TOY STORY 4 (2019)

(Toy Story 4)

 

Lançamentos #3

Dirigido por Josh Cooley.

Elenco: Vozes de Tom Hanks, Bonnie Hunt, Laurie Metcalf, Joan Cusack, Tim Allen, Annie Potts, Jeff Garlin, Jodi Benson, Don Rickles, Estelle Harris, Blake Clark, Bud Luckey, Jeff Pidgeon, Lori Alan, Keanu Reeves, Christina Hendricks, Jordan Peele, Timothy Dalton, Wallace Shawn, Mel Brooks, Tony Hale, Madeleine McGraw, Patricia Arquette, Lila Sage Bromley, June Squibb, Kristen Schaal, Ally Maki e Jay Hernandez.

Roteiro: Andrew Stanton e Stephany Folsom.

Produção: Mark Nielsen e Jonas Rivera.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quando a Pixar anunciou que lançaria “Toy Story 4”, confesso que fiquei preocupado. Não que eu duvide da capacidade do estúdio que hoje pertence a Disney de produzir filmes memoráveis, mas o fato é que “Toy Story 3” parecia uma conclusão perfeita para a trajetória dos brinquedos liderados por Woody, Buzz e Cia. Só que um olhar mais profundo revela que, na realidade, o longa anterior concluía a história do crescimento de Andy e não dos brinquedos em si, o que de fato abre espaço para novos filmes. Obviamente, existe também uma motivação comercial nisso tudo, mas o bom resultado alcançado demonstra que a Pixar tomou os devidos cuidados para não entregar apenas um caça-níquel.

Escrito por Andrew Stanton (diretor de “WALL·E”, um dos meus favoritos da Pixar) e Stephany Folsom, “Toy Story 4” tem início quando Bonnie (voz de Madeleine McGraw), abatida e deslocada no primeiro dia de aula, resolve criar um brinquedo a partir de materiais encontrados no lixo e o leva para casa. Só que “Garfinho” (voz de Tony Hale) demora a perceber sua natureza de brinquedo, o que cria grandes problemas para Woody (voz de Tom Hanks), especialmente quando a família de Bonnie decide viajar e o novo brinquedo acaba se perdendo pelo caminho, entristecendo a garota e dando origem a uma verdadeira missão de busca que envolverá Buzz (voz de Tim Allen), Jessie (voz de Joan Cusack) e ainda trará de volta a boneca Beth (voz de Annie Potts).

Auxiliado por seu montador Axel Geddes, o diretor Josh Cooley abre “Toy Story 4” com um prólogo que retorna nove anos no tempo e traz a separação de Woody e Beth, o que inicialmente soa deslocado e sem propósito, como algo forçado apenas para permitir a existência do quarto filme após “Toy Story 3” dar a sensação de que uma continuação era desnecessária. Felizmente, esta sensação lentamente é dissipada, apesar de alguns flertes com o perigo como ao sugerir que Beth sairia de cena ao recusar ajudar Woody, por exemplo, até que faça todo sentido e se justifique no encerramento tocante e coerente com o momento dos personagens.

Aliás, é curioso notar como a narrativa é conduzida de maneira a preparar o espectador para o desfecho sem que a plateia perceba muito o que está acontecendo. Assim, desta vez temos menos momentos engraçados que o de costume, ainda que haja espaço para o humor criativo tão marcante em todos os filmes da franquia, que explora as possibilidades criadas pelo universo dos brinquedos. Neste aspecto, o destaque claramente fica para os novatos bichos de pelúcia, que protagonizam algumas das cenas mais divertidas do filme, como a briga com Buzz, a solução simples e eficiente para a obtenção de uma chave e os hilários planos elaborados por eles.

O que não muda nada em relação ao passado é o carisma dos personagens. Demonstrando o entrosamento esperado após tantos anos, Woody, Buzz, Jessie e companhia continuam adoráveis. A devoção de Woody à sua vocação como brinquedo continua evidente, por exemplo, na conversa com Garfinho à beira da estrada, quando fala sobre Andy em tom nostálgico e resume perfeitamente como ele vê sua função no mundo. Enquanto isso, Buzz demonstra o mesmo misto de lealdade, autoconfiança exacerbada e heroísmo que fazem dele um personagem tão marcante, enquanto Jessie, com menos espaço desta vez, continua sendo a destemida heroína da turma – e são estes três personagens que agem em momentos cruciais do filme para tentar resolver o problema, confirmando sua condição de líderes. Já o novato Garfinho conquista o público com seu temor diante de tantas novidades e, principalmente, por sua justificada obsessão inicial pelo lixo, trazendo ainda um misto de inocência e curiosidade que remete a uma criança e cria empatia com o espectador de maneiras distintas.

É inegável, porém, que a mudança mais clara em “Toy Story 4” em relação aos personagens é o destaque que as figuras femininas ganham na narrativa. Contrariando a persona criada em filmes anteriores da mocinha apaixonada pelo caubói, Beth retorna como uma mulher forte, independente e líder de um grupo de nômades, sendo ainda a responsável por decisões importantes do grupo e, de quebra, a motivação da surpreendente decisão final de Woody. Jessie, por sua vez, assume o papel de liderar a turma que fica no veículo com Bonnie, enquanto Gabby Gabby (voz de Christina Hendricks) assume o papel da vilã e ainda protagoniza um emocionante desfecho em sua trajetória.

