CURTINDO A VIDA ADOIDADO (1986)

(Ferris Bueller’s Day Off)

 

Videoteca do Beto #116

Dirigido por John Hughes.

Elenco: Matthew Broderick, Alan Ruck, Mia Sara, Jeffrey Jones, Jennifer Grey, Cindy Pickett, Lyman Ward, Charlie Sheen, Edie McClurg e Kristy Swanson.

Roteiro: John Hughes.

Produção: John Hughes e Tom Jacobson.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Os filmes adolescentes eram uma verdadeira febre nos anos oitenta, talvez porque as produtoras perceberam que os jovens formavam a grande parte do público que freqüentava os cinemas. Apesar disto, a quantidade de bons filmes voltados para este público era bem superior ao que vemos atualmente, como atestam a deliciosa aventura “Os Goonies”, a magnífica trilogia “De Volta para o Futuro” e comédias muito divertidas como este “Curtindo a Vida Adoidado”, que, com seu protagonista carismático e situações muito divertidas, conquista imediatamente o espectador.

Ferris Bueller (Matthew Broderick) é um aluno bastante popular na escola, que decide matar aula para curtir um belo dia de sol ao lado da namorada Sloane Peterson (Mia Sara) e de seu melhor amigo Cameron (Alan Ruck). Sua desculpa, porém, não engana o diretor Ed Rooney (Jeffrey Jones), que tenta de todas as formas descobrir suas falcatruas, e nem mesmo sua irmã Jean (Jennifer Grey), que também tenta atrapalhar seus planos.

Escrito, produzido e dirigido por John Hughes, “Curtindo a Vida Adoidado” é uma comédia adolescente leve, que representa bem o gênero que o próprio Hughes se especializaria em dirigir posteriormente. Repleta de boas idéias e piadas divertidas, a narrativa tem um ritmo ágil, essencial para agradar seu público alvo, o que é mérito também da montagem dinâmica de Paul Hirsch. Ciente do que queria, Hughes explora muito bem situações conhecidas pelo espectador mais jovem, como aquelas intermináveis aulas chatas que nos fazem quase babar nas mesas escolares, exatamente como acontece com os personagens que, letárgicos, assistem ao professor repetir insistentemente o nome de “Bueller”, mesmo vendo sua cadeira vazia. Partindo desta premissa, uma atitude até comum (pelo menos na minha geração) como “matar aula” serve de ponto de partida para um dia inesquecível, repleto de situações inusitadas, sempre lideradas pelo carismático protagonista. Ferris convida seu grande amigo Cameron para passar o dia ao seu lado, num momento divertido em que ficam evidentes os métodos alternativos que eles utilizam pra matar aula e até mesmo o estado de espírito de cada um. Enquanto Cameron vegeta em seu quarto embalado por uma trilha sombria, Ferris toma uma bebida em sua cadeira de praia, acompanhado por uma trilha bem suave. Depois, após uma hilária ligação, Ferris arma uma situação e consegue a companhia da namorada Sloane. Está montado o cenário para um dia inesquecível.

Sempre num contexto cômico, Hughes faz ainda algumas referências a outros personagens importantes do cinema, como “Alien” e “Dirty Harry”, que, aliás, faz Rooney se encher de orgulho ao ser comparado com o personagem durão de Clint Eastwood. Além disso, o diretor dá total liberdade para que seu protagonista quebre constantemente a quarta parede ao falar com a câmera e se dirigir a platéia, num artifício narrativo que nos surpreende e nos faz rir, além de fugir da abordagem realista ao inserir tópicos escritos na tela, por exemplo. Mas apesar da direção eficiente, é na força da atuação de Matthew Broderick que o longa se sustenta. Carismático, o ator cria um personagem adorável desde os primeiros minutos em cena, que se tornou um símbolo dos jovens em sua época. Os adolescentes queriam ser Ferris Bueller. Mimado pelos pais, Ferris é o verdadeiro bon vivant, capaz de criar inúmeras situações para curtir seu “dia de folga”, sempre driblando aqueles que tentam impedi-lo. E apesar de algum exagero, as armações de Ferris – como na cena do restaurante e a fita gravada em seu quarto – funcionam muito bem, provocando o riso no espectador.

