TRAMA MACABRA (1976)

(Family Plot)

 

Filmes em Geral #67

Dirigido por Alfred Hitchcock.

Elenco: Barbara Harris, Bruce Dern, William Devane, Karen Black, Ed Lauter, Cathleen Nesbitt, Katherine Helmond, Edith Atwater e William Prince.

Roteiro: Ernest Lehman, baseado em obra de Victor Canning.

Produção: Alfred Hitchcock.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Em seu filme de despedida, Alfred Hitchcock entrega um thriller divertido, que, se não alcança a mesma qualidade de suas grandes obras, também está longe de ser uma decepção. Com sua atmosfera leve e personagens carismáticos, “Trama Macabra” consegue agradar ao espectador, além de apresentar cenas memoráveis, com a marca registrada do mestre do suspense.

Arrependida por ter forçado sua irmã já falecida a doar o filho na juventude, a Sra. Julia Rainbird (Cathleen Nesbitt) oferece uma recompensa para a médium Madame Blanche (Barbara Harris) reencontrá-lo. Com a ajuda de seu parceiro George Lumley (Bruce Dern), a falsa vidente começa a procurar o sobrinho, numa busca que trará à tona acontecimentos macabros do passado. Paralelamente, o joalheiro Arthur Adamson (William Devane) e sua parceira Fran (Karen Black) seguem fazendo fortuna com seqüestros muito bem orquestrados. De alguma maneira, os caminhos destes dois casais se cruzarão.

Ainda que tenha cenas tensas, “Trama Macabra” apresenta uma narrativa leve, recheada de humor negro e bastante divertida. Escrito por Ernest Lehman, baseado em romance de Victor Canning, o roteiro é repleto de tiradas, muito bem exploradas pelo elenco, especialmente por Barbara Harris, que aproveita os aspectos cômicos da profissão de Madame Blanche Tyler, nos fazendo rir com seus olhares por entre os dedos e gritos durante as sessões, além de se sair muito bem, por exemplo, ao mal conseguir conter a euforia com a oferta da Sra. Rainbird, logo na primeira cena. Demonstrando excelente química com Harris, Bruce Dern vive o engraçado taxista Lumley, que se divide entre ajudar sua amante maluca e tentar manter o emprego que, afinal de contas, garante seu sustento. Dern se destaca, entre outros momentos, quando Lumley finge ser um advogado, interrogando pessoas na busca de informações (sua pose, com o cachimbo no canto da boca, é hilária). Quem também se sai bem é William Devane, com seu tom de voz baixo e seu aspecto sempre sereno, que demonstra um autocontrole coerente com o metódico Arthur, um ser capaz de planejar a morte dos pais e simular a própria morte. E, fechando os destaques do elenco, Karen Black vive Fran, a falsa loira gelada da vez (repare que ela guarda a peruca dentro da geladeira), que tenta convencer o amante a deixar aquela vida criminosa ao mesmo tempo em que não consegue deixar de se envolver em seus próximos seqüestros.

Apesar do tom sombrio durante a primeira sessão de Madame Blanche, a trilha sonora de John Williams emprega um tom alegre na maior parte do tempo, o que soa coerente com o humor negro que recheia a trama. Também na primeira sessão, o sofá e as flores vermelhas da sala da Sra. Rainbird tornam o ambiente aconchegante e, ao mesmo tempo, indicam o futuro violento daquele pedido dela, o que, somado ao criativo cativeiro na garagem da casa de Arthur, demonstra o bom trabalho de direção de arte de Henry Bumstead. Ainda na parte técnica, destaque para os figurinos da eterna colaboradora de Hitchcock, Edith Head, que, com as roupas coloridas e espalhafatosas de Blanche, reforça o clima leve do longa.

Na direção, além de extrair boas atuações de todo o elenco, Alfred Hitchcock conduz a narrativa de maneira direta, o que sempre facilita a compreensão da platéia. Apesar disso, a descida sem freios de Lumley e Blanche pela estrada (uma das melhores seqüências do longa) pode soar datada, talvez pelos efeitos pouco verossímeis, que dão a sensação de que o veículo passa dentro dos carros e motos que sobem o monte. Por outro lado, é inegável que a cena ainda consegue prender a respiração daqueles que embarcam no clima leve da história, sem levar tudo muito a sério. Também merece destaque o interessante plano geral que mostra a viúva de Maloney (Katherine Helmond) tentando escapar de Lumley no cemitério. Pressionada pelo taxista, ela acaba confessando o crime do marido e entregando o segredo de Arthur. Hitchcock demonstra ainda seu enorme domínio da linguagem cinematográfica quando, através de uma freada, nos apresenta ao outro casal importante da narrativa, num movimento de câmera interessante que deixa o carro de Lumley para trás e segue os passos da misteriosa loira negociante, quase atropelada pelo taxista. A “negociante” em questão é Fran, a companheira de Arthur Adamson, que recolhe um diamante como pagamento pela libertação de uma pessoa e parte para encontrar o comparsa seqüestrador. Já em casa, ela pergunta onde Arthur escondeu o diamante e Hitchcock nos revela o local através de outro interessante movimento de câmera.

E se exibe excelente forma nos elegantes movimentos, Hitchcock também demonstra habilidade na condução da narrativa, sugando o espectador pra dentro de uma história que ganha força no segundo ato, quando somos envolvidos pela investigação de Lumley sobre o passado de Eddie Shoebridge, introduzido personagens interessantes na trama, como o mal encarado dono de um posto Joseph P. Maloney (Ed Lauter). O diretor conta também com a boa montagem de J. Terry Williams, que jamais deixa cair o ritmo da trama, intercalando bem as duas linhas narrativas principais, com a investigação de Lumley e Blanche e a preocupação de Arthur e Fran com o aparecimento deles. Vale mencionar também a direção de fotografia de Leonard J. South, que evita cores sombrias na maior parte do longa (especialmente quando Blanche está em cena), o que é coerente com o clima divertido da trama. Já quando as cenas envolvem Arthur e Fran, a fotografia normalmente é mais sombria, assim como no terceiro ato, onde predominam cenas noturnas e o uso das sombras, criando uma atmosfera tensa e interessante para a seqüência final.

Quando Lumley entende a ligação entre Maloney e Eddie Shoebridge, ele chega a Arthur Adamson e as duas linhas narrativas finalmente se cruzam. Antes alvos da investigação, agora Arthur e Fran também passam a investigar a vidente e o taxista – o curioso é que eles pensam que o casal sabe dos seqüestros e não do passado de Arthur. E esta deliciosa confusão nos leva ao terceiro ato, que se passa praticamente dentro da casa de Arthur, prendendo a atenção do espectador em diversos momentos até o inteligente desfecho. Com muito bom humor e algumas cenas tensas, como quando Lumley anda só de meias na casa até encontrar o cativeiro, Hitchcock nos conduz até o encontro final entre os casais e fecha a trama com uma solução rápida e criativa. O bom humor ainda volta no último plano, com a piscada de Madame Blanche para a tela.

Alfred Hitchcock se despediu das telas de cinema com este divertido “Trama Macabra”, um longa que não figura entre as obras-primas deixadas pelo diretor, mas que é digno de pertencer à sua gloriosa filmografia. Se os poderes de Madame Blanche realmente funcionassem, quem sabe ela poderia contatar o mestre e dizer que não queremos mais nada, apenas agradecê-lo por tudo o que fez. Foi mais que suficiente.

Texto publicado em 17 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira

Um comentário sobre “TRAMA MACABRA (1976)

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