Apostando em muitas cenas noturnas e chuvosas, a fotografia de Patrick Lin realça a tensão em momentos como a sequência de abertura ou o ato final, enquanto o design de produção de Bob Pauley capricha em cenários como a loja de antiguidades, criando uma atmosfera que remete ao terror desde os primeiros instantes através das teias de aranha, dos móveis e da pouca iluminação do local. Filme mais melancólico dos quatro até então, “Toy Story 4” trabalha desde o início na construção desta atmosfera que sustentará a dolorosa despedida do ato final, com seu visual dominado pelas citadas cenas sombrias e a trilha sonora mais contida e triste de Randy Newman, na qual vale destacar também a preocupação com pequenos detalhes, como quando um acordeom embala a lembrança de Duke Caboom (voz de Keanu Reeves) e seu dono canadense, remetendo a influência francesa naquele país.

Esta abordagem mais melancólica não impede, no entanto, que Josh Cooley acelere o ritmo nos momentos necessários, como quando sua câmera fluída viaja pelos ambientes acompanhando Buzz e Woody indo do parque para a loja de antiguidades e, especialmente, quando acompanhamos quatro linhas narrativas distintas simultaneamente, com Woody na loja, Buzz indo atrás dele, Garfinho sob a custódia de Gabby Gabby e os brinquedos que ficaram no motor home – novamente, ponto para o montador Axel Geddes. Esta sequência mais frenética de ações nos leva a interessante reviravolta em que Woody, após escapar de Gabby Gabby, resolve voltar e tentar encontrar uma dona para ela, após o sofrido abandono que humaniza a personagem e torna mais aceitáveis suas motivações. No entanto, a grande surpresa ainda estava por vir.

Construído cuidadosamente durante toda a narrativa sem jamais escancarar esta intenção, o devastador momento em que Woody decide abandonar o grupo deixa personagens e espectadores em frangalhos, também pela carga emocional que naturalmente evoca após tantos anos. Ciente do impacto desta decisão, Cooley prepara o espectador para este momento tocante através das citadas trilha sonora e fotografia, que criam o clima ideal, e da condução da relação já distante entre Woody e Bonnie desde o início, revelando como ele já não era mais o protagonista daquele universo, o que torna sua decisão compreensível e coerente com sua essência. Certamente um dos mais queridos personagens não apenas da Pixar, mas do universo das animações em geral, Woody merecidamente angariou milhões de fãs de todas as idades ao redor do mundo e certamente levou muitos deles as lágrimas neste instante.

Além da catarse emocional, “Toy Story 4” volta a abordar a importância das crianças na vida dos brinquedos como um dos temas centrais da narrativa, trazendo ainda as tradicionais reflexões filosóficas sobre a natureza dos brinquedos e seu lugar no universo e, de quebra, promovendo outra interessante discussão através do novo personagem feito de lixo. O que é um brinquedo de fato? Uma bola de meia é um brinquedo? Sua função é divertir uma criança até inevitavelmente ser abandonado como Beth e tantos outros ou divertir crianças aleatórias sem jamais criar vínculo com nenhuma delas como fazem os brinquedos nos parques? Somente por isso o longa dirigido por Josh Cooley já vale a pena.

Ainda que o considere inferior ao primeiro e ao terceiro filme, “Toy Story 4” justifica sua existência através da introdução de novos personagens e novas reflexões sem perder características marcantes dos longas anteriores e nos reservando ainda um surpreendente e emocionante desfecho que pode significar o encerramento do ciclo de um dos mais emblemáticos personagens da curta e gloriosa trajetória da Pixar.

Ou seria o início de uma nova trajetória solo? Só o tempo dirá.

Texto publicado em 24 de Dezembro de 2019 por Roberto Siqueira

MATRIX (1999)

(The Matrix)

5 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #229

Dirigido por Larry Wachowski e Andy Wachowski.

Elenco: Keanu Reeves, Laurence Fishburne, Carrie-Anne Moss, Hugo Weaving, Joe Pantoliano, Marcus Chong, Julian Arahanga, Matt Doran, Belinda McClory, Anthony Ray Parker, Gloria Foster, Paul Goddard, Robert Taylor, Marc Aden Gray, Ada Nicodemou, David Aston, Deni Gordon, Rowan Witt, Fiona Johnson e Bill Young.

Roteiro: Larry Wachowski e Andy Wachowski.

Produção: Joel Silver.

Matrix[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Não são raras as vezes em que um filme é ignorado na época de seu lançamento e, muitos anos depois, acaba sendo descoberto por uma nova geração que o transforma no chamado cult. Raros, porém, são os casos de filmes que já nascem com este conceito. Mais raros ainda são casos como o de “Matrix” que, em pouco tempo, tornou-se mais do que um filme cult, consolidando-se como um fenômeno cultural do final do século passado que arrastou milhões de fãs pelo mundo não apenas para a frente das telas, mas para um universo particular, repleto de ideias complexas, banhadas em conceitos trazidos das mais diversas fontes.

Escrito e dirigido pelos irmãos Wachowski, “Matrix” nos leva ao futuro, num mundo já dominado pelas máquinas, que utilizam os seres humanos como fonte de energia para manterem suas baterias carregadas. Para isto, construíram um complexo sistema em que as pessoas hibernam e, através de um programa de computador, sonham viver no planeta exatamente como este era concebido no passado já distante. No entanto, alguns humanos dissidentes conseguem escapar e iniciam um movimento de resistência, que aguarda a chegada do líder que os guiará na luta pela liberdade de toda a raça humana. O mais importante deles é Morpheus (Laurence Fishburne), que conta com a ajuda de Trinity (Carrie-Anne Moss) para encontrar aquele que ele acredita ser o escolhido: um hacker chamado Neo (Keanu Reeves).