Além de seu carismático protagonista, “Curtindo a Vida Adoidado” conta ainda com coadjuvantes adoráveis, como o medroso e engraçado Cameron, interpretado por Alan Ruck, que é quem mais se transforma na narrativa, criando coragem para enfrentar o pai e levar a vida mais na boa, inspirado pelo amigo Ferris. Revoltado, ele extrapola e acaba detonando a Ferrari do pai, em outro momento bastante engraçado. Interpretada pela graciosa Jennifer Grey, Jean, a irmã de Ferris, tem a função narrativa de criar dificuldades para Ferris e inserir um pouco de suspense na trama, mas sempre de maneira leve e descontraída. Apesar disso, Grey constantemente aparece séria, demonstrando irritação com o irmão, até o momento em que encontra um garoto drogado (Charlie Sheen, em participação hilária) na delegacia e muda de comportamento – e Grey se sai muito bem após o beijo, demonstrando a empolgação da garota. Vale destacar ainda Jeffrey Jones, que faz do diretor Ed Rooney um personagem adoravelmente atrapalhado em sua tentativa de soar ameaçador.

O clima leve da narrativa é reforçado pela fotografia clara do bom Tak Fujimoto, que explora bem o dia ensolarado em que se passa a trama para empregar um visual bastante alegre e coerente com o espírito do longa. Também colaboram as roupas coloridas de Ferris e seus amigos (figurinos de Marilyn Vance) e a trilha sonora agitada de Arthur Baker, Ira Newborn, John Robie e Yello, que pontua muito bem o empolgante dia do trio, como quando eles saem da escola na Ferrari do pai de Cameron após enganarem o diretor, acompanhados pela trilha cheia de adrenalina, ou quando eles visitam o museu, acompanhados pelo som de músicas clássicas. A trilha acerta ainda na escolha de músicas infalíveis, como “Twist and Shout”, dos Beatles, que mexe o esqueleto de qualquer um e faz o espectador se sentir bem enquanto assiste ao filme.

Com esta atmosfera jovial, “Curtindo a Vida Adoidado” conta ainda com um arsenal de piadas criativas, como os efeitos sonoros do teclado que imitam a tosse do “doente” Ferris, que sensibilizam seus colegas de escola e dão início ao engraçado movimento “Save Ferris”. Entre tantos momentos memoráveis, vale destacar também a hilária conversa telefônica entre o diretor Rooney e o suposto Sr. Peterson, em que a câmera demora a revelar Cameron do outro lado da linha, fazendo com que o espectador pense que o diretor de fato está falando com o pai de Sloane. Finalmente, na corrida desesperada de Ferris pra casa já no final, torcemos muito por ele, ainda que tenha matado aula e enganado a todos, justamente pelo inegável carisma do personagem. Após os créditos, Ferris ainda brinca com câmera, usando a metalingüística de maneira bastante divertida.

Criativo e cativante, “Curtindo a Vida Adoidado” é um filme despretensioso sobre um personagem igualmente despretensioso. Ferris não tem grandes aspirações, não se preocupa com os problemas ao seu redor e só quer saber de se divertir. Certamente, ele não poderá viver assim pra sempre. Por isso, trata de aproveitar enquanto pode. E seu dia de diversão acabou se transformando em algo muito maior: um clássico do cinema nos anos 80.

Texto publicado em 13 de Outubro de 2011 por Roberto Siqueira

15 comentários sobre “CURTINDO A VIDA ADOIDADO (1986)

  1. Rauny Moreira 5 fevereiro, 2014 / 12:09 pm

    Excelente critica Roberto,esse filme realmente é mágico e a atuação de Broderick é perfeita. Acho importante na vida essa descontração do filme e também a confiança de Ferris,durante o filme todo isso é falado e repetido. A parte final de sua critica que fala sobre aproveitarmos a vida e que também é falada no filme me lembra a musica Tempo Perdido do Legião,tudo a ver até porque essa musica se não me engano foi gravada em 1986. Um abraço e muita saúde e sucesso para você e sua família

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  2. Anônimo 9 julho, 2013 / 9:42 pm

    Well shake it up baby now,(shake it up baby)

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    • Roberto Siqueira 8 agosto, 2013 / 10:56 pm

      Bueller?

