UM CRIME PERFEITO (1998)

(A Perfect Murder)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #189

Dirigido por Andrew Davis.

Elenco: Michael Douglas, Gwyneth Paltrow, Viggo Mortensen, David Suchet, Sarita Choudhury, Michael P. Moran, Novella Nelson e Constance Towers.

Roteiro: Patrick Smith Kelly, baseado em peça de Frederick Knott.

Produção: Anne Kopelson, Arnold Kopelson, Peter Macgregor-Scott e Christopher Mankiewicz.

Um Crime Perfeito[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Refilmar um grande clássico do passado é quase sempre um grande desperdício de tempo e dinheiro em minha opinião. Ao invés de investir em versões “modernas” de filmes que já são excelentes, a indústria do cinema deveria mesmo é buscar oferecer ao público novas histórias que pudessem se transformar em filmes clássicos também. Por outro lado, refilmar um clássico é também uma oportunidade de aguçar a curiosidade das novas gerações, chamando a atenção para filmes que, talvez, muitos sequer se interessariam em conhecer, mesmo numa época em que temos fácil acesso à filmografia de diversos grandes diretores e alguns festivais homenageando filmes do passado. Dito isso, é com grande surpresa e satisfação que afirmo: “Um Crime Perfeito” é destas exceções que confirmam a regra, revelando-se uma versão bem interessante de “Disque M para Matar”, clássico inesquecível do grande mestre do suspense – curiosamente, Hitchcock teria outro grande clássico refilmado em 1998, desta vez sem a mesma eficiência.

Adaptado por Patrick Smith Kelly com base na peça de Frederick Knott que, por sua vez, serviu como base para o filme de Hitchcock, “Um Crime Perfeito” nos apresenta ao milionário Steven Taylor (Michael Douglas), um acionista da bolsa de valores que descobre que sua esposa Emily (Gwyneth Paltrow) está tendo um caso com um artista chamado David (Viggo Mortensen). Após descobrir o passado criminoso do rapaz, Steven decide fazer uma proposta milionária para que o amante mate sua mulher, mas algo inesperado coloca em risco toda a operação.

Como podemos notar, “Um Crime Perfeito” tenta reciclar aspectos pontuais de “Disque M para Matar”, trazendo a narrativa para a época atual como forma de facilitar a identificação do espectador. Construindo uma atmosfera de tensão que cresce na medida em que a situação se complica mais e mais, o diretor Andrew Davis obtém sucesso na principal missão da narrativa, chamando a atenção da plateia ainda pelas diversas reviravoltas que contribuem para deixar o espectador sempre grudado na tela.

Por outro lado, o diretor peca pela falta de sutileza em diversos momentos, como na postura desconfiada do Detetive na noite do crime e nos avisos que Steven dá para Emily sobre seus planos (“E se não houver amanhã?”, diz ele em tom ameaçador). Além disso, a sombria trilha sonora de James Newton Howard pontua praticamente todas as cenas de suspense, numa abordagem exagerada que poderia ser evitada – ao menos, a composição de Howard é inspirada e de fato realça a tensão em outros instantes, como na apresentação do bagunçado e obscuro apartamento de Steven concebido pelo design de produção de Philip Rosenberg, que cria logo de cara a atmosfera pretendida pelo diretor. E finalmente, Andrew Davis investe até mesmo em sustos baratos criados puramente através do design de som, como quando Steven surge no espelho enquanto Emily se veste no quarto, acertando ao menos ao homenagear “Disque M para Matar” através do altíssimo toque do telefone.

Visualmente, “Um Crime Perfeito” segue as convenções do gênero, primeiro com a fotografia quase sempre sombria de Dariusz Wolski, que aposta em lugares fechados e no posicionamento estratégico dos pontos de luz, como na cena da proposta em que o rosto dos personagens é parcialmente coberto pelas sombras, numa ilustração visual da personalidade de Steven e David, duas pessoas que escondem seu lado obscuro sob a faceta iluminada que demonstram diante da sociedade.

