A VIDA É BELA (1997)

(La Vita è bella)

5 Estrelas 

Obra-Prima

Videoteca do Beto #169

Vencedores do Oscar #1998* (FILME ESTRANGEIRO)

* Estreou na Itália em 1997, mas só concorrereu ao Oscar em 1999, porque foi lançado comercialmente nos Estados Unidos apenas em 1998.

Dirigido por Roberto Benigni.

Elenco: Roberto Benigni, Nicoletta Braschi, Giorgio Cantarini, Giustino Durano, Sergio Bini Bustric, Marisa Paredes, Horst Buchholz, Lidia Alfonsi, Giuliana Lojodice, Amerigo Fontani, Pietro De Silva, Francesco Guzzo e Raffaella Lebboroni.

Roteiro: Vincenzo Cerami e Roberto Benigni.

Produção: Gianluigi Braschi e Elda Ferri. John M. Davis (versão dublada em inglês).

A Vida é Bela[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Conhecido no Brasil por ter vencido o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro num ano em que tínhamos um filme com possibilidades reais na disputa (o ótimo “Central do Brasil”, de Walter Sales), “A Vida é Bela” ganhou a antipatia de muitos brasileiros – e a performance exagerada de Roberto Benigni na cerimônia após vencer injustamente o Oscar de Melhor Ator não contribuiu em nada para melhorar esta situação. No entanto, misturar a premiação com a análise do filme é um erro que jamais devemos cometer, não apenas por fugir dos aspectos cinematográficos da obra como também por permitir que elementos superficiais interfiram neste processo e nos levem a cometer injustiças. Pois a verdade é que “A Vida é Bela” é um grande filme, digno de todos os elogios e prêmios que recebeu e capaz de levar as lágrimas o mais durão dos espectadores.

Escrito, estrelado e dirigido pelo próprio Roberto Benigni, “A Vida é Bela” evidencia sua atmosfera fabulesca desde os primeiros segundos quando uma voz solene (do próprio protagonista) anuncia que acompanharemos a história de Guido (Roberto Benigni), um homem de descendência judaica que vive no interior da Itália e acaba se apaixonando pela bela Dora (Nicoletta Braschi), a professora da escola local que, por sua vez, já era noiva de outro homem. Muitos anos mais tarde, ele e seu pequeno filho Giosué (Giorgio Cantarini) são levados para um campo de concentração nazista, o que leva Dora a pedir para seguir o mesmo destino. Afastado da amada e diante de um cenário terrível, ele passa a usar a imaginação para fazer o menino acreditar que tudo não passa de um jogo que premiará o vencedor com um verdadeiro tanque de guerra.

Claramente dividida em duas partes distintas, a narrativa de “A Vida é Bela” começa de maneira bem leve, com Benigni apostando alto no humor pastelão, mas sem jamais perder a mão e ultrapassar a linha do aceitável. Assim, ele consegue algo difícil, que é arrancar o riso da plateia com piadas inocentes que lembram muito o cinema do gênio Charles Chaplin. Não são poucas as cenas divertidas que permeiam a primeira metade do longa, destacando-se a sequência em que ele tenta entrar com uma petição pública para abrir uma livraria, o ensaio com seu tio sobre como ele deveria servir os clientes no restaurante do hotel e a engraçada apresentação dele para os alunos na escola.

Tenta entrar com uma petição públicaEnsaio com seu tioApresentação para os alunosAinda nesta etapa mágica em solo italiano, Benigni busca valorizar o belo centro histórico de Arezzo com seus planos amplos e a fotografia viva de Tonino Delli Colli, colaborador de Sergio Leone em seus melhores filmes e que aqui acerta na escolha lentes que realçam a arquitetura local. O trabalho deles é essencial ainda para que algumas cenas marcantes funcionem tão bem, como o lindo passeio romântico de Guido e Dora debaixo de chuva, a colorida e animada festa de noivado em que eles se beijam embaixo da mesa e o passeio de bicicleta do casal pela cidade.

Belo centro histórico de ArezzoLindo passeio romântico de Guido e DoraSe beijam embaixo da mesaTambém essencial nesta divisão da narrativa, a montagem de Simona Paggi nos presenteia com uma elipse muito elegante, quando após fugirem da festa montados num cavalo, Guido e Dora vão para a velha casa do tio dele e um longo plano das flores do jardim acompanhado pela voz de fundo que chama pelo menino Giosué indica a passagem do tempo. Este é também o primeiro passo para o ponto de virada da narrativa, que começa a ganhar forma quando Guido sai para andar pela cidade já completamente mudada, com o exercito alemão presente e placas que proíbem a entrada de judeus espalhadas por diversos comércios. Aqui temos também o primeiro indício da maneira criativa e tocante que Guido encontrará para amenizar os efeitos trágicos daqueles acontecimentos na vida de seu filho, quando ele explica para o menino porque judeus e cachorros não eram permitidos num determinado local.