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  3. Anônimo 11 agosto, 2012 / 11:19 pm

    oi vcs poderia colocar este filme novamente na internet….. ñ assiste ele mais só em lê achei ótimo…

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    • Roberto Siqueira 13 setembro, 2012 / 10:20 pm

      Olá, este site não disponibiliza filmes e nem concorda com esta pratica, ok?
      Aqui a intenção é tentar analisar e debater os filmes.
      Abraço.

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  4. Filipe 30 janeiro, 2012 / 6:21 pm

    Adoro esse filme, alegre, divertido, contagiante.
    Que saudade que sinto dos meus tempos de escola.
    Os anos 80 tem um clima tão leve, descontraído, eu vivi minha adolescência nos anos 90 e havia sobrado um bocado dessa herança oitentista. Creio que atualmente deve ter sobrado menos ainda, pois parece que as gerações posteriores são mais caretas e vivemos numa era em que tudo é cada vez mais efêmero, descartável.

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    • Roberto Siqueira 11 fevereiro, 2012 / 10:40 am

      Olá Filipe,
      Sempre fico em dúvida se as gerações é que estão mais caretas ou se nós é que temos uma memória afetiva que torna tudo que pertence aos tempos atuais mais chato. rs Em todo caso, também acho o clima dos anos 80 leve e marcante.
      Um grande abraço e obrigado pelo comentário.

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  5. francisco 31 outubro, 2011 / 10:14 pm

    Grande roberto…mais um excelente comentário, muito pertinente inclusive. Pra mim este filme está entre os ‘teen cult’ do estilo ‘sessão da tarde’ mais inteligentemente dirigidos, além de trazer o melhor momento de Mattew Broderick no cinema, fazendo a gente realmente sentir saudades dele e da década de 80, tempos que o cinema ainda era feliz e não sabia. Grande abraço !

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    • Roberto Siqueira 11 novembro, 2011 / 9:02 pm

      Olá Francisco,
      Os anos 80 foram o auge dos filmes para adolescentes, com longas como este, aventuras como “Os Goonies” e “Indiana Jones” e até mesmo os slashers movies, que chamavam a atenção da garotada com os Jasons e Freddys da vida.
      Um abraço.

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  6. Miguel Olímpio 25 outubro, 2011 / 1:33 pm

    Tenho quinze anos de idade, porém gosto muito dos anos 80, os filmes dessa época são os que eu mais gosto e assisto. “Curtindo a Vida Adoidado” é um dos melhores, do gênero, para mim, o melhor. Gosto muito do personagem Ferris e também de Cameron. Esse é um dos meus favoritos, junto com “O Exterminador do Futuro” (1 e 2), “Rocky” (1 ao 4), “Duro de Matar” (todos), “Rambo” (1 e 3), “Platoon”, “Predador” (1987), entre outros. Apesar de ter quinze anos, os filmes dos anos 70, 80 e 90 são os que mais curto.

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    • francisco 31 outubro, 2011 / 9:57 pm

      Boa miguel…compreendo bem esta sua preferencia por filmes produzidos nas décadas anteriores à sua época porque eu também quando tinha 15 anos ( na década de 60) era apaixonado por filmes das décadas de 50 e 40, com uma diferença: Por sorte minha, os filmes dos anos 60 também eram igualmente bons, Um abraço!

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    • Roberto Siqueira 11 novembro, 2011 / 9:00 pm

      Olá Francisco,
      Mas hoje também existem filmes bons, veja a última safra por exemplo: “A Origem”, “A Rede Social”, “Cisne Negro”, “Bravura Indômita”, “Tropa de Elite 2”, etc… O que acontece é que com o tempo as “bombas” se perdem na história e os clássicos resistem. Assim, quando olhamos para trás, só nos lembramos dos bons filmes, mas nos esquecemos que mesmo nas décadas de 30, 40, 50, 60, 70, etc, também existiram filmes ruins.
      Um grande abraço.

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    • Roberto Siqueira 11 novembro, 2011 / 8:55 pm

      Olá Miguel,
      Fico extremamente feliz ao ler comentários como o seu!
      Um grande abraço.

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