GANDHI (1982)

(Gandhi) 

 

Videoteca do Beto #27

Vencedores do Oscar #1982

Dirigido por Richard Attenborough.

Elenco: Ben Kingsley, Candice Bergen, Edward Fox, John Gielgud, Trevor Howard, John Mills, Martin Sheen, Ian Charleson, Athol Fugard, Günther Maria Halmer, Saeed Jaffrey, Geraldine James, Alyque Padamsee, Amrish Puri, Roshan Seth, Rohini Hattangadi, Ian Bennen, Richard Griffiths, Nigel Hawthorne, Michael Hordern, Shreeram Lagoo, Om Puri, Daniel Day-Lewis, John Ratzenberger e John Boxer. 

Roteiro: John Briley. 

Produção: Richard Attenborough. 

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Em certo momento do belíssimo “Gandhi”, dirigido por Richard Attenborough, um dos personagens diz que “o mundo não é feitos de Gandhis”. Infelizmente somos obrigados a concordar com ele, o que não nos impede de pensar que isto é realmente uma pena. A história da vida do homem que liderou a independência da Índia é por si só maravilhosa. Mas o competente trabalho de Attenborough, auxiliado pela sua equipe técnica e por um elenco brilhante, fez do filme “Gandhi” um épico maravilhoso, repleto de imagens marcantes e que cumpre muito bem a difícil missão de contar a história deste homem tão importante na história da humanidade.

No inicio do século XX, o jovem e idealista advogado indiano Mohandas Karamchand Gandhi (Ben Kingsley), após passar alguns anos na África do Sul, volta para a Índia e inicia, de forma pacífica, a luta contra o domínio britânico em seu país. Através de manifestações não-violentas, se tornou o líder espiritual de hindus e mulçumanos e chamou a atenção dos olhos do mundo para sua causa.

Logo no início de “Gandhi” testemunhamos o seu trágico assassinato e a comoção que sua morte causou no país, dando idéia da enorme importância daquele homem. Desta forma, quando começamos a acompanhar o início da caminhada dele, ainda jovem na África do Sul, sabemos qual será seu fim trágico, e passamos a nos perguntar que motivos levariam alguém a fazer aquilo. Mas o excelente roteiro de John Briley faz muito mais do que mostrar apenas porque alguém mataria aquele homem (e a razão é estúpida), mostrando na realidade como este homem se tornaria um dos mais importantes seres humanos a pisar na face da terra. A mensagem de Gandhi era simples, porém de difícil compreensão para nós, seres tão estúpidos e fracos.

Attenborough acerta em cheio na escolha de seus planos, desde este forte início, com a cena do assassinato e o pomposo funeral, passando pelas lindíssimas imagens durante as viagens de trem pela Índia, onde Gandhi começa a notar a pobreza de seu país, até os belos planos gerais de seus discursos públicos, quando envia sua mensagem de não-violência para toda parte da Índia. Attenborough mostra competência também nas difíceis cenas de combate, como a guerra na fronteira da Índia com o Paquistão e a chocante cena do fuzilamento coletivo de indianos. O diretor conta também com um ótimo trabalho de montagem de John Bloom, notável em diversos momentos, como na bela transição da cena em que Gandhi chega ao mar pra fazer sal para a reportagem feita no jornal britânico, em preto e branco, que falava exatamente sobre este ato. Já na viagem de volta de Gandhi no navio, podemos ver exatamente o contrário. A imagem transita da reportagem para a realidade. Mas Bloom acerta especialmente ao cobrir muitos anos da vida do líder indiano sem jamais soar episódico, devido aos elegantes saltos que dá na narrativa. Em certo momento, por exemplo, ficamos sabendo da prisão da Sra. Gandhi (Rohini Hattangadi) através de uma conversa dele com seu amigo, já preso, sem a necessidade de mostrar esta etapa da vida deles.

