GOLPE DE MESTRE (1973)

(The Sting)

 

Videoteca do Beto #55

Vencedores do Oscar #1973

Dirigido por George Roy Hill.

Elenco: Paul Newman, Robert Redford, Robert Shaw, Charles Durning, Ray Walston, Eileen Brenann, Harold Gould, John Heffernan, Dana Elcar, Jack Kehoe, Dimitra Arliss e Robert Earl Jones.

Roteiro: David W. Maurer e David S. Ward.

Produção: Tony Bill, Julia Phillips e Michael Phillips.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quatro anos depois do sucesso “Butch Cassidy”, Paul Newman e Robert Redford voltaram a se reunir sob a direção de George Roy Hill para realizar este delicioso “Golpe de Mestre”, que conta com um roteiro primoroso e uma reconstituição de época impecável para narrar a interessante e divertida história de dois golpistas nos anos trinta.

Dois vigaristas dão um golpe num capanga de um importante chefe de quadrilha de Nova York, embolsando uma alta quantia em dinheiro que garantiria a aposentadoria de um deles. Não demora muito até que a reação chegue e, a pedido do “chefão” Doyle Lonnegan (Robert Shaw), um dos golpistas, conhecido como Luther Coleman (Robert Earl Jones), é assassinado. Johnny Hooker (Robert Redford), o outro golpista, consegue fugir e, seguindo o conselho do falecido Coleman, entra em contato com o experiente vigarista Henry Gondorff (Paul Newman), com quem arquiteta um gigantesco golpe contra o mafioso Lonnegan.

A seqüência de abertura de “Golpe de Mestre” dá o tom da narrativa, através da bem orquestrada simulação de um assalto, que resulta no primeiro golpe aplicado pelos vigaristas Luther e Hooker. Esta cena servirá também como base para todo o desenrolar da trama, que será contada através da divisão de capítulos, com transições como fade, zoom e páginas, garantindo uma característica de conto ou fábula ao longa e revelando o bom trabalho de montagem de William Reynolds, que além disso, ainda confere um ritmo delicioso à narrativa. O longa conta ainda com um excelente trabalho técnico, responsável pelo belíssimo visual. O conjunto formado pelos impecáveis figurinos de Edith Head, a excepcional Direção de Arte de Henry Bumstead e a fotografia dessaturada (Direção de Robert Surtees) criam uma reconstituição de época incrivelmente realista, ambientando perfeitamente o espectador à trama. Observe, por exemplo, os carros nas ruas de Nova York, a fachada das lojas e até mesmo os trajes utilizados pelos jogadores para notar como o trabalho técnico é irretocável. O diretor de fotografia Robert Surtees cria ainda um visual interessante nos ambientes internos, constantemente utilizando a sombra dos chapéus para encobrir o rosto dos personagens e usando o contraste luz e sombras de forma muito elegante. Finalmente, a ótima trilha sonora de Scott Joplin apresenta deliciosas canções e ainda utiliza o piano para compor divertidas melodias durante os jogos, o que reforça o clima leve e descontraído do longa.

A direção de George Roy Hill é segura e até mesmo discreta, apesar da freqüente utilização do zoom, como na espetacular jogada final de Gondorff durante o pôquer ou quando ele observa da janela a chegada de Lonnegan ao bar. Hill demonstra competência também na condução dos principais momentos do longa, como as cenas de pôquer, a falsa narração da corrida de cavalos e a perseguição de Snyder (Charles Durning) à Hooker. Outra seqüência muito bem dirigida é a fuga de Hooker do bar, que termina com o sugestivo plano da tampa do bueiro, indicando o esconderijo de emergência do rapaz. Finalmente, o diretor faz um interessante movimento de câmera que sai do quarto de Gondorff, corta para o quarto de Hooker e termina com o plano da misteriosa luva preta, que terá fundamental importância momentos depois, em outra cena surpreendente que termina com a morte de Loretta Salino (Dimitra Arliss).