Neste breve resumo não é possível identificar o tamanho e a complexidade do universo criado pelos irmãos Wachowski, que como mencionado transformou-se ao longo dos anos num fenômeno cultural de extrema importância para toda uma geração, inspirando não apenas duas continuações, mas também versões em anime, um universo expandido e até mesmo um site dedicado a explorar a “Matrix”. Capaz de agradar aos mais diversos tipos de fã por conta da diversificada colagem cultural em que se apoia, da qualidade de sua narrativa e das ótimas cenas de ação, o longa representou ainda um marco em termos de efeitos visuais, tornando-se referência para inúmeros filmes que surgiriam nos anos seguintes.

Visualmente impactante, “Matrix” conta com a direção de fotografia sóbria de Bill Pope, que deixa claro já quando o logo da Warner surge em verde que a cor característica dos caracteres dos antigos computadores daria o tom, ao lado de ambientes tomados pelas sombras e por paletas que se misturam entre o esverdeado e o acinzentado. A ideia é justamente refletir o ambiente característico das máquinas, criando um contraponto bem interessante para os planos mais coloridos que por vezes surgem quando estamos no ambiente que simula a vida real criado para manter os humanos aprisionados – e a ironia entre o contraste do mundo virtual colorido e o verdadeiro mundo real dessaturado é muito interessante.

Logo da Warner em verdePaletas que se misturam entre o esverdeado e o acinzentadoPlanos mais coloridos

Da mesma forma, o ótimo design de produção de Owen Paterson suga o espectador para dentro daquele universo através dos aparatos tecnológicos improvisados utilizados pelos hackers, sendo responsável ainda pela criação de cenários impressionantes como a própria matrix, que se materializa quase que como uma espécie de colônia de escravos adormecidos, nos permitindo compreender bem o conceito apenas através do visual. Da mesma forma, os figurinos de Kym Barrett apostam em roupas sóbrias e de cores escuras para ampliar a sensação claustrofóbica, além de serem responsáveis por criar o icônico visual dos personagens que surgem em roupas de couro e estilosos óculos escuros (o que ainda remete ao acessório clássico necessário para visualizar algo em 3D).

Aparatos tecnológicos improvisadosEspécie de colônia de escravosIcônico visual dos personagens

E se a trilha sonora de Don Davis ajuda a construir a atmosfera de mistério envolvendo tudo que cerca a matrix, o excepcional design de som é crucial para conferir ainda mais realismo às ótimas cenas de ação, como quando nos permite ouvir o barulho da hélice do helicóptero que chama a atenção dos agentes segundos antes do resgate de Morpheus. No entanto, são mesmo os efeitos visuais que se destacam na parte técnica de “Matrix”. Famosos pelo efeito que ficou conhecido como “bullet time”, os inovadores efeitos visuais não apenas são responsáveis por alguns dos momentos mais marcantes do filme, como ainda respeitam a lógica interna da narrativa, o que é importante para não tirar nossa atenção. E se diversos instantes saltam aos olhos pelo preciosismo do que vemos na tela, são mesmo os momentos em que a câmera gira lentamente em 180 ou 360 graus ao redor dos personagens que nos encantam, como fica claro logo na primeira vez em que isto ocorre, quando Trinity escapa do cerco dos policiais de maneira espetacular.

Obviamente, a direção dos Wachowski é crucial para que estas cenas sejam tão bem conduzidas e os irmãos demonstram grande competência nesta tarefa, criando lutas muito bem coreografadas e que jamais deixam o espectador confuso com o que vê na tela, graças ao ótimo controle dos diretores. Desde a citada fuga de Trinity, que funciona como a primeira sequência de ação capaz de fisgar o espectador ainda nos primeiros minutos de “Matrix”, os Wachowski nos presenteiam com várias sequências memoráveis, como a perseguição de Neo, o empolgante resgate de Morpheus e, claro, o duelo entre Neo e o agente Smith (Hugo Weaving) numa estação de metrô, que remete aos westerns com papéis voando e os homens se encarando com as mãos próximas das armas por alguns segundos antes do confronto.

Trinity escapa do cerco dos policiaisEmpolgante resgate de MorpheusDuelo entre Neo e o agente Smith

No entanto, “Matrix” está longe de ser apenas uma proeza técnica. Aliás, é justamente na complexidade de sua narrativa e nos inúmeros conceitos que a sustentam que reside boa parte de seu sucesso, na época soando como potencial candidato a criar uma nova mitologia no estilo de “Star Wars”. Rico tematicamente, o longa parte de uma premissa ousada e muito interessante, na qual tudo que os homens enxergam e vivem não passa de um universo criado virtualmente. Só que só teremos acesso a este conceito após algum tempo de projeção. Até lá, somos colocados na mesma posição de Neo, buscando desvendar as palavras misteriosas de Trinity enquanto somos guiados até Morpheus. Após uma espécie de pesadelo surreal do protagonista que depois se revelaria uma das primeiras transições entre os dois mundos, vamos aos poucos conhecendo conceitos importantes como os telefones que servem para transportar os personagens e os agentes sentinelas que servem como espiões inseridos pelas máquinas para eliminar todo e qualquer humano que queira se rebelar, até culminar na primeira aparição de Morpheus que, depois de apresentar a função das pílulas azul e vermelha, finalmente explica de forma didática e envolvente a origem e o funcionamento da matrix.

