O TERCEIRO HOMEM (1949)

(The Third Man)

 

 

Filmes em Geral #75

Dirigido por Carol Reed.

Elenco: Joseph Cotten, Orson Welles, Alida Valli, Trevor Howard, Bernard Lee, Ernst Deutsch, Siegfried Breuer, Erich Ponto e Wilfrid Hyde-White.

Roteiro: Graham Greene, baseado em história de Graham Greene e Alexander Korda.

Produção: Carol Reed, Alexander Korda e David O. Selznick.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Afirmar que “O Terceiro Homem” é um dos grandes filmes noir do período clássico não é nenhuma novidade. A obra-prima dirigida por Carol Reed é mais do que isso. É também um dos grandes filmes da primeira metade do século passado, misturando numa mesma história conflitos políticos, amor, amizade e assassinato e, além disto, apresentando uma narrativa envolvente, que prende o espectador desde os primeiro momentos até o seu empolgante e, ao mesmo tempo, melancólico final.

Escrito por Graham Greene, baseado em história dele próprio com Alexander Korda, “O Terceiro Homem” usa a guerra fria (e seus conflitos políticos) como pano de fundo para uma trama empolgante e repleta de nuances, que narra história de Holly Martins (Joseph Cotten), um escritor americano que chega a Viena logo após a segunda guerra e descobre que seu amigo Harry (Orson Welles) foi morto. Ele decide então investigar o caso e passa a desconfiar das explicações desencontradas dos amigos de Harry para sua morte, ao mesmo tempo em que se apaixona por Anna (Alida Valli), uma atriz que vivia um caso com seu amigo.

Auxiliada ainda pela montagem dinâmica de Oswald Hafenrichter, a narrativa de “O Terceiro Homem” mistura muito bem romance, amizade e traição, abordando ainda questões sociais, através das crianças mortas pela ganância de Harry. Por isso, o coeso roteiro é um dos destaques desta verdadeira obra-prima, prendendo o espectador logo aos 5 minutos de filme, quando Holly chega a Viena e descobre que Harry está morto. Esta atmosfera melancólica, provocada pelo sentimento de perda de Holly (e Anna), lentamente é substituída por um clima de desorientação, especialmente porque a história contada pelos amigos de Harry não nos convence e, desde então, passamos a desconfiar de sua morte – e esta sensação é reforçada pelos olhares desconfiados das pessoas na rua quando o primeiro amigo dele conta para Holly o que aconteceu. Além disso, o fato das pessoas falarem o idioma local também colabora, funcionando como um interessante elemento de suspense, pois em muitos momentos não sabemos (assim como Holly não sabe) o que aquelas pessoas estão falando.

Inicialmente mais leve e clara, a fotografia de Robert Krasker dá lugar ao visual sombrio que domina a narrativa do segundo ato em diante, culminando no obscuro e tenso final nos esgotos de Viena. Este elemento, somado à tensão crescente da narrativa, cria uma atmosfera pesada, característica dos filmes noir. Aliás, a trama noturna envolvendo um crime, os personagens ambíguos e o caráter duvidoso do protagonista (que se apaixona pela mulher do melhor amigo, por exemplo) são elementos básicos do film noir, assim como os ambientes fechados, com escritórios e apartamentos (direção de arte de Vincent Korda, John Hawkesworth, Joseph Bato e Dario Simoni), e a própria forma de se vestir de Holly (figurinos de Ivy Baker).

Quem também reforça o clima sombrio é a fabulosa trilha sonora de Anton Karas (um músico amador local), toda tocada numa cítara, que reflete a melancolia das ruas da Viena do pós-guerra e embala o drama do protagonista, dividido entre descobrir quem matou o amigo e conquistar a mulher que amava. E finalmente, como em todo film noir, o expressionismo alemão tem forte influência em “O Terceiro Homem”, e o momento em que esta influência fica mais clara acontece quando Holly foge numa escada espiral dos capangas de Popescu, num plano marcante em contra-plongèe que reflete o labirinto em que ele se meteu ao se envolver naquela situação.

Mas mesmo com tantos indícios contrários, Holly só confirma o caráter duvidoso de seu amigo Harry na sensacional conversa na roda gigante, num momento marcante de Welles que, com poucos minutos em cena, cria um personagem inesquecível. Alida Valli também se destaca, conferindo humanidade à sua Anna ao mesmo tempo em que demonstra o quanto à paixão que ela sente a impede de ver os defeitos de Harry. E finalmente, Joseph Cotten expõe muito bem o drama de Holly, um personagem dividido e ambíguo, que caminha na linha entre o respeito pela memória do amigo, lutando para descobrir quem o matou, e a força da paixão que o devora, lutando para resistir ao sentimento que cresce dentro dele em cada momento ao lado de Anna. Com o passar do tempo, Holly não consegue esconder este sentimento, o que o leva ao momento crucial em que aceita trocar a vida de Harry pela liberdade de Anna, após uma comovente visita ao hospital, repleto de crianças prejudicadas pela penicilina alterada de Harry.

Mas como entregar um amigo morto? A verdade é que Harry não estava morto, e esta revelação vem no momento mais genial da direção de Carol Reed, quando Holly e Anna estão desolados no apartamento dela, após descobrirem os crimes cometidos por ele. Repare na condução perfeita da cena, com uma frase aparentemente sem importância da garota envolvendo um gato funcionando como elemento indicador da maior reviravolta da trama. A câmera acompanha o gato saindo pela janela e indica a aproximação de um homem, que, em instantes, revelará sua identidade e chocará a platéia (e confesso que, talvez por ter assistido alguns filmes mais novos com este tipo de reviravolta, cheguei a pensar nesta possibilidade algumas vezes durante a narrativa, o que não me impediu de sentir o impacto da cena e, principalmente, imaginar como foi a reação da platéia na época do lançamento do filme). Pra encerrar com chave de ouro, Reed ainda nos entrega uma empolgante perseguição nos esgotos de Viena, conduzida com energia e encerrada num momento emblemático, em que os amigos se olham antes do disparo fatal que finalmente mata Harry.

Com muitos elementos básicos dos filmes noir, mas também com um roteiro excepcional, atuações convincentes e uma direção muito segura, “O Terceiro Homem” se estabelece como um filme memorável, capaz de resistir ao tempo como somente os grandes filmes conseguem fazer.

Texto publicado em 23 de Novembro de 2011 por Roberto Siqueira

3 comentários sobre “O TERCEIRO HOMEM (1949)

  1. marcio silva de almeida 23 abril, 2013 / 11:21 am

    Estou lendo o livro de Graham Greene, este filme quase não é exibido em ciclos de cinema. Assisti “Crepusculo dos Deuses” de 1950 (este tambem um classico do cinema noir)

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    • Roberto Siqueira 10 maio, 2013 / 11:34 pm

      Dois grandes filmes.
      Abraço e obrigado pelo comentário.

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