BRAVURA INDÔMITA (2010)

(True Grit)

 

Filmes em Geral #81

Dirigido por Joel Coen e Ethan Coen.

Elenco: Hailee Steinfeld, Jeff Bridges, Matt Damon, Josh Brolin, Barry Pepper, Doomhall Gleeson, Elizabeth Marvel, Leon Russom, Ed Corbin, Paul Rae, Nicholas Sadler, Bruce Green, Dakin Matthews, Brian Brown e Philip Knobloch.

Roteiro: Joel Coen e Ethan Coen, baseado em livro de Charles Portis.

Produção: Scott Rudin, Joel Coen, Ethan Coen e Steven Spielberg.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Refilmagem do longa que rendeu o único Oscar da carreira de John Wayne, este belo “Bravura Indômita” confirma o talento dos irmãos Coen ao trazer, além de imagens belíssimas e ótimas atuações, uma surpreendente abordagem clássica de um gênero quase extinto, é verdade, mas que sempre rende ótimos filmes quando pessoas talentosas resolvem investir nele. É uma pena, portanto, que os estúdios (e o público!) não estimulem a produção dos chamados westerns, pois o mais americano dos gêneros já provou inúmeras vezes que pode nos brindar com maravilhas como esta dirigida pelos Coen.

Escrito pelos próprios Joel e Ethan Coen com base no romance de Charles Portis, “Bravura Indômita” narra a história de Mattie Ross (Hailee Steinfeld), uma garota de apenas 14 anos que parte em busca de vingança após seu pai ser assassinado por Tom Shaney (Josh Brolin). Para isto, ela resolve contratar o agente federal J. Cogburn (Jeff Bridges), que após recusar a proposta inicial, acaba aceitando a oferta. Só que o Texas Ranger LaBoeuf (Matt Damon) também está perseguindo o criminoso por causa de outro crime ocorrido em seu estado.

Como de costume, os diálogos escritos pelos Coen são um espetáculo à parte, desta vez chamando a atenção por surgirem realistas em sua simplicidade, refletindo a brutalidade daquelas pessoas movidas por um código de honra próprio que normalmente busca defender valores familiares (Mattie) e até mesmo suas origens (LaBoeuf). Por outro lado, o humor negro marcante dos Coen aparece pouco desta vez (como quando o índio sequer pode falar suas últimas palavras antes do enforcamento), o que não quer dizer que o bom humor não esteja presente, como podemos notar quando LaBoeuf passa a falar com dificuldade após quase perder a língua – num momento divertido da atuação de Damon – e quando eles disputam quem tem a melhor mira durante a viagem – agora num momento de destaque de Bridges, que cai do cavalo totalmente sem jeito e mal consegue mirar corretamente graças à bebedeira.

Mostrando um amadurecimento louvável, os Coen conduzem a narrativa de maneira direta e sem invencionismos, recheando a narrativa com planos belíssimos que poderiam ser transformados em quadros, numa abordagem classicista que John Ford teria orgulho de assinar. Responsáveis também pela ótima montagem, eles empregam um ritmo contemplativo coerente com o gênero, fugindo da abordagem subversiva tão comum em sua filmografia. Além disso, eles conduzem os grandes momentos do longa com tranqüilidade, como na cena em que Cogburn e Mattie observam à distancia uma cabana, repleta de tensão, especialmente porque a câmera subjetiva nos coloca na posição deles. O uso da câmera subjetiva, aliás, surge também em planos similares que revelam a visão de Mattie nos braços de Cogburn quando ela deixa o derradeiro confronto e quando ela deixa seu cavalo morto para trás. Por sua vez, a beleza plástica de “Bravura Indômita” surge logo em seu plano inicial, quando a câmera, embalada pela linda trilha sonora e pela narração poética da protagonista, lentamente revela o corpo do pai dela na entrada de um saloon.

Empregando um nostálgico tom sépia, o grande Roger Deakins cria um visual árido e colabora na elaboração destes lindos planos, explorando com maestria a paisagem e destacando-se também nos ambientes fechados que são banhados pelos raios solares – como no julgamento de Cogburn -, além de criar um visual fascinante nas cenas noturnas e até mesmo na neve – note, por exemplo, a iluminação marcante da cena em que Cogburn assassina um homem dentro de uma cabana à noite (também marcada pela violência gráfica e realista). Em certo momento, um trem de ferro se move e revela ao fundo a bela cidade típica do velho oeste, que realça o ótimo design de produção de Stefan Dechant e Christina Ann Wilson, notável também quando Cogburn é encontrado dormindo nos fundos de uma venda chinesa através dos patos mortos pendurados, da desgastada cama de cordas e dos objetos espalhados por todo o local que refletem o estado de espírito do personagem.

Colaborando na tarefa de ambientar o espectador à época da narrativa, os impecáveis figurinos de Mary Zophres também merecem destaque, especialmente pelos detalhes nas botas de LaBoeuf e pelas roupas sempre pretas de Mattie, que ilustram seu luto eterno. E fechando a competente parte técnica de “Bravura Indômita”, a trilha sonora de Carter Burwell confere uma aura clássica ao longa, empregando interessantes variações da linda “Leaning on the Everlasting Arms”.