Agentes sentinelasPílulas azul e vermelhaPapel de messias

Passamos então a transitar junto com os personagens entre o ambiente real e o virtual num ritmo intenso, o que é mérito do montador Zach Staenberg, que jamais nos permite relaxar, abrindo caminho para que os Wachowski possam enfim apresentar sua profusão de ideias envolvendo conceitos científicos, religiosos e filosofia, misturando ainda cultura pop como animes, HQ´s e kung fu. Assim, enquanto Neo é claramente colocado no papel de messias, Trinity (a trindade) surge como uma figura feminina, causando o espanto do próprio escolhido (“Pensei que fosse homem”). Vivido por um surpreendentemente intenso Keanu Reeves, Neo representa a esperança para uma raça humana dominada e fadada ao fim, o que explica a clara ansiedade que ele demonstra enquanto é sugado por tudo que o cerca. Neo era um homem já descrente do mundo à sua volta e acaba encontrando do outro lado a chama perdida há tempos. Até por isso, a cena em que ele finalmente desperta no mundo real faz uma clara alusão ao nascimento, com ele rompendo a bolsa que o envolve e cortando o cordão umbilical que o prendia a matrix.

Determinada e dona de um olhar penetrante capaz de nos fazer acreditar que sua personagem pode mesmo vencer diversos oponentes num confronto, Carrie-Anne Moss faz de Trinity a parceira ideal para um ainda novato Neo, conduzindo-o com firmeza total em suas convicções. Por sua vez, Laurence Fishburne confere uma aura misteriosa e imponente a Morpheus, cujo nome é o mesmo do deus grego dos sonhos, da mesma forma que Gloria Foster faz com Oráculo, com sua fala segura e em tom de voz baixo e confiante. Fechando os destaques do elenco, vale citar o olhar gélido de Hugo Weaving na pele do agente Smith, impondo respeito e soando ameaçador sem precisar dizer muitas palavras.

A trindadeAlusão ao nascimentoAura misteriosa e imponente a Morpheus

Além dos diversos simbolismos religiosos espalhados pela narrativa, como a nave Nabucodonosor e a referência ao versículo Marcos 3:11 (“E quando os espíritos impuros o viam, se jogavam gritando: `Tu és o filho de Deus`”, numa óbvia referencia a Neo), temos ainda diversas menções a “Alice no país das maravilhas”, sejam literais ou até mesmo através dos coelhos que aparecem na televisão, passando por fundamentos do budismo e citações a diversos filósofos como Sócrates e Platão. Para fechar, a temática diversificada ainda trabalha o tema homem versus máquina de maneira bastante inventiva, mostrando também como maquiar a realidade é uma das formas mais eficientes de controle das massas, seja através de uma realidade virtual ou de qualquer outra forma que mantenha a falsa sensação de felicidade – algo que serve inclusive para motivar a traição de Cypher (Joe Pantoliano), outro com nome repleto de simbolismos. Na verdade, discursar sobre os inúmeros simbolismos e as teorias de “Matrix” é uma tarefa árdua, que pode gerar textos e mais textos.

São poucos os eventos culturais capazes de marcar toda uma geração e este é o caso do longa dirigido pelos Wachowski. Ousado tematicamente e com ótimas cenas de ação, “Matrix” foi um marco não apenas em termos de efeitos visuais, mas também pelo complexo universo que nos apresentou e os inúmeros debates que proporcionou.

Matrix foto 2Texto publicado em 04 de Maio de 2016 por Roberto Siqueira

DRÁCULA DE BRAM STOKER (1992)

(Dracula)

Filmes em Geral #89

Dirigido por Francis Ford Coppola.

Elenco: Gary Oldman, Winona Ryder, Anthony Hopkins, Keanu Reeves, Richard E. Grant, Cary Elwes, Bill Campbell, Sadie Frost, Tom Waits, Monica Bellucci e Jay Robinson.

Roteiro: James V. Hart, baseado em romance de Bram Stoker.

Produção: Francis Ford Coppola, Fred Fuchs e Charles Mulvehill.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

O mínimo que podemos esperar de um filme dirigido por Francis Ford Coppola é o cuidado com os detalhes que ajudam a criar um visual marcante. Seja em filmes de época com grandes orçamentos como “O Poderoso Chefão” ou em filmes menores (mas nem por isso menos qualificados) como a pérola “A Conversação”, o cuidado com o aspecto visual sempre foi uma marca do diretor. O problema é que na maioria das vezes Coppola também se preocupava com a composição dos personagens e a condução da narrativa, algo que, infelizmente, não ocorre de maneira tão eficiente neste “Drácula de Bram Stoker”, um filme visualmente belo, mas emocionalmente vazio.

Baseado no mítico romance de Bram Stoker, o roteiro escrito por James V. Hart é bastante fiel à obra que o inspirou (o que certamente agradou aos fãs), narrando a história desde os tempos em que o guerreiro Drácula (Gary Oldman) se revolta contra Deus após o suicídio de sua esposa até quando o advogado Jonathan Harker (Keanu Reeves) fica aprisionado em seu imponente castelo, enquanto ele parte para Londres em busca de Mina (Winona Ryder), a noiva de Harker que Drácula acredita ser a reencarnação de sua amada.

