JERRY MAGUIRE – A GRANDE VIRADA (1996)

(Jerry Maguire)

3 Estrelas 

Filmes em Geral #94

Dirigido por Cameron Crowe.

Elenco: Tom Cruise, Cuba Gooding Jr., Renée Zellweger, Kelly Preston, Jerry O’Connell, Bonnie Hunt, Jay Mohr, Regina King, Jonathan Lipnicki, Todd Louiso, Mark Pellington, Donal Logue, Eric Stoltz, Lucy Liu e Beau Bridges.

Roteiro: Cameron Crowe.

Produção: James L. Brooks, Cameron Crowe, Laurence Mark e Richard Sakai.

Jerry Maguire - A Grande Virada[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quando decidiu escrever e dirigir “Jerry Maguire”, Cameron Crowe era apenas um ex-colaborador da tradicional revista “Rolling Stone” com dois filmes no currículo. Entretanto, ao apostar na mistura de dois gêneros recheados de clichês e na força do então maior astro de Hollywood, ele finalmente alcançou o sucesso. Com boas atuações, alguns diálogos interessantes e uma abordagem mais humanista de temas batidos, o diretor/roteirista entregou um bom filme, que está longe de ser uma obra-prima, mas nos diverte de maneira delicada e eficiente.

O longa narra a trajetória de Jerry Maguire (Tom Cruise), um agente esportivo picareta e eficiente que, após ser confrontado pelo filho de um jogador lesionado, decide escrever uma declaração sugerindo que os agentes esportivos sejam mais humanos, ganhem menos e deem mais atenção aos seus clientes. Como consequência, ele acaba demitido da agência em que trabalha e acaba abrindo a própria agência, ao lado da também ex-funcionária Dorothy Boyd (Renée Zellweger). O problema é que dentre todos os atletas agenciados por Jerry, somente o jogador de futebol americano Rod Tidwell (Cuba Gooding Jr.) decide continuar com ele.

Se comédias românticas dificilmente conseguem fugir de certos clichês, filmes de esporte não ficam nem um pouco atrás, normalmente trazendo histórias de superação repletas de situações batidas que já estamos mais do que acostumados a ver. Ciente disso, Crowe se mostra inteligente o bastante para não tentar desconstruir estes gêneros, já que esta tarefa exigiria um esforço tremendo e um talento digno de um Tarantino – algo que, convenhamos, Crowe sabe que não é. Ao invés disso, ele aposta numa abordagem mais realista, menos sentimental e mais humana, obtendo um resultado que, se não enche os olhos, ao menos soa sincero e, por isso, agrada.

Ainda assim, Crowe não escapa de situações convencionais dos dois gêneros, mostrando a queda em desgraça do protagonista que, obviamente, se recuperará, o atleta que não é conhecido e que chegará ao sucesso (ainda que, neste caso, seja através de uma situação bem diferente daquela que imaginamos) e o casal que só descobre que se ama de verdade após uma breve separação. Entretanto, se comete alguns equívocos que prejudicam seu trabalho, Crowe ao menos escapa do clichê “mocinha briga com mocinho e deixa a cidade” no último instante ao fazer com que ela fique e se case com ele. No entanto, a briga é apenas adiada e momentos depois eles decidem “dar um tempo”, num diálogo tocante em que Cruise e Zellweger se saem muito bem. Além disso, o igualmente previsível drama que Rod enfrenta no ato final tem um desfecho bem agradável e abre espaço para que Cuba Gooding Jr. abuse de seus maneirismos e exageros sem prejudicar a narrativa, da mesma forma que o esperado reencontro entre Jerry e Dorothy se salva pela forma delicada em que é conduzido pelo diretor – além, é claro, das atuações convincentes da dupla romântica.

Eles decidem dar um tempoDrama de RodReencontroTambém seguindo a fórmula das comédias românticas, a fotografia de Janusz Kaminski investe em cores quentes e cenas diurnas, colaborando para a sensação de bem estar da plateia que é reforçada pela montagem ágil de Joe Hutshing e David Moritz. Igualmente, a econômica trilha sonora aposta em belas músicas como “Secret Garden”, de Bruce Springsteen, para embalar momentos marcantes como a saída de Jerry e Dorothy para um jantar. E se não ganha grande destaque na maior parte do tempo, ao simular as batidas aceleradas do coração de Jerry o design de som nos prepara para uma negociação importantíssima para o futuro dele segundos antes do agente entrar na casa de Cush (Jerry O’Connell), além de se destacar durante as partidas, realçando o barulho das arquibancadas e os choques entre os atletas com precisão.

A abordagem leve da narrativa se confirma através de interessantes tiradas do diretor, como o divertido mentor de Jerry que surge de vez em quando para deixar algumas de suas mensagens motivacionais. Só que, para uma comédia romântica, “Jerry Maguire” tem poucos momentos realmente capazes de provocar o riso, ainda que algumas sequências sejam memoráveis, como quando Jerry grita no telefone (“Show me the Money!”) ou quando Dorothy decide sair da empresa junto com ele, numa cena em que a boa atuação de Cruise ganha ainda mais destaque pelos trejeitos e exageros do ator. Aliás, se a parte técnica e até mesmo a direção de Crowe é discreta, é também porque o diretor sabe que “Jerry Maguire” é um filme essencialmente de personagens e, por isso, são eles que devem brilhar. Empregando constantemente o tradicional plano/contraplano, ele realça o que o longa tem de melhor e evita ofuscar as boas atuações com excesso de virtuosismos. Ainda assim, o diretor utiliza a câmera ágil para nos colocar dentro dos jogos, nos permitindo sentir o calor das partidas.

Jerry Maguire é tão egocêntrico que até mesmo a narração é feita em primeira pessoa. Famoso pela cara de pau com que mente e por enganar qualquer um, ele se beneficia desta fama para conseguir os melhores contratos para seus jogadores – e o sorriso constante de Cruise só colabora para criar esta aura de falsidade no personagem. Agindo com naturalidade em diversos momentos, como quando Jerry tenta cantar diversas músicas no carro até finalmente conseguir encontrar aquela que casa com seu estado de espírito, Cruise confere enorme carisma ao agente, conquistando a plateia quase que instantaneamente, o que é vital para que o espectador torça por seu sucesso profissional e pessoal, a despeito de seus métodos inicialmente desprezíveis. Inteligente, Jerry conquista Dorothy também através de seu filho Ray (Jonathan Lipnicki), afinal, que mãe não gosta de ver alguém tratando bem seu filho? Ele acaba criando tanta afinidade com o garoto que, no fim das contas, é justamente ao vê-lo chorando que Jerry decide propor Dorothy em casamento. Ironicamente, é também o garoto que serve de escudo para que Jerry evite discutir a relação com Dorothy quando fica evidente que ele casou por gratidão e não por amor.

Aura de falsidadeTratando bem seu filhoTímida e atrapalhadaTímida e atrapalhada, a Dorothy de Zellweger se mostra empolgada diante da presença de Jerry desde a saída do avião, ainda na sequência que abre o filme. Constantemente observando casais que trocam carícias, ela escancara sua carência para Jerry de maneira nada sutil, mas compensa sua falta de prática na arte da paquera com grande carisma, desarmando-se completamente enquanto se envolve com o novo chefe. Por isso, chega a ser dolorido acompanhá-los levando aquela relação adiante mesmo sabendo que estão apenas curando sua carência ao lado de outra pessoal igualmente ressentida. E, também por isso, tanto a breve separação quanto o esperado retorno do casal conseguem conquistar o espectador, ainda que seja apenas a repetição de uma velha fórmula do gênero.

Claramente se divertindo no papel, Cuba Gooding Jr. chama a atenção sempre que entra em cena com seu jeito espalhafatoso que cai muito bem no divertido Rod. Seus diálogos com Jerry são sempre envolventes e engraçados, demonstrando a química entre os atores e dando vida a narrativa. Por isso, é uma pena que o roteiro invista pouco na boa dinâmica dos dois, gastando muito tempo no previsível relacionamento entre Jerry e Dorothy. Por sua vez, Bonnie Hunt evita transformar Laurel no estereótipo da irmã mais velha e chata que sente inveja da mais nova, demonstrando carinho e preocupação com ela justamente por não querer vê-la sofrer, mas vibrando com os momentos felizes da irmã (como quando sorri sozinha na janela ao escutar a noite de amor da caçula). E fechando o elenco, Kelly Preston vive a agitada e maluca Avery, a ex-noiva de Jerry que termina com ele por um motivo totalmente artificial e arbitrário inserido pelos roteiristas apenas para liberar o caminho do protagonista.

Longo demais para uma comédia romântica, “Jerry Maguire” ao menos trata a relação entre o casal principal de maneira adulta, tornando seus personagens um pouco mais críveis e aproximando-os da plateia. Com um final alegre, este típico “feel good movie” se destaca também pelas boas atuações, nos divertindo e, ao mesmo tempo, deixando algumas reflexões que podem não mudar o mundo, mas fazem com que o espectador se sinta mais humano.

Jerry Maguire - A Grande Virada foto 2Texto publicado em 18 de Dezembro de 2012 por Roberto Siqueira

8 comentários sobre “JERRY MAGUIRE – A GRANDE VIRADA (1996)

  1. Daniel Martins 6 fevereiro, 2018 / 7:15 pm

    O filme vai mto mais além disso… é uma lição de vida, tem várias sacadas e msgs subliminares que somente os mais sensíveis e de coração aberto conseguem pegar… reveja o filme com outros olhos… os dialogos de cruise com zellweger são de dar soco no estomago… o filme acerta em cheio em falar de amor e amizade realmente verdadeiras onde egos inflamados e egoismos estão fora de questão… com ctz um dos 10 melhores roteiros do cinema ! Abraços !

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  2. Chantal 27 julho, 2013 / 3:04 pm

    Gostei muito de teu comentário. Bem completo. Pude entrar em contato com informações bem preciosas. Assisti a esse filme inúmeras vezes, mais pela história do que pelos atores. Confesso que não senti nenhuma química entre Cruise e Renée. Achei as atuações meio forçadas. Concordo plenamente contigo, ao descrever a relação de amizade e de total espontaneidade entre Cruise e Cuba. Sem duvida, ficou faltando um aproveitamento melhor desse relacionamento, já que o filme estava mais centrado no esporte do que na vida amorosa do protagonista. Fiquei simplesmente maravilhada com a atuação do pequeno Jonathan Lipnicki. Cativante, rouba as cenas em que aparece.
    Parabéns pelo blog.
    Abraços.

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    • Roberto Siqueira 8 agosto, 2013 / 11:13 pm

      Obrigado pelo elogio e pelo comentário Chantal.
      Seja bem vinda e volte sempre.
      Abraço.

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  3. Equipe 1.6.7 18 dezembro, 2012 / 5:32 pm

    Não sabia que Jerry Maguire tinha sido fotografado por Janusz Kaminski, e provavelmente continuaria sem saber por um bom tempo se não tivesse lido aqui – portanto, obrigado pela informação.
    Gosto bastante do filme, mas talvez tenha sido um pouco superestimado na época (não sei como estava o ano em questão de atuações, pelo menos não além das premiações, mas acho, no mínimo, duvidosas a indicação de Cruise e a vitória de Cuba Gooding, Jr. no Oscar).
    Parabéns pelo trabalho com o blog.
    José Henrique

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    • Roberto Siqueira 20 dezembro, 2012 / 11:40 pm

      Muito obrigado pelo elogio José.
      Eu até acho justas as indicações, especialmente pelo ano mais fraco.
      Mas a vitória de Cuba Gooding Jr. não foi merecida. Edward Norton mata a pau em “As Duas Faces de um Crime”.
      Abraço.

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