Fogem montados num cavaloFlores do jardimExercito alemãoOutro elemento que ajuda a indicar esta mudança radical é a trilha sonora de Nicola Piovani, que adota um tema delicioso na primeira metade da narrativa e passa a usar um tema sombrio com mais frequência na segunda metade, raramente cedendo lugar ao tom alegre de antes. Antes disso, um acorde rápido indica o assalto à casa do tio de Guido, dando os primeiros sinais do futuro nebuloso que os aguardava, que seriam reforçados ainda pela invasão da casa e pela pintura do cavalo dele. E então, a trilha sombria e a casa revirada anunciam que Guido e Giosué foram levados pelos alemães, iniciando a etapa obscura de “A Vida é Bela”.

A partir daí, o visual alegre e vivo adotado por Delli Colli cede espaço para os tons mais carregados e as cores sem vida como cinza e marrom – e repare como o plano que mostra a chegada do trem ao campo de concentração é dominado pelas sombras, num indício claro da vida sufocante que eles teriam ali. Da mesma forma, o fantástico design de produção de Danilo Donati recria os campos de concentração com precisão e, auxiliado pelos figurinos dele próprio, nos transporta pra dentro daquele local – o que contrasta com o asséptico hotel em Arezzo, com suas paredes brancas e decoração leve.

Chegada do trem ao campo de concentraçãoCampos de concentraçãoAsséptico hotel em ArezzoNa chegada ao campo de concentração, Dora está vestida de vermelho, mas logo é obrigada a usar os opacos uniformes listrados, numa mudança que simboliza a alegria deixada na Itália e minada naquele local. Vivendo Dora de maneira encantadora, a atriz italiana Nicoletta Braschi oferece uma atuação tocante nos poucos momentos em que surge no campo de concentração, demonstrando sua dor por estar distante do marido e do filho e arrancando lágrimas da plateia na linda cena em que Guido coloca uma música italiana para tocar pra ela na janela. Aliás, mesmo num ambiente opressor e terrível como aquele, Benigni consegue nos presentear com cenas belíssimas, como aquela em que Guido e Giosué falam no sistema de som para que Dora possa ouvir – e repare a cor da roupa que ela segura nas mãos neste instante. Outro momento tocante ocorre no reencontro entre Guido e seu amigo alemão, o Dr. Lessing interpretado por Horst Buchholz, que neste instante consegue nos comover somente através da expressão de seu rosto, dizendo muito sem necessitar de palavras e mostrando o incômodo do médico ao ver o amigo naquela situação.

Dora vestida de vermelhoOpacos uniformesIncômodo do médicoTambém muito importante para o sucesso da narrativa, a atuação do menino Giorgio Cantarini é muito eficiente, com seu olhar cheio de vida e suas expressões inocentes conquistando o coração da plateia. Mas o grande destaque fica mesmo para o carismático Roberto Benigni, que com seu jeito espalhafatoso e suas expressões marcantes cria um personagem absolutamente adorável, seja na primeira parte em que luta para conquistar Dora (“Buongiorno, Principessa!”), seja na segunda, quando tenta proteger o filho daquele ambiente hostil apenas através do uso da imaginação. Tocando num tema universal como a relação entre pai e filho, Benigni acerta em cheio o coração do espectador, abusando da sensibilidade para criar momentos de uma pureza desconcertante, que ganham contornos ainda mais belos naquele cenário extremamente degradante.

Expressões inocentesBuongiorno, Principessa!Tenta proteger o filho“A Vida é Bela” traz ainda uma série de rimas narrativas interessantes, como quando Giosué não quer tomar banho no campo, assim como ele fazia na Itália – o que gera tensão na plateia, que a esta altura já sabe o que acontece nos “banhos”, ao passo em que Guido ainda não conhecia os procedimentos nazistas para dizimar as crianças. Na medida em que nos aproximamos do ato final, os momentos de tensão começam a ganhar mais espaço, chegando ao auge quando Giosué fala “Grazie” e chama a atenção de um soldado num jantar reservado para alemães. Mas nada que se compare ao assustador plano que traz uma pilha de judeus mortos, que dá a exata noção do tamanho do massacre ocorrido ali, funcionando como um choque de realidade para o espectador.

