(Rocky IV)
Videoteca do Beto #220
Dirigido por Sylvester Stallone.
Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Dolph Lundgren, Brigitte Nielsen, Tony Burton, Michael Pataki, James Brown, Sylvia Meals e Stu Nahan.
Roteiro: Sylvester Stallone.
Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Rever “Rocky IV” foi uma experiência quase tão traumática quanto seria enfrentar o pugilista da Filadélfia num ringue. Ainda com a memória afetiva de um longa que marcou minha geração, vi lentamente os mitos sendo desconstruídos um a um numa narrativa mal formulada e repleta de ideologia distorcida, que foge totalmente do que tinha de melhor na franquia até ali. No entanto, é preciso contextualizar o longa para melhor compreender as razões que levaram Stallone a adotar aquela abordagem. Não que isto sirva para salvar o filme do fracasso, pois não serve, mas ao menos para entender o que levou uma franquia tão sólida a sofrer um escorregão tão marcante.
Como de costume, Stallone escreveu o roteiro e assumiu a direção do projeto. Só que, ao contrário da abordagem que investia no desenvolvimento dos personagens, aqui ele decide trazer o campeão mundial dos pesos-pesados Rocky Balboa (o próprio Stallone, claro) treinando o ex-campeão Apollo Creed (Carl Weathers) para uma luta de exibição contra o soviético Ivan Drago (Dolph Lundgren), na qual uma tragédia desencadeará uma nova luta que promoverá não apenas a vingança pessoal de Rocky, como também de toda a “América” (como eles gostam de se intitular).
Evidente já na premissa do longa, a influência do cenário político faz-se presente em diversos momentos repletos de estereótipos da época da guerra fria que predominavam produções hollywoodianas. Antes da tradicional abertura que relembra o filme anterior, as primeiras imagens de “Rocky IV” já trazem duas luvas com as bandeiras dos EUA e da URSS embaladas pelo sucesso “Eye of the tiger”, dando de cara o tom político e ideológico que destruirá as intenções do longa. Como de costume, Stallone investe na construção do relacionamento familiar na primeira metade da narrativa, o que mantém parte das características marcantes da franquia, mas infelizmente esta abordagem é abandonada sempre que o adversário russo e sua equipe entram em cena, transformando “Rocky IV” num confronto muito mais ideológico do que qualquer outra coisa.
Infelizmente, ao decidir desenvolver temas políticos, Stallone acaba deixando de lado o interessante desenvolvimento dos personagens notável nos longas anteriores e responsável por tornar a franquia Rocky tão especial. Frases como “isso é nós contra eles” deixam clara a visão política deturpada de Stallone, reforçada pela entrada no ringue de Apollo diante de Drago que mais parece uma propaganda política do “american way of life”, com o nacionalismo exacerbado praticamente saltando da tela.
Felizmente, nem tudo está perdido. A empatia entre Rocky e Apollo está novamente presente, o que é essencial para ampliar o impacto da tragédia que ocorrerá. Por outro lado, são tantos os sinais de que Apollo morrerá que parte deste impacto é perdido, como na conversa entre Rocky, Adrian (Talia Shire), Apollo e Paulie (Burt Young) num almoço de família em que Adrian já se mostrava preocupada com as condições físicas de Apollo, que afirma: “Sem guerra é melhor o guerreiro estar morto”, escancarando de vez o que viria a acontecer. Por tudo isso, a morte de Apollo é bem previsível, mas ainda assim sentimos o impacto da cena, muito mais pelo carisma do personagem do que pela construção dramática da narrativa em si.
Cada vez mais confiante e diferente da garota tímida de “Rocky, um Lutador”, Adrian pela primeira vez diz que Rocky não poderá vencer uma luta, demonstrando sua crescente insatisfação com o risco que ele corre sempre que sobe ao ringue, mas o atrito é resolvido e ela se reconcilia com ele antes da luta final. Estes conflitos tão humanos e estas preocupações tão comuns aos casais é que tornam Rocky e Adrian tão próximos do espectador. Não é o que ocorre do outro lado. Tratados de maneira diametralmente oposta pelo roteiro, Drago e sua esposa Ludmilla (Brigitte Nielsen) soam totalmente unidimensionais, exatamente como muitos dos vilões dos anos 80.
Treinando muitas vezes sob uma luz vermelha que faz uma pouco sutil alusão ao regime soviético e que serve também para criar uma aura que demoniza o adversário, Drago surge quase como uma máquina criada pelos “terríveis” soviéticos para destruir tudo que surgir pela frente. Em sua apresentação, ele não fala uma palavra sequer. Posteriormente, apenas algumas poucas palavras, sempre com intenção de intimidar quem está ao redor. Na realidade, Dolph Lundgren praticamente não atua, ganhando destaque apenas quando surge no ringue para demonstrar sua força, o que teoricamente deveria intimidar Rocky, mas não o faz. Stallone, por sua vez, tem menos tempo para desenvolver o lado humano de Rocky, surgindo mais como um garoto propaganda de academias em diversos clipes que acompanham seus treinamentos.
Clipes que, a partir de certo instante, nos dão a sensação de estarmos assistindo a um musical. Num momento relembramos a amizade de Rocky com Apollo, em outro acompanhamos Rocky e Drago treinando com tantos closes de músculos que mais parece um exercício narcisista de um já mega astro Stallone; e assim seguimos por longos minutos durante boa parte do segundo ato. Ao menos, estes clipes nos trazem belas imagens da gélida Rússia, captadas com precisão pelo diretor de fotografia Bill Butler. A esperada luta final surge também em forma de clipe após alguns minutos de bom combate, o que tira boa parte da adrenalina do confronto entre dois homens tão poderosos fisicamente e torna esta a luta menos enérgica de toda a franquia – o que é curioso ao olhar em retrospectiva, já que Drago notabilizou-se, especialmente para minha geração, como o principal adversário de Rocky.
Para piorar, Stallone decide finalizar o longa com um discurso patético que envolve política de maneira totalmente distorcida e tenta, de maneira desesperada, nos fazer acreditar que o público soviético concordaria com aquilo. Se olharmos para os adversários de seu outro grande personagem na carreira a partir de “Rambo II” e até mesmo o “poderoso” inimigo em “Os Mercenários”, teremos a confirmação de que a visão política de Stallone é realmente bastante distorcida e irrelevante.
Enfim, influenciado pelo ambiente político de sua época, “Rocky IV” investe em algo novo de maneira desajeitada e acaba perdendo as melhores características da série. Uma pena.
Texto publicado em 18 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira
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