O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991)

(The Silence of the Lambs)

 

Videoteca do Beto #79

Vencedores do Oscar #1991

Dirigido por Jonathan Demme.

Elenco: Anthony Hopkins, Jodie Foster, Lawrence A. Bonney, Kasi Lemmons, Lawrence T. Wrentz, Scott Glenn, Anthony Heald, Frankie Faison, Stuart Rudin, Leib Lensky, Brooke Smith, Ted Levine, Pat McNamara, Kenneth Utt, Diane Baker, Don Butlen e Masha Skorobogatov.

Roteiro: Ted Tally, baseado em livro de Thomas Harris.

Produção: Kristi Zea.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Na cerimônia do Oscar de 1992, um filme surpreendeu a todos e levou os cinco principais prêmios da noite. Era “O Silêncio dos Inocentes”, excelente terror psicológico dirigido pelo versátil Jonathan Demme e estrelado com brilhantismo por Jodie Foster e Anthony Hopkins, que com sua atmosfera tensa, suga o espectador de maneira intensa e entrega uma narrativa maravilhosa, capaz de provocar frio na espinha de qualquer um, sem jamais apelar para imagens chocantes ou altos acordes da trilha sonora. É a história e, principalmente, os personagens que constroem o clima perfeito de suspense.

Clarice Starling (Jodie Foster) é escolhida para investigar uma série de assassinatos cometidos por um criminoso conhecido como “Buffalo Bill” (Ted Levine), que costuma arrancar a pele de suas vítimas – normalmente, mulheres acima do peso. Para entender sua conturbada mente, Clarice procura conversar com um perigoso psicopata conhecido como Hannibal Lecter (Anthony Hopkins), que está preso sob a acusação de canibalismo.

Um dos aspectos marcantes de “O Silêncio dos Inocentes” é, sem dúvida alguma, a sua atmosfera sombria, repleta de tensão em cada minuto de projeção. Na maior parte do tempo o espectador se sente aflito, ameaçado e incomodado, como se algo de ruim estivesse sempre prestes a acontecer. Mas ao contrário da maioria dos suspenses, o longa não apela para sustos artificiais, conseguindo criar seu clima aterrorizante somente através da excelente narrativa, recheada de grandes atuações, além é claro do bom trabalho técnico. A começar pela fotografia sombria de Colleen Atwood, que utiliza cores frias e pouca iluminação em diversos ambientes para criar, com o auxilio da igualmente sombria trilha sonora de Howard Shore, toda esta atmosfera carregada. Obviamente, o intrigante roteiro escrito por Ted Tally, baseado em livro de Thomas Harris, é o principal responsável pela construção deste clima, fazendo com que o espectador se sinta completamente envolvido pela investigação comandada por Clarice. Além disso, Tally foge de clichês básicos dos filmes de “serial killer”, por exemplo, ao revelar o assassino com apenas 30 minutos de filme, mostrando que a narrativa não se concentrará na descoberta do criminoso. É a dinâmica entre Clarice e Lecter que conduzirá a trama, muito mais do que a própria caçada ao assassino. Outro segredo do excelente roteiro é a simplicidade aliada à eficiência, ou seja, a ausência de explicações mirabolantes para os assassinatos. Bill age naturalmente, começando sua coleção de vítimas com uma vizinha – nas palavras de Clarice, “alguém que ele conhecia”. Finalmente, a narrativa apresenta ainda uma série de simbolismos interessantes, como a inteligente explicação para o nome do filme, revelando o trauma de infância de Clarice ao fugir do local onde os cordeiros (“lambs”, em inglês) eram sacrificados – ela mal podia dormir com os gritos dos cordeiros. Outro simbolismo evidente e interessante é a utilização das mariposas, que representam a tão desejada transformação de Bill numa mulher. Note como este pequeno detalhe é vital para a narrativa, pois será justamente uma mariposa voando pela casa que confirmará para Clarice que ele é o assassino, até porque aquelas mariposas não existem nos Estados Unidos (elas eram importadas).