Giosué não quer tomar banhoGraziePilha de judeus mortosMarcado pelo visual sombrio, o tenso terceiro ato traz Guido tentando de tudo para salvar seu filho naquela trágica noite, enquanto os alemães tentam eliminar todos os prisioneiros após perderem a guerra. E após tanto horror, Benigni ainda encontra espaço para nos surpreender, nos fazendo rir e chorar no lindo momento em que Guido se despede do filho fingindo estar brincando com um soldado armado, segundos antes de ser assassinado pelo mesmo. O tanque de guerra e o reencontro com a mãe só tornam tudo um pouco menos dolorido para uma plateia certamente já sensibilizada e conquistada por tamanha pureza.

Guido se despede do filhoTanque de guerraReencontro com a mãeAbordando temas universais de maneira tão humana que fica quase impossível não se comover, “A Vida é Bela” é um trabalho memorável que traz a essência dos grandes filmes que o cinema italiano já foi capaz de produzir. Usando os fortes laços familiares como combustível para nos levar através de uma narrativa sombria, Benigni realizou um filme fantástico, repleto de magia e inocência mesmo num ambiente horrível como o da guerra.

A Vida é Bela foto 2Texto publicado em 01 de Junho de 2013 por Roberto Siqueira

10 comentários sobre “A VIDA É BELA (1997)

  1. Vladimir 6 julho, 2016 / 12:48 pm

    O Filme é realmente lindo, mas após ler o livro A Segunda Guerra Mundial, de Martin Gilbert, percebi que algumas incoerências não foram notadas, quando Guido substitui o supervisor vindo de Roma para uma palestra sobre a superioridade ariana, que visitaria a escola de sua amada, ISSO NUNCA PODERIA TER OCORRIDO, Mussoline, apesar de aliado de Hitller, não aderiu ao antisemitismo, mesmo assim, realmente existiram no final da guerra, quando os Italianos se renderam aos aliados e assinaram o amistíciO, HITLLER INVADIU ROMA, os judeus Italianos de Roma sim foram mandados para campos de concentração, no entanto ele fala nessa parte do filme que o inspetor que visita a escola para a palestra antisemita vinha de Roma, ou seja eles se encontravam no interior da Itália longe de Roma.

    Outro erro, é que a parte muito poética diga-se de passagem, que fala sobre a proibição da entrada de Judeus em estabelecimento público, isso não ocorreu na Italia, ocorreu na Alemanha.

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  2. Marco Antonio Plá 24 junho, 2016 / 5:42 pm

    Lindissimo o filme,fabuloso<um dos melhores que assisti,terno,engraçado,ao mesmo tempo gerava ansiedade,fotografia muito linda,cheio de encantos,citações e quebra cabeça,o ator mirim muito esperto e inteligente,parecia que não precisava ser dirigido.

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  3. alemdatorre 30 outubro, 2015 / 12:12 pm

    Sem sombra de dúvidas é um daqueles filmes que após assisti-lo te marcam pra vida inteira. Simplesmente inesquecível.

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    • Roberto Siqueira 2 novembro, 2015 / 4:54 pm

      Um filme marcante de fato.

      Obrigado pelo comentário e um abraço.

      Curtido por 1 pessoa

  4. Marise 2 junho, 2013 / 4:12 pm

    Só discordo que Central do Brasil seja inferior….mas é impossível competir com o tema da 2ª guerra mundial sobretudo quando amor e infância ai se mesclam….Aplausos a Benigni ….e sorte nossa que numa mesma época pudemos assistir a dois dos maiores filmes do cinema…..de todos os tempos

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    • Roberto Siqueira 8 agosto, 2013 / 10:26 pm

      Olá Marise,
      Acho “Central do Brasil” um ótimo filme, lindo também. Mas acho que “A Vida é Bela” é um filme digno do reconhecimento que recebeu na época de seu lançamento e que não merece o desprezo que sofre de boa parte dos cinéfilos brasileiros.
      Um abraço e obrigado pelo comentário.

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    • Roberto Siqueira 8 agosto, 2013 / 10:23 pm

      Muito obrigado pelo carinho de sempre Lucia.
      Abraço.

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  5. Mateus Aquino 1 junho, 2013 / 11:22 pm

    “Buongiorno, Principessa!”

    A Vida é Bela realmente é uma obra prima da história do cinema. Sofre um preconceito enorme por ter vencido (o também excelente, porém inferior) Central do Brasil. (SPOILER) Pra mim, a cena do Guido passando em frente do local onde o filho dele está escondido, marchando, pra fazer o filho rir, e logo depois assassinado, é um dos 5 melhores momentos do cinema na década de 1990. Realmente uma Obra Prima.

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    • Roberto Siqueira 8 agosto, 2013 / 10:22 pm

      Também adoro esta cena, entre tantas outras memoráveis deste lindo filme.
      Abraço.

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