Mas apesar da boa direção de George Roy Hill, o principal responsável pelo sucesso de “Golpe de Mestre” é o excepcional roteiro de David W. Maurer e David S. Ward. Inteligente e com ótimas reviravoltas, o delicioso texto da dupla prende a atenção do espectador e permite observar pacientemente como os dois vigaristas arquitetam cuidadosamente o grande golpe final. Mas ainda que seja interessante observar este aspecto da narrativa, para que ela funcionasse perfeitamente seria necessário algum tipo de ameaça ao plano. E a dupla Maurer e Ward insere este elemento na trama de forma muito inteligente, através do tenente William Snyder, interpretado corretamente por Charles Durning e que é o responsável pelo desequilíbrio da equação. Personagem chave para o sucesso da trama, Snyder é o responsável pelo temor gerado no espectador durante boa parte da narrativa – assim como sua participação é fundamental na espetacular seqüência final do longa, que reserva a maior e mais agradável surpresa do roteiro.

E que surpresas seriam estas? “Golpe de Mestre” é repleto de cenas em que o espectador é levado a acreditar que está vendo algo, somente para alguns minutos depois descobrir que foi enganado. E mesmo assim, jamais sabemos o que vai acontecer na próxima cena, graças à criatividade do roteiro e às ótimas interpretações do elenco, que tornam verossímeis personagens que poderiam soar cartunescos ou completamente irreais. Interpretado com muito carisma pelo ótimo Paul Newman, Gondorff, por exemplo, é um golpista experiente, que sabe cada passo necessário para alcançar seu objetivo. Extremamente irônico (repare como ele provoca o adversário durante o jogo de pôquer), Gondorff caminha com segurança pelo perigoso caminho que escolheu para viver e acreditamos nos ideais do personagem, por mais sem caráter que suas atitudes possam parecer. Já Robert Redford interpreta com competência o astuto Hooker, que apesar de sua esperteza, freqüentemente corre grande perigo durante suas escapadas. Observe, por exemplo, como Redford transmite muito bem a apreensão de Hooker dentro do quarto, momentos antes de supostamente trair o parceiro e entregá-lo aos federais. Após o surpreendente final, entendemos que sua apreensão pode ser interpretada como fruto da ansiedade pela resolução do plano (que aconteceria no dia seguinte) ou pela solidão do personagem, algo que fica claro quando este procura companhia para passar a noite. Mas inteligentemente, no momento em que vemos o personagem apreensivo, somos levados a pensar que ele realmente entregaria o parceiro, graças também à boa interpretação do ator. A química da dupla, aliás, é essencial para a empatia do público, pois mesmo sendo dois trapaceiros e golpistas, nos identificamos com os personagens graças às simpáticas atuações de Newman e Redford. Vale citar também a impressionante habilidade de Gondorff com as cartas na mão, notável quando as embaralha e sempre mostra o Às de Espadas. Fechando o elenco, além do já citado e importante personagem de Charles Durning, temos Robert Shaw, que vive o mal-humorado chefe da máfia Doyle Lonnegan. Determinado a recuperar o dinheiro que perdeu para os vigaristas (e mais do que isso, manter o respeito pelo seu nome), ele não mede esforços na caça ao astuto Hooker, raramente encontrando espaço para sorrisos e brincadeiras em seu cotidiano. Shaw é competente ao transmitir muito bem esta irritação constante do personagem, como podemos notar durante o jogo de pôquer no trem ou nas seguidas vezes em que ele entra para apostar na corrida de cavalos. Mesmo ganhando o prêmio, o homem é incapaz de sorrir, sempre mantendo um ar de desconfiado – o que não impede que ele sofra o incrível golpe no final.