Além das notáveis qualidades do roteiro, “O Silêncio dos Inocentes” conta também com excelentes atuações. Na realidade, o longa é um legítimo “filme de atores”, praticamente carregado pelo magnetismo da performance de sua dupla principal. Como citado, a dinâmica entre Clarice e Lecter é o fio condutor da narrativa, e felizmente, Foster e Hopkins oferecem atuações espetaculares. A atriz, sempre expressiva e com olhar penetrante, transmite segurança nos momentos necessários, como quando se mostra durona ao abrir uma porta emperrada sozinha e entrar num galpão abandonado, mostrando que era capacitada para conduzir aquela perigosa investigação. Mas é nas conversas com Lecter que Foster se destaca, estabelecendo uma conexão impressionante com Hopkins, algo reforçado até mesmo pelos constantes closes de Jonathan Demme. A atriz é competente ainda ao demonstrar com sensibilidade o trauma que perturba Clarice quando fala sobre a morte de seu pai, num diálogo eletrizante que lhe garante algumas dicas a respeito de Buffalo Bill. Finalmente, Foster demonstra bem o choque e o incômodo de Clarice ao ver o estrago na moça encontrada no rio, transmitindo também angústia e pena através do olhar. Criando o contraponto ideal para a excelente atuação de Foster, Anthony Hopkins está sensacional como Hannibal Lecter, praticamente hipnotizando o espectador com seu olhar penetrante, sua voz calma e sua inteligência. Lecter é praticamente um “gentleman”, mostrando-se educado e gentil, por exemplo, quando oferece uma toalha para Clarice se secar após chegar molhada pela chuva e, em seguida, ao perguntar sobre a ferida dela. Quando Miggs (Stuart Rudin) diz algo ofensivo para a agente, ele se mostra claramente incomodado, o que servirá para que Lecter revele sua faceta extremamente letal, ao provocar a morte do presidiário somente através de palavras sussurradas durante a noite. Personagem fantástico e fascinante, Lecter consegue conquistar a platéia, ainda que seja um assassino cruel, muito por causa da excepcional atuação de Hopkins. Entretanto, por mais educado e polido que seja, é inegável que a imagem de Hannibal com a focinheira é simplesmente aterrorizante. Aterrorizante também está Ted Levine como Buffalo Bill, compondo um homem imprevisível e assustador, capaz de “cuidar” durante semanas de suas vítimas, até que elas percam peso suficiente para que ele lhes retire a pele. Sua personalidade conturbada é ilustrada através de sua casa, repleta de objetos espalhados por todas as partes. Por outro lado, sua natureza meticulosa fica evidente somente pelo fato de criar mariposas, certamente uma atividade que exige paciência e tempo. Assassino frio e calculista, Bill era capaz de esperar o tempo que fosse necessário para conseguir o que queria de suas vítimas. Finalmente, Scott Glenn tem uma atuação discreta como o chefe de Clarice, Jack Crawford, e Brooke Smith está ótima como Catherine, a filha da senadora seqüestrada por Bill, com destaque para a cena em que vê as marcas de unhas e sangue na parede do poço e se desespera.

Extraindo o melhor do elenco afinado que tinha nas mãos, Jonathan Demme é competente também na composição de planos simbólicos, como o primeiro plano do longa, quando Clarice surge pequena em meio às árvores e se agiganta na tela, numa alusão interessante à própria história que será narrada, em que a estagiária se agigantará durante a investigação. Em seguida, o diretor emprega um plano-seqüência que acompanha desde o treinamento de Clarice até sua entrada na sala de Crawford, nos levando junto com a agente e começando a estabelecer empatia entre ela e o espectador. E apesar de evitar abusar de imagens chocantes, o diretor apresenta o resultado nada agradável dos ataques de Bill através de fotos coladas nas paredes com as vítimas de “Bill Skin”, estabelecendo desde então o perigo daquela investigação. Mas é na chegada de Clarice ao local onde Lecter está preso que o excelente trabalho do diretor fica evidente. Após nos levar por um extenso e intimidante caminho, repleto de grades que impedem o acesso ao local, finalmente chegamos ao corredor onde os piores criminosos imagináveis se encontram. Mas para nossa surpresa, Demme contraria todas as nossas expectativas ao apresentar um verdadeiro “gentleman” ao invés do animal que estávamos esperando. Auxiliado pela excepcional direção de arte de Tim Galvin, o diretor cria o contraste perfeito entre as celas asquerosas dos outros presos e o ambiente limpo do “doutor” Lecter. Por outro lado, o vidro que garante este visual mais “requintado” também serve para demonstrar o perigo que aquele homem representa, num sistema de proteção ainda mais eficiente que as tradicionais grades. Durante a primeira conversa da dupla, Demme utiliza constantemente o close nos olhos de Foster e Hopkins, criando uma conexão entre eles, que será vital para o futuro da narrativa. O close voltaria a ser utilizado com freqüência posteriormente, fazendo com que o espectador se sinta próximos dos personagens e praticamente entre em seus pensamentos.