Quando retorna de sua viagem pela Índia, Gandhi diz em um belo discurso que ninguém pode lutar pelos direitos dos indianos se não se tornar um indiano de verdade, ou seja, viver como um indiano vive, sem luxos (o que arranca um sorriso contido de seu amigo no palco). Caso contrário, estaria apenas tomando o lugar dos britânicos no poder. E se a pobreza vista por Gandhi salta aos olhos também do espectador, é porque além da competente direção de Attenborough, a direção de fotografia da dupla Ronnie Taylor e Billy Williams acerta na escolha de cores áridas e quentes, como o amarelo, o bege e o marrom, para retratar o mundo seco, pobre e sem cores em que vivia a maioria absoluta dos indianos na época. Colaboram também os figurinos (creditados para Bhanu Athaiya e John Mollo), que destacam cores que harmonizam com a fotografia árida, mas com o predomínio de roupas brancas, que por outro lado, simbolizam muito bem a paz que Gandhi tanto pregava, e a excelente direção de arte de Norman Dorme e Ram Yedekar. Tipicamente indiana, com acordes altos e cantos, a linda trilha sonora que ajuda na ambientação ao país é mérito de Ravi Shankar.

Por ser advogado formado, Gandhi sabia muito bem os limites de suas atitudes e, por conseqüência, que punições ele poderia ou não sofrer. Desta forma, quando inicia a queima dos bilhetes na frente de soldados britânicos, ele sabia exatamente onde estava pisando e que tipo de reação geraria. Sua prisão causou revolta nos indianos presentes na África do Sul, que certamente contariam o feito para outros, e desta forma chamariam a atenção que ele precisava para iniciar sua revolução. A opressão britânica na África do Sul despertou em Gandhi o sentimento de lutar contra a tirania. Só que ele o fez da melhor e mais humana maneira possível, o pacifismo. Mas como enfrentar um império poderoso e violento de forma pacífica? A resposta é dada ao longo de toda a projeção, em cada frase (“Olho por olho deixará o mundo cego” é só um exemplo) e em cada atitude dele.

Coube a Ben Kingsley a responsabilidade de interpretar Mahatma Gandhi, o “grande espírito”. Em atuação magnífica, Kingsley é firme quando necessário, como no julgamento em que desafia o juiz, dizendo que não vai pagar 100 rupis (seu olhar mostra claramente sua determinação em não fazê-lo), mas por outro lado, consegue transmitir a paz interior de Gandhi com enorme competência através da fala mansa e do olhar sempre sereno e pacifico. Observe como quando está mais velho sua fala se torna ainda mais pausada e lenta, assim como seu caminhar (e seu emagrecimento é também evidente). Pouco compreendido até mesmo pelos indianos (“Deus me dê paciência”, diz um deles quando o vê em vestimentas típicas indianas), era quando falava em público que Gandhi realmente chamava a atenção, exatamente pela beleza e importância de suas palavras, e Kingsley também é competente nestes discursos, transmitindo sentimento em cada um deles. Pode-se imaginar como era difícil deixar posições confortáveis para os representantes indianos da época. Mais difícil ainda era aceitar e entender as diferenças religiosas. Por isso, Gandhi comprou briga com muitos, até mesmo com sua fiel mulher no inicio de sua vida no Ashram (local que ele construiu para viver, onde todos eram iguais e as tarefas eram divididas), e através de seus exemplos, servindo café no lugar do servo e jamais reagindo às muitas agressões e prisões que sofreu, foi conquistando o respeito e a admiração de muitos, inclusive vindos de outros países. Em uma das mais belas cenas do filme, comovido após ver a pobreza nas famílias produtoras de roupas indianas – resultado da invasão de roupas inglesas no país – ele passa a utilizar somente roupas nacionais e pede para que o povo faça uma enorme fogueira de roupas britânicas, sendo prontamente atendido. O desapego das roupas de melhor qualidade em prol de uma vida melhor para os indianos soa nacionalista, mas acima de tudo, era uma atitude muito humana. Finalmente, Kingsley também está ótimo nas cenas dramáticas, como o comovente choro de Gandhi ao pressentir e presenciar a morte da mulher amada, ficando ao lado dela até o fim, o que mostra que ele era um ser humano normal, que sentia amor e dor como qualquer outro. O restante do numeroso elenco também tem grandes atuações, como Geraldine James interpretando Meerabahen, a admiradora inglesa de Gandhi e Saeed Jaffrey, que interpreta seu grande amigo Sardar. Destaque também para a belíssima maquiagem em todo o elenco no terceiro ato do filme, quando todos estão muitos anos mais velhos.