Historicamente, a lenda do Drácula costuma provocar fascínio, misturando elementos díspares com o terror, a sensualidade e o amor. Ciente disso, Coppola investe nestes elementos clássicos, deixando clara sua preferência pelo “amor”, numa estratégia que busca romantizar o vampiro e justificar suas ações diante do espectador. Só que desta vez ele comete um erro raro em sua carreira e perde a mão, exagerando na abordagem romântica e enfraquecendo o lado sombrio da narrativa. Além disso, a caracterização do Drácula soa exagerada, com sua maquiagem carregada passando do ponto ideal, mas felizmente a boa atuação do excelente Gary Oldman compensa esta falha. Inicialmente limitado ao papel de vampiro assustador, lentamente Oldman transforma o Drácula num personagem carismático, conseguindo a proeza de fazer o espectador torcer por ele em alguns momentos e fazendo jus a fama de sedutor do personagem.

Enquanto isso, o quase sempre inexpressivo Keanu Reeves até que se sai bem inicialmente, mas é totalmente ofuscado diante da presença de Anthony Hopkins do segundo ato em diante, que assume muito bem a função de herói e rouba a cena com seu Van Helsing. Pra piorar, mesmo com cabelo grisalho e tudo mais, o envelhecimento de Reeves não convence graças ao seu rosto juvenil. O ator também não consegue estabelecer boa química com a bela Winona Ryder, que exala a delicadeza necessária no papel e se sai bem melhor ao lado de Gary Oldman. Fechando o elenco, vale citar a caricata atuação de Tom Waits como o lunático Renfield e o desempenho selvagem de Sadie Frost como Lucy, que cai muito bem no papel.

Mas “Drácula de Bram Stoker” também tem suas qualidades. A começar pela competente direção de arte de Andrew Precht e pelos figurinos impecáveis de Eiko Ishioka que reforçam a ambientação do espectador e colaboram na criação de um visual marcante. Apoiando-se neste bom trabalho e na fotografia repleta de tons avermelhados de Michael Ballhaus, Coppola cria diversos planos estilizados, abusando também de recursos como a aceleração da imagem, criando um visual sombrio, normalmente reforçado pela chuva e pelo vento, que se torna ainda mais expressivo pelo uso constante da sensualidade feminina numa trama que naturalmente já é carregada de conotação sexual. Aliás, vale reparar também como a fotografia colorida das cenas que envolvem Mina contrasta bastante com os tons obscuros na Transilvânia, onde até mesmo as sombras ganham vida. Finalmente, o diretor não se esquece de homenagear os filmes antigos do famoso vampiro, fazendo referência ao clássico “Nosferatu”, de 1922, e a outros filmes clássicos, por exemplo, na aula do professor Van Helsing e ao utilizar uma paleta granulada na chegada de Drácula em Londres, numa alusão aos tempos da moviola.

A estilização visual continua através da montagem de Anne Goursaud, Glen Scantlebury e Nicholas C. Smith, que abusa de transições interessantes, como quando a pluma de um pavão se transforma no túnel de um trem ou quando os furos no pescoço de Lucy dão lugar aos olhos de um lobo. E ainda que possam parecer datados atualmente, os efeitos especiais funcionam na verdade como outra grande homenagem ao cinema antigo, com trucagens, maquetes e pinturas de fundo que tornam o aspecto visual de “Drácula de Bram Stoker” ainda mais impressionante. Fechando a parte técnica, a trilha sonora de Wojciech Kilar alterna bem entre os tons macabros, como quando o navio que traz Drácula chega a Londres, e os momentos melódicos, como no belo encontro entre Mina e Drácula num quarto.

Voltamos então ao problema central de “Drácula de Bram Stoker”. Talvez pela boa química existente nas cenas que envolvem Ryder e Oldman, Coppola acaba investindo demasiadamente neste lado romântico, enfraquecendo outro aspecto muito importante da narrativa, que é o lado sombrio do vampiro. Até mesmo a frase que promoveu o filme denuncia esta abordagem excessivamente melódica (“O amor nunca morre”), mas estes momentos adocicados demais acabam esvaziando o longa, ainda que em certos momentos Coppola consiga sucesso em sua abordagem, como quando Drácula diz para Mina que a ama demais para condená-la. Reequilibrando a conta, o decepcionante terceiro ato traz uma perseguição que jamais empolga e um final seco demais, impedindo que Coppola entregue um trabalho a altura de sua brilhante carreira. Ainda assim, trata-se de um bom filme.

Grandioso e operístico como um filme de Coppola deve ser, “Drácula de Bram Stoker” é um deleite para os olhos, mas funciona exatamente como aquela moça bonita que perde seu encanto após meia hora de conversa. Infelizmente, beleza não é tudo.

Texto publicado em 16 de Outubro de 2012 por Roberto Siqueira

CAMINHANDO NAS NUVENS (1995)

(A Walk in the Clouds)

 

Videoteca do Beto #123

Dirigido por Alfonso Arau.

Elenco: Keanu Reeves, Anthony Quinn, Aitana Sánchez-Gijón, Giancarlo Giannini, Angélica Aragón, Evangelina Elizondo, Freddy Rodríguez, Debra Messing, Febronio Covarrubias, Roberto Huerta, Juan Jiménez, Alejandra Flores e Gema Sandoval.

Roteiro: Mark Miller, Robert Mark Kamen e Harvey Weitzman, baseado em roteiro de Piero Tellini, Cesare Zavattini e Vittorio de Benedetti.