Como em todo bom suspense, “O Silêncio dos Inocentes” tem uma coleção de cenas arrepiantes. Mas a principal delas certamente é a extraordinária revelação do truque de Hannibal Lecter, após a tensa seqüência em que os policiais aguardam a descida de um elevador. Quando o psicopata se levanta e tira a pele do rosto, atacando o enfermeiro que o acompanhava na ambulância, o choque é inevitável. Demme conduz a cena com perfeição, auxiliado pela montagem de Craig McKay, que alterna entre o tenso momento em que os policiais cercam o elevador por todos os lados e a surpreendente seqüência na ambulância. A montagem de McKay, aliás, é outro aspecto relevante do longa, destacando-se especialmente na invasão da casa de Bill, quando somos completamente enganados somente por causa da decupagem da cena. Observe como a alternância entre os planos que mostram a preparação dos policiais e aquele com a campainha tocando nos dá a sensação de que o FBI estava invadindo a casa correta, quando na realidade era Clarice quem estava certa. Momentos antes, Demme indica sutilmente que isto irá acontecer através de um travelling que vai do rio até a casa de “Bill”, indicando o local onde a primeira vítima (encontrada por último, por causa dos pesos que ele amarrou nela) foi jogada, bem perto da casa dele. Novamente a simplicidade é a chave do sucesso da narrativa. O tenso final é a cereja do bolo, em outra cena bem conduzida pelo diretor, que utiliza uma câmera subjetiva para nos colocar sob a visão de Clarice e depois, já no escuro, nos coloca sob o ponto de vista de Buffalo Bill, com seu aparelho de visão noturna. O som do gatilho salva a agente do FBI e finalmente silencia os cordeiros, respondendo a brilhante pergunta de Hannibal Lecter, feita por telefone nos segundos finais do filme.

Com um roteiro sensacional, um elenco competente e muita habilidade na condução da narrativa, “O Silêncio dos Inocentes” se estabelece como um suspense acima de média, intenso e eletrizante. Além disso, apresentou ao mundo um dos mais icônicos personagens do cinema, o psicopata brilhantemente interpretado por Anthony Hopkins, que inspirou novos filmes e marcou toda uma geração. Se os cordeiros de Clarice silenciaram, os nossos estavam apenas começando a gritar.

Texto publicado em 21 de Dezembro de 2010 por Roberto Siqueira

16 comentários sobre “O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991)

  1. Malu Grama 26 outubro, 2018 / 10:57 pm

    Dissertação absolutamente perfeita!
    Grata!

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    • Roberto Siqueira 27 outubro, 2018 / 7:13 pm

      Obrigado Malu.

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  2. A. Junior 6 abril, 2013 / 8:03 am

    Excelente crítica! Uma das melhores que já li, as suas descrições e análises são muito boas. Já vi o filme umas 10 vezes ou mais, mas no entato sua crítica me surpreendeu por revelar pequenos detalhes (muitos deles técnicos) sobre a condução das cenas, simplesmente sensacional. Esse filme é um dos melhores na categoria terror-suspense de todos os tempos. Não é á toa que foi muito premiado e até hoje bastante discutido. Parabéns! Espero que voçe faça uma crítica da continuação desse enredo, o que aconteceu no filme Hannibal (2001).

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    • Roberto Siqueira 10 maio, 2013 / 10:50 pm

      Muito obrigado pelos elogios Junior.
      Fico muito feliz.
      Espero escrever sobre Hannibal um dia.
      Abraço e volte sempre.

