Vídeo: Sobre Meninos e Lobos

No vídeo de hoje, conversei com Hector Colacelli à respeito de “Sobre Meninos e Lobos”, filme dirigido por Clint Eastwood e que rendeu o Oscar para Sean Penn e Tim Robbins, disponível na Netflix e Globo Play.

Confira:

Um abraço e uma semana cinematográfica para todos nós!

Vídeo publicado em 29 de Novembro de 2020 por Roberto Siqueira

ALTA FIDELIDADE (2000)

(High Fidelity)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #110

Dirigido por Stephen Frears.

Elenco: John Cusack, Iben Hjejle, Todd Louiso, Jack Black, Lisa Bonet, Catherine Zeta-Jones, Joan Cusack, Tim Robbins, Chris Rehmann, Ben Carr, Lili Taylor, Natasha Gregson Wagner e Harold Ramis.

Roteiro: D.V. DeVincentis, Steve Pink, John Cusack e Scott Rosenberg, baseado em livro de Nick Hornby.

Produção: Tim Bevan e Rudd Simmons.

Alta Fidelidade[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Amadurecer nunca foi fácil. Desde os primeiros momentos da vida em que somos obrigados a deixar fases deliciosas para trás e encarar novas e pesadas responsabilidades (como ir para a escola, por exemplo), o processo de amadurecimento do ser humano pode ser complicado e difícil dependendo da maneira como encaramos cada etapa. Pra piorar, os tempos modernos trouxeram tecnologias maravilhosas que, por outro lado, permitem que retornemos a este passado delicioso sempre que possível, seja jogando aquele videogame que amávamos, assistindo aquele seriado ou desenho ou até mesmo ouvindo as mesmas músicas de antes. Isto não é necessariamente algo ruim, mas pode tornar-se um problema sério quando esta facilidade nos impede de seguir adiante. E é justamente este o caso do protagonista deste ótimo “Alta Fidelidade”, um longa sensível a respeito da dificuldade de um homem de encarar as responsabilidades que surgem pela frente.

Escrito a oito mãos por D.V. DeVincentis, Steve Pink, John Cusack e Scott Rosenberg com base em livro homônimo de Nick Hornby, “Alta Fidelidade” narra o cotidiano de Rob Gordon (John Cusack), o dono de uma pequena loja de discos em Chicago que está se separando da namorada Laura (Iben Hjejle). Fanático por música, ele passa seus dias vendendo discos e discutindo o cenário musical com seus dois funcionários Dick (Todd Louiso) e Barry (Jack Black), mas o fim do relacionamento faz com que ele reflita sobre os inúmeros relacionamentos frustrados que teve na vida.

Repleto de diálogos interessantes como aquele em que Rob e Barry discutem os significados da palavra “ainda”, o roteiro de “Alta Fidelidade” traz pequenas joias como a pouco romântica, porém verdadeira proposta de casamento de Rob, que foge completamente dos clichês. Além disso, o texto parece um verdadeiro presente para os fãs da música, trazendo inúmeras referências a bandas famosas e outras desconhecidas do grande público, além das interessantes listas criadas pelos personagens (como sabemos, criar listas é uma brincadeira capaz de viciar nove entre dez fãs de música e de cinema também!), que estão espalhadas por toda a narrativa.

A criatividade não para por aí. Se num primeiro momento somos levados a enxergar Rob como uma vítima, nossa expectativa é completamente subvertida quando ele revela as quatro coisas ruins que fez para Laura, quebrando a imagem de pobre homem sofrido e dando os primeiros sinais do quanto ele fugia de um relacionamento sério – algo que sua mãe já havia indicado antes numa conversa telefônica. Em seguida, as explicações dele para cada acontecimento escancaram seus medos e angustias, tornando o personagem mais humano diante dos nossos olhos, ainda que não justifique suas ações.

