PETER PAN (1953)

(Peter Pan)

 

Filmes em Geral #51

Dirigido por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske.

Elenco: Vozes de Bobby Driscoll, Kathryn Beaumont, Hans Conried, Bill Thompson, Heather Angel, Paul Collins, Tommy Luske, Candy Candido, Tom Conway, Tony Butala, Robert Ellis, Johnny McGovern, Jeffrey, Stuffy Singer, June Foray, Connie Hilton e Margaret Kerry.

Roteiro: Milt Banta, William Cottrell, Winston Hibler, Bill Peet, Erdman Penner, Joe Rinaldi, Ted Sears e Ralph Wright, baseado em peça teatral de J.M. Barrie.

Produção: Walt Disney.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Sob a capa de aventura jovial e alegre da peça escrita por J.M. Barrie, “Peter Pan” esconde aspectos sombrios que abordam questões universais como a passagem do tempo, a perda da inocência e o mundo mais triste e cruel que todos nós somos obrigados a enfrentar quando deixamos a deliciosa fase da infância para trás. Infelizmente, esta essência da obra do dramaturgo escocês não foi captada com perfeição pelos estúdios Disney, que demonstravam através desta adaptação da obra para o cinema os primeiros sinais de desgaste na tradicional e outrora infalível fórmula de sucesso do estúdio.

A jovem e sonhadora Wendy Darling (voz de Kathryn Beaumont) espera ansiosamente pela visita de Peter Pan (voz de Bobby Driscoll), ao lado de seus irmãos João (voz de Paul Collins) e Miguel (voz de Tommy Luske). Após seus pais saírem de casa para passear, o “garoto que se recusa a crescer” aparece, levando Wendy e seus dois irmãos para a Terra do Nunca (uma ilha encantada onde ninguém cresce), para viver deliciosas aventuras ao lado da fada Sininho e dos garotos perdidos, que lutam contra o Capitão Gancho (voz de Hans Conried), um pirata cruel que jurou vingança quando, após uma briga com Peter, teve sua mão comida por um crocodilo – que, por sua vez, engoliu um despertador.

“Peter Pan” é uma fábula maravilhosa sobre a perda da inocência, sobre o momento em que a criança passa a perceber os desafios que enfrentará na vida e começa a deixar para trás o mundo mágico da infância, algo inevitável e que aconteceu (ou acontecerá) com todos nós. De maneira inteligente, o texto de J.M. Barrie cria um universo fantástico, repleto de personagens interessantes, que ilustram diversos aspectos desta fase da vida, como podemos perceber, por exemplo, no principal vilão da trama, que simboliza os terríveis adultos, responsáveis por destruir as fantasias das crianças (algo que, no longa da Disney, é inteligentemente representado na voz de Hans Conried, que faz ao mesmo tempo o capitão Gancho e George, o pai de Wendy). Outro exemplo notável dos simbolismos da fábula é o crocodilo que engoliu um despertador, que funciona como uma metáfora para o monstro implacável chamado “tempo”, cruel inimigo da infância. Afinal de contas, é justamente por causa da passagem do tempo que pessoas como George deixam de acreditar na existência de personagens como Peter Pan, como fica evidente nas primeiras cenas do longa, na casa da família Darling em Londres.

Após a bela introdução do narrador, vemos o pai irritado (e atrapalhado) separando as crianças e o cachorro e preparando a pequena Wendy para um momento de mudança. Ao sair do quarto dos irmãos, Wendy estava encarando uma nova fase e o fim de uma era de sonhos, um período mágico onde nossa imaginação nos leva a lugares fantásticos, sem que nada possa nos impedir. Mas ela ainda tinha direito a uma última aventura, e assim que seus pais saem de casa, uma sombra no telhado indica a presença do aguardado Peter Pan, o menino que não queria crescer e que levaria Wendy e seus irmãos para a Terra do Nunca, a ilha onde ninguém cresce. Os simbolismos são mais que evidentes. Só que esta não é uma crítica do texto de J.M. Barrie e, infelizmente, o longa da Disney não consegue captar sua essência, criando um filme leve e descontraído, mas que jamais alcança o impacto da obra que o inspirou. Talvez o grande problema do longa dirigido pelo trio Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske seja exatamente sua leveza exagerada, que não consegue criar, por exemplo, um capitão Gancho temível e acaba tornando-se uma aventura leve e despretensiosa que minimiza os aspectos mais sombrios da obra original.

Talvez por isso, o longa apresenta um visual alegre, através das coloridas animações e dos criativos movimentos de câmera empregados, por exemplo, durante o vôo para a ilha. Este visual repleto de cores quentes e dias ensolarados ajuda a manter a atmosfera leve na ilha, criando um interessante contraste com as seqüências que se passam em Londres, sempre à noite e com cores mais frias. Ainda assim, existe espaço para pequenos momentos de tensão, como quando a sombra do capitão aparece na parede antes dele atacar Peter, seguindo a tradição Disney (inspirada no expressionismo alemão) de utilizar as sombras para provocar suspense. Em outro momento, quando Sininho desaparece, o visual obscuro que toma conta da tela indica o momento tenso. Mas nada que interfira no clima quase permanente de descontração da narrativa, embalado pelo bom ritmo da montagem de Donald Halliday, que alterna entre as cenas de Peter e as crianças e as cenas do Capitão Gancho e seus planos supostamente cruéis.