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  3. Mateus Aquino 1 junho, 2012 / 5:47 pm

    1°: Eu acho um filme sensacional, e creio que mereceu o oscar
    2°: Estou bastante curioso para assistir Seven, creio que você considera este filme obra-prima e vai considerar melhor do ano (claro que vou discordar)

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    • Roberto Siqueira 7 junho, 2012 / 11:50 am

      Um filme sensacional mesmo.
      “Seven” é uma obra-prima. Agora, apontar o melhor do ano em 1995 será uma tarefa bem complicada. O melhor ano da década.
      Abraço.

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  4. Eduardo Laviano 22 maio, 2011 / 11:41 pm

    Poxa, quantos erros de digitação, hein ?
    Da próxima vez irei procurar ler o que eu escrevi antes de postar. Por favor, perdão. Desconsiderem!
    * Foi o único da saga
    * Anthony Hopkins
    * Abocanhar

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    • Roberto Siqueira 23 maio, 2011 / 8:03 pm

      Sem problemas Eduardo, o importante é que corrigiu em seguida.
      Abraço.

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  5. Eduardo Laviano 22 maio, 2011 / 11:39 pm

    Esse filme é simplesmente fantástico. Foi o única da saga Hannibal que me deixou perplexo, sem palavras. Também me assustou, fui para a cama do meu quarto escuro com a sensação de que o Anthony Hopking iria surgir a qualquer momento e tentaria abocanahr meu nariz. Felizmente, não aconteceu.
    Me apaixonei pela Jodie Foster. Linda, nova e encantadora. Esses olhos azuis penetrantes me deixaram completamente apaixonado! O Anthony, preciso nem falar, interpretou com vigor um verdadeiro gentleman. Concordo que os diálogos entre Hannibal & Clarice são incríveis assim como os inesquecíveis: ‘E então, Clarice, haveriam os cordeiros parado de gritar ?’ ‘Não vou dizer. Prefiro que você choque-me com a sua perspicácia.’. Super filme, super roteiro, super elenco. Amo demais. Também adorei o texto!

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    • Roberto Siqueira 23 maio, 2011 / 8:03 pm

      Obrigado pelo excelente comentário e pelo elogio Eduardo.
      Grande abraço.

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  6. Thiago Barrionuevo 28 dezembro, 2010 / 2:12 pm

    Este eu assisti e me lembro bem. Gostei bastante mas não vi motivos para ganhar o Oscar. Um bom filme de suspense e inteligente como vários outros… O fato de ser mais antigo e ser um dos primeiros do estilo ajuda na avaliação, mas é um filme menos empolgante, tenso e surpreendente se comparado à Seven, por exemplo. E você acerta muito quando fala do olhar hipnotizante de Lecter.

    O que gostaria de fazer agora, é assistir a toda a “série” para entender melhor o canibal…

    Aliás, quando escreve sobre Seven?

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    • Roberto Siqueira 5 janeiro, 2011 / 9:26 pm

      Então Thi, “O Silêncio dos Inocentes” é acima de tudo um thriller psicológico poderoso. É na relação entre Lecter e Clarice que reside o sucesso da narrativa e acho que não prestamos atenção nisso naquela vez que assistimos ao filme.
      “Seven” está chegando, estou em 1992 e “Seven” é de 1995.
      Abraço.

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  7. Filipe S. 23 dezembro, 2010 / 3:20 pm

    Estou esperando…Segunda-feira vou cansar de esperar e vou pedir para outros sites.
    COLOQUE LOGO O ENDEREÇO DO BLOG!!!

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    • Roberto Siqueira 23 dezembro, 2010 / 6:58 pm

      Olá Filipe.
      Em primeiro lugar, gostaria de dizer que está não é a melhor forma de conduzir a situação. Acho que este tipo de “parceria” deve ser acertada com mais, digamos, respeito entre as partes. Dito isto, posso te afirmar que tentei colocar o link, mas o endereço que você me deu está invalido e toda vez que tento acessar não aparece nada na página. Por favor, informe o endereço correto, ok?
      Abraço.

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