COMO ERA VERDE MEU VALE (1941)

(How Green Was My Valley)

 

Filmes em Geral #70

Vencedores do Oscar #1941

Dirigido por John Ford.

Elenco: Donald Crisp, Roddy McDowall, Barry Fitzgerald, Walter Pidgeon, Maureen O’Hara, Sara Allgood, Anna Lee, John Loder, Lionel Pape, Patric Knowles, Morton Lowry, Arthur Shields, Ann Todd, Frederick Worlock, Richard Fraser, Evan S. Evans, James Monks, Rhys Williams, Ethel Griffies e Marten Lamont.

Roteiro: Philip Dunne, baseado em romance de Richard Llewellyn.

Produção: Darryl F. Zanuck.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Premiações nunca serviram como atestado de qualidade na história do cinema. Por isso, evito citar prêmios em meus textos e tento focar apenas no filme analisado. Mas quando falamos de “Como era verde meu vale” é inevitável lembrar que este foi o filme que derrotou o atemporal “Cidadão Kane”, obra-prima incontestável de Orson Welles, no Oscar. Talvez porque o primeiro ressalta o valor da família, a importância do trabalho e a América como uma terra de esperanças, numa época em que este sentimento otimista era tudo que os norte-americanos queriam. Não importa. Apesar de suas qualidades, o longa de John Ford está longe de ser um grande filme.

A história se passa no País de Gales e é contada num longo flashback a partir das memórias do protagonista Huw Morgan (Roddy McDowall), que já tem mais de 50 anos. Ele recorda a época em que era uma criança e convivia com seu pai Gwilym (Donald Crisp), sua mãe Beth (Sara Allgood), sua irmã Angharad (Maureen O’Hara) e seus irmãos mais velhos, que trabalhavam numa mina de carvão ao lado do pai. Tudo ia bem até que o Sr. Evans (Lionel Pape), o proprietário da mina, decide diminuir os salários e provoca uma greve geral que se arrasta por meses e divide a família Morgan.

Os primeiros minutos de “Como era verde meu vale” já indicam seu tom nostálgico através da narração em off do protagonista, que relembra com saudade dos tempos em que sua família vivia unida. Apostando neste sentimento universal de apego às raízes, o roteiro escrito por Philip Dunne, baseado em romance de Richard Llewellyn, investe numa visão romantizada da vida no campo, como se tudo fosse perfeito até a chegada das empresas de mineração. A crítica a industrialização se confirma nas palavras do narrador, que acusa o preto do carvão de manchar “seu vale”, mas o próprio roteiro se encarrega de suavizar este aspecto através da postura de seu pai, que defende os empregadores quando os salários diminuem e autoriza o casamento da filha com o filho do chefe, sem se preocupar com a felicidade dela. Quando os salários começam a diminuir (resultado do excesso de operários que Ford estuda de maneira mais eficiente em “As Vinhas da Ira”), o conflito político entra em cena e torna a trama mais interessante, com o conservador Gwilym defendendo seu empregador enquanto seus filhos, tachados de socialistas, buscam a união entre os empregados. O ódio ao socialismo, aliás, imperava até mesmo na igreja, como fica claro nas palavras do detestável parceiro do pastor Gruffydd (Walter Pidgeon). Revoltados com a postura do pai, os irmãos de Huw deixam a casa e, infelizmente, a narrativa perde força, com o interessante confronto político cedendo lugar para a doença de Beth e Huw, congelados após caírem num lago na volta do inflamado discurso dela em defesa do marido.

