OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE (1977)

(Saturday Night Fever)

 

Videoteca do Beto #115

Dirigido por John Badham.

Elenco: John Travolta, Karen Lynn Gorney, Barry Miller, Joseph Cali, Paul Pape, Donna Pescow, Bruce Ornstein, Julie Bovasso, Martin Shakar, Lisa Peluso, Denny Dillon, Fran Descher e Ann Travolta.

Roteiro: Norman Wexler, com estória de Nik Cohn.

Produção: Milt Felsen e Robert Stigwood.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Alguns filmes ultrapassam os limites da telona e se tornam a marca de uma época. “Os Embalos de Sábado à Noite” pertence a esta seleta categoria, captando com eficiência o espírito da era “Disco” em Nova York, além de apresentar, através do personagem interpretado por John Travolta, um marcante drama adolescente. De quebra, a excepcional trilha sonora tornou-se icônica, assim como as cenas de dança na discoteca “2001”. Por tudo isto, o longa dirigido por John Badham entrou para a história como um símbolo da cultura pop dos anos 70.

Empregado numa pequena loja de tintas no Brooklyn, Tony Manero (John Travolta) só encontra a felicidade quando está nas pistas de dança nos fins de semana. Quando seu irmão Frank (Martin Shakar) desiste de ser padre e volta pra casa, ele encontra uma nova parceira de dança chamada Stephanie (Karen Lynn Gorney) e começa a repensar a maneira que encara a vida e a falta de perspectiva de seu futuro.

Para compreender o fenômeno cultural “Os Embalos de Sábado à Noite” é primordial contextualizar seu lançamento. Após anos de escândalos políticos e participações em guerras, o pessimismo começou a abrir espaço para o escapismo entre os norte-americanos, que procuravam esquecer os problemas e encontrar prazer nas pistas de dança. Este movimento começou a se refletir também no cinema, que vivia os últimos suspiros da Nova Hollywood – um movimento repleto de (excelentes) filmes igualmente pessimistas – e passava a produzir filmes mais alegres, que funcionavam como uma espécie de fuga da realidade, culminando com o estrondoso sucesso da saga “Star Wars”. “Os Embalos de Sábado à Noite” não é necessariamente um filme alegre, pelo contrário, mas retrata com precisão este movimento iniciado em Nova York, em que jovens iam para boates apenas atrás de sexo, drogas e diversão, como forma de esquecer a dura realidade da vida e a falta de perspectiva para o futuro. Expondo o sexo e o uso de drogas com naturalidade, a narrativa encarna o espírito jovem e reflete o pensamento da época, ilustrando também problemas sociais das grandes metrópoles, por exemplo, através das brigas entre os amigos de Tony e os “latinos”.

Desde o início, o balanço do caminhar de Travolta, acompanhado de perto pelo close em seus pés, dá o tom e a importância da música na narrativa, afinal, é ela quem dita os sentimentos dos personagens. No dia-a-dia, Tony é frustrado no trabalho e discute com a família, mas quando veste suas camisas de poliéster e coloca seus sapatos lustrados cuidadosamente, ele parte para o único lugar onde é verdadeiramente feliz. Desta forma, a câmera do diretor John Badham narra uma verdadeira tragédia urbana, provocada pela vida difícil nas grandes cidades e pelos dilemas que jovens de bairros menos favorecidos normalmente enfrentam. Como Tony, alguns conseguem encarar esta fase e, com sorte e esforço, seguir em frente. Outros, como um de seus amigos, não. Balanceando bem a narrativa entre os empolgantes momentos na pista de dança e a conturbada vida do protagonista fora dela, o diretor emprega o tom correto ao longa, evidenciando o estado de espírito de Tony e seus amigos. Além disso, sua câmera nos coloca dentro da pista e capta muito bem a atmosfera da casa noturna, algo reforçado pela empolgante trilha sonora composta pelos Bee Gees (Barry Gibb, Maurice Gibb e Robin Gibb), junto com David Shire.

Além de capturar o espírito de seu tempo, “Os Embalos de Sábado à Noite” ainda faz algumas referências a grandes filmes do passado, como quando alguém diz que Tony se parece com Al Pacino e ele encara seu pôster de “Serpico” buscando semelhanças – destaque para o semblante feliz de Travolta ao repetir as palavras do assaltante de Pacino (“Attica! Attica!”) em “Um Dia de Cão”. E até mesmo o nome da discoteca que eles freqüentam é uma óbvia referência ao clássico de Kubrick “2001, uma odisséia no espaço”. Já o pôster de “Rocky, Um Lutador” pendurado na parede do quarto é uma nada elegante alfinetada em John G. Avildsen, que dirigiria “Os Embalos de Sábado à Noite”, não fossem os desentendimentos com Travolta. Por outro lado, a direção de arte acerta em muitos detalhes, criando uma Nova York suja, que reflete o submundo que aqueles jovens viviam.

