TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE (1976)

(All the President’s Men)

5-estrelas

 

obra-prima

 

Videoteca do Beto #211

Dirigido por Alan J. Pakula.

Elenco: Robert Redford, Dustin Hoffman, Jason Robards, Martin Balsam, Jack Warden, Hal Holbrook, Jane Alexander, Meredith Baxter e James Karen.

Roteiro: William Goldman, baseado em livro de Carl Bernstein e Bob Woodward.

Produção: Walter Coblenz.

Todos os Homens do Presidente[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

No dia 18 de Junho de 1972, o jornal Washington Post estampou em sua capa o assalto ocorrido na noite anterior à sede do Partido Democrata no hotel Watergate, que levou os cinco homens presentes a julgamento. A investigação que se seguiu levou a descoberta de um dos maiores crimes políticos da história dos Estados Unidos, culminando na renúncia do então presidente Richard Nixon, já em 09 de Agosto de 1974. Coube então a Alan J. Pakula a missão de transpor para as telonas o histórico processo de investigação. Com a ajuda de um elenco competente e a forte colaboração do influente Robert Redford, o diretor realizou seu maior trabalho atrás das câmeras, uma verdadeira obra-prima do cinema que ainda hoje serve como aula de jornalismo investigativo.

Adaptado por William Goldman com base no livro dos jornalistas do Washington Post diretamente envolvidos no caso Carl Bernstein e Bob Woodward (que aqui são interpretados por Dustin Hoffman e Robert Redford respectivamente), “Todos os Homens do Presidente” acompanha todo o processo investigativo desde a manhã seguinte ao assalto a Watergate ainda durante a campanha presidencial dos Estados Unidos em 1972 até a publicação da matéria que levaria o então presidente Nixon a renúncia. Condensar num filme de pouco mais de duas horas uma investigação envolvendo dezenas de pessoas e diversos diálogos reveladores sem ser maçante não é uma tarefa fácil, mas o trabalho de Goldman é digno de nota, não apenas por ser fiel aos acontecimentos, mas também por evitar que o espectador se perca diante de tantas informações. Com este excelente roteiro em mãos, restou a Alan J. Pakula a tarefa de dar vida ao material e o diretor se saiu maravilhosamente bem.

Baseando a narrativa no trabalho dos jornalistas, Pakula e seu montador Robert L. Wolfe imprimem um ritmo ágil que se revela essencial para manter o espectador envolvido no processo investigativo, colocando-nos na posição de investigadores ao lado de Bernstein e Woodward. Para auxiliar nesta aproximação entre a plateia e os jornalistas, Pakula utiliza a câmera muitas vezes próxima dos atores, nos permitindo praticamente sentir o que eles sentem e, ao compartilhar conosco o trabalho tanto no escritório quanto em suas residências, o diretor também faz com que o espectador processe as informações e se sinta parte da investigação. Observe, por exemplo, como na sequência em que eles buscam sem sucesso documentos que comprovem certa conexão dentro da Biblioteca Nacional, a câmera se afasta e diminui os personagens em cena, transmitindo a sensação de impotência de ambos naquele instante específico.

Por outro lado, sempre que eles conseguem alguma informação nova ou estão no meio de um diálogo importante, a câmera se movimenta com agilidade, transmitindo a empolgação dos personagens e o senso de urgência destes momentos, especialmente através dos travellings que acompanham Bernstein e Woodward correndo pela redação do Washington Post, servindo ainda para nos apresentar ao grande número de jornalistas presentes no local, o que realça o tamanho do feito da dupla principal, já que para encabeçar aquela importante investigação, eles tiveram que superar diversos concorrentes até mesmo mais experientes.

Câmera muitas vezes próxima dos atoresBiblioteca NacionalBernstein e Woodward correndo pela redaçãoA redação do Washington Post, aliás, realça o excepcional design de produção de George Jenkins, que além de reconstituir o local com precisão, ainda reflete através da profundidade de suas linhas retas e de seu ambiente amplo e caótico o universo de informações que os personagens estavam mergulhando (algo perfeitamente ilustrado também no plano plongè na biblioteca acima mencionado), servindo também para realçar traços da personalidade dos protagonistas. Repare, por exemplo, como as anotações de Woodward, ainda que desorganizadas, transmitem sua sede por informações relevantes e sua maneira de organizar o raciocínio, contrapondo-se muito bem ao comportamento mais atirado de Bernstein, que utiliza métodos mais agressivos para obter o que deseja, como quando engana uma secretária para conseguir falar com determinado personagem.

Redação do Washington PostAnotações de WoodwardMétodos mais agressivosEstabelecendo uma excelente dinâmica entre eles, Redford e Hoffman dão um show de interpretação, transmitindo a importância de cada informação obtida através de suas reações, realçadas pela câmera de Pakula – repare, por exemplo, o close no rosto de Redford durante o diálogo com Dahlberg, que se confirmaria como um importante passo na investigação, assim como ocorre com Bernstein já no ato final quando através de uma inteligente sacada ele arranca uma confirmação de uma fonte sem necessitar de uma palavra sequer.

Aliás, os dois exibem um verdadeiro arsenal de técnicas investigativas que se demonstram eficientes ao conseguir as informações desejadas sem, para isto, colocar os informantes em posição muito desconfortável. É óbvio que vez por outra é necessário jogar alguém contra a parede, mas este processo é sempre feito de maneira ética e sagaz pela dupla, como quando conseguem a ajuda de uma colega de redação, mesmo com Woodward se recusando a forçar a garota a dizer o que não queria – e a atuação de Lindsay Crouse neste instante é tocante, transmitindo o quão dolorido seria aquele ato pra ela somente através de sua expressão ao ouvir a proposta dos colegas. Trazendo uma verdadeira lição de jornalismo, os repórteres obtêm informações muitas vezes sem necessitar de declarações explícitas, trabalhando nas entrelinhas e, o que é mais importante, checando cada informação duas ou três vezes antes de publicar a matéria.

