TITANIC (1997)

(Titanic)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #179

Vencedores do Oscar #1997

Dirigido por James Cameron.

Elenco: Leonardo DiCaprio, Kate Winslet, Billy Zane, Kathy Bates, Frances Fisher, Gloria Stuart, Bill Paxton, Bernard Hill, David Warner, Victor Garber, Jonathan Hyde, Suzy Amis, Danny Nucci e Ioan Gruffudd.

Roteiro: James Cameron.

Produção: James Cameron e Jon Landau.

Titanic[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Não é difícil entender as razões do sucesso avassalador de “Titanic”, superprodução grandiosa de James Cameron que alcançou números impressionantes nas bilheterias e ainda igualou o recorde de “Ben-Hur” ao levar 11 estatuetas do Oscar. Também não é tão complicado entender porque, ao longo do tempo, o filme ganhou a antipatia de parte do público e até mesmo de alguns cinéfilos, tamanha foi a sua exposição ao longo dos anos (pense, por exemplo, quantas vezes na sua vida você já ouviu tocar sua famosa música tema em algum lugar). Mas o fato é que, mesmo com seus pecadilhos aqui e ali, o longa estrelado pelos então jovens astros Leonardo DiCaprio e Kate Winslet é mesmo um grande filme, destes que merecem serem lembrados eternamente e, não à toa, conquistou seu lugar cativo na história do cinema.

Escrito pelo próprio Cameron, “Titanic” narra a história de amor entre Jack (Leonardo DiCaprio), um jovem quase nômade que ganha sua passagem numa partida de pôquer, e Rose (Kate Winslet na juventude e Gloria Stuart na velhice), a noiva do rico Cal (Billy Zane) que viaja ao lado de sua mãe (Frances Fisher) em busca de uma nova e promissora vida. Mas o destino de todos eles e dos mais de dois mil passageiros do transatlântico muda completa e tragicamente quando o imponente navio se choca com um iceberg.

Usando a busca por um artefato raro no que restou do Titanic no fundo do mar como ponto de partida, o roteiro de James Cameron nos traz o típico romance já visto inúmeras vezes anteriormente (“A Dama e o Vagabundo”, por exemplo) entre a menina rica cansada da vida aborrecida que leva e o menino pobre e cheio de vida. No entanto, Cameron sabe muito bem que no seu cinema (e no cinema de maneira geral), a forma é muito mais importante do que o conteúdo. Assim, sua preocupação não está apenas na história que será contada, mas na maneira pela qual aquela história será contada. Não que o diretor/roteirista não se preocupe com a estruturação de sua narrativa. Observe, por exemplo, como ele insere dicas que serão essenciais no clímax de “Titanic”, como a explicação técnica do naufrágio que permite ao espectador antecipar como o navio afundará (sabemos, por exemplo, que ele se partirá ao meio, o que aumenta a tensão no ato final). Repare também como a primeira conversa entre Jack e Rose faz questão de mencionar a temperatura da água, o que também será importante após o naufrágio, assim como o roteiro também tem o cuidado de mencionar a famosa frase “Nem Deus afunda o Titanic”, dando às plateias mais jovens a dimensão do tamanho daquela tragédia para a época.

Busca por um artefato raroExplicação técnica do naufrágioPrimeira conversa entre Jack e RoseTransitando com elegância do presente para o passado através dos escombros do navio que se transformam no imponente transatlântico e fazendo o caminho inverso através do olho de Winslet que de repente se transforma no de Stuart, a montagem de Conrad Buff, Richard A. Harris e Cameron é essencial para que o longa não se torne enfadonho ao longo de suas três horas de projeção (egocêntrico, Cameron faz questão de colocar seu nome, mas todo bom diretor participa do processo de montagem dos filmes). Assim, Cameron e seus montadores investem um bom tempo na construção lenta daquele romance, sedimentando a empatia pelo casal na plateia e permitindo que a narrativa respire, o que é crucial para que o espectador sinta toda a escalada dramática da tragédia com intensidade durante o segundo e terceiro atos. A partir do momento em que o espectador realmente se identifica e se importa com Rose e Jack, a tragédia também tocará a plateia com a mesma intensidade e, desde então, o sucesso de “Titanic” está garantido.

Imponente transatlânticoOlho de WinsletOlho de StuartÉ claro que existem os excessos. O escorregão dela na proa do navio, por exemplo, é desnecessário, assim como toda a sequência em que Cal persegue o casal, que culmina na cena em que eles tentam salvar um garoto e quase morrem afogados. Este melodrama todo surge também quando Jack é incriminado por roubo, o que também soa desnecessário, mas por outro lado cria o cenário para a tensa busca de Rose por ele, nos permitindo passear pelo navio enquanto ele afunda e ver alguns detalhes do processo internamente. Assim, aqueles longos corredores brancos se tornam aterrorizantes quando as luzes começam a falhar e a água começa a subir, chegando a níveis insuportáveis de tensão graças também ao design de som que cria com precisão os barulhos daquele gigante que se desfaz e à trilha sonora que emula a batida acelerada de um coração neste instante.

