QUATRO CASAMENTOS E UM FUNERAL (1994)

(Four Weddings and a Funeral)

 

Videoteca do Beto #106

Dirigido por Mike Newell.

Elenco: Hugh Grant, Andie MacDowell, Kristin Scott Thomas, Rowan Atkinson, James Fleet, Simon Callow, John Hannah, David Bower, Charlotte Coleman, Timothy Walker, Sara Crowe, Ronald Herdman, Elspet Gray e Philip Voss.

Roteiro: Richard Curtis.

Produção: Duncan Kenworthy.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Abordando com inteligência e bom humor as semelhanças e diferenças culturais que atrapalham um homem e uma mulher apaixonados, o diretor Mike Newell entrega uma comédia leve, com boas atuações e diálogos divertidos, recheados pelo típico humor ácido inglês. Nem mesmo o previsível final compromete o bom resultado do longa, que está longe de figurar entre os cinco melhores do ano (como apontou a Academia de Hollywood), mas que certamente é um entretenimento agradável (especialmente para casais).

Charles (Hugh Grant) é um solteirão que evita de todas as formas um compromisso sério com alguma mulher. Só que no casamento de um amigo, ele conhece Carrie (Andie MacDowell), uma mulher capaz de abalar suas convicções e fazê-lo questionar tudo que defendeu até então.

Escrito por Richard Curtis (que viria a escrever “Um lugar chamado Notting Hill” e dirigir “Simplesmente Amor”), o roteiro de “Quatro casamentos e um funeral” é repleto de diálogos interessantes e boas tiradas, que aproveitam situações costumeiras em casamentos (e funerais) para nos fazer rir, como no ácido discurso de Charles no primeiro casamento, que fica ainda melhor graças à boa interpretação de Grant (repare também no close em Carrie quando ele fala que não teria coragem de casar, indicando a atração dela pelo rapaz). E apesar dos clichês costumeiros do gênero (o primeiro encontro inesquecível, os obstáculos que separam o mocinho e a mocinha antes deles ficarem juntos no final), o longa consegue prender nossa atenção, muito por causa das situações divertidas e inusitadas que envolvem os personagens, ainda que algumas soem artificiais. Além disso, a fotografia viva de Michael Coulter e as roupas coloridas (figurinos de Lindy Hemming) conferem uma atmosfera alegre ao filme, assim como as igrejas muito bem decoradas garantem a ambientação do espectador nos principais cenários – Coulter ainda acerta ao utilizar a chuva no casamento de Carrie e no enterro de Gareth, acentuando a tristeza dos personagens. E finalmente, a trilha sonora de Richard Rodney Bennett surge apenas em momentos pontuais, como na primeira conversa entre Charles e Carrie e no funeral de Gareth, enquanto nos casamentos e festas ela é diegética, surgindo nos cantos na igreja, na marcha nupcial e nas tradicionais músicas tocadas em festas de casamento.

Neste clima leve, Mike Newell conduz a narrativa de maneira solta, empregando muitos closes e planos americanos que valorizam as atuações (o que é correto num filme que depende bastante do desempenho dos atores). O diretor também cria belos planos nas igrejas, explorando o visual rico destes locais, e extrai o riso através de rimas narrativas, como quando Charles se atrasa no segundo casamento, da mesma maneira que fez no primeiro (e o plano dele desligando o despertador faz o espectador pressentir o atraso antes mesmo de vê-lo acordando desesperado). Finalmente, o diretor emprega movimentos de câmera corretos, como quando Charles descobre que Carrie está noiva e o zoom realça a tristeza dele. Essencial numa comédia romântica, a montagem de Jon Gregory imprime um ritmo delicioso ao longa, dividindo a narrativa entre os cinco eventos principais de forma correta, além de ser fundamental em algumas cenas, como quando Carrie diz “Você não é tão bonito” e um corte nos leva à imagem da janela do hotel, indicando que eles dormiram juntos novamente. Em seguida, Carrie dorme no hotel e outro raccord nos mostra Charles dormindo na mesma posição que ela, numa elegante rima visual que indica que eles estão conectados.

E apesar do correto trabalho técnico, é na condução do elenco que Newell tem seu maior mérito. A começar por Hugh Grant, que cai muito bem no papel do atrapalhado Charles, como podemos notar logo na primeira cerimônia, quando sua reação engraçada a uma pergunta indica que ele esqueceu as alianças. Outro momento divertido envolvendo o ator (e suas reações desesperadas) acontece quando Charles senta-se à mesa com muitas ex-namoradas, numa seqüência hilária de revelações comprometedoras do passado. Esta cena também escancara a paixão dele por Carrie, pois sua timidez diante dela contradiz totalmente sua fama de namorador, revelando um nervosismo incomum naquele rapaz. Aliás, o encontro entre Charles e Carrie no bar “Boatman” começa engraçado e termina bastante sensual, e o envolvimento do casal só é crível graças à empatia entre Grant e MacDowell, que parecem de fato estarem apaixonados. A troca de olhares, a forma como se comportam e principalmente a química do casal nos convence. Por isso, quando Charles começa a sentir a falta de Carrie, sabemos que ele foi fisgado – o que leva a atrapalhada declaração dele, no único momento em que a narrativa se passa fora das cerimônias que dão nome ao filme. Obviamente, Andie MacDowell também tem méritos, conferindo sensualidade a norte-americana Carrie, além da notável simpatia, essencial para que o espectador torça pelo casal. E mesmo noiva, ela continua vivendo bons momentos com ele, como na conversa sobre as transas do passado, logo após experimentar vestidos de noiva, numa cena que escancara as diferenças culturais de ambos em relação ao sexo – e é curioso notar também a dica do roteiro, quando Carrie experimenta um vestido na frente dele e diz “Este não. Talvez na próxima vez?”.

Esta afinidade serve também para provocar tristeza nas inúmeras pretendentes de Charles. E uma delas em especial chama a atenção. Trata-se de Fiona, interpretada pela sempre ótima Kristin Scott Thomas, que exala sarcasmo ao mesmo tempo em que parece fina e bela. Vestida sempre de preto, a moça parece ilustrar através das roupas a tristeza de uma garota que há tanto tempo sofre por amar alguém que não a ama (novamente, ponto para os figurinos de Lindy Hemming). Antes mesmo que a platéia confirme o interesse dela pelo protagonista, Fiona indica que é apaixonada por alguém, e o espectador mais ligado sente que é Charles, até pela forma que ela olha pra ele e, principalmente, pela forma como ela se refere à Carrie quando ele demonstra interesse. E mesmo num papel secundário e sem grande destaque, é impressionante notar como Kristin Scott Thomas consegue dar peso à confissão de Fiona, fazendo a cena soar comovente sem ser melodramática. Já Simon Callow faz de seu Gareth um personagem amável, amigo de todos, o que explica a enorme tristeza após sua morte. Além disso, é interessante o momento da revelação sutil de seu caso com Matthew, através do discurso emocionado do rapaz em seu enterro, citando o poema de W.H. Alden, “Funeral Blues” – num bom momento de John Hannah. E finalmente, vale destacar a presença de Rowan Atkinson (hoje famoso pelo papel de “Mr. Bean”) na pele do Padre Gerald, protagonizando uma das cenas engraçadas do segundo casamento.

Ainda durante o funeral, notam-se claramente as semelhanças entre as duas cerimônias centrais da trama, o casamento e o próprio funeral. Ambos são eventos que unem a família e os amigos, sempre com roupas elegantes e dentro da igreja. Nos dois casos, as pessoas choram e sorriem, alguém faz um discurso e alguém é o centro das atenções. Obviamente, as diferenças também aparecem, já que no primeiro caso “quase” todos estão alegres, e no segundo, a tristeza impera. Vale destacar ainda como no funeral, Newell emprega muitos closes e alterna bastante entre os planos, destacando a reação emocionada das pessoas. Após este momento melancólico, a alegria volta a dominar a narrativa e chegamos ao esperado dia em que Charles se entregará ao compromisso do casamento. Só que, inteligentemente, o nome da noiva no convite é escondido por uma flor, mantendo um suspense interessante, que, infelizmente, é quebrado já na cena seguinte. Ao vermos Fiona no carro, percebemos que ela não será a noiva e, pouco tempo depois, ela mesma revela o nome da escolhida. E ao descobrir que a noiva não é Fiona e nem Carrie, o espectador se desanima. Mas, quando Carrie chega e revela que está separada, começamos a torcer pelo politicamente incorreto “não” de Charles na cerimônia. E apesar de ser totalmente previsível, o espectador fica feliz quando ele diz que ama outra no altar – e o plano dele angustiado enquanto a noiva entra na igreja diz mais que qualquer palavra. É clichê? É. Previsível? Sim. Mas funciona muito bem.

Apesar de ser totalmente previsível, o final de “Quatro Casamentos e um Funeral” é coerente com a proposta do filme, que é proporcionar uma sensação de bem estar ao espectador. Além disso, o longa tem o mérito de fazer boas piadas com situações corriqueiras nestas cerimônias, fazendo com que o espectador se identifique com o que vê e, por isso, sinta empatia pelo filme. Pra quem já é casado (como eu), fica a sensação de que, por mais que alguns casamentos não dêem certo, arriscar viver o amor verdadeiro sempre vale à pena.

Texto publicado em 18 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira

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