CANTANDO NA CHUVA (1952)

(Singin’in the Rain) 

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #12

Dirigido por Gene Kelly e Stanley Donen.

Elenco: Gene Kelly, Donald O’Connor, Debbie Reynolds, Jean Hagen, Millard Mitchell, Douglas Fowley, Rita Moreno, Madge Blake e Cyd Charisse. 

Roteiro: Betty Comden e Adolph Green. 

Produção: Arthur Freed.

 

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Qualquer pessoa que nunca assistiu por inteiro “Cantando na Chuva” com certeza já ouviu sua canção mais famosa ou assistiu pelo menos um trecho da belíssima cena que dá nome ao filme, com Gene Kelly literalmente cantando na chuva. Só que o importante e belo musical dirigido pelo próprio Gene Kelly, em parceria com Stanley Donen, além de apresentar excelentes números musicais, ainda mostra com eficiência e bom humor como foi um importante momento da história do cinema: a chegada do som.

Don Lockwood (Gene Kelly) e Lina Lamont (Jean Hagen) são as maiores estrelas de Hollywood, gerando inclusive boatos de que os dois teriam um caso. Seus filmes são sucessos absolutos até que uma novidade chega para abalar as estruturas do cinema mundial. Com a chegada do som, todos na indústria do cinema precisam se adaptar à nova forma de fazer filmes, e nem mesmo os grandes astros terão vida fácil neste difícil momento de transição.

Alegre e extremamente divertido, a comédia romântica conta com um roteiro bem escrito por Betty Comden e Adolph Green, que explora muito bem as possibilidades que a situação oferece. Observe por exemplo o momento em que Lockwood conta que vai fazer um filme sobre a revolução francesa e o seu amigo Cosmo Brown (Donald O’Connor) advinha toda a estória (“Se você viu um filme, viu todos”). Esta crítica sutil à exploração de clichês mostra que o cinema precisava se renovar (algo que caberia hoje às telenovelas, mas o público é muito menos exigente neste caso e engole a repetição de estórias). O roteiro aborda também outro tema interessante, a resistência das pessoas às novidades tecnológicas. O video de exibição do cinema falado causa diversas reações. Alguns acham que o som vai estragar o cinema, outros que o som nunca vai vingar. É comum a rejeição às inovações técnicas no cinema, foi assim também com o filme colorido. Mostra ainda o conflito entre cinema e teatro, resumido no primeiro diálogo entre Lockwood e Kathy Selden (Debbie Reynolds).

A direção da dupla Gene Kelly e Stanley Donen é segura, conseguindo maior destaque nos esplêndidos números musicais (músicas creditadas para Nacio Herb Brown e Lennie Hayton). A dupla é competente também na condução da narrativa, escorregando apenas no número musical sobre a chegada à Broadway que parece deslocado, fora do foco principal da estória. Por outro lado, a excelente montagem de Adrienne Fazan compensa este deslize com outros momentos belíssimos, como a sutil transição entre Kathy e Lina cantando a mesma música (nítida a diferença de qualidade de voz das duas). Podemos ver Kathy ensaiando, Lina ensaiando, Lina cantando com a voz de Kathy ao fundo e finalmente, Lina com a voz de Kathy já na tela do cinema, na exibição teste.