Cal persegue o casalLongos corredores brancosÁgua começa a subirO espetacular design de som, aliás, nos permite notar desde os pequenos movimentos nos talheres durante um jantar até o barulhento impacto da água durante o naufrágio, sendo essencial na imersão do espectador naquele ambiente. Enquanto isto, o ótimo James Horner cria uma trilha sonora grandiosa, alcançando a escala épica exigida pela história sem jamais deixar de lado o romantismo que emana da narrativa, inserindo trechos da melodia da música tema “My heart will go on” (imortalizada na voz de Celine Dion) e encontrando espaço ainda para criar variações interessantes que incluem elementos tipicamente irlandeses nas sequências que se passam na terceira classe e composições agitadas que embalam os momentos de tensão.

O trabalho técnico formidável liderado pelo perfeccionista Cameron segue com a reconstituição precisa das roupas usadas na época (figurinos de Deborah L. Scott), que servem também para diferenciar as classes sociais que embarcaram no navio, além é claro dos objetos utilizados na decoração dos ambientes e até mesmo das louças e talheres utilizados nos luxuosos jantares (design de produção de Peter Lamont). Assim, “Titanic” mostra-se um verdadeiro deleite para os olhos, um esplendor visual que ganha contornos épicos através dos planos belíssimos do transatlântico navegando pelo oceano tanto durante os dias ensolarados como sob a luz das estrelas ao anoitecer.

Reconstituição precisa das roupasDecoração dos ambientesTalheres utilizados nos luxuosos jantaresEssencial na criação deste visual marcante, a fotografia de Russell Carpenter prioriza tons azulados em diversos momentos do presente, transmitindo a melancolia que a história evoca e a nostalgia de Rose, transitando com precisão para o visual vivo e iluminado durante o início da viagem que realça não apenas o brilho e o luxo do navio, como também a empolgação daquele jovem casal que se conhece. Já no ato final, os tons mais escuros e o predomínio das cenas noturnas ajudam a criar na plateia a mesma sensação de angústia dos personagens.

Tons azuladosVisual vivo e iluminadoTons mais escurosPersonagens que são interpretados por um elenco heterogêneo, encabeçado por dois nomes que despontavam na época. Ainda bem jovem, mas já dono de grande talento (conforme atestam “Gilbert Grape” e “Diário de um Adolescente”), Leonardo DiCaprio vive Jack com a intensidade e a empolgação que se espera de um jovem que consegue embarcar naquele luxuoso navio, conseguindo ainda uma ótima química com Kate Winslet, o que é essencial para o sucesso do romance. Winslet, por sua vez, confere carisma e vivacidade a jovem Rose, mostrando-se inteligente para compreender o ambiente em que está inserida e, ao mesmo tempo, passional o bastante para se atirar de cabeça num verdadeiro romance impossível. São deles alguns dos momentos mais icônicos do longa, como o lindo primeiro beijo ao pôr-do-sol na proa do navio (“Estou voando Jack”, diz ela) e o famoso grito “Eu sou o rei do mundo!”. A coleção de lindas cenas continua quando Jack desenha Rose nua e especialmente na clássica cena em que a mão dela indica o sexo e o romance alcança seu clímax, segundos antes do impacto no Iceberg que mudaria aquela história para sempre.

Lindo primeiro beijoJack desenha Rose nuaMão dela indica o sexoRose seguiria sua vida, constituiria família e viveria muito ainda, até que finalmente encontrasse coragem para embarcar novamente no Titanic. Aos 86 anos, Gloria Stuart tem uma atuação sensível e emocionante, transmitindo o quanto aquelas lembranças eram importantes para Rose através de seu olhar, participando ainda da desnecessária narração que mastiga alguns acontecimentos para o público. Ainda entre os destaques, Kathy Bates diverte-se na pele da espirituosa e divertida Molly, ao passo que Bill Paxton está apenas discreto como o caçador de tesouros Brock Lovett.

Atuação sensível e emocionanteEspirituosa e divertida MollyCaçador de tesouros Brock LovettInfelizmente, “Titanic” também tem sua porção de personagens unidimensionais e odiáveis, como o canalha Cal de Billy Zane que, além de atormentar a vida do casal principal, ainda é capaz de usar uma criança abandonada a seu favor no ato final. Já Frances Fisher encarna a Sra. Ruth de maneira tão gélida e impassível que por vezes chegamos a duvidar que ela seja mesmo a mãe de Rose, salvando-se apenas por demonstrar preocupação genuína ao ver a filha voltar para o transatlântico enquanto este afunda e pelo pequeno momento de humanidade quando tenta justificar sua maneira de agir e seu interesse financeiro acima da própria vontade (“Somos mulheres, nossas escolhas nunca foram fáceis”). E finalmente, não posso deixar de mencionar alguns dos oficiais que agem de maneira irracional, segurando a terceira classe já durante o naufrágio e não utilizando toda a capacidade dos botes, chegando ao ápice quando um deles atira num dos amigos de Jack e suicida-se depois, o que ao menos demonstra remorso.