Prendendo a atenção do espectador através do carisma dos personagens, o diretor Stephen Frears e seu montador Mick Audsley saltam no tempo sempre num ritmo ágil e sem jamais tornar a trama confusa, apostando nos flashbacks que trazem as fracassadas experiências amorosas do protagonista e ousando quebrar a quarta parede praticamente o filme inteiro ao permitir que o protagonista fale diretamente com o expectador, o que, auxiliado pelo carisma de Cusack e pelos closes e planos fechados de Frears que acompanham Rob constantemente, ajuda a criar empatia entre o personagem e a plateia.

Até mesmo os aspectos técnicos são usados para externar os sentimentos do protagonista. Deixando as janelas quase sempre fechadas ou apenas parcialmente abertas, o diretor de fotografia Seamus McGarvey cria um visual sombrio que, reforçado pelas cores sem vida que decoram o apartamento dele, conferem um ar de esconderijo ao local – afinal, é ali que Rob se esconde do mundo adulto ao seu redor, com seus LPs dispostos em ordem alfabética no apartamento e seus pôsteres de bandas na parede (design de produção de David Chapman e Therese Deprez). Finalmente, a trilha sonora recheada de canções maravilhosas de Howard Shore acerta ao retratar os diversos sentimentos conflitantes do protagonista, saltando de músicas empolgantes para baladas intimistas com facilidade.

Num papel difícil e crucial para o sucesso do longa, Cusack está muito bem, carregando a narrativa com facilidade e muita desenvoltura. Com sua expressão de derrotado e seu comportamento quase recluso, Rob é alguém difícil de lidar, escondendo-se atrás do humor autodepreciativo como forma de evitar falar abertamente sobre sua falta de coragem para encarar um relacionamento com seriedade. Se suas mudanças de penteado e no estilo das roupas são notáveis ao longo das experiências amorosas (figurinos de Laura Bauer), seu comportamento praticamente mantém-se o mesmo, o que o leva a acreditar que todos seus relacionamentos são apenas versões distorcidas do primeiro. Obcecado por explicações, Rob torna-se quase paranoico enquanto busca superar o fim de suas relações amorosas, sem perceber que os relacionamentos em si são também a razão de sua paranoia, já que ele não suporta a ideia de manter um compromisso duradouro com alguém.

Janelas parcialmente abertasExpressão de derrotadoMudanças de penteadoA gama de personagens interessantes e verdadeiros, porém, não se restringe ao protagonista. Sempre reservada e centrada, Laura surge como um verdadeiro porto seguro para aquele homem, soando quase sempre como adulta diante daquele homem tão juvenil – e neste sentido, as expressões sérias e o tom de voz controlado da atriz Iben Hjejle são essenciais para a construção desta imagem. E enquanto Todd Louiso se sai bem como o tímido e antissocial Dick, falando com dificuldades e evitando olhar diretamente para as pessoas, Jack Black diverte-se como o vendedor de discos fanático por música que quase rouba a cena sempre que aparece, ainda que abuse do overacting em alguns momentos. Saindo-se muito bem na maior parte do tempo, Black demonstra desenvoltura também no palco, quando seu Barry finalmente demonstra que também pode ser um pouco eclético.

Além da sempre engraçada e espalhafatosa Liz de Joan Cusack, vale citar também as participações de Catherine Zeta-Jones, que demonstra sua forte presença na pele de Charlie; Bruce Springsteen, que aparece rapidamente durante um pensamento de Rob; e Tim Robbins, que em pouco tempo consegue fazer seu Ian Ray ser ao mesmo tempo educado e irônico. Além disso, Robbins participa da cena mais engraçada do filme, na qual acompanhamos os desfechos imaginados por Rob para o fim de uma conversa com Ray.

Reservada e centrada LauraVendedor de discos fanáticoEducado e irônicoVerdadeira declaração de amor pela música, “Alta Fidelidade” é acima de tudo um estudo sobre um homem com enorme dificuldade de encarar o amadurecimento que todos nós temos que passar um dia. E por mais que continuemos amando nossos discos da adolescência (ok, nossos CDs ou compilações em mp3), é bem mais fácil quando sabemos encarar o momento de deixar a rebeldia adolescente para trás e dar novos passos adiante na longa e árdua caminhada da vida adulta.