As atuações são, de uma forma geral, extremamente caricatas, como podemos observar nas exageradas expressões do público e da apresentadora na cena inicial na porta do cinema. Em compensação, Gene Kelly demonstra todo o seu talento nos números musicais, além de mostrar qualidade também em outros momentos, como na cena em que coloca a mão em Kathy no carro dela e fala que os astros do cinema são solitários, dando uma olhada de canto de olho pra ver a reação dela. Quando Lina chega à festa, ele olha para o outro lado, mostrando claramente que não a suporta, evidenciando que aquele relacionamento é mesmo somente de fachada, apesar de Lina demorar pra entender isto. Lina Lamont, aliás, é muito bem representada pela excelente Jean Hagen. Ingênua, porém ambiciosa, ela se torna uma espécie de vilã, mas sempre com muita graça. Sua voz irritante e o sorriso escancarado caem bem na personagem. O talento de Hagen pode ser percebido na cena em que colocam um microfone nela. Lina ri ao levar uma bronca, achando que o homem está fazendo graça, sem perceber que estava atrapalhando todo o trabalho. Na cena em que fala do contrato com o produtor ela exala cinismo e mostra que não é tão ingênua quanto parece. Donald O’Connor, como Cosmo Brown, é o mais divertido do elenco. Com falas rápidas e cheio de energia, ele garante o toque de bom humor, como no musical “Make them Laugh”, que hoje pode parecer um pouco ultrapassado, mas na época funcionava bem. Debbie Reynolds completa o elenco como a graciosa e decidida Kathy. Depois de dizer que atores de cinema só faziam caretas, ela revela acidentalmente que na realidade é fã dos filmes e do trabalho de Lockwood logo após ser contratada para trabalhar com ele, em uma cena charmosa. Um dos mais belos momentos do filme acontece quando Lockwood vai se declarar pra Kathy e prepara passo a passo a montagem do cenário. O plano é belíssimo, com o pôr-do-sol artificial ao fundo, ele olhando para ela na escada e o vento batendo nos dois. Este detalhe dos bastidores de uma produção, aliás, é outro ponto positivo do longa. É muito interessante observar como um filme é feito, com o diretor sentado na cadeira, a câmera rodando, a equipe de som, o estúdio, a iluminação e todos os pequenos detalhes de uma produção cinematográfica. Interessante também a pitada histórica perceptível na cena dentro do cinema. Observe como os filmes, ainda sem o som, adotavam frases escritas para mostrar a fala dos personagens e a trilha sonora era tocada ao vivo por uma orquestra embaixo da tela.

Tecnicamente, o filme conta com a direção de fotografia bastante colorida de Harold Rosson, assim como os também coloridos figurinos de Walter Plunkett (principalmente nos números musicais), que contribuem para o clima alegre do filme. O som, apesar de oscilar bastante na cena inicial na porta do cinema, funciona corretamente no restante e colabora para o sucesso das canções. A caprichada direção de arte de Randall Duell e Cedric Gibbons pode ser observada, por exemplo, nos detalhados bastidores de uma produção, assim como na cena do curso de dicção, onde podemos ver os quadros com o movimento da boca em cada letra. A trilha sonora se destaca obviamente pelas canções, mas também funciona quando é apenas instrumental, como na cena em que Lockwood tem uma crise existencial, achando ser um péssimo ator. Quando eles encontram uma solução (transformar o filme em musical) a trilha sonora triunfal ilustra a empolgação deles.

Com a chegada do som, muitos atores e atrizes tiveram que enfrentar um grande problema. Teriam que revelar suas vozes e interpretar de uma nova maneira, o que causou um grande impacto na indústria do cinema. O filme retrata isso quando Lina Lamont, por exemplo, é impedida de falar em público, pois os produtores sabem que sua voz é péssima. Como o cinema era mudo, ela era reconhecida como uma grande atriz. Durante as filmagens, o produtor chega ao set dizendo que o filme falado é a grande sensação do momento. Lockwood fica em choque, mas o produtor tenta animá-lo dizendo que eles só precisavam falar: “O público vai saber que Don Lockwood e Lina Lamont falam”. Lina responde com sua voz irritante e todos se olham espantados, percebendo o problema que tinham nas mãos. A desastrosa apresentação inicial do filme falado, com o trecho improvisado por Lockwood (“Eu te amo, eu te amo, eu te amo!”) e muitos outros problemas técnicos mostra que algo precisava ser feito. Até mesmo grandes astros deveriam se adaptar, como podemos ver depois quando Lockwood faz um curso de dicção.

