentos de puro cinema, com imagens belíssimas e cheias de estilo, narrando uma trama inteligente diante de nossos olhos.

[se você ainda não viu o filme, pule este parágrafo] Entre todas as lindas cenas, a que merece maior destaque é a sensacional cena final do duelo anunciado entre os três personagens. O momento tão esperado mais parece um balé extremamente bem orquestrado por Leone, com movimentos de câmera sensacionais, cortes perfeitos, closes espetaculares e um crescente clima de tensão que aumenta ainda mais com a ótima trilha sonora, criando uma cena incrivelmente bela e inesquecível. Somente esta cena já serviria de referência para o belíssimo trabalho de um diretor extremamente inteligente e competente que podemos testemunhar neste filme.

Representante maior do estilo Western Spaghetti, Três Homens em Conflito encanta pela quantidade enorme de cenas esplendidamente bem filmadas, explorando todo o potencial das paisagens do velho oeste e extraindo o máximo da trama criada, demonstrando toda a competência de Sergio Leone como diretor. Mesmo muitos anos depois de seu lançamento, ainda se mantêm como um dos maiores westerns já lançados no cinema. Com cenas inesquecíveis, momentos de extrema tensão e imagens belíssimas, o filme consegue criar empatia com o espectador e mantê-lo sempre interessado na narrativa, de uma forma absolutamente competente e imperdível.

 

Texto publicado em 02 de Julho de 2009 por Roberto Siqueira

22 comentários sobre “TRÊS HOMENS EM CONFLITO (1966)

  1. Francisco 10 março, 2017 / 8:28 pm

    …Se mais alguém observou estes detalhes nos dois filmes, por favor, gostaria que comentassem também, obrigado!

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  2. Francisco 10 março, 2017 / 8:18 pm

    Depois de tanto tempo ausente deste incrível blog, volto para fazer mais um comentário sobre esse clássico fenomenal do cinema italiano e provavelmente mundial, depois de tê-lo revisto recentemente. Sempre tive mania de observar as referências e homenagens implícitas que o mestre Leone sempre soube fazer com muita competência à outros clássicos mais antigos do gênero ‘western’ notáveis em todos as suas obras que inclusive vc Roberto e alguns leitores já citaram anteriormente. Pode ser preciosismo ou detalhismo da minha parte, mas acho importante mencionar. No Caso de “The Good…” gostaria que prestassem atenção no detalhe da primeira aparição de Lee Van Cleef (The Bad ou Angel Eyes) em cena: Observei que praticamente no mesma sequência há duas referencias ao filme Os Brutos Também Amam (Shane, 1953, de George Stevens). Elas ocorrem no momento que Van Cleef aparece ao longe, chegando e sendo observado pelo menino do engenho (Igual Alan Ladd (Shane) chegando e sendo observado por Brandon de Wilde, outro menino. A segunda referencia ocorre logo depois quando a câmera focaliza Van Cleef mais próximo da casa, que lembra perfeitamente a chegada ao vilarejo do matador de aluguel Wilson (Jack Palance). Até o trotear do cavalo é parecido. Se você puder Roberto, por favor reveja pelo menos esta sequência (nos dois filmes) pra falar de suas considerações. Afinal “Shane” também é, um dos maiores clássicos do faroeste mundial, um belíssimo exemplar do gênero e deve ter sido um dos favoritos de Sergio Leone. Um abraço e Obrigado!

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  3. Lucas 28 março, 2013 / 5:55 am

    Um dos melhores Westerns que eu já vi!! Parabéns pelo texto

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    • Roberto Siqueira 10 maio, 2013 / 10:40 pm

      Obrigado Lucas.
      Abraço.

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  4. Sergio leone 6 fevereiro, 2013 / 11:37 pm

    Ótimo, elegante, engraçado, empolgante…
    Não faltam bons adjetivos para três homens em conflito!
    Gostei da sua análise do confronto final.
    abraço.

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    • Roberto Siqueira 12 fevereiro, 2013 / 9:38 pm

      Que bom que gostou Sergio.
      Abraço.