Alta Fidelidade foto 2Texto publicado em 12 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira

OS ÚLTIMOS PASSOS DE UM HOMEM (1995)

(Dead Man Walking)

 

Videoteca do Beto #133

Dirigido por Tim Robbins.

Elenco: Sean Penn, Susan Sarandon, Scott Wilson, Lois Smith, Jack Black, R. Lee Ermey, Celia Weston, Raymond J. Barry, Jon Abrahams, Robert Prosky, Clancy Brown, Kevin Cooney e Peter Sarsgaard.

Roteiro: Tim Robbins.

Produção: Jon Kilik, Tim Robbins e Rudd Simmons.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Poucos temas me deixam mais indeciso do que a pena de morte. Se por um lado entendo que nenhum ser humano tem o direito de tirar a vida de seu semelhante, por outro tenho a plena convicção de que esta visão seria automaticamente deixada de lado caso algo ocorresse com alguém próximo a mim. Por isso, fico sem saber o que responder diante da pergunta: “Você é a favor ou contra a pena de morte?”. Pois o soberbo “Os últimos passos de um homem” nos ajuda a compreender melhor o tema de maneira genial, sem jamais pender para qualquer lado, num trabalho excepcional tanto de Tim Robbins atrás das câmeras quanto de sua dupla de protagonistas diante delas. O resultado de tanto talento junto só poderia ser um: uma obra-prima do cinema.

Escrito pelo próprio Robbins baseado em livro da verdadeira Helen Prejean, “Os últimos passos de um homem” narra a tentativa da freira Helen (Susan Sarandon) de salvar o condenado a morte Matthew Poncelet (Sean Penn), poucos dias antes de sua execução. Logo após receber uma carta do prisioneiro, ela passa a ter dúvidas sobre as provas do crime e tenta recorrer na justiça ao mesmo tempo em que se transforma em sua conselheira espiritual, contrariando a opinião pública, chamando a atenção da imprensa e sendo pressionada pelos pais das vítimas e pela própria família.

Um dos aspectos mais interessantes do excelente roteiro de Robbins reside no fato de que ele nunca condena ou absolve Matthew pelo que fez, deixando esta decisão exclusivamente para o espectador, como se o diretor/roteirista tomasse uma posição neutra, de mediador mesmo, apresentando os dois lados da moeda e deixando que a plateia pense a respeito. Esta discrição se reflete também em sua direção, que evita chamar a atenção na maior parte do tempo, valorizando as atuações do elenco. Aliás, toda a parte técnica do longa segue o mesmo raciocínio, prezando pela elegância e eficiência em detrimento de exibicionismos, como podemos notar nas cores pouco chamativas da fotografia do mestre Roger Deakins e até mesmo na trilha sonora econômica de David Robbins, que pouco interfere na narrativa, deixando o som diegético predominar em momentos chave e surgindo apenas para pontuar uma ou outra cena de impacto.

Mas, apesar de parecer “invisível”, Robbins sabe os momentos exatos de empregar técnicas que transmitam mensagens somente através do visual, como quando a câmera se aproxima de Helen quando o padre avisa sobre a natureza violenta de Matthew, destacando os olhos arregalados da assustada freira. Observe ainda como no primeiro diálogo entre Matthew e Helen, a grade, inicialmente densa, gradualmente nos permite ver o rosto dele graças à mudança de foco da câmera, simbolizando a queda daquela barreira e o início da aproximação deles. Esta lógica visual se repete no segundo ato, quando eles se encontram e a câmera se posiciona lateralmente, eliminando a grade e simbolizando a aproximação total entre eles – e repare que até mesmo no tradicional plano/contraplano a grade já não aparece mais. Nesta cena, aliás, o ótimo roteiro nos brinda com um diálogo sensacional, onde Matthew demonstra seu preconceito contra negros e é questionado de maneira brilhante por Helen.