A história de Gandhi ensina que as diferenças religiosas devem ser respeitadas para que a sociedade consiga conviver em harmonia. Note como Gandhi cita Cristo algumas vezes e até mesmo compara passagens da Bíblia com o Gita e o Alcorão (que eram lidos juntos em sua infância), o que se revela bastante interessante, já que ambos tinham uma mensagem muito parecida, de paz e amor ao próximo. E a semelhança entre os dois tem até mesmo referências visuais no longa, como no julgamento em que Gandhi veste uma roupa bem semelhante aquela que nos acostumamos a associar à Jesus Cristo. Completamente desconhecido do povo indiano – como podemos notar quando um deles, em cima do trem, diz para o amigo cristão de Gandhi que sua conhecida, também cristã, “bebe o sangue de Cristo todo domingo” – o cristianismo tem muito em comum com o pacifismo pregado por Gandhi, o que nos leva a pensar sobre a natureza dos conflitos religiosos. Porque julgar as religiões pelas excentricidades ao invés de focar na bela mensagem em comum de amor e paz? Para Gandhi, o que importava era seguir a Deus e não a religião.

Quando o assassino de Gandhi aparece em meio à multidão, já próximo do final do filme, sabemos qual o seu papel ali. Após a aparente paz na região, com a conquista da independência da Índia e do Paquistão – simbolizada nas cenas em que as bandeiras são hasteadas e os hinos cantados – inicia-se outra guerra, agora religiosa, que só terminaria com mais uma greve de fome de Gandhi. Em meio a tantas pessoas que respeitavam e ouviam a bela mensagem de paz dele, havia também aqueles que ousavam gritar “Morte à Gandhi!” (e neste momento, Attenborough inteligentemente coloca o assassino em meio à multidão, onde podemos identificá-lo). Intolerantes à diferença religiosa, estas pessoas são a resposta para a pergunta que nos fazemos no inicio do filme. São as pessoas capazes de tirar a vida de alguém tão puro, simples e bom, simplesmente por entender que ele não compartilha de sua crença.

Albert Einstein disse que “gerações futuras não acreditariam que alguém assim como Gandhi, de carne osso, tenha vivido neste mundo”. E no mundo em que vivemos hoje, é realmente difícil acreditar. Nas palavras de Meerabahen: “Ele mostrou ao mundo como sair da loucura. Só que ele não viu isso. Nem o mundo viu”. A maravilhosa história do homem que combateu a violência e a opressão com a paz não precisava de mais nada para ser atraente. Mas nem por isso Attenborough e seu competente elenco fizeram um trabalho qualquer. O resultado final é um filme grandioso, lindo e marcante. Não tanto como o próprio Gandhi, o que não é nenhum demérito. Nenhum filme seria.

Texto publicado em 18 de Dezembro de 2009 por Roberto Siqueira

20 comentários sobre “GANDHI (1982)

  1. fabiomoria 18 fevereiro, 2017 / 8:59 pm

    Que texto incrível. Acabei de assistir Gandhi e é realmente maravilhoso.

    Abraços!

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    • Roberto Siqueira 22 fevereiro, 2017 / 3:01 pm

      Obrigado Fabio.

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  2. flávia j 24 junho, 2015 / 4:14 pm

    Pra mim, Gandhi foi o maior ser-humano do século XX. O homem era um poço de sabedoria, e o filme sabe mostrar tudo isso. A cena mais impactante, ao meu ver, é quando Gandhi aconselha um pobre-diabo a adotar uma criança (por um motivo que não vou falar aqui, pra não dar spoiler), sem nenhum resquicio de ódio no coração. A cena é um belíssimo tapa na cara de pessoas que vivem a vomitar ódio em comentários de noticiais sangrentas nas redes sociais e acha que pena de morte e cadeira elétrica é a solução para os crimes do mundo.

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    • Roberto Siqueira 13 julho, 2015 / 9:42 pm

      Concordo muito com você Flávia.

      Obrigado pelo comentário.

      Abraço.

