METALLICA: SOME KIND OF MONSTER (2004)

(Metallica: Some Kind of Monster)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #113

Dirigido por Joe Berlinger e Bruce Sinofsky.

Elenco: James Hetfield, Lars Ulrich, Kirk Hammett, Bob Rock, Robert Trujillo, Jason Newsted, Dave Mustaine, Phil Towle, Eric Avery e Cliff Burnstein.

Produção: Joe Berlinger e Bruce Sinofsky.

Metallica Some kind of Monster[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Ao decidirem gravar o processo de criação de um álbum, os integrantes da lendária banda de heavy-metal Metallica mal sabiam que, na verdade, estariam registrando uma dolorosa fase de reconstrução. Esqueça tudo que você normalmente associa a documentários sobre músicos. Aqui não existe a trajetória para o sucesso, ao menos não da maneira tradicional. A própria música não está tão presente assim. Na realidade, o que temos em “Metallica: Some kind of Monster” é um registro corajoso e intenso do cotidiano repleto de conflitos da mítica banda, capaz de expor de maneira tão crua e intimista cada integrante que, em certos momentos, chegamos a nos questionar como eles permitiram que o projeto seguisse até o fim.

Dirigido por Joe Berlinger e Bruce Sinofsky, que surgem em cena justamente no momento em que o vocalista James Hetfield questiona se ainda era viável seguir com as filmagens e escancara que o corajoso documentário também correu o risco de não existir, “Metallica: Some kind of Monster” tem inicio ainda em 2001, quando após a saída do baixista Jason Newsted, os integrantes remanescentes da banda começam a trabalhar no novo álbum que viria a se chamar St. Anger.

Agradando aos fãs com diversas imagens de arquivo de grandes shows do passado, os diretores Berlinger e Sinofsky trabalham na desconstrução dos músicos com destreza, num processo lento e complicado que leva a humanização de cada um deles ao mesmo tempo em que reforça o enorme talento que transformou o Metallica numa banda mítica. Contando com o visual seco, por vezes obscuro e pouco colorido da fotografia de Robert Richman, eles reforçam o aspecto documental do longa, amenizando sua atmosfera pesada periodicamente através da inserção de músicas – e, obviamente, a trilha sonora não poderia deixar de ser pesada e ótima, brindando o espectador (especialmente os fãs da banda) com alguns clássicos enquanto acompanhamos o surgimento das canções que fariam parte do novo álbum.

Crucial também é o trabalho dos montadores Doug Abel, M. Watanabe Milmore e David Zieff, que ficaram com a árdua tarefa de compilar o vasto material após anos de gravações sem permitir que o resultado final soasse confuso ou desinteressante – talvez a relação do baterista Lars Ulrich com seus quadros não fosse necessária, mas é um pecado menor. Assim, se sentimos o peso da narrativa em diversos momentos, isto não ocorre por uma eventual falta de ritmo dela e sim devido a enorme carga psicológica dos debates envolvendo aquele grupo de pessoas – e o fato de sabermos que aquilo é real e não parte de uma ficção torna tudo ainda mais interessante. Empregando uma narrativa não cronológica, Berlinger e Sinofsky praticamente jogam o espectador dentro daquele ambiente, nos aproximando da banda enquanto esta é submetida a uma curiosa sessão de terapia em conjunto.

Donos de personalidades fortíssimas, Lars e James monopolizam as discussões do grupo, travando embates recheados com tanta sinceridade que chegam a incomodar as pessoas ao redor. Durante boa parte da narrativa, nós praticamente podemos sentir a pressão de criar algo novo e com qualidade. Desde a primeira discussão em que James sai e bate à porta, o espectador já sente o clima pesado e a quase palpável tensão existente entre eles. Desta forma, os momentos mais suaves e otimistas como as reflexões de James sobre a vida sem drogas são raros, pois na maior parte do tempo o que temos são discussões ácidas entre os dois, como quando eles debatem sobre quem tem mais controle sobre a situação após James ser orientado pelo médico a trabalhar somente até às 16 horas – ele havia se internado numa clínica para tratar do alcoolismo. James, aliás, é claramente o mais instável emocionalmente entre eles, demonstrando dificuldade para superar o trauma provocado pela perda dos pais e a origem da raiva que, segundo ele próprio, foi canalizada em sua música.