Interpretada com brilhantismo pela excepcional Susan Sarandon (esposa de Tim Robbins), Helen surge demonstrando desde o início o peso da criação católica na formação de sua personalidade – algo que Robbins ressalta através do close do crucifixo que ela carrega no peito. Alternando entre uma assustadora postura confiante diante de situações nada convencionais e momentos de clara fragilidade e vulnerabilidade, Sarandon cria uma personagem ambígua, humana e extremamente cativante, extremamente fiel àquilo que acredita e com sabedoria suficiente para questionar até mesmo alguns valores pregados por sua própria igreja. Vestindo sempre roupas sóbrias e sem cor (figurinos de Renée Ehrlich Kalfus), sua Helen é compreensiva, inteligente e firme quando necessário, mas também é dona de uma compaixão extrema e genuína, o que é essencial para conquistar a confiança do desconfiado Matthew. Pra completar, a atriz ainda demonstra muito bem os conflitos de Helen, questionando em diversos momentos o que faz ao lado daquele homem, saindo-se bem ainda nos interessantes confrontos verbais propostos pelo roteiro, como aquele em que ela debate versículos bíblicos com o chapelão Farlely (Scott Wilson), mostrando como a Bíblia oferece diversas interpretações divergentes para um mesmo tema – algo que volta a acontecer num diálogo com um policial.

A verdadeira aula de interpretação continua durante as visitas de Helen, primeiro no destruído lar dos Delacroix e depois na casa dos amargurados Percy. Interpretado por Raymond J. Barry, o Sr. Earl Delacroix é responsável por uma das frases mais cruéis de “Os últimos passos de um homem”, quando afirma que “setenta por cento dos pais que perdem um filho se separam” após anunciar que se separaria da esposa, dimensionando o tamanho desta tragédia na vida de uma família. Igualmente comovente é o diálogo com os Percy, que demonstram toda a dor que sentem diante da perda da filha, num momento excelente do ótimo R. Lee Ermey (o sargento Hartman de “Nascido para Matar”) e de Celia Weston. Só que a dor não é um “privilégio” dos pais do jovem casal assassinado, já que a mãe de Matthew também sofre profundamente com a situação do filho, algo que Roberta Maxwell demonstra com grande sensibilidade em diversos momentos, como logo após a confirmação da sentença na junta do perdão. E fechando o elenco, vale citar a participação de Jack Black – ainda nos primeiros anos de carreira – como um dos irmãos de Matthew.

Chegamos então ao grande pivô de toda a situação. Certamente um dos mais talentosos atores de sua geração, Sean Penn oferece um desempenho absolutamente impecável na pele do condenado Matthew Poncelet, criando um personagem amargo, ambíguo e pouco carismático. Demonstrando com precisão a natureza explosiva do personagem, Penn surge constantemente tenso, na defensiva e sempre prestes a esbravejar contra tudo e contra todos. No entanto, o ator consegue a proeza de evitar que a plateia sinta repulsa por Matthew ao demonstrar a vulnerabilidade de um homem que participou de um crime horrível, mas que nem por isso deixou de ser humano. Por isso, mesmo condenando seu crime, o espectador por vezes se sente comovido ao constatar que aquele “monstro” também sente medo, aflição, angústia e dor, como qualquer outra pessoa sentiria.

De maneira inteligente, Robbins (e Penn, obviamente) evita cair na armadilha de transformar Matthew num coitado, mostrando seu lado negativo quando ele tenta “cantar” Helen e quando demonstra simpatia por Hitler, por exemplo. Além disso, os flashes da cena do crime que surgem repentinamente durante a projeção nos lembram do que ele fez, confirmando a perfeita estratégia do diretor e de seus montadores Lisa Zeno Churgin e Ray Hubley. Por outro lado, o sofrimento da mãe e dos irmãos humaniza Matthew Poncelet, proporcionando momentos igualmente comoventes, como a conversa dele com os familiares e a tocante despedida momentos antes da execução. Só que Robbins reequilibra novamente a balança, comprovando que evita a todo custo tomar partido, ao mostrar fotos do assassino e das vítimas quando crianças, o choro da mãe dele e dos pais dos jovens assassinados, entre outros momentos tocantes. Pra finalizar, o próprio Matthew confirma a complexidade da questão ao afirmar que “iria querer matar quem fizesse isso” ao responder como reagiria a um suposto crime contra seus familiares.