Nas pistas de dança, a fotografia de Ralf D. Bode emprega muitas luzes e tons avermelhados, simbolizando a paixão que pulsa naqueles corações livres e ávidos por diversão sem compromisso. Além disso, destaca-se também a montagem fluída de David Rawlins, que emprega um ritmo empolgante ao acompanhar as excelentes músicas e os movimentos dos dançarinos. Repare ainda como o jantar da família Manero termina em poucos minutos, num exemplo claro do estilo de montagem dinâmica que estamos acostumados. Na narrativa, o jantar dura apenas dois minutos, mas não nos incomodamos com isso, pois sabemos que no universo diegético o jantar teve uma duração maior. Este dinamismo é essencial num filme voltado para o público jovem.

Uma refeição também escancara os problemas de Tony com sua família. “Só duas vezes me disseram que sou bom na vida!”, ele grita, demonstrando a insatisfação com a falta de apoio do pai. Por isso, quando seu irmão Frank larga a igreja, Tony se renova (“Não sou tão ruim assim”), numa crítica interessante ao peso dos estereótipos que criamos. Mulherengo, despojado e cativante, Travolta cria um personagem icônico, numa atuação bastante convincente. Tony é machista e preconceituoso, mas ainda assim gostamos dele, graças à atuação carismática de Travolta, que, com seu terno branco (figurinos de Patrizia von Brandestein), criou um símbolo da cultura pop daquela década. O ator se sai bem também nos momentos dramáticos, como na discussão com a mãe, em que ele se arrepende e pede desculpas após magoá-la. Pra completar, John Travolta dá um verdadeiro show nas pistas de dança, mostrando o resultado de meses de dedicação e treinamento com coreografias admiráveis.

Mas apesar do glamour e da fama que construiu nas pistas, Tony não era totalmente feliz, e isto fica evidente numa conversa com Stephanie, a bela dançarina interpretada por Karen Lynn Gorney, que abre os olhos do protagonista e, de quebra, expõe as diferenças sociais e culturais entre eles. Ela também vivia ali, no mesmo ambiente que Tony, mas queria mudar e estava batalhando pra isto. Ela queria crescer e amadurecer. Tony não sabia, mas ele também queria – e de fato Tony já tinha responsabilidades, trabalhava para ajudar a família e sentia que a fase de diversão não seria eterna (“A dança não vai durar pra sempre”, reflete). E é através de seu sentimento por Stephanie que Tony começa a mudar efetivamente, algo simbolizado sutilmente quando ele se enforca com uma roupa e, no plano seguinte, vemos a garota responsável por fisgar o rapaz. Ela seria o agente da mudança de Tony Manero.

Manero era uma espécie de líder de uma turma de garotos ligados em dança, drogas e sexo, e também era alvo do desejo das garotas, algo simbolizado pela personagem Annette, interpretada por Donna Pescow. Rebeldes, eles andavam em cima de uma ponte na volta das noitadas, desafiando o perigo, numa atitude típica da juventude que deseja quebrar regras e mudar o mundo. Mas os anos passam, as coisas mudam e cada um reage a sua maneira diante das dificuldades da vida. Numa cena de forte impacto, um dos amigos de Tony se suicida após descobrir a gravidez da namorada, na mesma ponte que tanto lhes deu alegria. E com esta tragédia, pelo menos para Tony, aquele período chegava ao fim. Esta mesma ponte simboliza a trajetória de mudança do protagonista, que alcança o outro lado da margem e passa a enxergar a vida de outra maneira. Ao ficar bravo porque os latinos não ganharam o primeiro lugar no concurso de dança, Tony apenas confirma sua mudança. A vida rebelde, o preconceito e a vitória a qualquer custo ficaram para trás. O jovem amadureceu. E é justamente por acompanhar o amadurecimento de Tony de maneira tão interessante e intensa que “Os Embalos de Sábado à Noite” é mais do que um belo (e competente) musical.

Ainda que tenha músicas empolgantes e cenas inesquecíveis nas pistas de dança, “Os Embalos de Sábado à Noite” se estabelece como um musical maior, que captou como poucos o espírito de seu tempo e ainda deixou uma mensagem marcante através do amadurecimento de seu protagonista. Todos nós passamos por esta fase na vida, onde tudo que queremos saber é onde será a próxima festa e com quem iremos nos divertir naquela noite. Com o passar dos anos, no entanto, esta diversão gradualmente dá lugar a outras preocupações, como a de constituir família e progredir como ser humano. Se você ainda é jovem, não se engane. Cedo ou tarde, este momento sempre chega, e pra todos nós.