Grandes shows do passadoVisual seco, por vezes obscuroLars e James monopolizam as discussõesA família também tem peso na formação da personalidade do outro grande líder da banda. Ainda que não deixe de demonstrar a afinidade existente entre eles, a relação direta e verdadeira de Lars com o pai diz muito sobre o seu comportamento. Tão egocêntrico quanto o vocalista, Lars Ulrich parece lutar constantemente contra seus sentimentos como forma de buscar manter o equilíbrio do conjunto, o que não o impede de expor seu ressentimento diante da falta de demonstração de afeto de James. Em certo momento, ele chega a analisar o vocalista psicologicamente, cogitando até mesmo a saída de Hetfield e o fim da banda – e o espectador realmente sente que o Metallica esteve mesmo perto do fim, já que até mesmo o produtor Bob Rock compartilha os questionamentos de Lars sobre o futuro da banda após o primeiro show da nova banda de Jason Newsted.

Ainda que não tenha o destaque de Lars e James, o guitarrista Kirk Hammett também tem o seu espaço na narrativa, surgindo como o integrante tranquilo que evita o conflito em diversos instantes, mas que por outro lado às vezes demonstra imaturidade ao tentar fugir dos problemas de maneira infantil. Além dele, o produtor Bob Rock confirma sua importância para a banda ao opinar quase sempre de maneira centrada sobre o que está acontecendo, assim como o psicanalista Phil Towle tem papel fundamental ao extrair sentimentos puros e verdadeiros de diversas formas e fazer com que eles superem problemas até então arraigados após anos de excessos regados a álcool, drogas e milhões de dólares na conta. Por outro lado, enquanto a forte participação de Newsted escancara a guerra de egos que domina a banda, o “quase” tocante desabafo de Dave Mustaine consegue a proeza de fazer até mesmo fãs fervorosos do Metallica se colocarem no lugar dele, evidenciando a mágoa que nem mesmo o sucesso do Megadeth conseguiu apagar. E finalmente, a aparição das esposas e dos filhos colabora no processo de humanização da banda.

Com tantas discussões, existem momentos em que fica evidente o quanto eles se sentem exaustos, às vezes devastados mesmo. Cientes disto, os diretores abusam de closes e planos fechados, criando uma sensação claustrofóbica que, além de destacar as expressões e os sentimentos de cada integrante, realçam também o incômodo da banda diante daquela situação. Como se buscasse exorcizar todos os demônios interiores, o documentário corajosamente aborda os temas mais espinhosos da carreira do Metallica, começando pela trágica morte de Cliff Burton, passando pela guerra contra a Napster e chegando à escolha do novo baixista Robert Trujillo, que acaba sendo um processo mais fácil do que pensávamos até então.

Guitarrista Kirk HammettProdutor Bob RockCloses e planos fechadosQuando Lars pergunta se não pode acelerar até os shows, fica claro que estar no palco é mesmo a parte do trabalho que eles mais gostam, por mais desgastante que a estrada possa ser. Assim, após acompanharmos o maçante processo de criação do álbum e as inúmeras discussões entre eles, nos sentimos aliviados quando ouvimos o som do público ansioso esperando pela apresentação ao vivo do Metallica; e a energia que emana do palco e da plateia quando os primeiros acordes entram em cena parece nos dizer que tudo aquilo valeu a pena.

É um alívio, portanto, que mesmo com egos tão inflados, James, Lars e Kirk tenham permitido que o público tivesse acesso a um material tão intimista, num processo de crescimento emocional que poderia até prejudicar a imagem deles diante de alguns fãs. O resultado é um documentário muito interessante, que nos permite acompanhar por mais de duas horas a faceta humana de cada integrante do Metallica durante o desgastante processo de criação de uma das maiores bandas da história não apenas do rock, mas da música de maneira geral.

Metallica Some kind of Monster foto 2Texto publicado em 16 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira

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