Outra tradição Disney que “Peter Pan” segue à risca é a presença constante da trilha sonora de Oliver Wallace e as canções espalhadas pela narrativa, como a triste e melancólica “Mamãe”, cantada momentos antes de o Capitão Gancho capturar Peter Pan. E até mesmo o som do despertador do crocodilo, que serve para indicar sua presença, é sempre embalado por uma trilha sonora leve e descontraída. Felizmente, a qualidade das animações também mantém o padrão do estúdio, criando cenários interessantes – como a árvore que abriga Peter e as crianças – e movimentos perfeitos para os personagens – como quando Sininho voa pela floresta. E talvez seja justamente por seguir a fórmula da maioria dos filmes anteriores que “Peter Pan” apresente um resultado apenas razoável, evitando o tom melancólico e não compreendendo todos os aspectos da obra que o inspirou. Por outro lado, o tom leve da narrativa apresenta momentos divertidos, especialmente quando Peter engana o Capitão – e que, ainda que sejam engraçados, servem também para enfraquecer ainda mais o vilão diante do espectador.

Pelo menos, os simbolismos continuam presentes e transmitem, ainda que de maneira pouco contundente, a mensagem principal da narrativa. Repare, por exemplo, como Wendy afirma com tristeza que “amanhã irá crescer”, momentos depois de afirmar para sua mãe que não queria crescer. Não à toa, ela se identifica com Peter, que com seu jeito sempre destemido e alegre, é um símbolo perfeito da juventude, chamando a atenção não só de Wendy, como de muitas outras crianças – e é curioso notar que tanto Sininho como as Sereias sentem ciúmes de Peter, o que será essencial para a execução do plano do Capitão Gancho de capturar o herói. Aliás, o carrancudo capitão Gancho, com seu mau humor e planos cruéis, representa os adultos e toda a aura sombria que os cerca. E fechando a gama de personagens da trama, temos ainda os divertidos índios que aparecem rapidamente no segundo ato.

Toda esta aventura juvenil chega ao seu clímax no navio pirata do Capitão Gancho, que nos leva ao esperado duelo entre Peter e o vilão. E, como esperado, Peter vence o duelo com facilidade. Então, a montagem faz um interessante raccord da lua para o Big Bang e dele para o relógio da casa de Wendy, nos levando de volta para Londres e para a conclusão da narrativa. E ao ver o navio de Peter nas nuvens, George afirma ter a sensação de já ter visto este navio antes, ainda quando era criança, reforçando o tema da “perda da inocência” abordado pela narrativa.

Ainda que tenha bons momentos, “Peter Pan” jamais alcança a qualidade de filmes como “Pinóquio” e “Dumbo” e, principalmente, não consegue transmitir em toda sua complexidade a mensagem agridoce da obra que o inspirou. Com seu clima leve e extremamente descontraído, mais parece uma simples aventura juvenil do que uma amarga reflexão a respeito da inexorabilidade do tempo, que nos leva ao triste momento em que perdemos a inocência, nos trazendo para um universo menos alegre, menos fantasioso e muito mais cínico. Se este dia não tivesse chegado para mim, talvez eu gostasse mais do filme. Mas, infelizmente, ele chegou, há muito tempo.

Texto publicado em 08 de Abril de 2011 por Roberto Siqueira

5 comentários sobre “PETER PAN (1953)

  1. flávia j 15 novembro, 2015 / 2:10 pm

    Pois é, eu tenho que concordar com sua critica.
    A história é um pouco irregular. O começo do filme na casa dos Darling (antes de Peter e Sininho aparecerem) é excessivamente infantil e desinteressante, ao menos para mim. Também acho que o filme tem uma duração muito curta. Eles deveriam ter explorado melhor a Terra do Nunca e incluído nisso mais uns 10 minutos de filme, no mínimo.
    Sobre o vilão, Capitão Gancho é um vilão legal, mas ele não bota medo e nem traz verdadeiros obstáculos a Peter, pois é excessivamente cômico.
    Mas o maior problema no filme pra mim é justamente o protagonista Peter Pan. Ele é tipo uma “Mary Sue” de cueca: um herói que sempre é o centro das atenções, que sempre leva a melhor e por qual todas as garotas são apaixonadas. E se tem uma coisa que mais me irrita em qualquer obra, é quando o personagem principal é disputado “a tapas” por todas as mulheres da história. É chato e um tantinho machista.
    Apesar disso, Peter Pan é uma obra agradável e que ficou na minha memória por ter assistido tantas vezes na infância.
    Abraços

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    • Roberto Siqueira 15 novembro, 2015 / 11:08 pm

      Obrigado pelo comentário Flávia.

      Abraço.

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  2. alemdatorre 17 abril, 2015 / 8:42 am

    Sua crítica é ótima, mas você também deve considerar que trata da Disney. Numa “adaptação” feita pra agradar não somente as crianças, mas aos pais também.

    Fora isso temos Hook, A Volta do Capitão Gancho dirigido por Steven Spielberg que aborda de forma mais adulta o que você comenta no texto.

    Ao longo das décadas, Peter Pan teve diversas releituras e a da Disney encanta gerações e gerações de crianças que talvez “nunca” tenham lido o livro (como eu).

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    • Roberto Siqueira 13 julho, 2015 / 9:46 pm

      Obrigado pelo comentário.

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