Seguindo a cartilha de John Ford, a montagem de James B. Clark é discreta e eficiente, mas ainda assim utiliza alguns fades que escurecem a tela completamente, em raros momentos de sofisticação – Ford entendia que a montagem deveria ser “transparente” e jamais chamar a atenção. Por outro lado, o visual do filme é rico e as cenas nas minas e no próprio vale são lindas (a cidade de mineradores foi totalmente criada nas colinas do rancho da Fox, nas Montanhas de Santa Mônica), ressaltando o bom trabalho de direção de arte de Richard Day e Nathan Juran e, especialmente, do diretor de fotografia Arthur C. Miller, que alterna do visual claro e alegre do início para um final obscuro, que reflete a tristeza do narrador. Vale lembrar também que estamos vendo apenas lembranças filtradas pela memória do protagonista, o que explica aquele mundo perfeito e belo. E se Ford utiliza mais planos fechados que de costume, ainda assim cria seus tradicionais planos gerais que exploram a bela paisagem, além de empregar interessantes movimentos de câmera, como o travelling para a direita que revela a saída de casa de Owen (James Monks) e Gwilym Morgan Jr (Evan S. Evans), dois dos irmãos de Huw.

Huw que é interpretado pelo carismático Roddy McDowall, que convence especialmente quando está doente e indefeso, mas falha quando começa a trabalhar, parecendo inseguro, por exemplo, nas conversas com Bronwyn e com sua irmã Angharad. Ainda criança, ele se apaixona pela mulher do irmão e acompanha o casamento dela com pesar. Interpretada por Anna Lee, Bronwyn é uma moça encantadora, de fato, mas, assim como a maioria das mulheres do longa, sem atitude e passiva. Diferente delas é a Sra. Beth Morgan de Sara Allgood, uma típica “mãezona” que defende a família com unhas e dentes e sofre ao ver cada filho partir – e a atriz, apesar de alguns exageros, consegue convencer no papel. Capaz de oferecer comida para toda a comunidade do vale – numa cena pouco realista em que ela parece esquecer rapidamente tudo que passou (e custo a acreditar que seria tão fácil alimentar toda aquela gente) -, Beth só não consegue perceber o sofrimento da filha, apaixonada pelo pregador da região. E neste aspecto, vale destacar a atuação de Maureen O’Hara, que demonstra bem o incômodo de Angharad com o casamento, deixando claro seu amor por Gruffydd.

Chamado de “Sir” pelos próprios filhos, Gwilym Morgan é um personagem autoritário e unidimensional. Apesar disto, Donald Crisp até que diverte no papel, mas jamais consegue criar empatia com a platéia – algo que, diga-se de passagem, nem mesmo o protagonista consegue, comprometendo a narrativa. Aliás, personagens unidimensionais não faltam em “Como era verde meu vale”, como atestam o professor Jonas vivido por Morton Lowry, a governanta da casa de Angharad e as puritanas mulheres que fofocam durante a semana e vão à igreja aos domingos. Pelo menos, Rhys Williams nos diverte com seu boxeador Dai Bando – especialmente quando ensina ao professor como tratar os alunos – e Ford consegue nos emocionar ao mostrar a reação de Angharad à morte do marido Ivor (Patric Knowles). Embalada por uma trilha sombria, esta é uma das cenas mais tristes do filme.

E já que citei a trilha sonora de Alfred Newman, observe como ela também alterna do tom alegre inicial para o tom melancólico que acompanha o trágico final. Além disso, segue uma tradição galesa ao espalhar muitos cantos pela narrativa, criando uma interessante trilha diegética enquanto os mineradores vão para o trabalho. Por outro lado, por vezes o filme mais parece uma novela, com seus momentos melodramáticos e atuações caricatas, como quando o médico diz que o garoto Huw não conseguirá mais andar. Para compensar, Ford acerta a mão na condução da excelente cena em que o pastor Gruffydd critica a hipocrisia daquelas pessoas na igreja, que olham mais para a vida dos outros do que pra elas próprias, num momento de destaque da atuação de Walter Pidgeon. E justamente por estes altos e baixos (além da falta de empatia dos personagens) é que a frase que encerra a narrativa (“Homens como meu pai não podem morrer”) não provoca o impacto esperado.

Maniqueísta e com personagens unidimensionais, “Como era verde meu vale” retrata a visão otimista que o sonho americano vendia e que foi desconstruída ao longo dos anos diante da dura realidade. Não sou contrário a filmes otimistas, longe disto, mas prefiro que este sentimento seja criado de maneira orgânica e não induzido pela narrativa. Neste aspecto, prefiro o pessimismo sóbrio de “As Vinhas da Ira”.