Texto publicado em 19 de Setembro de 2011 por Roberto Siqueira

17 comentários sobre “OS EMBALOS DE SÁBADO À NOITE (1977)

  1. Li 11 abril, 2021 / 2:32 am

    Leia novamente seu próprio texto pensando como uma mulher.
    Você realmente acha que uma mulher depois de assistir esse filme HOJE é capaz de gostar do personagem do John Travolta?
    E como assim você nem citou a cena de ESTUPRO da Anette no carro.
    Odiei ver esse filme… Me disseram que era super legal de assistir e tudo que achei foi um filme pesado demais que mostra explicitamente como a sociedade via e tratava as mulheres, o que reflete até hoje.

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  2. Bia Maria 24 abril, 2017 / 11:03 pm

    Eu vi este filme no cinema, quando tinha dezessete anos. Ele realmente causou um grande efeito ! O Tony Manero realmente era um personagem com o qual não podíamos deixar de nos identificar, mesmo com todos os seus defeitos . Os anos se passaram e eu vi o filme outras vezes. Ontem, depois de alguns anos sem ver, eu o vi mais uma vez. È estranho como o tempo acaba mudando a nossa percepção, valores, gostos! eu achei o Tony Manero um cara absolutamente detestável, egoísta,totalmente preconceituoso e misógino. Sim, misógino! isso fica provado no jeito como ele trata a moça que é apaixonada por ele, com aquele quase nojo que ele tem dela, e que fica patente naquela cena na qual ele permite que seus amigos, um por um, transem com ela dentro do carro, sem esboçar nenhuma reação ou ajudá-la, mesmo sabendo que ela estava esperando que ele interviesse, que ele se mostrasse preocupado com ela! Difícil imaginar cena mais deprimente. Acho que não foi só o fato dos anos terem passado para mim, mas também o fato dos anos terem feito as mulheres perceberem mais as pequenas e grandes violências que , por tantos anos, passaram despercebidas, minimizadas. Esta cena deprimente passou quase que despercebida na época, um pequeno e insignificante detalhe. Mas acho que ela chamaria muito mais atenção, se o filme tivesse sido feito nos dias de hoje. OU seja, Tony Manero não seria considerado tão “manero”.

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  3. samuel araújo 9 janeiro, 2017 / 2:24 pm

    O objeto principal do filme, que muito poucos perceberam, foi a evolução da maturidade emocional de Tony. E por isso, muitos disseram que o final ficou em aberto. Podemos perceber o bombardeio de influências sobre o vendedor de tintas do Brooklin, começa logo no começo do filme e, quando a personagem Stefany entra em cena, as atitudes de Tony começam a mudar mais rapidamente. Mesmo que muito mentirosa, talvez por ser mais velha que Tony Maneiro, termina por influenciá-lo grandemente. A partir daí, ele já não consegue enxergar tanta beleza nas atitudes e brincadeiras de seus colegas, ou seja, já não compartilhava as mesmas ideias. A morte de um de seus colegas, foi o ápice. Trata-se de um momento de transição, que consolida sua personalidade sob influência da visão de futuro da bailarina de Manhattan. Tanta influência que o final do filme completa nosso pensamento. Na ocasião, Tony passa a um diálogo totalmente contraposto ao que dizia no começo do filme, quando implorava por um adiantamento para o final de semana, “o futuro é hoje a noite”. Nesse final, quase repetindo as mesmas aspirações de Stefany, demonstra finalmente sua evolução emocional prospectiva.
    Fantástico filme, transcende os clichês que se repetem ano a ano.
    Conseguiu de modo bastante sutil demonstrar as aspirações e rebeldias humanas e a evolução do ser humano.
    Uma pena que poucos consigam perceber.

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  4. OSMAR VALERIO 17 novembro, 2014 / 8:21 pm

    SATURDAY NIGHT FEVER O AUGE DA DISCOTHEQUE ANOS 70.. ÉRAMOS FELIZES … SAUDADES.

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    • Roberto Siqueira 11 janeiro, 2014 / 8:38 pm

      Um grande filme, sem dúvida Lauro.
      Um abraço e obrigado pelo comentário.

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  5. Ana vitoria 25 outubro, 2013 / 7:54 pm

    OS EMBALOS DE SABADO A NOITE FOI CONSIDERADO UM ROCK MODERNO OU CLASSICO NOS ANOS 70.
    PELO FATO QUE FOU FAZER UM TRABALHO SOBRE O ROCK DOS ANOS 70 E PRECISO DE UM COISA MARCANTE DESSA DECADA E EU PESSEI NESSE FILME PARA MEU TRABALHO.
    E PRECISO SABER SE FOI UM RITMO GENERO ROCK!!

