IMPÉRIO DO SOL (1987)

(Empire of the Sun)


5-estrelas

 

Videoteca do Beto #213

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Christian Bale, John Malkovich, Miranda Richardson, Nigel Havers, Joe Pantoliano, Leslie Phillips, Masatô Ibu, Emily Richard, Rupert Frazer, Peter Gale, Ben Stiller, J.G. Ballard e Burt Kwouk.

Roteiro: Tom Stoppard, baseado em romance de J.G. Ballard.

Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall e Steven Spielberg.

Império do Sol[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Dois anos após dirigir seu filme considerado tematicamente mais sério até então, Spielberg voltaria a flertar com uma narrativa menos voltada para o entretenimento puro neste “Império do Sol”, ainda que neste caso a pureza e a inocência trazidas pelo protagonista alivie um pouco o peso de um longa que utiliza a Segunda Guerra Mundial como pano de fundo. Já famoso por sua habilidade na construção de narrativas empolgantes após enfileirar sucessos como “Tubarão”, “Os Caçadores da Arca Perdida” e “E.T. – O Extraterrestre”, entre outros, o diretor parecia trilhar neste instante de sua carreira o caminho da busca pelo reconhecimento artístico que só viria a se consolidar com a obra-prima “A Lista de Schindler”, alguns anos mais tarde. Engana-se, no entanto, quem pensa que os inúmeros sucessos anteriores de Spielberg não tenham grande valor, como prova este sensorial e excelente longa estrelado por um ainda muito jovem Christian Bale.

Escrito por Tom Stoppard com base em romance de J.G. Ballard, “Império do Sol” nos leva ao cotidiano do jovem britânico Jim Graham (Christian Bale) na China, dias antes da invasão japonesa que culminaria na separação de sua família e deixaria o garoto solitário em meio à opressão nipônica, sendo obrigado a encontrar maneiras de sobreviver ao sangrento período da Segunda Guerra Mundial. Levado a um campo de concentração, ele encontra refúgio na companhia de pessoas especiais como o soldado norte-americano Basie (John Malkovich) ou a elegante Sra. Victor (Miranda Richardson), que de maneiras distintas ajudariam o garoto a superar aqueles tempos difíceis.

Auxiliado pela competente direção de fotografia de Allen Daviau, Spielberg aproveita muito bem o famoso nascer e o pôr-do-sol do oriente para criar cenas visualmente belíssimas, que se apoiam na eficiente reconstituição de época do design de produção de Norman Reynolds para transportar o espectador para aquela região do planeta, nesta que foi a primeira produção de Hollywood a conseguir permissão para filmar dentro da República da China, algo que o diretor soube aproveitar em tomadas externas que valorizam as locações, como na invasão dos japoneses em Hong Kong. Mas o cuidado não é apenas estético e o diretor faz questão, por exemplo, de ressaltar o forte contraste entre o luxo que envolve o menino inglês e a miséria representada pelo mendigo que ele observa da janela do carro quando deixa sua mansão e tem contato com a dura realidade dos pobres chineses. Além disso, seu quarto decorado com diversos aviões já anuncia a paixão do garoto pelo tema, o que seria crucial em alguns momentos da narrativa. Finalmente, não dá para deixar de citar o gigante e belo outdoor do filme “E o Vento Levou”, que faz referência a outro épico em que a guerra serve de pano de fundo para a narrativa.

Imagens pôr do solInvasão japonesaPaixão por aviões

Colaborando para criar uma atmosfera épica, a trilha sonora evocativa de John Williams marca presença em diversos momentos de impacto, como quando Jim brinca dentro de um avião caído no gramado próximo a sua residência e imagina estar voando nele, momentos antes de dar de cara com homens do exército e ter seu primeiro contato mais próximo com a realidade da guerra. Igualmente competente, o design de som se destaca em pequenas sutilezas como ao nos permitir distinguir o ricochete de objetos metálicos em meio às bombas que explodem durante a invasão dos japoneses. Spielberg conta ainda com a montagem de seu parceiro Michael Kahn para estabelecer um ritmo contemplativo em diversos momentos, reforçando a natureza épica do longa, destacando-se ainda na sutileza de belas transições como aquela que transforma o sangue de uma vítima na fumaça que surge no horizonte ou nos raros momentos em que acelera o ritmo da narrativa, como na empolgante sequência em que Jim corre pelo campo de concentração enquanto faz diversas tarefas.

Entre o elenco, vale destacar John Malkovich, que transmite sabedoria vivendo o verdadeiro porto seguro de Jim no campo e faz de seu Basie um personagem cativante, assim como Miranda Richardson, que vive a amável Sra. Victor como uma personagem curiosa ao despertar sentimentos díspares no garoto, servindo em certos momentos como a figura materna que tanto lhe fazia falta e, justamente por não ser a mãe biológica do garoto, despertando também sua curiosidade por detalhes da vida adulta como o relacionamento amoroso entre ela e o marido, já que não existia ali o distanciamento natural que a mãe biológica normalmente provoca nos filhos. A título de curiosidade, temos ainda a participação de um ainda desconhecido Ben Stiller como um dos norte-americanos.

