ROCKY V (1990)

(Rocky V)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #221

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Sage Stallone, Burgess Meredith, Tommy Morrison, Richard Gant, Tony Burton, Jimmy Gambina, Delia Sheppard, Paul Micale, Stu Nahan e Michael Buffer.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky V[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Cinco anos depois de beijar a lona artisticamente com o fraco “Rocky IV”, Stallone tentava reerguer seu personagem e dar-lhe uma despedida digna – na época ele não imaginava retornar de maneira triunfal 16 anos mais tarde. Assim, “Rocky V” se caracteriza pela saída de cena do famoso pugilista da Filadélfia, que passa a focar os esforços no treinamento de um substituto. O resultado é um filme honesto, ainda que distante dos melhores momentos da franquia.

Apesar de novamente assumir o roteiro, Stallone desta vez aposta no retorno de John G. Avildsen à direção, o que se mostra uma decisão acertada especialmente pelos diversos momentos que buscam homenagear “Rocky, um Lutador”, construindo uma atmosfera nostálgica que certamente encontra eco nos sentimentos dos fãs. Basicamente, aqui vemos Rocky (Stallone, óbvio) impedido de voltar a lutar por conta de uma lesão permanente. Após ser enganado por seu contador, ele se vê obrigado a voltar para o bairro em que vivia e decide ajudar a impulsionar a carreira do jovem Tommy (Tommy Morrison), porém tudo muda com a chegada de um empresário (Richard Gant) que oferece muito dinheiro para assumir a carreira do promissor lutador.

Seguindo boa parte da estrutura narrativa clássica da franquia (o início relembra o filme anterior, temos uma luta no final, etc.), “Rocky V” aposta também na volta do tom melancólico ao trazer o protagonista enfrentando problemas de saúde e financeiros, retornando a uma vida difícil e, principalmente, constatando a passagem do tempo e a decadência de lugares importantes pra ele como a abandonada academia de Mickey. Assim, enquanto a direção de fotografia de Steven Poster ajuda a criar esta atmosfera através da escolha de cores escuras e ambientes sombrios, John G. Avildsen aproveita para também inserir a mencionada nostalgia, resgatando diversos elementos do primeiro filme que estabelecem uma conexão imediata com o espectador mais saudosista, como quando Rocky coloca seu chapéu preto e os óculos em Adrian.

Volta para o bairro em que viviaAbandonada academia de MickeyNostalgia

Confirmando esta estratégia, a trilha sonora de Bill Conti também relembra “Rocky, um Lutador” ao trazer a música “Tack it back”, os lentos acordes da clássica música tema que embalam suas lembranças do início de carreira, entre outros momentos. Por outro lado, em “Rocky V” não temos a famosa sequência do treinamento acompanhada pela empolgante trilha sonora presente nos outros filmes da franquia. Aliás, a trilha sonora surge apenas pontualmente, contrariando a presença tão marcante anteriormente. Talvez o excesso de clipes em “Rocky IV” tenha motivado a escolha de uma trilha sonora econômica em “Rocky V”.

Mais relaxado e a vontade na pele de seu personagem que no filme anterior, Stallone demonstra bem o peso da idade nas expressões de dor que o acompanham, tornando Rocky ainda mais falível e humano. Além disso, seu relacionamento cheio de carinho com o filho (Sage Stallone, que segura bem o papel) reforça seu carisma, especialmente ao constatar sua alegria por reviver etapas da vida através do garoto, em momentos simplesmente lindos. Até mesmo quando está nervoso Rocky não perde a humanidade e o bom coração, como fica claro em seus primeiros diálogos com Tommy. Nem mesmo a mídia e sua voracidade por notícias polêmicas conseguem tirá-lo do sério. No entanto, a possibilidade de reviver a adrenalina do boxe e de poder fazer o papel de Mickey empolgam Rocky, que se vê naquele jovem boxeador – ou ao menos tenta ver na luta daquele rapaz a sua luta para encontrar um lugar ao sol. Por isso, a decepção é ainda maior quando Tommy o deixa para trás para seguir o caminho mais fácil.

Infelizmente, este ponto de virada do roteiro é extremamente previsível. Imaginamos muito antes que Tommy largará Rocky e cederá ao assédio do ganancioso empresário vivido por Richard Gant através de sinais nada sutis como o conflito familiar que sua chegada provoca – e, principalmente, por causa da atuação de Tommy Morrison. Ao contrário do que poderíamos imaginar, Rocky passa a ignorar o próprio filho e a esposa (Talia Shire, em sua despedida da série) e a centrar sua vida somente em Tommy, numa atitude que ele certamente não teria e que destoa do personagem humano que conhecíamos até então. Some a isto a revolta natural do filho, a aproximação sorrateira do empresário e a evidente ambição do jovem lutador e temos a receita pronta para a mudança do personagem.

Relacionamento cheio de carinho com o filhoJovem boxeadorGanancioso empresário

Igualmente previsível é o confronto entre eles, que obviamente surge no ato final, mas ao menos resgata a energia que faltou no confronto com Drago em “Rocky IV”, trazendo ainda um ar de novidade justamente por acontecer nas ruas, de maneira quase primitiva. Mantendo a câmera agitada e próxima do rosto dos personagens, Avildsen consegue criar a atmosfera desejada sem nos fazer perder a noção geográfica do que vemos na tela, o que é muito importante. O confronto é cru, repleto de sentimentos reprimidos que são jogados pra fora e, por isso, funciona. O esperado desfecho com a vitória de Rocky e sua reconciliação com a família apenas confirmam a ideia de encerrar sua carreira no cinema de maneira simples, porém digna.