Produção: Gil Netter, David Zucker e Jerry Zucker.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Para curtir “Caminhando nas Nuvens” em sua plenitude é imprescindível que o espectador se desarme e embarque no espírito romântico do filme. Apresentando alguns clichês típicos do gênero, atuações irregulares e uma narrativa até certo ponto previsível, o longa dirigido por Alfonso Arau se salva por sua beleza estonteante e por sua atmosfera pura e ingênua. Mas, apesar de seus momentos agradáveis, está longe de ser um grande filme.

Após voltar da 2ª guerra mundial, o jovem Paul Sutton (Keanu Reeves) descobre que não tem afinidade com a esposa e decide viajar até a empresa onde trabalha como vendedor de chocolates, numa tentativa de mudar de vida. No caminho, ele conhece Victoria Aragón (Aitana Sánchez-Gijón), uma bela jovem que está voltando pra casa grávida após estudar em outra cidade. Temendo a reação de seu pai (Giancarlo Giannini), ela convence Paul a fingir ser seu marido e passar uma noite nos vinhedos da família.

Escrito por Mark Miller, Robert Mark Kamen e Harvey Weitzman, baseado em roteiro de Piero Tellini, Cesare Zavattini e Vittorio de Benedetti para o filme “O Coração Manda” (Quatro Passi fra le Nuvole, 1942), o roteiro de “Caminhando nas Nuvens” não foge de alguns clichês básicos dos romances, como a dificuldade imposta ao casal antes do final feliz, o pai ignorante e opressor e a mãe (Angélica Aragón) que compreende o drama da filha. Incomoda também o fato de uma família tradicional mexicana falar tanto em inglês, ainda que em alguns momentos o espanhol surja. Além disso, algumas discussões soam bastante artificiais, como no primeiro jantar em que Paul se retira da mesa. Pra piorar, confesso que imaginei com certa facilidade o que aconteceria quando ele deixa o vinhedo e volta pra casa, anulando o efeito dramático da cena. Ainda assim, a história consegue agradar, especialmente pela forma como Paul e Victoria desenvolvem sua relação, mas também pelos belos momentos vividos por Paul e o avô dela, Don Pedro Aragón (Anthony Quinn).

Ainda no início, uma elegante transição do preto e branco para o colorido (montagem de Don Zimmerman) nos leva aos tempos da segunda guerra mundial, onde um diálogo expositivo explica que Paul está retornando da guerra para reencontrar a esposa Betty (Debra Messing), que mal conhecia (ele se casou num dia e viajou no outro), e o plano plongèe dele perdido no porto já indica que aquele não era exatamente seu lugar. Em casa, sua consumista esposa parece apenas preocupada em encontrar novas maneiras de ganhar mais dinheiro e o convence a continuar vendendo chocolates. Por isso, ele decide partir. E será nesta viagem que Paul mudará sua vida para sempre. Num encontro casual no trem, ele troca olhares com Victoria, mas o momento romântico é interrompido de maneira nada higiênica. Neste mesmo dia, seus caminhos voltariam a se cruzar, desta vez de maneira definitiva.

Um ator que funciona melhor em filmes de ação, Keanu Reeves vive Paul com a costumeira inexpressividade, mal reagindo às agressões verbais de Alberto, o relutante pai da garota (repare, por exemplo, sua apatia na discussão nos tonéis, que se torna ainda mais evidente graças aos exageros de Giannini). Ainda assim, o ator consegue criar empatia com Aitana Sánchez-Gijón, o que salva parte de sua atuação. Por outro lado, Aitana está simpática e sensual como Victoria Aragón, deixando claro desde o início que deseja ficar com Paul através do olhar insinuante e falhando apenas em alguns momentos dramáticos, onde não transmite emoção de maneira convincente, como quando se revolta com uma proposta dele. Já Giancarlo Giannini tem uma atuação exagerada e caricata na pele do unidimensional Alberto Aragón, que, de maneira irritante, parece sempre disposto a brigar com Paul, mesmo depois que descobre as boas intenções do rapaz. Por sua vez, Angélica Aragón se sai bem com a mãe de Victoria, demonstrando paciência para lidar com os conflitos entre pai e filha.

Certamente a melhor atuação do longa, Anthony Quinn está ótimo como Don Pedro Aragón, sempre convencendo Paul a ficar com eles de maneira carismática. Don Pedro é o alicerce de uma família tradicional, agora comandada pelo filho, mas ainda sob seu olhar atento. Logo em sua primeira aparição, fica claro o respeito que todos têm por ele, quando é convocado para dar a palavra final sobre a permanência de Paul. Órfão e ex-combatente, Paul é uma pessoa carente, e Don Pedro logo se encarrega de acolher o rapaz da melhor maneira possível. Esta relação quase paternal é uma das melhores coisas de “Caminhando nas Nuvens”, muito por causa de Quinn.

Mas se erra na direção de atores e não consegue extrair o melhor de todo o elenco, Alfonso Arau acerta na criação de lindos planos e na condução de cenas de grande impacto visual. Auxiliado pela belíssima fotografia de Emmanuel Lubezki, que abusa de cores quentes e realça a beleza dos vinhedos, o diretor nos brinda com planos que mais parecem quadros, com a vinícola surgindo banhada pelos raios solares, conferindo à “Las Nubes” um ar celestial, reforçado pelo próprio nome do local. Outro momento que remete a natureza paradisíaca do lugar acontece quando a geada atinge as uvas e as pessoas se vestem com asas para espalhar o calor pela plantação, tornando-se parecidas com anjos. Finalmente, na volta de Paul ao vinhedo, o esperado reencontro com Victoria é interrompido pela revolta de Alberto, que acidentalmente provoca um incêndio de enormes proporções, permitindo ao diretor criar uma interessante rima visual e temática, com a vinícola, agora em chamas, remetendo ao inferno.