Vestidos em ternos sóbrios que transmitem a seriedade da dupla (figurinos de Bernie Pollack), Bernstein e Woodward se complementam num trabalho em equipe eficiente que abre espaço para opiniões divergentes, mas sempre com respeito pela posição contrária. Este é, aliás, o clima que predomina também na redação do Washington Post, liderada pelo excelente Jason Robards, que se destaca como o chefe Bradlee, mostrando-se um líder de verdade ao apoiar seus repórteres nos momentos mais difíceis e extrair o máximo deles durante a investigação, recusando-se a divulgar matérias quando entende faltar sustentação e, por outro lado, enfrentando a fúria dos poderosos quando acha que o material tem base suficiente para chegar ao público. Tomando a frente nas reuniões de pauta, Robards se destaca num elenco que conta ainda com atores talentosos como Martin Balsam, Jack Warden e Hal Holbrook, além é claro de Jane Alexander, que protagoniza uma das melhores cenas do longa ao lentamente ceder informações para Bernstein e escancarar a ameaça por trás daquilo tudo, num diálogo intenso e tocante ocorrido dentro da casa dela.

Ajuda de uma colega de redaçãoChefe BradleeDiálogo intenso e tocanteTambém dentro de uma residência, desta vez o apartamento de Woodward, ocorre outro momento interessante quando, para evitar ser ouvido pelo grampo instalado no local, Bernstein aumenta o volume da música, numa das raras ocasiões em que a discreta trilha sonora de David Shire chama a atenção, desta vez utilizando o som diegético e não sua composição minimalista. Nada discreta, porém, é a forma como o mestre Gordon Willis fotografa “Todos os Homens do Presidente”, abusando de momentos extremamente sombrios que contrastam com o visual mais claro da redação do jornal, simbolizando que ali revelações obscuras viriam à tona. Repare também como o uso das sombras torna ainda mais tensa à sequência do assalto à sede do Comitê Nacional Democrata em Watergate, conduzida com precisão pelo diretor. Da mesma forma, as citadas cenas chave dentro das residências surgem predominadas pelas sombras, assim como as conversas no estacionamento de um shopping entre Woodward e o misterioso “Garganta Profunda” (interpretado pelo ótimo Hal Holbrook), que mal pode ser identificado com seu rosto quase completamente imerso na escuridão.

Revelações obscuras viriam à tonaGarganta ProfundaPresidente NixonUtilizando ainda imagens de arquivo do presidente Nixon para conferir mais realismo a narrativa, Willis e Pakula conseguem transmitir o tom de seriedade que a história pedia ao ser levada às telas pouquíssimo tempo depois do ocorrido. Diante da sensibilidade do tema e da proximidade do fato, uma abordagem incorreta poderia afundar a carreira dos envolvidos, mas felizmente não foi o que aconteceu. Numa imagem que ilustra perfeitamente a força do chamado Quarto Poder, o plano final com Woodward e Bernstein escrevendo a matéria enquanto o reeleito Nixon faz sua declaração na televisão é sensacional, registrando a ironia de um instante em que o homem mais poderoso do país era glorificado enquanto dois jornalistas de um jornal nem tão importante trabalhavam duro na matéria que iria desmascará-lo pouco tempo depois.

Com sua narrativa envolvente, atuações competentes e a segura direção de Pakula, “Todos os Homens do Presidente” é uma obra-prima que não deveria servir apenas como aula de jornalismo investigativo. O longa estrelado por Redford e Hoffman é, na verdade, uma verdadeira aula de cinema.

Todos os Homens do Presidente - foto 2Texto publicado em 26 de Julho de 2015 por Roberto Siqueira

5 comentários sobre “TODOS OS HOMENS DO PRESIDENTE (1976)

  1. Renan 8 agosto, 2015 / 2:00 pm

    Não conhecia esse filme,mas me parece ser legal!Aliás,eu gostaria que fizesse uma resenha desses ótimos filmes:”Mary Poppins”(1964),”Clube dos Cinco”(1985)”Uma Cilada Para Roger Rabbit”(1988)e ”Clube da Luta”(1999).

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    • Roberto Siqueira 12 agosto, 2015 / 12:29 am

      Clube da Luta terá sua crítica em breve Renan.

      Abraço.

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  2. Janerson 5 agosto, 2015 / 8:40 pm

    Ah, mais um maravilhoso filme da década de 70, pródiga em grandes obras como essa. Redford e Hoffman, para variar, estão brilhantes. Um representa a antítese do outro. Enquanto Carl é um sujeito largado e desorganizado, Bob é o profissional preocupado com seus textos que não encontram a grandiosidade necessária diante dos fatos e do caso Watergate. A animosidade inicial dá início a uma parceria entre ambos, onde Carl , até então cotado para perder o emprego, se revigora e passa a orientar Bob. Um filme que retrata com exatidão o papel nem sempre glamouroso da imprensa. A aparição do presidente Nixon no início do filme em momento pré-escândalo e onde aparenta ter uma boa aceitação antes de sua queda foi uma grande sacada. Uma obra para ver, rever e aprender.
    Grande abraço Roberto e longa vida ao Cinema e Debate.

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    • Roberto Siqueira 12 agosto, 2015 / 12:28 am

      Obrigado Janerson.

      Abraço.

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