Ainda que não seja um excelente filme, “Rocky V” resgata alguns aspectos importantes ao voltar a focar no desenvolvimento dos personagens e ao trazer a atmosfera melancólica e a faceta humana tão presentes nos melhores momentos da franquia. Determinado a encerrar a carreira de seu protagonista no cinema, “Rocky V” tem um final com cara de despedida, relembrando momentos de todos os filmes anteriores – afinal, Stallone não imaginava naquele momento que Rocky voltaria 16 anos depois com o ótimo “Rocky Balboa”. Ainda bem que ele desistiu da ideia.

Rocky V foto 2Texto publicado em 19 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

KARATÊ KID 3 – O DESAFIO FINAL (1989)

(The Karate Kid – Part III)

3 Estrelas 

Videoteca do Beto #163

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Ralph Macchio, Pat Morita, Robyn Lively, Thomas Ian Griffith, Martin Kove, Sean Kanan, Jonathan Avildsen, Randee Heller e Christopher Paul Ford.

Roteiro: Robert Mark Kamen.

Produção: Jerry Weintraub. 

Karatê Kid III - O Desafio Final[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após cometerem o grave erro de eliminar elementos básicos do sucesso do primeiro “Karatê Kid” no segundo filme da série, John G. Avildsen e Robert Mark Kamen corrigiram parcialmente este problema neste “Karatê Kid 3 – O Desafio Final”, que, mesmo não tendo a mesma qualidade do longa que inaugurou a franquia, ao menos resgata parte do charme e do carisma que marcou toda uma geração. Apostando novamente na empatia de seus personagens e na superação de seu protagonista, Avildsen entrega um resultado satisfatório, ainda que falhe ao sequer tentar revigorar sua estrutura narrativa já desgastada e formulaica.

Novamente escrito por Robert Mark Kamen, “Karatê Kid 3” nos leva de volta a Los Angeles onde, após retornar do Japão, Daniel Larusso (Ralph Macchio) é desafiado por Mark Barnes (Sean Kanan) a defender seu título no campeonato de caratê. Após recusar o convite, ele recebe uma série de ameaças e acaba aceitando o desafio. Só que desta vez Daniel não poderá contar com o apoio do Sr. Miyagi (Pat Morita), que se recusa a treiná-lo por entender que o caratê deve ser usado somente para defender a honra e não para conquistar troféus. Assim, Daniel acaba se envolvendo com o treinador Silver (Thomas Ian Griffith), mas esta ajuda se revelará mais perigosa do que parece.

Assim como ocorria no segundo e pior filme da franquia, “Karatê Kid” inicia recordando cenas dos longas anteriores, numa decisão que funcionaria muito bem numa série (uma espécie de “Previously on Karatê Kid”?), mas que aqui só realça a falta de confiança do diretor na memória do espectador. Em seguida, somos apresentados ao passado do professor Kreese (Martin Kove) no exército e descobrimos que após a derrota de seus alunos para Daniel ele está falido, num indício interessante de que Kamen finalmente tentará humanizar este personagem que infelizmente não se confirma, já que esta ideia logo é descartada e serve apenas para introduzir o pupilo Silver, amigo de Kreese que será o novo vilão.

Mantendo a tradição de vilões unidimensionais e caricaturais, Thomas Ian Griffith surge sempre com um sorriso cínico no rosto, numa composição que busca irritar o espectador (e consegue!) – e que chega ao auge no plano em que Daniel treina enquanto Silver surge rindo atrás da parede. Aliás, até mesmo quando fala sobre a suposta morte de Kreese, ele surge com este estranho sorriso no canto da boca que denuncia a mentira e não convence. Quase sempre com esta expressão irritante, Griffith ao menos consegue ser mais carismático que os outros vilões da série, convencendo quando finge ser amigo de Daniel e demonstra interesse em treiná-lo, ainda que o roteiro faça questão de revelar suas reais intenções logo de cara, eliminando qualquer possibilidade de surpreender o espectador. Já o garoto Sean Kanan encarna Mike como o novo valentão unidimensional que, ao menos, funciona como uma boa ameaça ao protagonista, enquanto o citado Martin Kove mais uma vez comprova sua incompetência ao compor Kreese da mesma maneira caricata que nos filmes anteriores.

Vilões unidimensionais e caricaturaisRindo atrás da paredeO novo valentãoApenas um ano após a épica vitória no campeonato de caratê, Daniel surge bem diferente fisicamente, numa falta de cuidado que, se não chega a atrapalhar, incomoda o espectador mais atento (afinal, se Daniel estava só um ano mais velho, Ralph Macchio já estava cinco). Compondo um Daniel mais agitado e inconsequente, Macchio talvez se exceda aqui e ali, mas em geral consegue manter parte do carisma do personagem. Com sua falta de confiança crônica cedendo espaço para a ansiedade, ele parece não perceber que, ao tentar corrigir um erro, acaba sempre cometendo outro ainda pior – e sabemos que esta vulnerabilidade torna Daniel mais humano e o aproxima da plateia. No entanto, é mesmo na química excepcional com Pat Morita que Macchio se destaca; e esta continua intacta neste último filme da série.

Bem diferente fisicamenteMais agitado e inconsequenteVulnerabilidadeTransmitindo a decepção de Miyagi com as decisões Daniel com precisão em seu rosto expressivo, Morita mais uma vez rouba a cena com suas frases marcantes (“Caratê por troféu de plástico não significa nada”), que se tornam ainda mais icônicas pela maneira como ele as pronuncia. Além disso, seu Sr. Miyagi volta a protagonizar cenas muito interessantes, como aquela em que ensina o “golpe da vassoura” para Daniel (num excelente alívio cômico) e aquela em que bate nos três vilões ao mesmo tempo – e é interessante notar como o espectador jamais teme pelo personagem, confiando plenamente nas habilidades dele após o que viu anteriormente. Por tudo isso, é decepcionante ter que testemunhar Morita dizendo algumas cafonices do roteiro, como a metáfora nada sutil que relaciona o Bonsai original destruído a Daniel.