“Caminhando nas Nuvens” homenageia ainda a cultura das vinícolas e a tradição familiar, na bela seqüência da colheita e na divertida dança das mulheres, que pisam nas uvas. Após este momento eufórico, surge o primeiro beijo de Paul e Victoria, mas a reação “racional” dele tira toda a magia da cena. Magia que volta no momento mais romântico da narrativa, quando ele faz uma serenata pra ela. Desta vez, nem a inexpressividade de Reeves estraga a beleza da cena, com Victoria espiando da janela, a noite iluminada e a tradicional canção. Aliás, a bela trilha sonora de Maurice Jarre merece destaque justamente por misturar acordes clássicos com sons que remetem às músicas mexicanas.

Apesar de todos os escorregões, “Caminhando nas Nuvens” termina com um final feliz e uma mensagem que glorifica a família e o amor, o que, compreensivelmente, agrada ao espectador. Ainda assim, não podemos fechar os olhos para as falhas de uma narrativa que, com pequenos ajustes, poderia ser bem melhor. Por outro lado, sua beleza e a inocência de sua mensagem conferem uma aura singular ao filme. É raro falar de amor com tanta pureza hoje em dia.

Texto publicado em 21 de Janeiro de 2012 por Roberto Siqueira

VELOCIDADE MÁXIMA (1994)

(Speed)

 

Videoteca do Beto #108

Dirigido por Jan de Bont.

Elenco: Keanu Reeves, Sandra Bullock, Dennis Hopper, Jeff Daniels, Joe Morton, Alan Ruck, Glenn Plummer, Richard Lineback, Beth Grant e Hawthorne James.

Roteiro: Graham Yost.

Produção: Mark Gordon.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Não é fácil fazer um bom filme de ação. Não que seja difícil – especialmente com a evolução dos efeitos visuais – criar momentos empolgantes envolvendo veículos em alta velocidade. O problema é conseguir inserir estas seqüências num roteiro que prenda à atenção da platéia mais exigente, com uma história crível ou, pelo menos, que saiba utilizar os clichês do gênero. Felizmente, “Velocidade Máxima” tem êxito nesta tarefa, partindo de uma idéia simples e criativa, que cria uma situação potencialmente tensa. E por envolver um meio de transporte público, toda a ação se torna ainda mais assustadora, pois sabemos que o que vemos na tela poderia acontecer com qualquer um de nós.

Ex-policial de Los Angeles, Howard Payne (Dennis Hopper) instala uma bomba num ônibus, que será acionada quando o veículo alcançar 80 km/h e explodirá caso a velocidade do veículo seja reduzida a menos dos mesmos 80 quilômetros por hora. O policial Jack Traven (Keanu Reeves) é escolhido para entrar no veiculo em movimento e tentar controlar a situação, mas um dos passageiros, sentindo-se ameaçado, saca uma arma e, acidentalmente, acerta o motorista. É então que a passageira Annie (Sandra Bullock) assume a direção enquanto a policia trabalha para tentar desarmar a bomba.

A premissa de “Velocidade Máxima” é excelente e bem aproveitada pelo roteiro de Graham Yost, que cria uma escala crescente de tensão muito eficiente e, o que é melhor, bem conduzida pelo diretor Jan de Bont. Para isto, Yost utiliza artifícios inteligentes, como a presença de um suposto criminoso no ônibus, que se assusta com a presença da polícia e saca uma arma, atingindo o motorista e forçando uma passageira a assumir a direção. Seguindo este raciocínio de pequenos infortúnios que só pioram a situação, “Velocidade Máxima” prende o espectador na cadeira em cada minuto que o ônibus “passeia” pela tela, o que é louvável. Claramente dividida em três atos (elevador, ônibus e metrô), a narrativa consegue ser envolvente em quase todo o tempo. Beneficiado pela montagem dinâmica de John Wright, de Bont consegue criar uma atmosfera tensa sem deixar as cenas confusas, evitando que o espectador se sinta perdido. Sua câmera agitada funciona bem, criando um visual realista que aproxima a platéia da trama, além de, em muitos momentos, ilustrar bem a sensação de alta velocidade pretendida pelo filme.

Também de maneira correta, o diretor de fotografia Andrzej Bartkowiak cria um visual claro, com cenas quase sempre diurnas, o que facilita a compreensão do que se passa na tela, assim como a figurinista Ellen Mirojnick acerta na escolha de roupas simples, do dia-a-dia, que torna a trama mais real. Ainda na ambientação, o excelente design de som colabora bastante, permitindo que o espectador se sinta completamente envolvido, especialmente nas cenas que envolvem o ônibus. Finalmente, seguindo a receita básica dos filmes de ação, a trilha sonora de Mark Mancina é bastante agitada e tenta aumentar a adrenalina. Em muitos casos, soa desnecessária, mas em outros, sublinha bem a cena, como na tensa seqüência de abertura no elevador.

