O DISCURSO DO REI (2010)

(The King’s Speech)

 

Filmes em Geral #85

Vencedores do Oscar #2010

Dirigido por Tom Hooper.

Elenco: Colin Firth, Helena Bonham Carter, Geoffrey Rush, Guy Pearce, Timothy Spall, Michael Gambon, Derek Jacobi, Andrew Havill, Calum Gittins, Jennifer Ehle, Dominic Applewhite, Ben Wimsett, Jake Hathaway, Claire Bloom, Orlando Wells e Tim Downie.

Roteiro: David Seidler.

Produção: Iain Canning, Emile Sherman, Gareth Unwin, Simon Egan e Peter Heslop.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apresentando um protagonista com uma deficiência que afeta diretamente uma das mais importantes atribuições exigidas de alguém em sua posição, “O Discurso do Rei” agrada justamente por nos mostrar uma bela história de superação, ainda que este seja um tema recorrente. Até aqui, tudo bem, já que não há problema algum em repetir um tema tantas vezes explorado pelo cinema, desde que o resultado final não soe desgastado ou repetitivo. Felizmente, este não é o caso do longa dirigido por Tom Hooper, ainda que o diretor falhe na construção visual da narrativa. Apesar do escorregão, as ótimas atuações e a bela trajetória de superação do protagonista sustentam o filme.

Escrito por David Seidler, “O Discurso do Rei” narra a história do duque de York (Colin Firth), que se vê obrigado a assumir o trono como George VI após a morte de seu pai (Michael Gambon) e a saída repentina de seu irmão (Guy Pearce), perdidamente apaixonado por uma mulher divorciada. O problema é que ele sofre de gagueira, o que implica em sérias dificuldades todas as vezes que ele precisa discursar em público, algo cada vez mais necessário após a difusão do rádio. Diante do drama do marido, a esposa Elizabeth (Helena Bonham Carter) resolve pedir ajuda a um fonoaudiólogo nada convencional chamado Lionel (Geoffrey Rush).

Como podemos perceber somente através de sua premissa, “O Discurso do Rei” teria tudo para se tornar um drama melodramático ou uma comédia pastelão, mas felizmente o roteiro de Seidler acerta no tom e alcança um equilíbrio agradável que jamais descamba para um lado ou para o outro, ainda que falhe na construção de personagens maniqueístas e exagere pontualmente nas piadas que visam dar leveza a narrativa. Ainda assim, é interessante notar como Seidler aproveita para inserir raras e interessantes alfinetadas na monarquia através de Lionel, como quando ele senta na cadeira da igreja e provoca o rei, que se irrita e solta a voz sem gaguejar. Já o discurso que abre o filme serve para nos apresentar a dificuldade do protagonista e ganhar a empatia da platéia, algo que até mesmo a trilha sonora de Alexandre Desplat evidencia ao criar uma atmosfera tensa antes das primeiras palavras dele, mudando para um tom melancólico que, associado ao olhar incomodado do público, garante a identificação imediata do espectador com o vulnerável duque de York.

Numa atuação excepcional, Firth transmite muito bem a aflição do rei George VI por não conseguir se expressar, além de oscilar de maneira convincente entre os momentos de alegria (ao lado das filhas, por exemplo) e as constantes explosões provocadas pelo trauma de infância que tanto o sufoca. Este lado sombrio torna o personagem ambíguo e misterioso, o que é essencial para que o espectador não antecipe suas reações e se choque, por exemplo, quando ele humilha Lionel no meio da rua após uma discussão – e aqui temos uma demonstração da falta de habilidade de Hooper, que começa a cena corretamente com um movimento de câmera que diminui Lionel no fundo do plano, simbolizando sua impotência, mas abandona a estratégia cortando abruptamente para um plano fechado que destaca o personagem e destrói a construção dramática da cena. Mas se por um lado George VI demonstra que pode ser cruel a este ponto, por outro confirma sua vulnerabilidade de diversas maneiras, como ao perguntar se pode mexer no brinquedo do filho de Lionel ou, de maneira mais clara, ao chorar compulsivamente após o irmão deixar o trono, temendo a pressão de ser rei – num momento que destaca a importância do apoio da esposa e como ele se sente à vontade diante dela.

Mostrando-se preocupada e até mesmo comovida com o drama do marido, a Elizabeth de Helena Bonham Carter é a verdadeira companheira que oferece o apoio necessário na hora exata; e a atriz faz bem este papel, soando compreensiva na maior parte do tempo. Da mesma forma, o Lionel de Geoffrey Rush é o contraponto ideal para o explosivo George, com sua tranqüilidade e autoconfiança servindo como refúgio para o atormentado protagonista. Saindo-se bem nos duelos verbais com Firth, Rush cria um Lionel bastante carismático e convence o espectador como uma espécie de conselheiro do rei, graças também à boa química entre eles. Por outro lado, o unidimensional Rei Edward VIII de Guy Pearce chega a ser irritante em sua devoção à esposa e se torna definitivamente odiável quando zomba da gagueira do irmão, numa cena que começa a denunciar a origem da doença do protagonista, que será confirmada num momento tocante em que ele relembra os traumas vividos diante da família e de uma babá. Fechando o elenco, também vale citar a participação pequena e caricata de Timothy Spall como Winston Churchill, conhecido pelos discursos durante a segunda guerra mundial e que também tinha problema na fala, algo que ele chega a citar durante a narrativa.