DecepçãoGolpe da vassouraNova paixão do garotoPrejudicada pela breve separação entre mestre e pupilo, a amizade de Daniel e Miyagi cede espaço para Jessica, a nova paixão do garoto que deixa claro logo de cara que só quer sua amizade. Felizmente, ao contrário do que ocorria no filme anterior, a química entre Daniel e Jessica existe e, ainda que o romance jamais se concretize, a relação consegue convencer graças à boa atuação de Robyn Lively, que cria uma personagem simpática, confortando Daniel mesmo quando este surge nervoso e impaciente. Assim, a garota consegue suprir parcialmente o vazio provocado pela separação dos grandes amigos.

Conduzindo a narrativa num tom que beira a nostalgia, Avildsen nos brinda com lindas imagens durante o treinamento na montanha com vista para o mar, embalado pela bela trilha sonora instrumental de Bill Conti, que se contrapõe perfeitamente à trilha acelerada que só amplia a tensão na descida da rocha onde o Bonsai estava escondido. Já o diretor de fotografia Stephen Yaconelli decide apostar em tons mais sombrios que nos filmes anteriores, conferindo uma aura ameaçadora ao treinador Silver, por exemplo, quando este surge fumando e lendo num carro ou quando invade a casa de Miyagi. Da mesma forma, as sombras dominam a visita ao local alugado para a nova loja de Bonsai – num indício dos problemas que surgiriam ali -, ao passo em que a obscura despedida de Miyagi da antiga oficina apenas reflete sua tristeza.

Lindas imagens durante o treinamentoFumando e lendo num carroDespedida de Miyagi da antiga oficinaSeguindo outro padrão estabelecido pela série, os figurinos de Michael Chavez trazem Daniel vestido de branco e Mike vestido de preto no torneio final, da mesma forma que Silver sempre surge de preto nos treinamentos do protagonista, numa separação clara entre “o bem e o mal”. Por outro lado, a atmosfera criada por Avildsen na final consegue resgatar um pouco da magia do primeiro filme, ainda que as lutas soem falsas em grande parte do tempo. Entretanto, o maior problema é que Avildsen aposta novamente na desgastada fórmula dos filmes anteriores, com o protagonista apanhando até não poder mais até que, num único golpe, consiga derrotar o adversário. Ao menos, existe aí um componente nostálgico que deixa a plateia satisfeita com o que viu, mas é inegável que ao repetir sua história ao invés de desenvolvê-la, a série “Karatê Kid” estava mesmo fadada ao fim.

Daniel de brancoSilver de preto nos treinamentosLutas soam falsasApresentando uma narrativa muito mais envolvente que no longa anterior, “Karatê Kid 3” tem o mérito de resgatar parte da essência do primeiro filme, ainda que não tenha a mesma qualidade deste. Enriquecido também por vilões mais ameaçadores, o longa acerta justamente por compreender que a razão do sucesso da franquia estava na simplicidade com que abordava a relação extremamente humana entre o protagonista e seu sábio mentor. Prejudicado pela repetição de uma fórmula desgastada, está longe de ser um grande filme, mas pelo menos encerrou a simpática série com dignidade.

Karatê Kid III - O Desafio Final foto 2Texto publicado em 31 de Março de 2013 por Roberto Siqueira

KARATÊ KID 2 – A HORA DA VERDADE CONTINUA (1986)

(The Karate Kid – Part II)

2 Estrelas 

Videoteca do Beto #161

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Ralph Macchio, Pat Morita, Martin Kove, Joey Miyashima, Danny Kamekona, Tamlyn Tomita, Nobu McCarthy, Charlie Tanimoto, Arsenio Trinidad, William Zabka e Yuji Okumoto.

Roteiro: Robert Mark Kamen.

Produção: Jerry Weintraub.

Karate Kid II - A Hora da Verdade Continua[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Sequência do sucesso de 1984, “Karatê Kid 2 – A Hora da Verdade Continua” chegava aos cinemas apenas dois anos após o lançamento de seu antecessor apostando na química quase palpável de Ralph Macchio e Pat Morita para funcionar. Só que, aparentemente, tanto os produtores quanto o roteirista e o diretor julgaram que somente isto já seria suficiente para a realização de um segundo filme, esquecendo-se de elementos importantes que funcionaram muito bem no longa anterior. O resultado é uma continuação decepcionante, que nem de longe tem a mesma eficiência e o carisma que consagraram o primeiro exemplar da série.

Mais uma vez escrito por Robert Mark Kamen, “Karatê Kid 2” inicia recordando cenas do primeiro filme, o que já sugere uma preocupante falta de confiança na memória do espectador. Ao menos, este início serve para indicar a tendência de explorar mais as habilidades marciais do Sr. Miyagi (Pat Morita), que, desta vez, precisa voltar a sua terra natal após receber uma carta informando o péssimo estado de saúde de seu pai. Acompanhado por Daniel (Ralph Macchio), ele viaja para Okinawa sabendo que também precisará enfrentar Sato (Danny Kamekona), um antigo amigo que se tornou seu rival por causa do amor de Yukie (Nobu McCarthy).