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    • Roberto Siqueira 11 janeiro, 2014 / 6:31 pm

      O rock dos anos 70 tem inúmeras bandas importantes pra você incluir em seu trabalho Ana.
      Os Embalos de Sábado a Noite é um grande filme daquela época, mas um trabalho sobre rock nos anos 70 precisa envolver muito mais do que isto.
      Abraço.

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  6. Anônimo 11 dezembro, 2011 / 10:20 pm

    os embalos de sabado á noite, e a novela dancin days, foi uma época inesquecivel. gostaria muito que voltasse a boa musica, pois hoje só tem porcaria. odeio samba, pagode, sertanejo, axé, funk, rap e mpb. só gosto de musica antiga, pois antes havia sensibilidade pra fazer musicas. hoje ta um lixo esses sons, amo dança, musicas romanticas, adoro bee gees, harmony cats, freneticas e tudo em relaçao a discoteca. um abraço irelan.

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    • Roberto Siqueira 12 dezembro, 2011 / 9:54 am

      Olá Irelan,
      Obrigado pela visita e pelo comentário.
      Assim como você, também me sinto órfão de boa música (no meu caso, do bom e velho rock n’ roll). Ainda bem que a arte nunca morre e poderemos eternamente nos deliciar com as boas músicas lançadas antigamente.
      Abraço!

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  7. francisco 20 outubro, 2011 / 10:44 pm

    Olá Roberto…belíssimo comentário sôbre este incrivel filme marcou minha geração naquele final dos 70, época do nascimento do som tuchi tuchi e das boates hoje mais conhecidas como ‘baladas’ com a diferença das misturas de rítmo (pagode, axé, sertanejo, etc). Outro fato interessante é que além de revelar John Travolta o filme ainda ajudou a detonar a nova (e melhor) fase da carreira dos fantásticos irmãos Bee gees que se tornariam milionários em curto espaço de tempo! Um abraço

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    • Roberto Siqueira 11 novembro, 2011 / 8:54 pm

      Obrigado pelo elogio Francisco.
      Abraço!

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  8. Anônimo 12 outubro, 2011 / 7:59 pm

    CADE O NOME DO AUTOR

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    • Roberto Siqueira 14 outubro, 2011 / 12:04 am

      Olá,
      Meu nome aparece abaixo do título e depois da última imagem.
      Abraço.

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  9. Iuri 21 setembro, 2011 / 4:28 pm

    O inicio do filme com o Travolta caminhando ao som do Bee Gees é inesquecivel! O filme é otimo, um clássico! Só não gosto muito do final!

    Parabens pelo site!

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    • Roberto Siqueira 13 outubro, 2011 / 11:30 pm

      Olá Iuri,
      Muito obrigado pelo comentário e pelo elogio. Desculpe a demora em responder, tive problemas com minha internet.
      Seja bem-vindo ao Cinema & Debate, fique à vontade para comentar e volte sempre.
      Abraço.

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    • samuel araújo 9 janeiro, 2017 / 2:30 pm

      Você não é a única.
      O objeto principal do filme, que muito poucos perceberam, foi a evolução da maturidade emocional de Tony. E por isso, muitos disseram que o final ficou em aberto. Podemos perceber o bombardeio de influências sobre o vendedor de tintas do Brooklin, que começa logo no começo do filme e, quando a personagem Stefany entra em cena, as atitudes de Tony começam a mudar mais rapidamente. Mesmo que muito mentirosa, talvez por ser mais velha que Tony Maneiro, termina por influenciá-lo grandemente. A partir daí, ele já não consegue enxergar tanta beleza nas atitudes e brincadeiras de seus colegas, ou seja, já não compartilhava as mesmas ideias. A morte de um de seus colegas, foi o ápice. Trata-se de um momento de transição, que consolida sua personalidade sob influência da visão de futuro da bailarina de Manhattan. Tanta influência que o final do filme completa nosso pensamento. Na ocasião, Tony passa a um diálogo totalmente contraposto ao que dizia no começo do filme, quando implorava por um adiantamento para o final de semana, “o futuro é hoje a noite”. Nesse final, quase repetindo as mesmas aspirações de Stefany, demonstra finalmente sua evolução emocional prospectiva.
      Fantástico filme, transcende os clichês que se repetem ano a ano.
      Conseguiu de modo bastante sutil demonstrar as aspirações e rebeldias humanas e a evolução do ser humano.

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