A vida triste do protagonista é claramente refletida na paleta dessaturada da fotografia de Danny Cohen, que cria um visual cinzento, reforçado pelos tons escuros de suas roupas (figurinos de Jenny Beavan). Já as paredes descascadas do consultório indicam a situação financeira pouco confortável de Lionel e sua origem humilde, que será usada por George para ofendê-lo em determinado momento da narrativa, evidenciando o bom trabalho de direção de arte de Netty Chapman, que também nos ambienta perfeitamente à Inglaterra das primeiras décadas do século passado através dos carros, da imponente mesa de jantar do rei, dos próprios microfones e da decoração interna dos ambientes.

Cobrindo muitos anos da vida do rei, a montagem de Tariq Anwar é eficiente, ainda que utilize deselegantes letreiros para indicar a passagem do tempo. E finalizando a parte técnica, o design de som merece destaque especialmente nos discursos que abrem e fecham “O Discurso do Rei”, onde podemos ouvir claramente o público levantando, o volume diferenciado do microfone de acordo com o ambiente em que estamos e até mesmo a reação contida das pessoas ao ouvirem suas palavras. Também vale citar o momento em que o som diegético trabalha a favor da narrativa, quando ouvimos a música junto com o duque e não sabemos se ele conseguiu ou não falar enquanto Lionel grava o áudio – apesar do resultado daquele teste ser mais do que previsível.

Imprevisível mesmo é a direção de Tom Hooper. Inicialmente, ele parece ter total controle visual da narrativa, mostrando o rei George VI sempre do lado esquerdo (o mais fraco da tela) e Lionel sempre do lado direito (o mais forte) na primeira conversa deles, algo que, além de demonstrar o lado psicologicamente mais fraco daquela relação, ainda reflete a forma distorcida que o protagonista enxerga o mundo. Mas quando seu pai questiona duramente sua atitude passiva, tanto o duque quanto o rei George V aparecem do lado mais fraco da tela, o que denuncia, ainda que sutilmente, que Hooper sequer sabia o que estava fazendo. Isto fica ainda mais evidente na medida em que a narrativa avança, como na conversa seguinte à morte do rei George V, em que o duque aparece do lado direito da tela no plano geral, mas volta a surgir do lado esquerdo nos planos fechados. Se mantivesse as posições e gradualmente invertesse os lados dos personagens, Hooper estaria simbolizando o crescimento da confiança do personagem, o que seria genial. O mais curioso é que sabendo ou não o que estava fazendo, o diretor encerra “O Discurso do Rei” justamente com George VI do lado direito da tela e Lionel surgindo por último do lado esquerdo, o que, não fossem as constantes trocas durante a narrativa, poderia significar o fortalecimento do rei naquela relação. Pra piorar, o diretor insiste nesta visão distorcida até mesmo quando as cenas não envolvem George VI, o que é uma pena. Mas Hooper também acerta, como quando a câmera vai e volta em direção ao duque em seu tratamento, simulando o movimento respiratório tão importante naquele processo de cura do personagem. Além disso, o diretor obviamente tem créditos por extrair as excelentes atuações do elenco citadas acima.

E por falar em atuações, Firth dá outro show durante o ensaio de George VI, cantando, dançando e até mesmo gritando palavrões sob a observação atenta de Lionel, momentos antes do esperado discurso do título. E quando este momento chega, a tensão toma conta das pessoas presentes – e mesmo imaginando o que irá acontecer, o espectador compartilha deste sentimento. Ainda assim, Hooper estica ao máximo a cena antes de George pronunciar as primeiras palavras e fazer um belo discurso, com raras falhas (“Eu tinha que gaguejar para eles saberem que sou eu”, diz ele), na melhor cena do longa, que destaca ainda a reação das pessoas diante daquelas palavras ao mesmo tempo em que nos mostra o esforço do protagonista para evitar gaguejar. Apesar de previsível, este final feliz faz com que o espectador saia satisfeito com o que viu.

Mesmo com falhas visíveis, “O Discurso do Rei” é um filme agradável, feito sob medida para alegrar o espectador e que de quebra ainda nos brinda com ótimas atuações. Contando uma história interessante e verdadeira de superação, o longa conquista imediatamente a simpatia da platéia, mas, assim como a cura de seu protagonista, é apenas uma questão de tempo para que ele caia no esquecimento.

Texto publicado em 22 de Fevereiro de 2012 por Roberto Siqueira

5 comentários sobre “O DISCURSO DO REI (2010)

  1. Anônimo 20 junho, 2012 / 4:34 pm

    Sendo fã do Colin Firth adoro os filmes dele e este, claro, gostei demais. Mas convenhamos, foi uma atuação marcante a dele nesse filme!! Merecidamente o Oscar!!

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    • Anônimo 20 junho, 2012 / 4:42 pm

      Comentário acima de José Paulo

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    • Roberto Siqueira 20 junho, 2012 / 8:09 pm

      Olá José,
      Obrigado pelo comentário. Também acho que o Firth mereceu o Oscar, por mais que eu não concorde com a vitória do Hooper e a escolha como melhor filme.
      Abraço.

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  2. Cross98 23 fevereiro, 2012 / 10:04 pm

    Acho que ele ganhou o oscar mais pelo tema que ele abordou do que pelo filme mesmo, eu acho que quem tinha de ganhar era o cisne negro. To gostando pra caramba do seu site

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    • Roberto Siqueira 26 fevereiro, 2012 / 8:54 am

      Que legal que está gostando Mateus, fico feliz!
      Também gosto muito de Cisne Negro, mas eu votaria em A Rede Social neste ano.
      Abraço.

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