Bagunçado e obscuro apartamentoSteven surge no espelho enquanto Emily se vesteA proposta

Saindo-se outra vez bem no costumeiro papel do acionista milionário, Michael Douglas impõe respeito com sua voz firme e sua postura corporal sempre agressiva, criando um Steven ameaçador. Desconfiado desde o início, ele lentamente cede espaço para que o ciúme o consuma, demonstrando também uma habilidade ímpar para sair das complicadas situações que surgem em seu caminho após o crime dar errado. Convincente também é a atuação de Gwyneth Paltrow, que surge apaixonada e até mesmo inocente no início, mas transforma-se numa pessoa assustada e deprimida após ser atacada – e o fato dela falar o mesmo idioma do Detetive dá a sensação de que isto teria alguma importância na solução da trama, mas este artifício parece ser descartado pelo roteiro.

Ainda muito jovem, Vigo Mortesen consegue criar razoável empatia com Paltrow, criando um David sedutor e misterioso, numa composição totalmente coerente com o histórico de crimes do personagem. Demonstrando talento nos duelos verborrágicos com Douglas, Mortesen estabelece o equilíbrio de forças entre os integrantes do triângulo amoroso, o que é essencial para que a narrativa funcione tão bem. Desta forma, os três personagens demonstram forças e fraquezas suficientes para que nenhum pareça se sobressair, o que cria a atmosfera de incerteza e tensão ideal. Talvez o único ponto negativo neste aspecto seja o ciúme injustificável e pouco verossímil de David ao vê-la voltando do almoço com o marido, num comportamento que vai contra os princípios do personagem. Por outro lado, os pequenos momentos de alivio cômico funcionam muito bem, como quando Steven brinca com o fato de pagar 100 mil dólares adiantados para David (“Aposto 400 mil que você não foge”).

Steven ameaçadorApaixonada e inocenteDavid sedutor e misteriosoContando com o auxilio de seus montadores Dov Hoenig e Dennis Virkler, Andrew Davis se sai muito bem na condução das cenas chave de “Um Crime Perfeito” – e aqui evito qualquer comparação com Alfred Hitchcock, já que seria não apenas injusto, como também totalmente fora de propósito. Destacando com um plano detalhe o objeto que será essencial na cena do crime, o diretor prolonga a tensão ao máximo até que Emily atenda ao telefone (e aqui sim quem já assistiu “Disque M para Matar” fica na expectativa do ataque repentino), dando início através de um forte susto ao tenso ataque na cozinha, que passará por uma feroz luta corporal até que o mencionado objeto salve a pele dela, num desfecho previsível para o espectador mais atento, mas ainda sim interessante.

Plano detalheEmily atende o telefoneFeroz luta corporalLogo após o assassinato do invasor, alguém diz a seguinte frase na mesa em que Steven joga cartas: “Novo jogo, novo vencedor”, num tipo de sutileza sempre interessante que poderia aparecer mais vezes em “Um Crime Perfeito”. Andrew Davis se sai bem ainda na revelação de que o invasor não era David, estendendo a cena ao máximo até revelar o rosto de outra pessoa debaixo da toca, mas peca pelo exagero nos confrontos extremamente físicos que fecham a narrativa entre David e Steven e entre o casal, mas estes pecadilhos não são suficientes para derrubar a qualidade do longa.

Repaginada inferior, mas eficiente de “Disque M para Matar”, “Um Crime Perfeito” comprova que com criatividade e talento, até mesmo as refilmagens podem se tornar interessantes, desde que tragam uma nova abordagem que justifique a empreitada. É uma pena, portanto, que Gus Van Sant não tenha assistido a este trabalho de Andrew Davis antes de cometer uma heresia que deve ter revirado o mestre do suspense em seu caixão.

Um Crime Perfeito foto 2Texto publicado em 13 de Abril de 2014 por Roberto Siqueira

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