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  3. alemdatorre 17 abril, 2015 / 8:46 am

    Uma atuação marcante para um ator fantástico. Foi deste filme em diante que comecei a prestar atenção no Ben Kingsley.

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  4. Cross98 1 março, 2012 / 6:30 pm

    Um filme bastante chato

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    • Roberto Siqueira 1 março, 2012 / 8:49 pm

      Porque Mateus? Um dos maiores seres humanos que já pisaram na terra. E um filme tocante, com uma atuação impecável de Ben Kingsley.
      Um abraço.

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    • Cross98 1 março, 2012 / 10:08 pm

      eu sei , eu nao gostei foi do filme , o Gandhi é a pessoa que passou na terra que eu mais admiro , só não gostei do filme

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    • Roberto Siqueira 4 março, 2012 / 8:47 pm

      Entendi.
      Abraço.

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  5. Vagner Scandolhere 26 setembro, 2011 / 10:36 am

    “Um grande homem” Um dos melhores filmes q vi em decadas. Ben Kingsley atuou como Gandhi com muita perfeição. Emocionante!

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    • Roberto Siqueira 13 outubro, 2011 / 11:45 pm

      Olá Vagner,
      Tem razão, uma atuação perfeita.
      Um grande abraço, obrigado pelo comentário e volte sempre.

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  6. Porco Nú 15 setembro, 2011 / 9:22 pm

    A violência interna é a causa do medo. Um homem poderoso!
    Existiram muitos e muitos, dos quais Gandhi é mais um, afim de mudar o mundo. Cada um tem uma lição a passar, e certamente essa lição será recebida por todos os que buscam o verdeiro amor, mesmo quando para tanto o próprio mundo tenha que ser refeito.
    Quando fechamos os olhos para o resto do mundo e nos contentamos com um ingrato e pequeno papel nessa sociedade caótica, deixamos de ser Mahatmas.
    Por sorte a mudança hoje é inevitável, só nos resta decidir para onde ela levará.

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    • Roberto Siqueira 13 outubro, 2011 / 11:24 pm

      Olá Porco,
      Obrigado pelo comentário. De fato, homens como Gandhi são raros.
      Abraço.

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    • Rene Furtado Felix (@rffelix) 21 maio, 2012 / 10:29 am

      O caro livrou o pais do poder Britânico, e você diz que foi mais um, O tú é muito burro e ignorante de pai e mãe.

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  7. Cesar Duarte 17 julho, 2011 / 12:16 pm

    Os três titãs do século XX foram: Nas artes, Charles Chaplin. Nas ciências, Albert Einstein. E na política, Ghandi. Este Homem foi tão único e singular na história da humanidade que deixo aqui transcrita uma frase que disseram a seu respeito que simboliza tudo o que ele representou em termos de bondade, altruísmo e desapego aos bens materiais, qual seja: ¨Para vergonha de toda a cristandade, o maior cristão que viveu neste mundo não era cristão, era hindu¨. Filme obrigatório para todos que amam o cinema e os seres humanos, tanto pela sua qualidade cinematográfica quanto, e principalmente, pela mensagem que este Homem nos legou.

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    • Roberto Siqueira 22 julho, 2011 / 12:19 am

      Realmente Gandhi foi um dos maiores seres humanos da história. E o filme retrata bem sua trajetória.
      Grande abraço e obrigado pelo comentário Cesar.

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  8. Rodrigo 6 abril, 2011 / 10:59 am

    O File é realmente muito bom, conta muito bem a história de um ser humano, que pra mim. foi o mais puro e humano da terra, alguém com um coração gigantesco, e foi um filme muito bem feito ! parabéns ao filme, e a crítica que ficou também muito bacana

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    • Roberto Siqueira 6 abril, 2011 / 9:47 pm

      Muito obrigado pelo elogio Rodrigo.
      Também acho que Gandhi foi um dos seres humanos mais marcantes da história.
      Abraço.

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    • Roberto Siqueira 5 janeiro, 2011 / 9:27 pm

      Que bom que gostou Edson.
      Vai demorar um pouco ainda, mas vou escrever sobre “As Horas”. É um dos filmes da minha videoteca.
      Abraço e obrigado pelo comentário.

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