Os problemas de “Karatê Kid 2” começam a ficar evidentes logo em sua premissa. Ao transportar a narrativa para o outro lado do mundo, Kamen elimina um dos elementos essenciais do sucesso do primeiro filme, que é a identificação do espectador com o tema, já que aquele universo gera um distanciamento natural para a maioria dos espectadores (ou pelo menos para aqueles que jamais estiveram em terras nipônicas), que poderia ser compensado se ao menos o longa explorasse melhor o fato de estar no país de origem do caratê. Além disso, sentimos falta de figuras carismáticas como a mãe e a namorada de Daniel encarnadas com tanto carisma por Randee Heller e Elizabeth Shue – de certa forma, tanto o antigo amor de Miyagi como a nova paixão de Daniel surgem como tentativas frustradas de ocupar este vazio. Pra piorar, Kamen escorrega até mesmo na construção de diálogos simples, como quando Daniel diz que para quebrar algumas barras de gelo é preciso usar a mente e não a força, somente para segundos depois dizer desesperado que um cara bem maior que ele não conseguiu.

Mas se o roteiro falha assustadoramente, ao menos tecnicamente “Karatê Kid 2” conta com o bom trabalho da equipe dirigida por John G. Avildsen para nos ambientar a pequena vila em Okinawa, começando pela escolha da locação, que permitiria ao diretor explorar a beleza da região e criar lindos planos a beira mar caso ele quisesse. Por isso, é uma pena constatar que nem Avildsen nem seu diretor de fotografia James Crabe parecem perceber o potencial daquela pequena vila japonesa, explorando o rico visual apenas em raríssimas ocasiões. Ao menos, as casas e as vestimentas tipicamente japonesas criam a atmosfera necessária para transportar o espectador para aquele universo, o que é mérito do design de produção de William J. Cassidy e dos figurinos de Mary Malin. Avildsen também sugere que fará alguma crítica à ocupação norte-americana no local, mas jamais se posiciona com firmeza sobre o tema, o que faz as menções à presença do exército soarem vazias ou deslocadas.

Pequena vila em OkinawaCasas tipicamente japonesasOcupação norte-americana no localMesmo com tantas falhas, “Karatê Kid 2” tem o mérito de tentar focar mais na relação entre Daniel e Miyagi que funcionara tão bem no filme anterior, abrindo mais espaço para o sábio japonês na narrativa – algo refletido até mesmo na trilha sonora de Bill Conti, que desta vez abusa dos sons orientais nas composições instrumentais. Assim, Pat Morita tem a oportunidade de desenvolver melhor seu personagem, demonstrando suas motivações, seus medos e nos apresentando sua história. Confirmando seu talento, Morita protagoniza os melhores momentos do filme, trazendo ainda novas frases emblemáticas que se tornam mais interessantes pela maneira pausada e reflexiva que ele as pronuncia. Assim, se afirmações do tipo “o coração mostra que tive coragem, a medalha mostra que tive sorte” poderiam até soar cafonas, Morita faz com que elas se tornem profundas e belas apenas pela forma como as profere.

Relação entre Daniel e MiyagiSábio japonêsNovas frases emblemáticasDa mesma forma, Ralph Macchio mantém a jovialidade e o ar inocente que fizeram de Daniel “San” um personagem tão adorável, conquistando a empatia da plateia com seu carisma e seu humor autodepreciativo. Consciente de que sua força não está no porte físico e sim na agilidade, ele demonstra evolução como personagem ao surgir mais confiante e consciente de sua capacidade – o que se reflete na maneira mais direta que corteja sua nova paixão. Assim, quando Miyagi diz que “não importa quem é mais forte, importa quem é mais esperto”, Daniel responde que sabe bem disto porque ganhou o torneio assim; e nós acreditamos nele.

Ar inocenteHumor autodepreciativoManeira mais direta que corteja sua nova paixãoPor falar no torneio, em “Karatê Kid 2” temos a oportunidade de acompanhar os acontecimentos seguintes ao apoteótico final da competição, o que, além de demonstrar mais uma vez a habilidade de Miyagi, serve para confirmar que o professor John de Martin Kove continua unidimensional e detestável. Seguindo esta linha de dividir claramente as pessoas entre o bem e o mal, o novo vilão Sato interpretado por Danny Kamekona também se estabelece como um personagem unidimensional que, ao lado do odiável sobrinho vivido por Yuji Okumoto, parece sempre olhar no espelho antes de sair de casa e pensar em qual maldade fará naquele dia. Os dois atores, aliás, oferecem um desempenho tão caricatural que espanta constatar que foram dirigidos pelo mesmo Avildsen que arrancou atuações tão boas de quase todo o elenco do primeiro “Karatê Kid” e de “Rocky, um Lutador”, para citar apenas dois dos mais famosos filmes dele. E finalmente, Kumiko pode até não ter a mesma empatia que Ali tinha com Daniel, mas ao menos Tamlyn Tomita se esforça para transformar a personagem numa moça mais simpática ao longo da narrativa.

Novo vilão SatoOdiável sobrinhoKumikoDurante todo o primeiro ato, “Karatê Kid 2” prepara o espectador para um confronto entre Miyagi e Sato que nunca acontece, o que é decepcionante. Além disso, o irregular segundo ato quebra muito o ritmo da narrativa ao focar demasiadamente nos romances nada empolgantes vividos por Daniel e Miyagi – algo que, infelizmente, o trio de montadores formado por David Garfield, Jane Kurson e pelo próprio Avildsen parece não perceber. Assim, temos a sensação de que falta o espírito jovem do filme anterior, como também faltam mais lutas interessantes e realistas, já que desta vez os confrontos surgem mal coreografados e inverossímeis. E até mesmo a esperada luta final é mal realizada e sem graça, terminando com uma piada pouco inspirada que funciona mais como um anticlímax. Em resumo, se “Karatê Kid” terminava deixando o espectador em êxtase, aqui o que sentimos é uma enorme frustração.