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    • Roberto Siqueira 20 dezembro, 2012 / 11:08 pm

      Verdade.

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  5. jorge 2 maio, 2012 / 1:01 am

    Excelente filme, um dos meus cinco favoritos. O meu favorito também é de Leone: Era uma vez na América. Adorei o texto. Parabéns!

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    • Roberto Siqueira 2 maio, 2012 / 10:41 pm

      Obrigado pelo elogio e pelo comentário Jorge.
      Abraço!

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  6. Cesar Duarte 19 julho, 2011 / 12:03 am

    Devemos separar o estilo faroeste em duas vertentes distintas, quais sejam: o faroeste americano e o faroeste spaghetti. O primeiro tem no diretor John Ford seu expoente máximo e John Wayne sem maior intérprete. Dentro desse segmento Rastro de Ódio é o maior filme de faroeste já feito, realmente uma obra-prima. Já no estilo estilo spaghetti, onde o estilo faroeste foi reinventado no início dos anos 60 pelo diretor italiano Sergio Leone, um dos maiores estetas do cinema, seus cinco filmes são todos excepcionais, notadamente Era Uma Vez no Oeste e, sobretudo em Três Homens em Conflito, um filme tão magnífico que é até difícil falar sobre ele, dada a sua perfeição. Trilha sonora soberba do mestre Morricone, a música é mais do que trilha sonora, é também um personagem do filme. Atuações marcantes de Clint Eastwood, Lee Van Cleef e marcadamente de Eli Wallach ( o feio), que nos brinda com a maior atuação da história de um western spaghetti. Pessoalmente prefiro o western spaghetti, portanto Três Homens em Conflito para mim é o maior faroeste já realizado, sendo rivalizado apenas por Era Uma Vez no Oeste, do próprio Leone. Como dica sugiro também de Sergio Leone o menos conhecido, porém não menos sensacional, Quando Explode a vingança, seu último trabalho como diretor de filmes de faroeste. Seu último filme foi Era Uma na América, seu canto de cisne sobre a máfia americana. Aí já é uma outra história.

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    • Roberto Siqueira 22 julho, 2011 / 12:33 am

      Olá Cesar,
      Obrigado por mais um excelente comentário. Leone era mestre!
      E este filme é o seu ponto alto na carreira ao lado da obra-prima “Era uma vez no oeste”.
      Abraço.

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  7. Filipe 30 abril, 2011 / 7:28 pm

    Filme maravilhoso.
    Pra mim, tem um dos melhores finais da historia do cinema.

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    • Roberto Siqueira 9 maio, 2011 / 9:13 pm

      Olá Filipe,
      O final é realmente sensacional, e o filme todo vale a pena.
      Um grande abraço e obrigado pelo comentário!

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  8. aroldo zella 2 agosto, 2010 / 10:40 pm

    Parabens Roberto Siqueira pelo excelente comentário. Já assisti ao filme várias vezes e cada vez eu o vejo de uma forma diferente e bela. Grande trabalho dos atores e principalmento do Diretor Sérgio Leone.

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    • Roberto Siqueira 3 agosto, 2010 / 11:52 pm

      Obrigado Aroldo.
      Seja bem vindo ao Cinema & Debate e volte sempre.

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  9. francisco 14 julho, 2010 / 10:54 am

    Depois de tê-lo visto mais de 10 vezes ao longo de 40 anos, posso afirmar sem receios : Parece cada vez mais novo, ainda mais agora recém-lançado em BD… é imbatível ! Parabéns pelo comentário, roberto ! Um abraço !

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    • Roberto Siqueira 16 julho, 2010 / 7:31 pm

      Uma das pérolas da carreira de Leone, com uma cena antológica que certamente está entre as melhores da história do cinema, que é o “trielo”. Um grande filme.
      Abraço.

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  10. Lucas 12 outubro, 2009 / 2:26 pm

    Muito bom.conseguistes capturar a essência desse lindo filme!

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    • Roberto Siqueira 12 outubro, 2009 / 10:48 pm

      Obrigado Lucas! É um belíssimo filme mesmo. Agradeço o comentário e volte sempre ao blog!
      Abraço.

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