Obviamente, a narrativa criada em torno da chegada do som serve como base para a exibição de todo o talento de Gene Kelly e seu elenco nos sensacionais números musicais. Desde o primeiro número dos violinos, quando Lockwood narra sua trajetória com muito bom humor, passando pelo espetacular show de sapateado de Kelly e O’Connor na maravilhosa música “Moses” e pela bela “Good Morning”, cantada pelo trio Kathy, Lockwood e Cosmo, podemos apreciar o enorme talento do elenco para criar coreografias e interpretar as canções. Justamente após um destes musicais, Cosmo tem uma idéia brilhante, que pode salvar a carreira de Lockwood, e este é o ponto de partida para a grande cena do filme. Feliz por ter salvado a carreira e encontrado o seu amor, ele se despede da garota e sai literalmente cantando e dançando debaixo de uma grande chuva. O detalhe aqui é que a chuva, normalmente associada a momentos tristes, se torna a parceira dele em um momento de extrema alegria (“I’m happy again” diz em uma parte da música). É a mágica transformação de algo triste em algo alegre. É como um grupo de garotos que, frustrados por não poder jogar bola debaixo do mau tempo, decidem jogar na chuva mesmo, o que geralmente se torna algo muito divertido (vivi momentos inesquecíveis assim na infância). Gene Kelly dá um show nesta cena, explorando todo o cenário, sorrindo e mostrando com propriedade toda a alegria do personagem, além de interpretar e cantar muito bem a música.

Apesar do final previsível e do citado deslize no longo número musical da Broadway (“Broadway Rhythm Ballet”), “Cantando na Chuva” é bastante agradável e deixa o espectador com uma gostosa sensação de satisfação com o que viu. Além disso, a clássica cena que dá origem ao título já seria motivo suficiente para a apreciação do filme. Goste ou não de musicais, o espectador tem o privilégio de assistir um grande espetáculo e ainda entender melhor um momento importante da história do cinema. Pode ainda fazer uma última reflexão. Até mesmo nos dias mais chuvosos podemos encontrar a felicidade.

Texto publicado em 27 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira

15 comentários sobre “CANTANDO NA CHUVA (1952)

  1. Anônimo 21 outubro, 2015 / 7:51 am

    alguem pode me falar a mensagem do filme

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    • Roberto Siqueira 2 novembro, 2015 / 4:46 pm

      Que tal tentar interpretar o filme usando o cérebro?

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  2. Anônimo 21 outubro, 2015 / 7:47 am

    [comentário removido pelo conteúdo ofensivo]

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    • Roberto Siqueira 23 fevereiro, 2012 / 8:29 pm

      Como assim Mateus?
      Abraço.

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    • Cross98 23 fevereiro, 2012 / 9:28 pm

      ah cara, é feliz , mas as vezes é idiota, esperei muito desse filme , mas nao deu cara

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    • Roberto Siqueira 26 fevereiro, 2012 / 8:51 am

      É feliz, é divertido, é belo. Um ótimo musical.
      Abraço.

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  3. Bravo fox 23 agosto, 2011 / 11:20 am

    Cantando na chuva é um marco secular cinematográfico,pela época que foi produzido e pelos atores. só deichou saldades.

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    • Roberto Siqueira 23 agosto, 2011 / 6:55 pm

      Obrigado pelo comentário Bravo.
      Abraço.

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  4. Cesar Duarte 23 julho, 2011 / 10:23 pm

    Apesar de ser considerado o maior musical da era de ouro Hollywood, ainda prefiro Sete Noivas Para Sete Irmãos, do mesmo diretor Stanley Donen. Músicas e coreografias perfeitas, revejo sempre.

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    • Roberto Siqueira 23 julho, 2011 / 10:59 pm

      Olá Cesar,
      Valeu por mais um comentário.
      Abraço.

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  5. Daniel zuuka 24 setembro, 2010 / 7:54 pm

    No meu ponto de vista técnico e sóciocultural cinematográfico, acho que cantando na chuva retrata um dos grandes problemas da atualidade que que são as chuvas.

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    • Roberto Siqueira 25 setembro, 2010 / 5:25 pm

      A chuva não é o problema Daniel e sim a falta de estrutura das cidades.
      Abraço.

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