Romances nada empolgantesConfrontos mal coreografadosEsperada luta finalMesmo com tantas falhas na estrutura narrativa, “Karatê Kid 2” tem seus raros momentos de inspiração, como o lindo diálogo em que Daniel conforta seu mentor e fala sobre como se sentiu após a morte do próprio pai – e é comovente notar como Miyagi mal consegue chorar, sofrendo calado e transmitindo apenas com os olhos marejados e a expressão facial a grande dor que sente. O longa traz ainda algumas interessantes rimas narrativas com o primeiro filme, como quando Daniel sai correndo de uma festa após enfrentar o valentão que inferniza sua vida, faltando apenas o esperado golpe da garça, que desta vez surge rapidamente e sem provocar o efeito esperado.

Daniel conforta seu mentorMiyagi mal consegue chorarDaniel sai correndo de uma festaPiorando ou eliminando elementos básicos do primeiro filme, “Karatê Kid 2” decepciona bastante, justamente por evidenciar que seus realizadores não perceberam porque fizeram tanto sucesso com “Karatê Kid”. Assim, além de conhecermos um pouco mais a respeito da história deste personagem icônico chamado Sr. Miyagi, talvez a única lembrança que carregamos desta sequência seja a bela música tema (“Glory of Love”, de Peter Cetera), que tem a força das boas canções e consegue marcar o espectador.

Karate Kid II - A Hora da Verdade Continua foto 2Texto publicado em 13 de Março de 2013 por Roberto Siqueira

KARATÊ KID – A HORA DA VERDADE (1984)

(The Karate Kid)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #160

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Ralph Macchio, Pat Morita, Elisabeth Shue, Martin Kove, Randee Heller, William Zabka, Ron Thomas e Rob Garrison.

Roteiro: Robert Mark Kamen.

Produção: Jerry Weintraub.

Karatê Kid – A Hora da Verdade[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Mesmo numa época marcada por excelentes produções voltadas para o grande público, “Karatê Kid – A Hora da Verdade” transformou-se num enorme e surpreendente sucesso, conquistando uma legião de fãs e rendendo duas continuações. No entanto, basta uma olhada rápida na sinopse do longa para constatar que ele não trazia exatamente nada de novo com sua história simples e até certo ponto previsível, o que comprova como a utilização de clichês pode funcionar com eficiência quando o diretor sabe trabalhar seu tema de maneira inteligente, sem ofender a inteligência da plateia. Assim, ao apostar na química entre seus personagens e na identificação do espectador com a trajetória de superação de seu protagonista, John G. Avildsen fez deste um verdadeiro ícone do cinema dos anos 80.

Mas qual o segredo de tanto sucesso? A resposta está na forma simpática e eficiente que o diretor transporta para a tela o roteiro básico escrito por Robert Mark Kamen, que narra o típico conflito adolescente dos tempos de escola em que o mocinho frágil e apaixonado luta pela garota bonita e rica contra o bad boy fortão e desleal. Neste caso, Daniel Larusso (Ralph Macchio) é o jovem que, após mudar-se para outra cidade com sua mãe (Randee Heller), conhece a linda e rica Ali (Elisabeth Shue) e conquista o interesse amoroso dela. Só que a garota é a ex-namorada do encrenqueiro Johnny (William Zabka), que, sendo faixa preta em caratê, começa a surrar Daniel constantemente, até que este encontra o auxílio do japonês Sr. Miyagi (Pat Morita), um velho conhecedor das técnicas de caratê que decide ensinar Daniel os segredos desta arte marcial.

Não é preciso muita bagagem cinematográfica para imaginar qual será a trajetória de Daniel Larusso, o eterno Daniel “San”. No entanto, a maneira como Avildsen conduz a narrativa envolve completamente o espectador, balanceando momentos bem humorados, como quando o carro da Sra. Larusso falha na frente da casa de Ali logo após ela apresentar Daniel para os pais dela, com momentos dramaticamente mais densos, especialmente aqueles que envolvem a construção da amizade entre o jovem e seu mentor. É verdade que o roteiro não presa exatamente pela originalidade e mesmo o velho conflito do par romântico ocasionado por um mal entendido está presente, mas até este velho clichê é usado com eficiência pelo diretor.

Além disso, Avildsen utiliza o trabalho técnico de sua equipe de maneira orgânica, contribuindo para o andamento da narrativa e, principalmente, nos dizendo um pouco mais sobre aqueles personagens. Repare, por exemplo, como a decoração nipônica da casa do Sr. Miyagi concebida pelo design de produção de William J. Cassidy nos transmite a paz de espírito de seu morador, ainda mais quando reforçada pela bela trilha sonora instrumental do ótimo Bill Conti, que remete à terra do sol nascente com precisão e contrasta muito bem com as músicas joviais escolhidas para muitas cenas de Daniel que casam perfeitamente com o espírito adolescente de “Karatê Kid”.

Amizade entre o jovem e seu mentorVelho conflitoDecoração nipônica da casa do Sr. MiyagiAs atuações também são essenciais para o sucesso da narrativa e, neste sentido, é impressionante como Avildsen consegue extrair um ótimo desempenho de quase todo o elenco. Comecemos pelo ótimo Ralph Macchio, que compõe Daniel como um garoto frágil e carismático, conquistando nossa empatia com seu jeito de ser e exibindo um humor autodepreciativo que realça sua falta de confiança e valoriza ainda mais sua trajetória de superação. Transmitindo esta característica do personagem com precisão, Macchio se destaca ainda em momentos que exigem uma postura mais visceral, como quando demonstra muito bem a revolta de Daniel após ser derrubado da bicicleta, evitando o contato com a mãe e gritando que deseja voltar para sua antiga casa – e repare como o travelling que encerra a cena faz questão de revelar que o Sr. Miyagi ouviu toda a discussão, indicando o momento em que o sábio vizinho decide ajudar o garoto. Vulnerável, Daniel conquista a empatia do espectador também pela nossa identificação com o tema, afinal, quem nunca quis enfrentar o valentão da escola pelo amor de uma garota?