Mas o que impressiona de fato é como Bale carrega o filme com facilidade, mesmo ainda criança e lidando com uma temática pesada e difícil. Transmitindo a inocência da infância ao mesmo tempo em que demonstra uma determinação tocante e uma esperteza vital para sobreviver naquele ambiente, Jim torna-se um personagem plausível na pele do talentoso ator exatamente pela maneira natural com que ele encara o desafio, sem jamais se entregar a melodramas e exageros que poderiam ser comuns naquela fase da vida.

Brincando com o aviãoPorto seguroCarrega o filme

É interessante notar também como nesta fase da carreira Spielberg também evita se entregar em demasia ao melodrama, humanizando os personagens de maneira natural e nada apelativa, como quando um menino japonês reencontra Jim e se alegra por isso, sendo assassinado em seguida pelos norte-americanos, reforçando a idiotice da guerra. Observe também como o diretor utiliza o símbolo do carro da família como um recurso narrativo interessante para nos informar a proximidade do reencontro entre o garoto e seus pais, que ocorreria de maneira igualmente natural, sem a necessidade de pesar a mão já que aquele reencontro já era emocionante por si só.

Esta ausência paterna (e aqui materna também) reforça o tema mais forte na filmografia de Spielberg como fio condutor da narrativa, abordando também, ainda que de maneira quase fabulesca, outro tema que lhe seria caro, a Segunda Guerra Mundial. Demonstrando seu enorme talento, Spielberg conduz o filme de maneira sensorial, destacando-se tanto em cenas dramaticamente mais intensas, como a forte separação entre Jim e seus pais em meio multidão desesperada sob o ataque dos japoneses, que transmite com precisão a sensação de urgência e o horror da guerra através da câmera agitada, como em momentos carregados de tensão, como a perseguição do sargento Nagata (Masatô Ibu) ao menino que rasteja pela lama e, especialmente, nos inúmeros instantes em que Spielberg parece parar o tempo para nos deleitar com imagens lindíssimas. Aliás, somente um diretor do calibre de Spielberg poderia transformar um bombardeio numa cena tão bela visualmente, transformando os terríveis efeitos da guerra em algo quase poético, assim como é lindo o momento em que Jim canta do alto do campo e repentinamente é interrompido pelos aviões norte-americanos que atacam os japoneses, provocando os gritos empolgados do garoto ao identificar os modelos dos aviões que cruzam o local.

Menino japonêsNagataVibra com os aviõesOutra cena linda dirigida com muita sensibilidade por Spielberg resume perfeitamente “Império do Sol”, quando ele utiliza um dos eventos mais trágicos da história da humanidade para simbolizar a morte de uma importante personagem. Trata-se de um momento poético, em que o horror da guerra é filtrado pelo olhar sonhador e inocente de uma criança. Talvez o próprio Spielberg ainda fosse como aquele menino e, com o amadurecimento e o inevitável ceticismo que vem ao longo dos anos, ele deixaria de lado a poesia para tratar o mesmo tema com mais crueza em breve.

Império do Sol foto 2Texto publicado em 02 de Novembro de 2015 por Roberto Siqueira

2 comentários sobre “IMPÉRIO DO SOL (1987)

  1. Michel Martins Dos Santos 3 novembro, 2015 / 11:46 pm

    Belíssima crítica, para um belíssimo e sensível filme. Este é meu primeiro comentário, mas sou um ávido leitor há aproximadamente uns 3 anos, quando passei a querer me tornar um cinéfilo, ainda que haja muuiitoo a assistir.
    Aprecio muito a sua sensibilidade, e a sua capacidade de articular tão bem sobre a beleza que constitui os filmes, aliado com comentários perspicazes sobre a montagem das cenas, cenários e atuações. Não vejo uma abordagem tão maravilhosa quanto aqui no Cinemaedebate, e acompanho muitos sites de cinema.
    Uma dúvida, pretende elaborar uma resenha do filme Cor Púrpura (The Color Purple,1985)?
    Continue com o excelente trabalho!

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    • Roberto Siqueira 9 novembro, 2015 / 2:16 pm

      Obrigado pelo comentário e pelo elogio Michel. Fico muito feliz. Você não tem ideia da dificuldade que é manter este espaço vivo, mas eu não desisto e sigo em frente.

      Agradeço de coração pelas palavras, me dão muita força.

      Pretendo sim escrever sobre “A Cor Púrpura”, assim que comprar este DVD para minha coleção.

      Um grande abraço e fique a vontade para comentar mais vezes.

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