Vivendo Mattie como uma garota decidida e sempre dura nas negociações, Hailee Steinfeld tem uma ótima atuação, sobressaindo-se até mesmo nos duelos verbais com os ótimos Matt Damon e Jeff Bridges. Movida por um desejo de vingança e um imutável código de honra, a garota transmite a sensação de que nada a impedirá de alcançar seu objetivo. Exatamente por isso, sua reação chega a ser comovente no único momento em que Mattie surge vulnerável, quando, após ouvir Cogburn dizer que a abandonará, praticamente implora à LaBoeuf que não desista da perseguição – e repare como a chuva torna a cena ainda mais sufocante, refletindo a angústia da garota. Da mesma forma, seu rosto expressivo cede lugar à sutileza quando ela sorri levemente ao perceber que convencerá o dono do estábulo a comprar seus pôneis, o que só confirma a qualidade de seu desempenho.

Introduzido com competência na narrativa, Cogburn rapidamente nos apresenta características importantes de sua personalidade através da forma irritada que responde às perguntas de Mattie de dentro da latrina. Em seguida, seu jeito debochado no julgamento confirma sua personalidade conturbada, numa cena em que vale observar também como os Coen atrasam ao máximo a revelação de seu rosto, com a câmera subjetiva simulando a visão de Mattie. Conferindo carisma e ambigüidade ao personagem, Bridges tem um excepcional desempenho, com sua voz alterada e rouca, a dificuldade de pronunciar certas palavras e a oscilação de humor que revelam a instabilidade daquele homem explosivo e quase sempre alcoolizado, mas que guarda valores admiráveis – como descobriremos no terceiro ato. Matt Damon, por sua vez, confere uma interessante tridimensionalidade ao seu Texas Ranger, que surge inicialmente como um homem atrapalhado, mas ganha força nas discussões com Cogburn e, especialmente, ao conquistar o respeito de Mattie com o passar do tempo. Ambos, aliás, protagonizam instantes aparentemente despretensiosos que servem como preparação para o clímax da narrativa, quando Cogburn conta como conseguiu vencer sozinho sete homens armados (e a forma como Bridges conta a história faz o espectador acreditar nele) e quando LaBoeuf fala sem tanta convicção das proezas de sua arma, capaz de acertar alvos muito distantes.

Despretensioso também é o encontro entre Mattie e Tom Shaney, que dá inicio ao clímax da narrativa. Interpretado por Josh Brolin, Shaney é o bandido ignorante que se meteu numa enrascada e não sabe como sair dela, agindo de maneira sempre instintiva, o que também lhe coloca em situações perigosas – aqui, leva um tiro por menosprezar a garota. Entretanto, o bandido jamais soa caricato ou unidimensional, exatamente pela forma como Brolin confere vulnerabilidade ao personagem. Ainda assim, ele consegue seqüestrar a intempestiva Mattie, o que nos leva ao esperado confronto entre os “bandidos” e os “mocinhos” (assim, entre aspas mesmo). O tiroteio realista traz Cogburn enfrentando quatro homens armados, num confronto conduzido de maneira primorosa pelos irmãos Coen, especialmente depois que ele cai ferido e passamos a acompanhar a cena sob o ponto de vista de LaBoeuf, que atira e nos faz torcer para que o inimigo caia do cavalo – o que acontece alguns (longos) segundos depois.

O final poético de “Bravura Indômita” então começa a ganhar forma quando Mattie atira em Tom Shaney e, como Cogburn alertou que aconteceria, é jogada para trás, caindo num enorme buraco e sendo picada por uma cobra antes que o agente federal consiga retirá-la de lá. Desesperado para salvar a valente garota, ele parte numa linda cavalgada noite adentro, embalada pela marcante trilha sonora e repleta de planos memoráveis sob a neve. A seqüência final traz a adulta Mattie de volta à cidade e confirma que seu esforço valeu à pena. Ambos encontraram no outro o papel que faltava em suas vidas. Enquanto Mattie sentiu nos braços de Cogburn o carinho perdido com a morte do pai, Cogburn teve a chance de se redimir após o fim do relacionamento conturbado com seu filho. E enquanto ela se afasta do túmulo de Cogburn e a trilha embala os créditos finais, temos a sensação de que algo realmente marcante está chegando ao fim.

Recheado de imagens belíssimas e trazendo personagens marcantes, esta refilmagem de “Bravura Indômita” comprova a versatilidade dos irmãos Coen e a competência de atores como Bridges e Damon. Revelando ainda o talento da jovem Steinfeld, o longa revigorou um gênero quase sempre esquecido, mas sempre capaz de nos presentear com bons filmes.

Texto publicado em 16 de Fevereiro de 2012 por Roberto Siqueira

3 comentários sobre “BRAVURA INDÔMITA (2010)

  1. Cesar Duarte 29 abril, 2013 / 12:16 am

    Olá Roberto. Assisti esse filme ontem à noite e confesso que não achei nenhuma obra-prima. Na minha opinião perde de longe para o original de 1970. Por mais que o elenco esteja bem(para mim destaque para a garota Hailee Stainfeld). E também por mais que falem que John Wayne nunca foi um bom ator, o que evidentemente não concordo, ninguém consegue uma presença em cena tão poderosa quanto a dele. E olhe que nem é culpa do Jeff Bridges, que é um grande ator e fez muito bem o papel, porém é covardia para qualquer ator fazer um remake de seus filmes. Concordo com uma crítica em outro site que coloca esse Bravura Indômita como o patinho feio dos irmãos Coen. No mais, vale a pena dar um conferida neste filme, que está longe de ser um filme ruim.Abraço.

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    • Roberto Siqueira 10 maio, 2013 / 11:38 pm

      Não concordo Cesar, mas respeito sua opinião.
      Gosto do John Wayne, mas esta versão dos Coen é linda demais.
      Abraço.

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