Texto publicado em 10 de Agosto de 2011 por Roberto Siqueira

9 comentários sobre “COMO ERA VERDE MEU VALE (1941)

  1. Junior Dantas 8 janeiro, 2016 / 3:14 am

    Assisti recentemente, pela primeira vez, esses dois filmes, Cidadão Kane e Como era verde o meu vale. Eles são muito bons, passam mensagens bacanas e tal. Mas na minha opinião o melhor filme, sem dúvida nenhuma, foi Como era verde o meu vale. Mereceu ter ganhado o Oscar.

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    • Roberto Siqueira 9 janeiro, 2016 / 10:28 am

      Obrigado pelo comentário Junior.

      Um grande abraço.

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  2. Anônimo 18 janeiro, 2015 / 4:02 pm

    Espetacular!
    Já tinha lido o livro e agora assisti ao filme, simplesmente fiel ao livro.
    Perfeito!
    Um dos poucos filmes que ja têm livros, que vi tão fiel ao livro.

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    • Roberto Siqueira 19 janeiro, 2015 / 10:48 pm

      Olá,
      Ser fiel ao livro não é atestado de qualidade para filme algum. São obras distintas.
      Abraço.

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  3. Alexsander - o GRANDE 9 janeiro, 2015 / 10:44 pm

    [Antes de qualquer coisa, a crítica talvez fosse mais justa se já tivesse lido o livro antes de assistir ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário perceber como foi concebido (livro) e assim fica mais fácil entender a genialidade da produção cinematográfica, para evitar gafes como “está longe de ser um grande filme”!]

    Antes que digam: mas está sendo analisado o filme, não o livro… a fidelidade impecável ao sentimento do autor traduzida no cinema é coisa que pouquíssimos conseguem. Leiam o livro antes!

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    • Roberto Siqueira 9 janeiro, 2015 / 10:57 pm

      Ola Alexsander, apesar da abordagem desrespeitosa de seu comentário, respeito sua opinião. Mas não concordo. Um filme deve se sustentar sem a necessidade do livro. São obras distintas, formas diferentes de arte. Ser fiél ao livro não é atestado de qualidade de filme algum. Um abraço e obrigado pela visita.

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    • Alexsander - o GRANDE 11 janeiro, 2015 / 12:40 am

      Desculpe pelo desrespeito! Por isso tinha comentado (antes que digam…). Sim, a fidelidade ao livro é atestado de qualidade, no mundo cinematográfico (é o que penso, mas não somente o que penso), pelo menos é o que dizem os críticos de cinema. Por serem obras distintas, não desmerece o intrínseco laço que os une, muito pelo contrário.

      Quando um filme é produzido a partir de um livro, é impensável avaliá-lo isoladamente (não sou eu que digo, apesar de concordar), e os amantes de cinema geralmente fazem o elo para avaliá-lo.

      E outra, Cidadão Kane foi enaltecido mais pelas inovações (percebidas muito posteriormente) e não tanto pela qualidade. Não se avalia um filme pelas inovações que traz ao cinema. Kane ficou assim: um século depois viram que trouxe novidades, logo, é ótimo e foi injustiçado.

      Os filmes são avaliados pelo tempo contextual histórico do cinema e não por sentimentos nostálgicos e lastimosos.

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    • Roberto Siqueira 15 janeiro, 2015 / 10:22 pm

      Olá Alexsander,
      Você poderia dizer quais críticos dizem isso? Pois todos que acompanho dizem justamente o contrário, ou seja, um filme precisa se sustentar como tal independente da existência do livro. Já Cidadão Kane sempre foi admirado pelos críticos (especialmente após Pauline Kael) e só sofreu perseguição por apontar claramente para um homem muito poderoso na época. Dizer que foi enaltecido pelas inovações e “não tanto pela qualidade” é que foge completamente do contexto histórico.
      Agradeço novamente pela participação.
      Abraço.

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