Garoto frágil e carismáticoRevolta de DanielSr. Miyagi ouviu toda a discussãoPor sua vez, Elisabeth Shue está encantadora como Ali, justificando perfeitamente a atração que Daniel sente por ela. Com seu jeito meigo e sua postura firme diante das investidas do ex-namorado, ela se torna ainda mais carismática pela maneira adulta com que resolve o conflito criado pelo mal entendido no restaurante, evitando o jogo de cena e aceitando rapidamente as desculpas de Daniel. Além disso, a empatia do casal é contagiante e faz com que o espectador torça muito pelo sucesso daquele relacionamento.

Encantadora AliPostura firmeEmpatia do casalEmpatia, aliás, é a palavra que melhor define “Karatê Kid”. Observe, por exemplo, a naturalidade com que Daniel e sua mãe conversam, demonstrando uma afinidade capaz de superar todos os momentos de crise. Otimista e dona de um alto astral quase inabalável, a Sra. Larusso é outra personagem simpática que conquista a plateia sempre que entra em cena graças ao bom desempenho de Randee Heller, mas que nem por isso deixa de demonstrar preocupação diante das constantes agressões sofridas pelo filho, o que humaniza a personagem e evita que ela se torne artificial.

AfinidadeAlto astral quase inabalávelPreocupaçãoTalvez esta artificialidade surja apenas no grupo de valentões que decide infernizar a vida de Daniel desde sua chegada. Detestável até praticamente sua última fala, William Zabka permite que Johnny se torne um pouco mais humano somente após ser derrotado por Daniel (“Você é legal!”, diz), escancarando que o único personagem realmente unidimensional de “Karatê Kid” é mesmo John, o professor durão dos “Cobra Kai” interpretado por Martin Kove que assume o papel de vilão e prega sem pestanejar que a piedade é para os fracos. Observe, por exemplo, como seus próprios alunos reagem com sinais de reprovação quando este ordena que tirem Daniel do combate, ainda que não tenham coragem de contrariar a ordem dada. Ainda assim, Kove faz bem o tipo durão e transforma seus alunos numa ameaça real ao protagonista, o que é importante para que o espectador tema pelo destino de Daniel no torneio.

Detestável JohnnyProfessor durão dos Cobra KaiSinais de reprovaçãoFinalmente, se hoje não podemos falar de “Karatê Kid” sem recordar do Sr. Miyagi é porque o grande destaque do elenco é mesmo Pat Morita, que transforma aquele senhor japonês num personagem adorável e inesquecível. Falando com um sotaque divertido que só reforça sua origem, Morita encarna o papel de tutor com incrível desenvoltura e carisma, conquistando não apenas o carinho de Daniel como também de toda a plateia. Aliás, é importante notar como esta linda relação de amizade é construída com calma pela narrativa e, por isso, soa tão verdadeira. Dono de uma sabedoria invejável e exalando a famosa “paciência oriental”, Miyagi utiliza os interessantes diálogos com Daniel para nos apresentar à sua verdadeira coleção de frases impactantes e sua visão peculiar do caratê e da própria vida. Morita se destaca ainda na tocante sequência em que o reservado Sr. Miyagi revela como perdeu a esposa e o filho, evidenciando a empatia existente entre eles e confirmando que confia plenamente em Daniel.

Adorável e inesquecívelLinda relação de amizadeSr. Miyagi revela como perdeu a esposa e o filhoOs diálogos da dupla e os treinamentos comandados por Miyagi se tornam ainda mais especiais quando Avildsen e o diretor de fotografia James Crabe resolvem explorar a beleza da praia e de um lago para criar planos belíssimos e ensolarados, que ilustram a empolgação do garoto durante o processo de aprendizagem e se contrapõem aos planos obscuros que acompanham parte das árduas tarefas realizadas na casa de seu mentor. O diretor também utiliza bem o segundo plano durante a conversa entre Daniel e sua mãe num restaurante, permitindo que o espectador acompanhe simultaneamente a conversa dos dois e os garotos que saem da escola de caratê e observam os Larusso a distancia, numa cena que serve para treinar o olho da plateia para que esta observe com mais atenção o excelente momento em que Miyagi impede que massacrem Daniel, no qual este surge também em segundo plano pulando uma grade e demonstra toda sua habilidade nas artes marciais.

TreinamentosÁrduas tarefasMiyagi impede que massacrem Daniel“Karatê Kid” tem ainda seus momentos encantadores, como o passeio de Daniel e Ali no parque, o inocente primeiro beijo do casal e a icônica cena em que Daniel treina seu famoso golpe na praia, que será vital no encerramento da narrativa. Mas talvez a sequência mais marcante seja o fascinante diálogo em que o Sr. Miyagi revela porque pediu todas aquelas tarefas pesadas para Daniel e o garoto percebe que já estava sendo treinado não apenas para o caratê, mas também para enfrentar a vida, evidenciando que Miyagi representa a figura paterna que tanto lhe faz falta.

Passeio de Daniel e AliInocente primeiro beijoFascinante diálogoPor isso, quando um leve movimento de câmera revela o cartaz do campeonato de caratê na parede da escola, mal podemos esperar pelo dia do torneio. Trabalhando esta expectativa com inteligência, Avildsen nos leva até os esperados duelos, que se tornam ainda mais empolgantes graças à montagem dinâmica de Walt Mulconery, Bud Smith e do próprio Avildsen e à trilha sonora agitada que embala o início da competição – e aqui vale observar como os figurinos de Richard Bruno e Aida Swinson fazem questão de ilustrar quem é o mocinho, que surge vestido com roupão branco, e quem são os vilões, vestidos com roupões pretos, mas esta visão unidimensional não chega a atrapalhar o filme. Quando finalmente chegamos à luta final, estamos tão envolvidos pela narrativa e tão identificados com os personagens que é praticamente impossível não torcer loucamente pela vitória de Daniel.