Quando a última faceta do “golpe de mestre” é revelada ao espectador, sentimos uma gostosa mistura de desorientação e euforia. Apesar de acompanhar o engenhoso planejamento e a meticulosa execução do plano, descobrimos que um detalhe essencial foi ocultado e percebemos que a intenção era exatamente esta. O fato de não revelar propositalmente uma parte vital do golpe faz com que o espectador tema pelo futuro dos personagens, se envolva ainda mais com a trama e se surpreenda com o delicioso final. É como testemunhar um passe de mágica, com a diferença de que descobrimos os detalhes do truque segundos depois de sua execução.

Leve e descontraído, “Golpe de Mestre” soa como um delicioso truque que consegue ao mesmo tempo enganar e agradar ao espectador. Produzido numa época em que o termo “diversão sem compromisso” tinha outro significado, oposto às explosões e a ação frenética recheada de clichês narrativos dos dias de hoje, seu excelente roteiro, aliado às simpáticas interpretações, garante a diversão do espectador.

Texto publicado em 25 de Abril de 2010 por Roberto Siqueira

9 comentários sobre “GOLPE DE MESTRE (1973)

  1. josé roberto brunherotto 9 janeiro, 2017 / 1:34 am

    quero copiar este filme (golpe de mestre) para assisti-lo em casa; como fazê-lo?

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    • Roberto Siqueira 22 fevereiro, 2017 / 3:04 pm

      Você pode comprar o DVD José.

      Abraço.

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  2. Anônimo 4 junho, 2015 / 8:31 pm

    Acabei de assistir, embora já o tenha comprado ha muito tempo. Gostei imensamente!!! O filme é realmente do mais alto gabarito.
    Mas a dupla de atores faz a diferença. Os caras exalam carisma!

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  3. Thiago Barrionuevo 31 janeiro, 2012 / 10:39 pm

    Acabei de assistir e não aguentei, tive que vir ler sua crítica. Filme espetacular, roteiro excepcional e atuações perfeitas dos dois atores principais. Pra mim, obra prima. Sem dúvida um filme obrigatório pra quem gosta de cinema de qualidade. Ótima crítica também Beto.

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    • Roberto Siqueira 11 fevereiro, 2012 / 10:51 am

      Obrigado Thi.
      Tinha certeza de que vocë iria gostar deste filme, por isso recomendei tanto. 😉
      Um abraço!

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  4. francisco 4 agosto, 2011 / 1:06 am

    Diante de mais esta excelente análise e que só agora pude ler (antes tarde que nunca) quero (pelo que vejo) ter a honra de ser o primeiro a comentar, até porque este é mais um dos meus filmes de cabeceira. E como vc já disse tudo , só me resta encher a bola de Paul Newman (um dos meus atores prediletos) e do ótimo Redford por terem conseguido neste filme o que parecia impossível: repetir a excelente atuação de “Butch Cassidy” do mesmo (e ótimo) diretor Roy Hill. Que pena que esta ‘trinca’ de ouro que rendeu 12 oscars nos dois filmes e duas das maiores bilheterias da história, não tenha sido reunida pelo menos uma vez mais. Obrigado Roberto e parabéns pelo excelente video com Jim Carrey durante a entrega do oscar. Abraço !

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    • Roberto Siqueira 8 agosto, 2011 / 10:38 pm

      Uma pena mesmo. Dois atores muito talentosos e um bom diretor. E o melhor, nas duas oportunidades, conseguiram uma química sensacional e realizaram dois ótimos filmes.
      E obrigado pelos elogios e pela lembrança do video com o Carrey.
      Abraço.

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    • francisco 28 setembro, 2011 / 11:30 pm

      E digo mais Roberto, Golpe de mestre ainda mereceu à sua estrela a mais , creio que com justiça… eu também daria, afinal ‘The Sting” além dos dois astros já citados ainda contou com a presença de excelentes atores em seu elenco, com destaque para Robert Shaw e Chrles Durning.

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    • Roberto Siqueira 13 outubro, 2011 / 11:53 pm

      É verdade Francisco, filmasso.
      Abraço.

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