Canalha CalGélida e impassívelAtira num dos amigos de JackE por falar em ápice, chegamos então aos momentos que fizeram de “Titanic” um longa tão impactante. Conduzida de maneira vigorosa por Cameron, a cena do acidente é tensa o bastante para envolver o espectador, com a câmera trêmula do diretor nos colocando dentro do ambiente e criando uma sensação de urgência sem que, por isso, deixemos de ter a exata noção de tudo que acontece na tela. O desespero e o egoísmo durante o naufrágio e o verdadeiro comportamento de manada que toma conta das pessoas após o acidente simboliza o ser humano em seu estado mais cru, em momentos captados com precisão pelos closes e planos fechados de Cameron que buscam valorizar as expressões de medo e angústia das pessoas.

Cena do acidenteComportamento de manadaExpressões de medo e angústiaMas o diretor sabe ser sutil também. Em certo momento do naufrágio, um plano geral mostra os fogos de artifício estourando no centro da tela com o navio pequeno ao fundo, dando a exata noção da insignificância daquele transatlântico diante da magnitude do oceano. E se a banda tocando até o último instante é o mais puro símbolo do melodrama que permeia “Titanic”, a linda sequência embalada por uma das músicas da banda exemplifica muito bem como Cameron sabe utilizar isto a seu favor, quando vemos um casal de idosos esperando a morte e uma mãe contando histórias para os filhos enquanto a água invade aqueles compartimentos. Da mesma forma, o tocante momento em que o capitão Smith (Bernard Hill, em boa atuação) se recolhe desolado para esperar o fim torna o personagem ainda mais interessante.

Fogos de artifícioBanda tocando até o último instanteMãe contando histórias para os filhosObviamente, se toda a produção preza pelo primor técnico, a impactante cena do naufrágio é a cereja do bolo de “Titanic”. Colocando o espectador dentro do navio enquanto vemos as pessoas caindo na água e sua estrutura desmoronando, Cameron e sua equipe criam um momento tão sublime tecnicamente e poderoso dramaticamente que é praticamente impossível não reconhecer seus méritos. Assim, a força devastadora da água preenche a tela com tanta verossimilhança que o espectador praticamente se encolhe na poltrona, buscando segurar-se em algo enquanto aquele gigante se prepara para finalmente afundar. Após o naufrágio, a fotografia azulada e a boa atuação do elenco transmite com precisão a histeria coletiva que toma conta do local, nos fazendo em seguida quase sentir o frio que os personagens sentem no meio do oceano. E então o momento que levou milhões de espectadores às lágrimas chega e Jack finalmente se torna apenas uma lembrança para Rose.

Impactante cena do naufrágioGigante se prepara para finalmente afundarHisteria coletivaO final delicado e sensível nos mostra rapidamente a vida que Rose levou através de algumas fotografias e nos permite uma última visita ao mais famoso transatlântico da história, recriado com precisão nesta obra grandiosa, tecnicamente perfeita e dramaticamente poderosa, com alguns excessos é verdade, mas que jamais chegam a prejudicar sua qualidade soberba. James Cameron pode ser egocêntrico e megalomaníaco. Certamente, os criadores do “Titanic” também eram. Mas, ironicamente, a junção entre o primeiro e a história trágica do segundo criaram um dos filmes mais emblemáticos dos anos 90 e, certamente, um dos grandes da história do cinema em todos os tempos.

Titanic foto 2Texto publicado em 17 de Novembro de 2013 por Roberto Siqueira

3 comentários sobre “TITANIC (1997)

  1. Francisco 10 março, 2017 / 11:41 pm

    Eu, pessoalmente não gostei de Titanic, mesmo o considerando tecnicamente quase perfeito, mas não quero me estender nesse assunto por ser muito contraditório. Veja o estranho paradoxo: O problema principal do filme é exatamente o que o levou ao estupendo sucesso de bilheteria, ou seja o romance fictício piegas e clichê entre os dois protagonistas. Por isso, sinceramente, acho “O Destino do Poseidon” de 1973 bem melhor neste sentido, pois conseguiu mostrar que nem todo filme dramático ou trágico precisa de casal romântico à la Romeu e Julieta para fazer grande sucesso, mas não pode abrir mão do carisma e do talento de atores como Gene Hackman, Ernest Borgnine, Shelley Winters ou Roddy McDowall!! Obrigado Roberto, grande abraço!

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  2. Mateus Aquino 19 novembro, 2013 / 7:14 pm

    Titanic é muito belo, sem sombra de duvidas. Acho uma Obra Prima sim, mas 1997 teve vários filmaços. Acho que eu ficaria com “A Vida É Bela”, mas Titanic é um filme digno de prêmios sim.

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    • Roberto Siqueira 11 janeiro, 2014 / 8:19 pm

      Um grande filme, sem dúvida.
      Um abraço e obrigado pelo comentário.

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