Esperados duelosMocinho de brancoVilões de pretoE ainda que “Karatê Kid” termine abruptamente após o famoso golpe, este final emblemático teve força suficiente para marcar toda uma geração, o que comprova a qualidade da narrativa e o bom trabalho de Avildsen e seu elenco. Trabalhar com histórias que usam o esporte como ponte para a superação de barreiras pessoais parece mesmo ser a especialidade de John G. Avildsen.

Karatê Kid – A Hora da Verdade foto 2Texto publicado em 15 de Fevereiro de 2013 por Roberto Siqueira

ROCKY, UM LUTADOR (1976)

(Rocky)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #5

Vencedores do Oscar #1976

Videoteca do Beto #18 (Adquirido quando a Videoteca estava no filme #17; crítica já havia sido publicada na categoria “Filmes em Geral”).

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Thayer David, Joe Spinell, Jimmy Gambina, Bill Baldwin Sr. e Jodi Letizia.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quantas pessoas gostariam de ter uma chance na vida de mostrar o seu verdadeiro potencial e jamais conseguiram, somente porque a nossa sociedade e o nosso modo de viver raramente oferecem esta oportunidade? A tocante história do lutador amador que recebe a oportunidade de sua vida ao enfrentar o campeão mundial nos abre a possibilidade de refletir sobre este tema e observar como uma pessoa comum pode se tornar um verdadeiro campeão na vida, independente de ter ou não ter fama perante a sociedade. Escrito pelo próprio Sylvester Stallone, “Rocky, um Lutador” é muito mais que um filme sobre boxe, abordando questões delicadas de forma surpreendentemente competente.

Rocky Balboa (Sylvester Stallone) é um lutador amador de boxe que trabalha, paralelamente aos treinos, como cobrador (ou uma espécie de capanga) de um agiota na cidade de Filadélfia. A grande oportunidade de sua vida aparece quando o campeão mundial dos pesos-pesados Apollo Creed (Carl Weathers) decide, como uma estratégia de marketing, oferecer uma luta contra um desconhecido e Rocky é o escolhido. O “garanhão italiano”, como é chamado, decide se dedicar ao máximo para pelo menos sair do ringue ao término da luta sem ser nocauteado pelo campeão.

O grande trunfo do carismático filme é com certeza Sylvester Stallone. Escrito pelo próprio Stallone, Rocky é resultado de um projeto pessoal do astro, na época desconhecido do grande público. O roteiro trata basicamente da luta do homem comum para superar as adversidades em uma sociedade que não abre espaço para o seu crescimento. Podemos até considerar que existe um pouco da típica história americana, ou seja, se você trabalhar muito duro será um vencedor um dia. Mas a realidade do dia-a-dia daquelas pessoas é bem diferente, como podemos observar em pequenos detalhes da produção, como a vizinhança suja e arredia de Rocky e Paulie (Burt Young). Além disso, o filme conta com a segura direção de John G. Avildsen, que consegue criar alguns momentos inesquecíveis, como o treinamento de Rocky, recheado de belíssimos planos com o lutador correndo na beira da água e o sol nascendo, correndo pelo porto com o navio ancorado ao fundo e o belo plano no palácio da justiça da Filadélfia com Rocky subindo as escadarias e erguendo os braços lá em cima, com a bela cidade ao fundo. Ele também cria planos que dizem muito somente através da composição visual, como aquele em que Rocky está treinando no frigorífico ao vivo, enquanto Apollo e sua equipe (de costas para a televisão) fazem contas e debatem sobre o dinheiro ganho, demonstrando que para Apollo a luta contra Rocky é apenas um negócio menor. Ele é um astro e está mais preocupado com seus negócios do que com a luta em si, já que Rocky não é um adversário que o preocupe.

Stallone também é a grande força dentro do elenco do filme, oferecendo aquela que talvez seja a maior atuação de sua vida. Observe como ele vai dando pistas do temperamento explosivo de Rocky ao ficar irritado e começar a bater na carne crua no frigorífico ou quando ele reage e vence a primeira luta do filme. Observe como o ator soca o ar constantemente, como um lutador de boxe provavelmente faria, além de andar sempre com os ombros em movimento, como se estivesse prestes a desferir um soco em alguém. Além disso, ao ficar socando o ar ele também demonstra a determinação de Rocky em alcançar o seu objetivo na luta contra Apollo. Stallone também fala sempre com a boca mole, refletindo a personalidade de Rocky, que é alguém com pouco recurso intelectual, como ele mesmo diz na bela cena da patinação com Adrian. Até mesmo em cenas bem humoradas ele demonstra talento (em certo momento ele aperta uma carne crua e faz Mooo!). Repare como ele dá um leve sorriso ao ouvir as piadas de Apollo na televisão, e nem mesmo quando Paulie o repreende, dizendo que Apollo está tirando uma com a cara dele, ele para de sorrir, demonstrando que mal percebe o que está acontecendo, além de mostrar sua admiração pelo campeão. Rocky é um ser puro, simples e direto, que exatamente por ser assim, tem enorme dificuldade para viver em uma sociedade hipócrita e cheia de regras de comportamento. Finalmente, duas cenas refletem bem o talento de Stallone na composição deste personagem icônico em Hollywood. Na primeira delas, Rocky tenta conversar com Adrian, mas ela fica trancada no quarto e ele tem que falar com a porta. Stallone reflete bem o embaraço de Rocky, olhando para Paulie e depois pra baixo, indo e voltando em direção à porta e falando meio sem jeito com a garota, demonstrando sua hesitação e desconforto ao ter que passar por aquilo. A outra cena é quando Rocky discute com Mickey (Burgess Meredith). Ao ver Mickey sair, ele fica gritando e olhando para a porta com o canto do olho, demonstrando a revolta de Rocky com a vida que ele teve. Ele balança o corpo e soca a porta, explodindo em raiva quando Mickey sai, já que naquele momento Rocky estava expondo toda a dor que sentia por não ter conseguido o sucesso que seu talento permitia.