Presente nas melhores cenas do filme, o ônibus só entra em cena aos 30 minutos de projeção, logo após a surpreendente explosão de outro ônibus na rua, que assusta a platéia. A partir deste momento, a narrativa cresce bastante e o melhor de “Velocidade Máxima” entra em cena. Apesar de algumas situações pouco verossímeis, a ação empolga e o longa decola. Ciente disto, Jan de Bont alterna entre planos aéreos e planos subjetivos, nos jogando pra dentro das cenas, por exemplo, quando Traven persegue o ônibus num automóvel em alta velocidade. Aliás, o dono do Jaguar, interpretado por Glenn Plummer, tem uma pequena e hilária participação, que, neste caso, é bem vinda, intercalado bom humor com momentos de alta tensão, uma mistura sempre eficaz no gênero. O diretor acerta ainda ao permitir a morte de uma passageira em determinado momento, o que, além de carregar o clima, tem um efeito surpresa que deixa a platéia ainda mais tensa, pois passamos a acreditar na possibilidade de que novas mortes aconteçam. Neste momento, vale observar como Bullock consegue demonstrar emoção, com um choro convincente que, por contraste, expõe a inexpressividade de Reeves. Por outro lado, Keanu Reeves se sai bem nas cenas que exigem esforço físico, convencendo no papel de “herói”, assim como expõe bem a revolta de Traven com a morte do parceiro Temple (Jeff Daniels).

Reeves e Bullock conseguem ainda criar uma incrível empatia, o que é importante para conquistar a platéia. Carismática, Sandra Bullock está leve no papel e conquista o espectador com seu jeito simultaneamente corajoso e indefeso. Capaz de assumir o volante de um ônibus (o que, numa sociedade machista, é elogiável), Annie é também sensível ao ponto de largar tudo desesperada quando pensa que atropelou um bebê (numa cena, aliás, bem conduzida pelo diretor, que emprega uma câmera lenta para aumentar o suspense). Introduzido de maneira eficiente na narrativa, o vilão Howard Payne surge ameaçador, ao matar um homem a sangue frio e colocar uma bomba num elevador, deixando o espectador ciente desde o início do perigo que ele representa. E apesar de soar caricato em alguns momentos, Dennis Hopper cria um vilão interessante e temível, que se torna ainda mais ameaçador na medida em que o ônibus avança pela cidade.

Ainda que tenha muita tensão, existem pequenos momentos típicos dos filmes de ação que soam falsos em “Velocidade Máxima”. Por exemplo: porque Payne não mata o detetive Temple no elevador quando tem a chance, preferindo atirar em Jack Traven? Seria mais fácil eliminar o primeiro, naquele momento sem chance de defesa, e depois tentar acertar o segundo, não é mesmo? Pra piorar, quando Traven atira em Temple e o amigo cai, o vilão fica a sua mercê, a poucos metros de distancia, mas o policial também hesita em atirar, permitindo a fuga do vilão. E nem mesmo a explosão que encerra a cena é efetiva, pois o espectador imagina que o personagem de Hopper não morreria tão cedo. Por isso, o suspense criado é artificial demais e, felizmente, se encerra na cena seguinte, quando Payne surge olhando para a televisão. E apesar de acertar ao evitar o excesso de diálogos e priorizar a ação, o roteiro apresenta pequenos diálogos superficiais, como aquele entre Traven e Temple, quando eles salvam as pessoas no elevador. “Foi bom pra você?” é a típica pergunta recheada de humor negro que não soa bem naquele momento. Apesar disto, existem raras frases interessantes que criticam a política norte-americana, por exemplo, como quando Annie pergunta se “bombardeamos o país dele” ao falar sobre o vilão – o que é compreensível, já que o que mais interessa aqui é a ação e não os diálogos.

É incrível notar ainda que a polícia de uma cidade como Los Angeles não saiba que uma estrada desativada tem uma falha enorme – aliás, que jeito estranho de construir estrada, mas, tudo bem, não sou especialista no assunto. E apesar do absurdo da situação criada, a falha na estrada gera um momento muito tenso, paralisando o espectador que embarca na aventura, assim como é tensa a seqüência em que Traven tenta desarmar a bomba embaixo do ônibus em movimento. Yost também não consegue evitar clichês, por exemplo, quando um pneu estoura logo após o penúltimo civil sair do ônibus, deixando apenas Annie e Traven para trás. Por outro lado, o roteirista mostra criatividade na solução criada antes, com a gravação de uma fita que engana o vilão e permite a retirada das pessoas do ônibus. Claramente o melhor trecho do filme, o segundo ato se encerra de maneira satisfatória com a saída de Annie e Traven do veículo e o espectador finalmente pode respirar. Ou pelo menos pensa que pode.

Já no terceiro ato, as situações artificiais voltam com força total quando, por exemplo, tudo para de funcionar no metrô, menos a alavanca de aceleração, e, principalmente, quando novamente um trecho inacabado, agora nos trilhos, surge para tentar criar tensão (desta vez, sem resultado, pois o espectador já está anestesiado). Além disso, porque Payne, com uma refém sob controle, iria se arriscar a subir no trem e enfrentar Traven? Um momento de fúria, talvez, por descobrir que o dinheiro que recebeu era falso, mas ainda assim me parece que outras soluções soariam mais eficientes. Sua morte, ao menos, serve para destacar o bom trabalho de efeitos visuais, que torna a cena bem real.

Apesar do terceiro ato irregular e do primeiro apenas correto, toda a trama que envolve o ônibus em alta velocidade serve para transformar “Velocidade Máxima” num ótimo filme de ação, tenso o suficiente para agradar ao espectador. Além disso, a excelente química do casal principal, confirmada no último e divertido diálogo entre eles, cria uma inevitável empatia com a platéia, garantindo uma sensação de bem estar ao final da projeção. Bem estar que não aparece durante quase todo o filme, dando lugar à tensão, o que comprova que o longa cumpre muito bem seu propósito.

Texto publicado em 25 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira