MISSÃO: IMPOSSÍVEL 2 (2000)

(Mission: Impossible II)

 

 

Videoteca do Beto #239

Dirigido por John Woo.

Elenco: Tom Cruise, Dougray Scott, Thandie Newton, Ving Rhames, Richard Roxburgh, John Polson, Brendan Gleeson, Rade Serbedzija, William Mapother, Dominic Purcell, Anthony Hopkins, Daniel Roberts e Patrick Marber.

Roteiro: Robert Towne.

Produção: Tom Cruise e Paula Wagner.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quatro anos após o enorme sucesso de “Missão: Impossível”, a franquia de Tom Cruise inspirada na série de TV criada por Bruce Geller estava de volta aos cinemas. Após iniciar a trajetória do agente Ethan Hunt sob a direção do autoral Brian de Palma, desta vez o astro resolveu apostar no chinês John Woo, já estabelecido em Hollywood como um bem sucedido diretor de filmes de ação. Ainda que a característica peculiar e o talento de Woo na direção das sequências de ação sejam notáveis, o resultado é claramente inferior ao seu antecessor, mas eficiente o bastante para garantir a continuidade da franquia e a alegria dos fãs.

Mais uma vez escrito por Robert Towne, desta vez sem a colaboração de David Koepp, “Missão: Impossível 2” nos traz o agente secreto Ethan Hunt (Tom Cruise) sendo resgatado durante suas férias com a missão de recuperar e destruir um vírus letal desenvolvido para impulsionar as vendas do remédio capaz de curá-lo fabricado pela empresa de John C. McCloy (Brendan Gleeson), chamando a atenção do ex-agente Sean Ambrose (Dougray Scott), que enxerga no vírus uma grande oportunidade de fazer fortuna. Hunt é então convocado a montar sua equipe com uma única condição: encontrar e recrutar a ladra profissional Nyah (Thandie Newton), que é também ex-namorada de Sean.

Apostando num relacionamento amoroso que visa complicar o sempre interessante trabalho de investigação dos agentes secretos, o roteiro do experiente Towne ao menos sabe que o que o espectador busca de fato ao assistir “Missão: Impossível 2” são as mirabolantes estratégias da equipe da IMF, os aparatos tecnológicos envolvidos no processo e as coreografadas cenas de ação, investindo pouco tempo no citado caso de Ethan e em conflitos sentimentais. Por outro lado, talvez preocupado com as críticas sobre os furos do primeiro filme, o roteirista insere diversos diálogos expositivos que visam explicar as absurdas tecnologias utilizadas e as estratégias dos espiões, como se quisesse certificar-se de que o espectador está compreendendo a trama.

Ainda assim, sobra espaço suficiente para Woo se preocupar em fazer o que sabe melhor, comandando sequências de tirar o fôlego desde a eficiente abertura que já prende o espectador enquanto narra o roubo do vírus Quimera durante um voo de Sidney a Atlanta. Em seguida, reencontramos Ethan em outra pequena sequência simples e eficiente na qual acompanhamos o agente escalando uma montanha, recheada com uma dose de tensão que é minimizada pelo fato de sabermos que Ethan sobreviverá (mas admirável por sabermos que Tom Cruise dispensou o uso de dublês). Auxiliado pelos montadores Steven Kemper e Christian Wagner, o diretor mantém a narrativa sempre dinâmica, permitindo poucos momentos de relaxamento, como no primeiro encontro amoroso de Ethan e Nyah em Sevilha – e aqui vale notar como a trilha sonora de Hans Zimmer encontra espaço para composições inspiradas na música espanhola, que contrastam com as enérgicas variações baseadas na música-tema criada por Lalo Schifrin.

Abusando do uso da câmera lenta e dos movimentos circulares característicos de sua direção, Woo nos brinda com cenas eletrizantes como a perseguição de carros na montanha na qual Ethan convence Nyah a entrar para o grupo, nos colocando dentro dos carros em alta velocidade em planos que se alternam sem jamais soarem confusos, assim como ocorre na longa perseguição de motos que culmina num coreografado embate braçal entre Ethan e Sean que remete as lutas marciais. Outra sequência carregada de tensão é a que se passa no jóquei, onde o jogo de câmeras e a narração diegética da equipe de Ethan criam uma escala de suspense crescente quase palpável, assim como vale destacar a absurda e divertida entrada no prédio da Biocyte, que encontra espaço até mesmo para homenagear o primeiro filme com a clássica parada de Ethan pendurado pelo cabo há centímetros do chão.

Repare ainda como a bela fotografia de Jeffrey L. Kimball alterna entre as cores quentes na Espanha e na Austrália e as cores frias dentro da empresa farmacêutica, quebrando a regra apenas nos tons de vermelho que dominam a tela instantes antes da chegada de Sean ao local, sinalizando o perigo que Ethan corre antes do tiroteio dentro da Biocyte que termina no ato heroico e inteligente de Nyah. E se normalmente o design de som chama a atenção pelo volume dos tiros e o ronco dos motores nas cenas de ação, aqui sua importância é realçada por contraste na sequência em que Ethan invade o local da negociação entre Sean e McCloy, na qual o agente utiliza as pombas (também características do cinema de Woo) para abafar seus próprios movimentos.

Outra vez criando empatia com o espectador ao nos colocar dentro da equipe de Ethan, nos fazendo sentir-se parte do grupo durante todo o processo de investigação, “Missão: Impossível 2” acerta também ao trazer uma nova gama de aparatos tecnológicos curiosos e as instalações modernas concebidas pelo design de produção de Tom Sanders tanto na casa de Sean quanto na sede da Biocyte. No entanto, o maior destaque vai mesmo para a introdução do absurdamente divertido conceito das máscaras que transformam os espiões em outra pessoa, abrindo um enorme leque de possibilidades, mas infelizmente perdendo a força ao longo da narrativa pelo uso excessivo do recurso, o que quase estraga o melhor momento do filme, num plot twist inteligente conduzido com calma por Woo, que revela a artimanha através de um simples dedo ferido – e que espectadores mais atentos podem antecipar justamente pelo uso abusivo das máscaras até ali.

Os personagens continuam rasos, ainda que a boa química entre Ethan e Nyah, a convincente discussão em Sevilha que de certa forma humaniza ambos e a inédita vulnerabilidade do agente que coloca em risco sua missão consigam ao menos conferir um pouco mais de densidade aos dois, por mais que a forma em que ele a convence a aceitar a missão seja pouco crível. Mais uma vez encarnando Ethan com uma intensidade alucinante, Tom Cruise carrega com facilidade a narrativa, apesar do excesso de sorrisos que chega a motivar uma piada do interessante vilão composto por Dougray Scott, que torna-se ainda mais perigoso justamente por ser um ex-agente e conhecer muito sobre a IMF. Thandie Newton também consegue sucesso ao balancear a sensualidade latente de sua Nyah com a faceta humana já citada e Brendan Gleeson completa os destaques do elenco vivendo o inescrupuloso dono da Biocyte.

Divertido e recheado de ótimas cenas de ação, “Missão: Impossível 2” curiosamente escorrega ao tentar conferir mais humanidade e tridimensionalidade ao seu protagonista, quebrando levemente o ritmo da narrativa e enfraquecendo-o como agente secreto ao inserir uma história de amor que o torna mais vulnerável. Nada que atrapalhe a diversão.

Texto publicado em 30 de Maio de 2018 por Roberto Siqueira

MISSÃO: IMPOSSÍVEL (1996)

(Mission: Impossible)

Videoteca do Beto #140

Dirigido por Brian De Palma.

Elenco: Tom Cruise, Jon Voight, Emmanuelle Béart, Henry Czerny, Jean Reno, Ving Rhames, Kristin Scott Thomas, Vanessa Redgrave, Dale Dye, Marcel Iures, Rolf Saxon e Emilio Estevez.

Roteiro: David Koepp e Robert Towne, baseado em argumento do proprio Koepp e de Steven Zaillian e inspirado na série criada por Bruce Geller.

Produção: Tom Cruise e Paula Wagner.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Nascido de um projeto pessoal de Tom Cruise, fã declarado da série de televisão famosa nos anos 70, “Missão: Impossível” representava também a chance do astro de Hollywood emplacar como produtor e, assim, marcar definitivamente seu território na capital mundial do cinema. Inteligente, Cruise apostou num elenco de primeira, num roteirista consagrado, no talento do excelente diretor Brian De Palma e em sua própria capacidade de atrair público, criando uma combinação que dificilmente poderia dar errado. O resultado é um excelente filme de ação que conquista o espectador não apenas pela força de suas cenas marcantes, mas também por contar uma boa história, graças ao roteiro que, se não explora dramaticamente seus personagens, pelo menos está longe de ser apenas uma muleta para o show de efeitos visuais que normalmente predominam nos filmes do gênero.

Escrito por David Koepp e Robert Towne, baseado em argumento do próprio Koepp e de Steven Zaillian e inspirado na série criada por Bruce Geller, “Missão: Impossível” tem início quando o grupo de agentes liderados por Jim Phelps (Jon Voight) cai numa emboscada na cidade de Praga, culminando na morte de quase todos eles. Pensando ser o único sobrevivente do grupo, Ethan Hunt (Tom Cruise) procura o auxílio da IMF, agencia responsável pelos trabalhos secretos que, representada por Eugene Kittridge (Henry Czerny), passa a desconfiar que Ethan seja culpado pelo ocorrido, iniciando uma caçada que motiva o agente a criar seu próprio grupo e buscar os verdadeiros responsáveis pelo desastre. Hunt decide então recrutar os agentes desligados Franz Krieger (Jean Reno), Claire Phelps (Emmanuelle Béart) e Luther Stickell (Ving Rhames) e organizar um roubo dentro da sede da CIA.

Desde sua interessante introdução na qual acompanhamos o trabalho dos agentes em Kiev, “Missão: Impossível” conquista a atenção do espectador, reforçando a empatia da plateia com seu protagonista logo na sequencia seguinte, quando este se depara diante de uma situação complexa e se mostra vulnerável, conseguindo escapar com vida graças à sua esperteza. Partindo desta interessante premissa, o roteiro de Koepp e do ótimo Towne aborda o complicado jogo de espionagem de maneira brilhante, explorando a dualidade e a desconfiança dos personagens com destreza e colocando o espectador na mesma situação deles. Frequentemente, a pergunta que surge é: em quem podemos confiar? Além disso, os diálogos chamam a atenção, respeitando a inteligência da plateia ao fugir das conversas descartáveis tão comuns na maioria dos filmes de ação, assim como a narrativa se destaca por priorizar a história que está sendo contada, inserindo as cenas de ação como parte do contexto e não como a razão da existência de “Missão: Impossível”.

Inspirados em objetos reais utilizados durante a guerra fria, os utensílios empregados pelos agentes para realizar suas tarefas chamam a atenção pela criatividade, como a caneta que injeta líquido no café de determinado personagem, os óculos equipados com micro câmeras e, obviamente, os disfarces utilizados por Ethan – mérito do design de produção de Norman Reynolds. E justamente por buscar inspiração em objetos reais, o longa ganha em credibilidade e verossimilhança, o que é interessante, ainda que não seja essencial para o sucesso da trama.

Essencial mesmo é a presença de Tom Cruise, que carrega a narrativa com facilidade graças ao seu carisma e a sua capacidade de conferir realismo aos esforços de Ethan Hunt. Normalmente dispensando dubles, Cruise entrega uma atuação visceral, correndo como se estivesse disputando os jogos Olímpicos, por exemplo, quando foge do Akuarium no centro histórico de Praga, além é claro de demonstrar grande capacidade física em cenas complicadas como a da invasão da sede da CIA, quando fica suspenso por alguns cabos a poucos metros do chão. Mas não é apenas graças ao vigor físico que Cruise se destaca, já que, quando não está sendo caçado, seu Ethan parece uma pessoa normal, demonstrando vulnerabilidade, por exemplo, quando vê seus pais sendo presos ou quando desconfia da parceira Claire, o que facilita a identificação da plateia com o personagem.

Entre os coadjuvantes, enquanto Kristin Scott Thomas pouco pode fazer com o escasso tempo que tem como Sarah, Emmanuelle Béart confere charme à misteriosa Claire e Ving Rhames claramente se diverte no papel de Luther Stickell, assim como Vanessa Redgrave dá um show na pele da traficante Max, num abordagem que foge do tradicional e, por isso, agrada bastante. Já a escolha de Jon Voight para o papel de Jim Phelps (o único agente remanescente da série de TV) soa acertada, especialmente quando este se revela o grande vilão, surpreendendo uma plateia acostumada a ver o ator como herói. Finalmente, Jean Reno impõe respeito como Krieger, priorizando a ação física em detrimento do raciocínio lógico, num contraponto interessante para o astuto Ethan que fica evidente quando o segundo brinca com um disquete e irrita o primeiro.

Explorando locações distintas e interessantes, o diretor de fotografia Stephen H. Burum emprega um visual obscuro e predominantemente noturno no primeiro ato, explorando muito bem a atmosfera medieval da belíssima cidade de Praga, o que colabora para aumentar o suspense e contrasta com o visual asséptico empregado em Langley, na Virgínia, onde o suspense também existe, mas baseia-se muito mais na habilidade do diretor Brian De Palma. Quando a narrativa retorna à Europa, os momentos obscuros e banhados pela chuva são mesclados com o ensolarado desfecho em Londres.

Esta transição bem definida entre os atos deve-se também a boa montagem de Paul Hirsch, que se destaca em sequências especiais como a apresentação do sistema de segurança da sede da CIA, conferindo dinamismo à narrativa e sendo importante ainda no sucesso das duas grandes cenas de “Missão: Impossível”. Entretanto, se o trabalho técnico é valioso, a condução de Brian De Palma é fundamental para que o longa seja bem sucedido.

Diretor virtuoso e de grande talento, De Palma emprega os costumeiros movimentos estilizados de câmera em diversos momentos, colaborando sensivelmente para a construção da escala crescente de suspense e ainda brincando com a plateia em diversos momentos, como na surpreendente reaparição de Jim numa cabine telefônica. Extraindo boas atuações do elenco e com um bom roteiro em mãos, o diretor sente-se a vontade para se destacar nas acrobáticas cenas de ação, que se tornam ainda mais empolgantes graças ao espetacular tema composto por Lalo Schifrin para a série de TV, capaz de injetar adrenalina na plateia logo nos primeiros acordes – e que Danny Elfman corretamente utiliza somente em momentos pontuais.

Competente não apenas na concepção visual de seus filmes, mas também na notável habilidade de construir grandes cenas, De Palma é responsável por momentos marcantes, dentre os quais vale destacar a icônica invasão da sede da CIA, capaz de grudar o espectador na cadeira e provocar frio na espinha durante praticamente todo o tempo. Observe a concepção visual, com a sala branca, asséptica, parecendo que foi retirada de “2001 – Uma Odisseia no Espaço” (e se considerarmos os movimentos empregados por Ethan, não podemos descartar alguma influencia do clássico de Kubrick), repare os ângulos inusitados escolhidos por De Palma que nos auxiliam a compreender a geografia da cena (e, neste sentido, a tela de computador utilizada por Luther não só é fundamental, como ainda aumenta a tensão ao nos permitir acompanhar a movimentação do analista da CIA responsável pelo local), e, finalmente, perceba como o silêncio absoluto torna a tensão quase insuportável. Por isso, quando vemos um rato surgir em segundo plano logo atrás de Krieger, o analista (Rolf Saxon) indo e voltando do banheiro e, especialmente, a gota de suor descendo lentamente nos óculos de Ethan, nós praticamente não conseguimos desgrudar os olhos da tela, tendo quase taquicardia quando a faca cai em câmera lenta após a fuga dele, comprovando a aula de direção de Brian De Palma.

Em outra grande cena, Jim afirma que Kittridge (Henry Czerny) era o agente duplo e pensa enganar Ethan, mas a montagem paralela nos mostra os pensamentos do agente, evidenciando que ele já tinha percebido o que realmente tinha acontecido e, na verdade, é ele quem está enganando seu mentor. E fechando o festival de bons momentos, a espetacular sequencia no trem de alta velocidade da TGV inicia com um movimento de câmera ousado que nos aproxima dos vagões e revela Jim e Ethan em cima deles. Contando novamente com o montador Paul Hirsch, De Palma nos mostra múltiplas ações simultâneas que mais uma vez criam uma atmosfera de tensão crescente, culminando na perseguição dentro do túnel. Apesar de certo exagero, a cena é tão empolgante que o espectador se deixa levar até o último instante, embarcando na viagem junto com os personagens – e aqui, vale destacar os ótimos efeitos visuais da ILM, que conferem realismo a sequencia e permitem que o espectador acredite um pouco mais no que vê.

Narrando uma história envolvente, divertida e com ótimas cenas, “Missão: Impossível” é um grande filme de ação, que respeita a inteligência da plateia sem tentar parecer mais do que realmente é. Pra completar, seu desfecho ainda dá a deixa para o segundo filme, fazendo com que o espectador saia empolgado e esperando reencontrar aqueles personagens em breve, o que é um sinal claro do sucesso do longa. Some a isto a icônica trilha sonora, capaz de grudar em nossa memória por um longo tempo, e terá um excelente divertimento, que cumpre exatamente o que se propõe a fazer.

Texto publicado em 04 de Novembro de 2012 por Roberto Siqueira

PULP FICTION – TEMPO DE VIOLÊNCIA (1994)

(Pulp Fiction)

 

Videoteca do Beto #105

Dirigido por Quentin Tarantino.

Elenco: John Travolta, Samuel L. Jackson, Uma Thurman, Bruce Willis, Harvey Keitel, Tim Roth, Ving Rhames, Eric Stoltz, Rosanna Arquette, Christopher Walken, Maria de Medeiros, Steve Buscemi, Quentin Tarantino, Amanda Plummer e Joseph “Joe” Pilato.

Roteiro: Quentin Tarantino, baseado em história de Roger Avary e Quentin Tarantino.

Produção: Lawrence Bender.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Goste ou não de Quentin Tarantino, todo cinéfilo concorda: seu estilo de fazer cinema é bastante original. Profundo conhecedor e amante da sétima arte, o diretor investe na subversão de gêneros (ao mesmo tempo em que os homenageia), revelando a influência de grandes diretores do passado em seu trabalho. Além disto, Tarantino trouxe a tona o culto ao popular, ousando misturar elementos narrativos clássicos com referências à cultura pop, sempre com uma abordagem que varia entre o realista e o hiper-realista, recheada por diálogos deliciosos e espontâneos. E esta nova forma de fazer cinema chegou ao auge logo em seu segundo longa-metragem, o excelente “Pulp Fiction”, que ainda resgatou o astro John Travolta após anos de ostracismo.

Os criminosos profissionais Jules (Samuel L. Jackson) e Vicent Vega (John Travolta) saem para fazer uma cobrança em nome do traficante Marcellus (Ving Rhames). Vicent está preocupado, porque a noite deverá acompanhar a esposa do chefe, Mia (Uma Thurman). Enquanto isso, o boxeador Butch (Bruce Willis) deverá perder uma luta, para cumprir um acordo com Marcellus e sair rico da cidade.

“Pulp Fiction” começa num pequeno restaurante, com um casal conversando sobre a vida criminosa que pretende abandonar. Em instantes, eles anunciam um assalto, e a trilha sonora indica o começo do filme. Este interessante prólogo é então deixado de lado, e voltará à tona somente nos instantes finais da narrativa. Misturando com perfeição os elementos narrativos que já utilizara em seu filme de estréia (“Cães de Aluguel”), Quentin Tarantino alcança o ápice neste “Pulp Fiction”, com seus costumeiros diálogos ágeis e deliciosos sobre coisas do cotidiano, que nem sempre colaboram para o andamento da trama, mas sempre chamam a atenção do espectador, como na conversa entre Vicent e Jules sobre as diferenças entre EUA e Europa e sobre o McDonald’s. Tarantino também aborda a vida criminosa de maneira diferente do usual, auxiliado pela trilha sonora pop e empolgante, pela montagem não cronológica e dividida em capítulos – que prende a atenção da platéia – e pela narrativa que foge da tradicional causa e efeito que normalmente motiva os personagens, mantendo o foco na situação em que os eles estão envolvidos em detrimento dos objetivos de cada um. Em “Pulp Fiction”, a força do acaso em nossas vidas também ganha destaque, através de situações inesperadas que alteram o destino de todos envolvidos, como o fato de Marcellus cruzar o farol bem na frente do carro de Butch, que levará os dois a serem seqüestrados por estupradores e à redenção de Butch diante do traficante.

Obviamente, Tarantino conta muito com o excelente trabalho da montadora Sally Menke, que divide a narrativa em capítulos bem definidos, em ordem não cronológica, ajudando a criar a atmosfera mais realista pretendida pelo diretor através de cenas extensas, com poucos cortes, que confirmam a preferência dele já indicada no filme anterior. Além disso, Menke e Tarantino mostram inteligência ao esticar as histórias que envolvem Vicent e Jules, encurtando a trama que envolve Butch, claramente a menos atraente do roteiro. Escrito pelo próprio Tarantino (baseado em história dele com Roger Avary), o roteiro de “Pulp Fiction” usa artifícios interessantes, como o “macguffin” representado pela maleta de Marcellus, que, seguindo o mais puro sentido do termo popularizado por Hitchcock, não tem função narrativa alguma a não ser guiar os personagens na trama. Personagens, aliás, que falam a linguagem das ruas, cheia de palavrões e até mesmo preconceito contra estrangeiros, confirmando a abordagem realista que aproxima o espectador. E não posso deixar de citar os maravilhosos diálogos que se espalham pela narrativa, confirmando a criatividade de Tarantino, que cria situações muito interessantes, por exemplo, ao discutir algo banal como uma massagem no pé.

O longa ainda aborda com naturalidade o uso de drogas, mostrando os personagens usando cocaína e heroína, sem aliviar também nos efeitos deste uso, como quando Vicent vai buscar Mia, com os olhos praticamente fechados e um largo sorriso no rosto, claramente transformado (a trilha e a câmera lenta ilustram a sensação de relaxamento do personagem). Tudo isto, somado à fotografia natural de Andrzej Sekula, reforça a abordagem realista e ambienta o espectador ao mundo do crime. Sekula até chega a criar um visual estilizado, por exemplo, quando Butch visita Marcellus no bar, indicando através do tom vermelho a violência que predomina naquele meio, mas, em geral, a fotografia é mais crua e próxima da realidade. Realidade que nem sempre está presente, pois Tarantino também foge da abordagem realista, por exemplo, quando Mia faz um quadrado no ar e um efeito visual representa o quadrado na tela.

Além do excelente roteiro, Tarantino também mostra talento na condução da narrativa, conferindo um visual rico ao longa, além de constantemente fazer referências ao passado, seja dele próprio (o plano de dentro do porta-malas quando Vicent e Jules pegam as armas remete ao plano de “Cães de Aluguel” em que o policial é retirado do carro), seja do cinema em geral (na fuga de Butch, Tarantino homenageia uma velha técnica, o back projection, com o carro parado e as imagens movendo ao fundo). Além disso, o plano-seqüência que acompanha Vicent pelo “Jackrabbit Slim’s” serve como homenagem às estrelas do cinema dos anos 50, revelando os cartazes e as próprias atendentes locais, em outro momento de imersão na cultura pop, reforçado pela trilha sonora diegética com clássicos do período. Em outros momentos, Tarantino usa a handycam para conferir realismo às cenas, como quando Marcellus atira em Butch em plena luz do dia e quando Butch se dirige ao apartamento onde matará Vicent. Aliás, impressiona também a ausência de policiais e a predominância de cenas diurnas, o que confirma a subversão do cinema de gênero pretendida pelo diretor (nos filmes de crime, normalmente o visual é mais obscuro e os policiais estão no encalço dos criminosos). Finalmente, Tarantino não desvia a câmera nos momentos violentos e nem mesmo quando Mia confunde heroína com cocaína, mostrando o resultado trágico da droga na moça. O desespero toma conta da tela, Vicent sai em disparada para tentar salvá-la e o hiper-realismo novamente entra em cena. Neste momento, o espectador sente um misto de euforia e angústia, provocado pela mistura de humor negro e realismo, reforçado pela handycam utilizada na casa de Lance (Eric Stoltz). Quando Mia levanta gritando após a injeção de adrenalina, o hiper-realismo volta e o espectador ri. Este é o cinema de Tarantino. Por outro lado, este estilo cinematográfico dificilmente envolve a platéia emocionalmente, pois os personagens são praticamente caricaturas, o que é um ponto negativo em sua filmografia, mas que em “Pulp Fiction” funciona bem, dada a abordagem afastada da realidade em diversos momentos, como a citada “ressurreição” de Mia.

Com seu visual sensacional (figurinos de Betsy Heimann), que faz alusão aos anos 50, Vicent Vega – e suas roupas descoladas – e Jules – com seu cabelo “black power” – são personagens fascinantes, interpretados com grande carisma por John Travolta e Samuel L. Jackson. Apresentando um impressionante entrosamento, eles formam uma adorável dupla de criminosos, que tem um curioso código moral, revelado no diálogo que antecede a invasão de um apartamento. Para eles, é vital seguir o horário combinado, como se um ou dois minutos fossem extremamente importantes. Para Vicent, uma simples massagem no pé soaria como desrespeito ao chefe. Mas, para ambos, matar um inimigo de Marcellus a queima roupa é simplesmente normal. Travolta também demonstra com competência a aflição de Vicent por ter que sair a noite com Mia, aflição que só aumenta ao ouvir as risadas dos amigos quando ele pergunta se ela é bonita. As risadas se justificam quando surge a sensual e divertida Mia, interpretada pela ótima Uma Thurman. Demonstrando empatia com Travolta, Thurman está bem solta no papel. Na memorável cena em que eles dançam twist, além do desempenho marcante da dupla e da música empolgante (“Never can tell”, de Chuck Berry), o espectador que conhece um pouco da história do cinema sente uma ponta de nostalgia ao ver novamente John Travolta dançando, num momento que extrapola o filme e deixa a platéia em êxtase. Recheada de músicas marcantes, a trilha sonora ainda apresenta a bela “Girl, you’ll be a woman soon”, de Bruce Springsteen, numa cena em que Thurman novamente se destaca, dançando solta e cantarolando a música desafinada, ao mesmo tempo em que Travolta também dá um show, olhando para o espelho e treinando o autocontrole para evitar se envolver com a mulher do chefe.

Citar todos os nomes do elenco é até desnecessário diante de tantos bons atores que aparecem no longa. Mas alguns merecem destaque especial, como Christopher Walken, que tem uma pequena e estupenda participação ao contar a história do “Relógio de Ouro”. Já Bruce Willis, com seu jeito bruto e ameaçador, se sai muito bem como o boxeador Butch, se destacando em alguns momentos especiais, como a revolta de Butch ao saber que Fabienne (Maria de Medeiros) esqueceu o relógio de ouro, o olhar frio antes de matar Vicent, seu espanto ao ver Marcellus cruzar o farol e, principalmente, o momento surreal em que ele escolhe a arma antes de salvar Marcellus. Butch ainda é o autor de uma das frases marcantes do excelente roteiro – só que o seu “Zack is dead, baby” soa bem em inglês, mas perde a graça em português. E apesar de curtas, as participações de Tarantino, como Jimmy, e principalmente de Harvey Keitel, como Wolf, são excelentes, com o segundo exibindo a costumeira segurança e uma expressão ameaçadora, que confere credibilidade e respeito ao personagem.

Keitel e Tarantino surgem no último capitulo da narrativa. Repleto de humor negro e diálogos sarcásticos, “A situação de Bonne” conta com a cena mais violenta e engraçada do longa, que é o tiro acidental de Vicent em Marvin, mas é também o capitulo em que Jules escapa milagrosamente da morte, o que promove uma transformação no criminoso, que passa a acreditar na “intervenção divina” em sua vida. Esta interessante visão contrasta com a de seu colega Vicent, que vê no acaso a explicação para o que aconteceu. Bastante polêmica, esta discussão ideológica deixa a cargo de cada espectador tirar alguma conclusão. Após acompanhar todas estas histórias paralelas, o espectador se vê novamente no mesmo restaurante do início. Novamente, o grito de Honey Bunny (Amanda Plummer) ecoa em todo local e Pumpkin (Tim Roth) começa a recolher as carteiras, aterrorizando quase todas as pessoas presentes. “Quase” todas, porque o agora regenerado Jules está lá, sentado, com a arma na mão e a misteriosa maleta de Marcellus Wallace na mesa, enquanto Vicent está no banheiro, lendo uma revista tranqüilamente. E apesar de exagerar em alguns momentos anteriormente, Samuel L. Jackson está perfeito na cena final, demonstrando segurança e autoridade enquanto conversa com os assaltantes e explica a razão de sua regeneração. E assim como Leone fazia com maestria no western spaghetti, Tarantino conduz a cena com a costumeira habilidade, mantendo a tensão simplesmente ao prorrogar ao máximo o confronto (que, neste caso, sequer acontece), com os personagens mantendo as armas apontadas uns para os outros, como ele também fizera em “Cães de Aluguel”. Nada acontece de fato, mas a tensão que domina a cena é suficiente para nos deixar em transe.

Com seu visual estilizado, diálogos inesquecíveis, narrativa envolvente e cenas marcantes, “Pulp Fiction” marcou época e confirmou que Tarantino era o sopro de criatividade que faltava em Hollywood. Embalado por uma trilha sonora empolgante e por atuações inspiradas de um elenco excepcional, o longa revigorou o cinema dos anos 90, inspirando muitos trabalhos que surgiriam a seguir. Não foi apenas Jules que saiu regenerado, a própria Hollywood parece ter escapado milagrosamente de alguns tiros a queima roupa.

Texto publicado em 15 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira

VIVENDO NO LIMITE (1999)

(Bringing Out the Dead)

 

Filmes em Geral #40

Dirigido por Martin Scorsese.

Elenco: Nicolas Cage, Patricia Arquette, John Goodman, Ving Rhames, Tom Sizemore, Marc Anthony, Nestor Serrano, Cynthia Roman e Queen Latifah.

Roteiro: Paul Schrader, baseado em livro de Joe Connelly.

Produção: Barbara De Fina e Scott Rudin.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A vida noturna da cidade de Nova York, repleta de bêbados, drogados, prostitutas, tiros e todo tipo de situação desagradável, é retratada com fidelidade neste “Vivendo no Limite”, que por mais eficiente que seja, jamais alcança a força e o impacto das grandes obras de Martin Scorsese. Nem por isso, no entanto, podemos afirmar que se trata de um filme ruim, muito pelo contrário. Mas o fato é que o longa não apresenta o nível de excelência de “Taxi Driver” (que também abordava um homem atormentado pelo que via nas ruas de Nova York) ou “Touro Indomável” e marca o início de uma fase menos pungente do diretor, que ainda assim conseguiu realizar grandes filmes como “O Aviador” e “A Ilha do Medo”.

O paramédico Frank Pierce (Nicolas Cage) passa as noites rodando a cidade de Nova York dentro de sua ambulância, cumprindo a estressante rotina dos plantões noturnos, que consiste em tentativas seguidas de salvar os diversos tipos de pessoas que perambulam pela agitada madrugada da cidade norte-americana. Após a frustrada tentativa de salvar uma garota de rua (Cynthia Roman), Frank passa a ter alucinações com os pacientes que não conseguiu salvar e se vê muito perto de sofrer um verdadeiro colapso nervoso diante de sua rotina nada agradável.

Logo nos primeiros minutos de “Vivendo no Limite”, podemos notar o estilo marcante de Martin Scorsese, através do tenso plano-seqüência que nos leva pra dentro de um apartamento, onde Frank encontrará uma vítima de infarto. O desespero da família ao redor daquele homem praticamente pode ser sentido pelo espectador graças à câmera visceral de Scorsese. Entre estes familiares desesperados está Mary Burke (Patricia Arquette), a filha da vítima, que será a responsável pela mudança de comportamento de Frank. Scorsese também volta a apresentar seus tradicionais planos ousados, como o retrovisor, a sirene e o capô da ambulância, entre outros planos nada convencionais. O diretor também acerta a mão na condução dos momentos mais agressivos da narrativa, como o realista acidente sofrido por Frank e um parceiro com a ambulância. Finalmente, vale destacar outra seqüência dirigida com perfeição, quando Frank entra na companhia Daylight em câmera lenta, pisando no sangue esparramado pelo chão até chegar à moça morta e, finalmente, ao traficante preso na grade. As luzes da cidade ao fundo e os fogos de artifício queimando fazem do momento uma espécie de “poesia da cidade grande”, quebrada subitamente pela queda de Frank e do traficante, que ficam pendurados na grade.

O roteiro, escrito por Paul Schrader (baseado em livro de Joe Connelly), é carregado da tensão esperada neste tipo de profissão pouco tranqüila. Mas felizmente, Schrader sabe os momentos corretos de inserir o alivio cômico, através do bêbado que constantemente é atendido por Frank, por exemplo, quebrando a tensão e tornando a experiência mais suportável para o espectador. Schrader toca ainda, de forma curiosa, no complicado tema do conflito entre a fé e a razão, através de uma conversa informal de Frank e seu religioso parceiro Marcus (Ving Rhames) sobre uma jovem irlandesa que tentou o suicídio (“Foi o vento!” alega Frank, somente para ouvir Marcus afirmar que “Foi Jesus!”). A vida dura destes profissionais, que precisam de muita coragem e estômago forte para seguir em suas carreiras, é refletida através da fotografia escura do ótimo Robert Richardson, que em diversos momentos mistura a escuridão das ruas de Nova York com a frenética luz vermelha das sirenes piscando, aumentando a sensação de incomodo no espectador. Richardson e Scorsese utilizam ainda um velho artifício cinematográfico para melhorar a visão noturna, freqüentemente molhando as ruas da cidade, pois a água facilita a filmagem nesta fase do dia. Já a montagem dinâmica da colaboradora tradicional de Scorsese, Thelma Schoonmaker, aumenta o clima de urgência do longa, refletindo o constante estado de alerta daqueles profissionais. Repare como em diversos momentos a imagem é acelerada (uma decisão em conjunto do diretor e da montadora), refletindo a euforia de Frank, provocada pela bebida que ele toma constantemente, na busca de tentar sobreviver a mais uma noite e esquecer os traumas do passado. Scorsese reflete até mesmo nos planos o estado mental do personagem, a beira de um colapso nervoso, como quando enquadra a ambulância em alta velocidade de ponta-cabeça e de lado na tela, sempre embalando a seqüência com a trilha sonora agitada de Elmer Bernstein. Bernstein, aliás, que alterna muito bem entre o tom agitado da frenética profissão de Frank com o som tradicional da noite nova-iorquina, como no inicio do longa onde a trilha soul se mistura ao som da sirene da ambulância.

É evidente, portanto, que Frank é alguém claramente afetado pela vida que leva, sofrendo constantemente com problemas psicológicos, provocados por traumas do passado (em especial a garota Rose, primeira vítima que ele não conseguiu salvar). Nicolas Cage demonstra bem o sofrimento do personagem, através do olhar pesado, sempre baixo e com fortes olheiras, e da oscilação no tom de voz, externando uma instabilidade típica de quem enfrenta problemas e não suporta o peso que tem de carregar. Repare como o ator demonstra bem a revolta de Frank ao saber que não será demitido, socando a mesa e gritando, o que contrasta com a voz tranqüila que ele utiliza em outros momentos da narrativa. “Não salvo vidas. Sou testemunha na hora da morte deles”, diz Frank, refletindo sua descrença, que caminha em direção oposta ao que exige sua complicada profissão. Cage demonstra bem o cansaço de Frank, por exemplo, quando este toma uma pílula para relaxar (e a trilha sonora neste momento leva o espectador junto na viagem), explodindo em seguida devido às alucinações com Rose. Frank parte então com Mary nos braços e, no apartamento dela, se sente muito melhor, algo que se reflete no próprio visual do apartamento, muito mais claro e limpo (direção de arte de Robert Guerra), e na fotografia, menos sombria e destacando a cor branca. Frank diz então que acha que salvou alguém, mas não sabe quem. Podemos entender que ele salvou Mary, mas prefiro pensar que ele salvou a si próprio. Mas o grande momento da atuação de Cage acontece quando Frank, já cheio daquela vida, explode diante de um drogado suicida, dizendo que com tanta gente querendo viver, era um desperdício salvá-lo (“Se mate!”) e provocando a fuga desesperada do cidadão. No restante do elenco, vale destacar a boa atuação de John Goodman como Larry, um dos companheiros de Frank, em especial no momento em que eles atendem o bêbado no meio da rua (repare a cara de enjôo de Goodman), a divertida participação de Ving Rhames na pele do religioso Marcus, principalmente na engraçada cena em que “ressuscita” um jovem (e neste momento, Scorsese o filma por cima, como se fosse a visão divina daquele momento) e a contida participação de Patricia Arquette, bastante coerente com a sofrida Mary Burke.

Obviamente, não faltam momentos tensos em “Vivendo no Limite”, como o marcante atendimento de emergência a uma mulher grávida de gêmeos, que complica ainda mais a situação de Frank quando este, seguindo o seu carma, não consegue salvar um dos bebês, ao passo em que Marcus consegue salvar o outro e se sente renovado por isto. Mas a atitude final de Frank, provocando a morte de um paciente em estado vegetal (e abrindo espaço para discussões intermináveis a respeito da eutanásia), curiosamente o liberta de parte do seu sofrimento. E o plano final, com Frank deitado no colo de Mary até o amanhecer, mostra que finalmente ele encontrou alguma paz, ainda que esta se resuma aqueles minutos de consolo no colo de outra pessoa.

Em certo momento, a mensagem de “Vivendo no Limite” é resumida nas palavras de Frank. “Estamos todos morrendo”, diz ele, e o longa de Scorsese mostra a morte de diversas maneiras. Com algumas das principais marcas do diretor, como a violência, a culpa e um personagem central atormentado, o filme alcança um resultado agradável, mas não consegue ir muito além.

Texto publicado em 27 de Janeiro de 2011 por Roberto Siqueira