Talia Shire também tem uma grande atuação formando o par perfeito com Rocky. Nos primeiros contatos que ela tem com ele, na loja de animais, ela sorri de canto de boca com as piadas do rapaz, além de olhar quase sempre pra baixo, demonstrando a enorme timidez de Adrian. Ela só olha pra Rocky quando ele não está olhando pra ela. Na linda cena do primeiro beijo, observe como ela se entrega lentamente, recusando inicialmente o contato com ele até lentamente ir cedendo à paixão. O desajeitado beijo é extremamente realista e reflete a enorme dificuldade que aquelas duas pessoas têm de se relacionar com alguém. Burgess Meredith também está bem, demonstrando sua raiva por saber que Rocky desperdiçou a chance de ser alguém na vida, como ele deixa claro na discussão dentro da academia. O fracasso de Rocky reflete o próprio fracasso de Mickey, que também é uma pessoa amarga por não ter sido alguém no boxe, como ele deixa claro na discussão com Rocky na casa dele. Observe como nesta cena ele range os dentes, grita com raiva e olha sempre com os olhos arregalados, refletindo muito bem a ira do personagem. Carl Weathers está bastante caricato como o campeão mundial Apollo Creed, mais parecendo um astro pop entrando no palco do que um lutador de boxe entrando no ringue, provocando risos inclusive na equipe de seu adversário com a imitação de George Washington na luta final. Em todo caso, não compromete o filme. Burt Young completa o elenco principal como Paulie, o amigo fiel e explosivo de Rocky.

A dura caminhada do boxeador para chegar ao sucesso é extremamente bem refletida pelo bom trabalho técnico do filme. A começar pela direção de fotografia de James Crabe, que destaca propositalmente cores como o marrom e o preto, e cria muitos ambientes escuros. O filme se passa a maior parte do tempo à noite, refletindo a vida daquelas pessoas amarguradas e à margem da hipócrita sociedade, que parece se recusar a aceitar que existem pessoas que não são felizes com suas vidas e sequer tem a chance de mudar esta situação. Quando Rocky aconselha uma garota a parar de fumar e ficar por aí na rua até tarde, ela diz que ele não é ninguém pra falar isso pra ela. A trilha sonora toca o tema principal do filme com uma melodia lenta e triste, refletindo o momento de Rocky, que é mergulhado nas sombras da rua. Ele ficou mal com as palavras da garota, e o visual da cena, reforçado pela trilha sonora, reflete este estado psicológico do personagem. A excelente direção de arte de James H. Spencer cria ruas sujas, cheias de lixo e com paredes pichadas, mostrando um submundo de pessoas que vivem uma realidade muito diferente daquela pregada pelo “american way of life”. A casa de Rocky reflete bem sua decadência como pessoa. Observe o colchão rasgado perto da parede, as coisas bagunçadas, as paredes descascadas e a janela pichada. Ele não tem dinheiro pra nada. Os figurinos de Robert Cambel e Joanne Hutchinson colaboram na criação deste ambiente, com roupas pouco coloridas e sem vida. A trilha sonora, famosa nos dias de hoje, é muito empolgante. A música tema é cheia de energia e casa muito bem com a força do personagem. Finalmente, o trabalho de montagem de Scott Conrad e Richard Halsey mantém a narrativa sempre atraente ao focar a vida pessoal de Rocky (e não as lutas de boxe), além de colaborar com perfeição em dois momentos memoráveis do filme: o treinamento e a luta final.

Canalizando toda a frustração de sua vida para dentro do ringue, o lutador amador consegue transformar aquela simples luta em um verdadeiro embate entre as pessoas comuns e aquelas que têm o poder. Ao olhar para Rocky no ringue, a maioria dos espectadores reconhece características próprias e este é o segredo da empatia do personagem com a platéia (além é claro do carisma de Stallone). Torcemos loucamente pelo seu sucesso, mesmo sabendo da enorme dificuldade que ele precisa enfrentar para alcançá-lo. O filme acerta em cheio no realismo da luta final, já que Rocky, mesmo derrubando o campeão, perde por pontos após lutar todos os rounds. Seria difícil mesmo ele vencer o campeão mundial, mas a forma como é derrotado se torna uma vitória pessoal pra ele e, conseqüentemente, para o espectador também. O seu grito por Adrian no final da luta mostra o quanto ela foi importante para que ele buscasse forças e alcançasse seu objetivo, numa das mais belas cenas do filme.

Mostrando com extremo realismo como as pessoas comuns precisam lutar constantemente neste mundo que oferece tão poucas oportunidades para alcançar seus objetivos, “Rocky, um Lutador” consegue ser direto e ao mesmo tempo tocante. Com um personagem principal extremamente carismático, simples e inocente, mas cheio de força e garra, outros personagens muito bem desenvolvidos e boas interpretações, consegue se estabelecer como um filme maduro, que ultrapassa a barreira do esporte e simboliza a luta de toda uma vida. 

Texto publicado em 13 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira