ANTES DO AMANHECER (1995)

(Before Sunrise)

 

 

Videoteca do Beto #120

Dirigido por Richard Linklater.

Elenco: Ethan Hawke, Julie Delpy, Andrea Eckert, Hanno Pöschl, Karl Bruckshwaiger, Tex Rubinowitz, Dominik Castell, Haymon Maria Buttinger e Harold Waiglein.

Roteiro: Richard Linklater e Kim Krizan.

Produção: Anne Walker-McBay.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Fugindo dos clichês e convenções do gênero, Richard Linklater apresenta um romance maduro, que acompanha o exato momento em que dois jovens se apaixonam de maneira natural e realista. Narrando uma história que poderia acontecer com qualquer um de nós, a obra-prima “Antes do Amanhecer” nos conquista por sua simplicidade, mas também pelas atuações magníficas da dupla principal. Durante quase duas horas, acompanhamos mais do que um momento mágico na vida dos protagonistas. Este é, na verdade, um momento mágico do cinema como forma de arte.

O norte-americano Jesse (Ethan Hawke) e a francesa Celine (Julie Delpy) se encontram casualmente num trem. Ele voltará para os Estados Unidos no dia seguinte. Ela deveria seguir para Paris, mas ele a convence a descer em Viena e acompanhá-lo no restante daquele dia. Enquanto passeiam pela capital austríaca, os dois se apaixonam lentamente. Mas a manhã se aproxima e, junto com ela, o momento de dizer adeus.

Escrito pelo próprio Richard Linklater junto com Kim Krizan, “Antes do Amanhecer” narra a apaixonante história de dois jovens que se conhecem casualmente e descobrem ter mais afinidade do que podiam imaginar. Repleto de diálogos interessantes, o excepcional roteiro nos dá a sensação de estarmos acompanhando um encontro em tempo real, testemunhando aquelas duas pessoas se apaixonando de verdade, simplesmente porque demonstram empatia enquanto conversam. Isto acontece porque Linklater e sua equipe trabalham em cada detalhe para tornar a narrativa realista, a começar pela montagem de Sandra Adair, que emprega o ritmo correto, transitando com elegância entre os planos e evitando a sensação de que estamos saltando no tempo, ainda que isto eventualmente aconteça. Além disso, são raros os momentos em que a trilha sonora não pertence ao universo do filme, como após a cena na cabine, em que a música continua tocando enquanto eles caminham pela cidade. Esta trilha diegética na maior parte do tempo reforça a sensação de realismo, aproveitando as músicas que tocam nos lugares que eles passam para embalar os momentos do casal.

Desde a primeira conversa no trem, Linklater nos coloca na posição de espectadores privilegiados, com sua câmera próxima aos personagens e atenta em todos os detalhes de suas reações. O diretor também reforça a atmosfera realista da narrativa, por exemplo, ao empregar um plano-seqüência que acompanha o interessante diálogo sobre as diferenças entre homens e mulheres ou quando a câmera fica parada enquanto eles passeiam pela cidade num bonde. Linklater sabe ainda destacar as excelentes atuações da dupla em momentos chave, como na linda cena na cabine de música, onde um evita o olhar do outro e a câmera nos permite observar aquele interessante jogo de sedução. Além disso, Linklater explora muito bem a beleza de Viena, escolhendo locações que ressaltam o charme especial que só algumas cidades européias têm. E é maravilhoso notar como um simples passeio na margem do rio Danúbio, uma música num bar, um passeio noturno no parque e até mesmo uma visita a um cemitério se tornam momentos especiais por causa da pessoa ao lado.

Em “Antes do Amanhecer”, este momento mágico surge naturalmente. Após uma discussão de um casal de alemães, Celine se sente incomodada e muda de lugar no trem, permitindo que Jesse inicie um diálogo com ela. A empatia do casal é imediata e a platéia percebe isto porque Ethan Hawke e Julie Delpy têm atuações simplesmente perfeitas, estabelecendo uma química extraordinária na tela. Impressiona também como eles dialogam com naturalidade, tornando tudo mais real sem jamais dar a sensação de que estão atuando. Acredite, apesar de parecerem improvisados, os diálogos de Jesse e Celine soam verdadeiros graças ao talento dos atores. Ao chegar a Viena, Celine tem que decidir entre seguir viagem e deixar a oportunidade de conhecer uma pessoa especial para trás ou ficar em Viena e arriscar viver uma experiência marcante. Felizmente, ela decide ficar, e a fotografia inicialmente clara de Lee Daniel ilustra a euforia daqueles jovens e o momento mágico que eles estão vivendo. Não por acaso, ele destaca a cor verde, simbolizando a esperança de um futuro feliz de Jesse e Celine. Com o passar do tempo e o cair da noite, Daniel e Linklater exploram a beleza da noite vienense, criando uma atmosfera ainda mais romântica sem jamais tornar a narrativa melosa ou piegas.

Duas pessoas inteligentes e cheias de idéias interessantes, Jesse e Celine são jovens normais, com dúvidas, aflições e questionamentos, mas também agradáveis e apaixonantes. E é interessante acompanhar a forma como eles desenvolvem cada raciocínio, a maneira como eles enxergam questões universais como a vida após a morte, o amor, os relacionamentos entre pais e filhos e até mesmo a religião. Também existe espaço para momentos descontraídos, como quando ela brinca com o fato dele falar apenas um idioma, numa alusão às diferenças entre norte-americanos e europeus. Celine demonstra ainda uma conexão especial com a avó, enquanto Jesse relata uma experiência que viveu ainda pequeno, relacionada com sua bisavó. E são estes momentos que tornam Jesse e Celine personagens tão reais, tão próximos do espectador. Ao ouvir o pensamento deles, suas histórias e a maneira como eles vêem a vida, nos tornamos íntimos e compartilhamos de suas angústias e sonhos.

Num momento divertido, uma cigana lê a mão de Celine, que se empolga com as palavras dela. Mas este instante, junto com o adorável poema do “vagabundo” à beira do Danúbio, expõe o lado cético de Jesse. E antes mesmo que ele diga alguma coisa, o espectador percebe seu incômodo, somente pelo semblante do ator. São estes pequenos detalhes na composição dos personagens que tornam as atuações de Julie Delpy e Ethan Hawke perfeitas. Repare, por exemplo, como Delpy ri espontaneamente quando Jesse pergunta se a avó de Celine está bem, demonstrando satisfação pelo interesse dele. Da mesma forma, quando eles percorrem a cidade num bonde, Jesse ameaça tirar o cabelo da frente do rosto dela, recolhendo a mão rapidamente quando ela se vira pra ele. Esta hesitação em tocá-la demonstra sua atração ao mesmo tempo em que evidencia sua timidez. Timidez que surge novamente na cabine e, especialmente, na linda cena do primeiro beijo na roda gigante.

Lindo também é o plano que surge após a divertida conversa num telefone imaginário. Como dizem os próprios personagens, tudo parece um sonho. Momentos antes, durante um jantar no Danúbio, eles evitam falar abertamente, mas dão indícios claros de que desejam ficar juntos e quebrar o “acordo racional e adulto”. Pra encerrar a noite, outra cena tocante acontece no parque, quando eles decidem não transar e apenas curtir o final de um momento especial. Por isso (e por tudo que acompanhamos), quando a manhã chega, o espectador compartilha com os personagens um sentimento de tristeza ao saber que o momento da despedida se aproxima. A seqüência de planos dos lugares em que eles estiveram cria um enorme vazio no coração do espectador e a despedida triste e ambígua fecha à narrativa, deixando a platéia livre para decidir o que aconteceria seis meses depois. Os céticos podem acreditar que tudo terminou ali, enquanto os românticos podem idealizar um novo encontro (a verdade só seria revelada na continuação “Antes do pôr-do-sol”, nove anos depois de “Antes do Amanhecer”). Mas o que importa é que aqueles momentos foram mágicos, não apenas para os personagens, mas também para o espectador.

Além das várias questões abordadas em cada diálogo, deixamos a projeção refletindo sobre o tema principal da narrativa. Quantas pessoas especiais passam pelas nossas vidas sem que a gente perceba? Será que estas pessoas continuariam especiais após anos de convivência? Não existe outra forma de descobrir a verdade que não seja “arriscar” viver ao lado delas, ainda que isto possa destruir a visão idealizada que criamos.

“Antes do Amanhecer” é uma história de amor que nos cativa e nos faz torcer contra um final que se anuncia logo em seus primeiros minutos. Ao longo da narrativa, nos tornamos íntimos de Jesse e Celine, torcemos por eles e nos entristecemos quando a anunciada separação finalmente chega. Ainda assim, a mensagem principal já foi gravada em nossas mentes: o amor vale à pena, mesmo que seja só por uma noite.

Texto publicado em 04 de Dezembro de 2011 por Roberto Siqueira

4 comentários sobre “ANTES DO AMANHECER (1995)

  1. Ednilson Silva 23 agosto, 2014 / 7:16 pm

    Excelente crítica, tenho um carinho enorme por esse filme, é uma verdadeira pérola na história do cinema…

    Curtir

  2. Mateus Aquino 7 dezembro, 2013 / 3:04 pm

    É, um baita filmaço mesmo.

    Curtir

    • Roberto Siqueira 11 janeiro, 2014 / 8:28 pm

      Desde 2013, minha trilogia favorita.
      Um abraço Mateus.

      Curtir

Deixe um comentário

Este site utiliza o Akismet para reduzir spam. Saiba como seus dados em comentários são processados.