O terceiro ato se concentra nas angustiantes horas que antecedem a execução (ressaltadas através de inúmeros planos do relógio), aproximando ainda mais o assassino de Helen e do espectador, especialmente ao vê-lo chorando quando se despede da mãe por telefone. E então, as atuações sensacionais dos dois chegam ao auge na cena em que Matthew confessa o crime diante de Helen, num momento inspiradíssimo de ambos que torna quase impossível a missão de conter as lágrimas. Penn está estupendo, corroído pelo medo e pelo arrependimento, enquanto Susan demonstra toda a compaixão de Helen com perfeição. Mas se momentaneamente nos comovemos com o sofrimento dele, Robbins novamente confirma a genialidade de sua estratégia ao intercalar as fortes imagens de sua morte com as cenas brutais do crime que ele cometeu, lembrando ao espectador o que ele fez e deixando que este decida se a pena capital é valida ou não.

Talvez Robbins deixe escapar levemente sua visão nas últimas palavras de Matthew: “Matar é errado, não importa quem faça, eu, você ou o governo”. A frieza com que ele conduz a cena da execução assusta e o impacto é ainda maior por acompanharmos aquele homem tremendo, chorando como uma criança e com o olhar tomado pelo medo da morte eminente. Após sua morte, dois planos idênticos em plongèe nos mostram os corpos de Matthew e dos jovens namorados, como se representassem a visão divina daqueles dois assassinatos. Um lamento? Talvez.

Tratando este tema polêmico com a seriedade que ele merece e contando com uma direção e duas atuações soberbas, o longa se estabelece como um complexo e profundo estudo não apenas da pena capital, mas também da própria natureza humana. Não posso dizer que “Os últimos passos de um homem” me ajudou a encontrar uma resposta para a pergunta do primeiro parágrafo deste texto, mas certamente a obra-prima de Tim Robbins me fez compreender melhor tanto os que defendem a pena de morte quanto os que são contra ela.

Texto publicado em 09 de Julho de 2012 por Roberto Siqueira

UM SONHO DE LIBERDADE (1994)

(The Shawshank Redemption)

 

 

Videoteca do Beto #107

Dirigido por Frank Darabont.

Elenco: Tim Robbins, Morgan Freeman, William Sadler, Jeffrey DeMunn, Bob Gunton, Gil Bellows, Mark Rolston, James Whitmore, Clancy Brown, Larry Brandenburg e Neil Giuntoli.

Roteiro: Frank Darabont, baseado em história de Stephen King.

Produção: Niki Marvin.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Na superfície, “Um Sonho de Liberdade” conta a história de um banqueiro condenado à prisão perpétua que foge após 19 anos de detenção. Na prática, o longa dirigido por Frank Darabont vai muito além, narrando a amizade entre dois condenados e a redenção de ambos com muita sensibilidade, num triunfo cinematográfico tão humano quanto belo. Com momentos tão lindos que soam como poesia, extremamente bem atuado e muito bem conduzido, “Um Sonho de Liberdade” é um dos pontos altos do cinema, não apenas nos anos 90, mas em todos os tempos.

Condenado a prisão perpétua pelo assassinato da esposa e de seu amante, o bem sucedido banqueiro Andy Dufresne (Tim Robbins) é enviado para “Shawshank”, um presídio de segurança máxima. Lá faz amizade com Red (Morgan Freeman), um prisioneiro veterano que controla o mercado negro e consegue tudo, desde escovas de dente até um pôster de uma atriz famosa. Mas a vida na prisão não é um conto de fadas e Andy enfrentaria muitas dificuldades antes de demonstrar suas habilidades e começar a trabalhar para Samuel Norton (Bob Gunton), o diretor do presídio.

Dirigido com competência por Frank Darabont, “Um Sonho de Liberdade” prende a atenção do espectador desde seus primeiros minutos, quando acompanhamos o julgamento de Andy ao mesmo tempo em que vemos os momentos prévios ao crime. Acertadamente, por um bom tempo a narrativa não esclarece se ele de fato matou ou não a esposa e o amante, encerrando o flashback segundos depois de ele descer do carro. Por isso, e também pelo jeito reservado de Andy, carregamos esta dúvida até o momento em que Tommy (Gil Bellows) conta a história verdadeira, já próximo ao terceiro ato. Ainda assim, criamos empatia pelo personagem, talvez pelo seu comportamento na prisão, por ele ser perseguido inicialmente e, principalmente, pela empatia com Red. Aliás, é curioso notar como quando “Um Sonho de Liberdade” tem início e vemos Andy indo para a prisão, mantemos uma pequena esperança de que ele seja inocente e consiga sair de lá. Mas, com o passar do tempo, passamos a desistir desta idéia, até por causa de pequenos momentos que esvaziam esta possibilidade, como as risadas de Andy e Red ao falarem sobre o martelo. E quando já não esperamos mais pela fuga, Andy surpreende a todos e o impacto é muito maior.

Escrito pelo próprio Darabont, baseado em história de Stephen King, o elegante roteiro tem frases tão bem construídas que em muitos momentos chega a ser poético, ainda mais quando narradas pela voz solene de Morgan Freeman – uma das minhas favoritas surge após a fuga de Andy: “Sei que alguns pássaros não podem viver numa gaiola. Suas penas brilham demais. E quando eles voam você fica contente, porque sabia que era um pecado prendê-los. Mesmo assim o lugar onde vive se torna mais vazio e chato depois da partida”. Além disso, a perfeita estrutura narrativa trabalha em cada detalhe da fuga de Andy sem jamais deixar que a platéia perceba o que ele planeja, fazendo o espectador querer rever o filme assim que ele termina, apenas para confirmar que cada passo foi de fato mostrado na projeção. Os pequenos detalhes de seu plano de fuga são fascinantes, como a bíblia com o martelo dentro (e a irônica frase deixada para o diretor “a salvação vem de dentro”), as pedras espalhadas pelo pátio, os sapatos trocados no dia da fuga, a escolha de uma noite chuvosa para abafar o barulho e até mesmo o pedaço de corda. Pra completar, os personagens são muito bem desenvolvidos e até mesmo personagens secundários como Brooks (James Whitmore) e Tommy tem passagens marcantes pela narrativa – o primeiro, na pequena e triste narração fora da prisão que revela seu suicídio, e o segundo, esbanjando energia e jovialidade até ser friamente assassinado. Também é interessante como o roteiro mostra a corrupção no presídio e como Andy usa seu conhecimento para lavar dinheiro, criando uma pessoa que nem existe (Randal Stevens) e que será vital na narrativa. E finalmente, num dos raros momentos em que vemos uma mulher em cena, a aparição de Rita Hayworth na telona delicia os presos e é um eficiente alivio cômico numa narrativa até então bastante pesada.

Realçando a tristeza local, os uniformes sem vida da figurinista Elizabeth McBride, que misturam cinza e azul marinho, colaboram na ambientação do espectador aquele ambiente. Além disso, cenas realistas como o espancamento de um preso logo no início e os ataques das “bichas” ilustram a hostilidade que impera no presídio. Apresentada num belo travelling de Darabont antes da chegada de Andy, a prisão de Shawshank parece ter vida e intimida bastante (direção de arte de Peter Landsdown Smith), mas, na medida em que a narrativa avança, nos acostumamos com aqueles muros e, assim como os próprios personagens, ficamos “institucionalizados” – repare como Brooks afirma sentir falta de “casa” quando está na rua. Além disso, a fotografia fria e cinzenta de Roger Deakins reflete o mundo sombrio e triste em que os personagens estão inseridos, exibindo a luz do sol em poucas vezes (até porque a narrativa se passa predominantemente num local fechado), como na bela cena em que Andy consegue algumas cervejas para seus amigos que trabalham no teto da prisão. Aliás, nesta cena, quando o capitão Hadley (Clancy Brown) ameaça jogá-lo, Darabont faz um belo movimento de câmera que nos dá a exata noção do perigo que ele corre, e quando vemos aqueles homens se sentindo livres por um instante, com o sol batendo em seus rostos ao ar livre, temos a mesma sensação de liberdade deles, graças aos closes do diretor, que realçam a felicidade de cada um.

Outra cena marcante é o canto das italianas (a música chama-se “The Marriage of Figaro”, de Mozart), que voa pela prisão como um lindo pássaro e paralisa os presos, em outro momento conduzido com muita sensibilidade por Darabont (“Esta é a beleza da música, ninguém pode tirá-la de você”, diz Andy). Aliás, vale ressaltar também a importância da música em “Um Sonho de Liberdade”, ilustrando o sentimento dos personagens em alguns momentos, como quando Andy consegue melhorar a biblioteca e o som de Hank Williams reflete seu estado de espírito, agora já mais adaptado à Shawshank. E por falar em música, a trilha sonora de Thomas Newman tem momentos sombrios na maior parte do tempo, mas apresenta variações triunfais, como aquela que sublinha a fuga de Andy, e outras com função narrativa, como aquela que o acompanha escrevendo na parede, que é exatamente igual à do dia de sua fuga, indicando com sutileza o momento em que ele começa a planejar tudo.

Inteligente e meticuloso, Andy planeja cada etapa com calma, também porque, como diz Red em certo momento, tudo que ele tinha na prisão era tempo. E o tempo passa lentamente naquele local. Cobrindo quase vinte anos de história sem jamais soar episódica, a montagem de Richard Francis-Bruce imprime o ritmo correto ao longa, dando a exata noção de lentidão que pede a narrativa, mas saltando alguns anos de maneira inteligente, como quando Andy faz o imposto de renda dos guardas seguidamente, além de indicar a passagem do tempo com simplicidade e eficiência, por exemplo, através do crescimento do pássaro Jake. Vale ressaltar também a perfeita decupagem de muitas seqüências, como quando Andy senta para fazer o primeiro imposto de renda para um guarda e, em seguida, vemos Brooks contando a história para os amigos. E se podemos chamá-los de amigos é porque o talentoso elenco de “Um Sonho de Liberdade” estabelece excelente química na relação dos prisioneiros, fazendo com que eles realmente pareçam se importar uns com os outros. Praticamente todo o elenco está bem, destacando-se em papéis secundários os citados Gil Bellows, que vive Tommy Williams, e o veterano James Whitmore, que interpreta Brooks, um personagem que ilustra a dificuldade de ex-prisioneiros para se adaptar fora da prisão. Lá dentro, eles têm algum respeito e uma ocupação. Lá fora, são apenas velhos ex-presidiários. Além dos presos, temos boas atuações também no grupo que tenta manter a ordem local, com o agressivo e assustador Capitão Hadley de Clancy Brown e, principalmente, o diretor Norton. Sempre falando do “Senhor”, Bob Gunton compõe um Norton bastante corrupto e ameaçador, como podemos notar, por exemplo, quando ele conversa com Andy na solitária, após ouvir a história de Tommy.

Mas o grande destaque fica mesmo para a antológica empatia da dupla principal. Em atuação muito boa, Tim Robbins vive Andy, que começa intimidado, mas cresce lentamente e se mantém diferente dos outros presos na maior parte do tempo, parecendo mesmo uma pessoa que não pertence aquele mundo. Sempre fechado e misterioso, o ex-banqueiro exala frieza, o que explica o afastamento de sua esposa, como ele mesmo esclarece num diálogo tocante com Red, em que ele também cita a cidade mexicana de Zihuatanejo e pede que Red faça uma promessa – repare que a mesma trilha do dia de sua fuga sublinha a cena. E é impressionante notar como mesmo sendo alguém tão pensativo e recluso, Andy consegue influenciar as pessoas à sua volta e ser admirado por muitas delas. E se Robbins está bem, Morgan Freeman tem uma atuação simplesmente perfeita como Red, sempre no tom correto, demonstrando a serenidade de um homem já acostumado àquele local. Tranqüilo, Red é o ponto de equilíbrio que impede que Andy perca a cabeça e permite que o amigo consiga suportar todos aqueles anos na prisão, mas é também através de Andy que Red renovará seu conceito de “esperança” e encontrará a redenção. A empatia entre os dois atores é tão orgânica que temos a sensação de que Red e Andy se conhecem há anos já nos primeiros diálogos. E é num destes diálogos marcantes que Andy fala sobre a “esperança” e é repreendido por Red, num momento essencial para entender que Andy estava mesmo alheio ao que acontecia ali, se preparando para viver a vida lá fora, enquanto o amigo ainda precisava mudar. No fim das contas, “Um Sonho de Liberdade” mostra a importância deste sentimento, algo reforçado pelas últimas palavras de Red, que encerram a narrativa.

Quando Andy presenteia o amigo com uma gaita após sair da solitária, temos apenas mais um simples exemplo daquela amizade sincera, tocante e bela. Mas Andy também conquista outros prisioneiros com seu jeito de ser. Meticuloso ao ponto de gostar de polir pedras e jogar xadrez, seu relacionamento mais intenso e conflitante envolve o elétrico Tommy, por isso, quando lhe avisam que “o menino passou”, seu sorriso de canto de boca significa muito, demonstrando que ele se sente recompensado por todo o esforço que fez – e este é apenas um dos bons momentos de Tim Robbins. Aliás, Tommy é responsável também pela grande guinada na narrativa, quando traz a tona novamente o assassinato da esposa de Andy. Por isso, quando Red fala sobre o crime, um close em sua reação indica que ele sabe algo a respeito, paralisando os personagens e o espectador. E a revelação surge como uma bomba: Andy era mesmo inocente! O espectador está em choque, assim como os personagens.

Momentos antes da grande cena de “Um Sonho de Liberdade”, temos muitos indícios de que Andy cometeria um suicídio. Seu estranho diálogo com Red, somado ao pedido da corda, à morte de Tommy e ao fim de sua esperança de um novo julgamento, fazem o espectador temer sua morte. “Todos têm um limite”, afirma Red, reforçando este sentimento. A fotografia sombria, a chuva e a narração de Red na noite mais longa de sua vida reforçam o temor. Pra piorar, quando a contagem de presos começa no dia seguinte e Andy não aparece, o guarda vai até a cela, olha levemente pra cima e diz “Meu Deus!”. O espectador muda então da tensão para a euforia quando todos começam a procurar pelo homem que “sumiu ao vento”. A cela vazia e o interrogatório que começa deixam nossas mentes num turbilhão. O que teria feito Andy? E então, quando Rachel revela seu segredinho (algo indicado brilhantemente pelo som da pedra que percorre o buraco na parede), o espectador está em êxtase. Andy fugiu! Tem inicio então a meticulosa reconstituição da trajetória de Andy desde o dia em que ele escreve na parece até a fuga. E o plano plongèe, com Andy abrindo os braços na chuva, parece lavar a alma do personagem e do espectador, numa das mais belas cenas do filme. Além de fugir, Andy (ou devo dizer Randal Stevens?) ainda sai rico e incrimina Norton. E o melhor é que tudo isto soa verdadeiro e orgânico, graças ao roteiro coeso e a condução competente de Darabont.

Após este momento de euforia, o espectador ainda acompanha a saída de Red da prisão, depois de ser finalmente aprovado na análise do conselho. Agora, só nos resta torcer pelo reencontro dos grandes amigos, e ele acontece após Red passar nos campos de Buxton e seguir as instruções de Andy. Ao ouvirmos as lindas palavras de Red e vermos um travelling pelo pacífico, um recompensador plano geral mostra os dois amigos se abraçando e termina uma das obras-primas dos anos 90. É difícil conter as lágrimas num final tão emocionante e apoteótico.

Finalmente, é importante ressaltar que a redenção do título original em inglês se refere muito mais à Red do que a Andy. Com exceção do prólogo com o julgamento do protagonista, durante todo o tempo a história é apresentada sob o filtro do olhar dele. Momentos cruciais da vida de Andy são narrados sob a perspectiva de Red, como a fuga da prisão, o fechamento das contas bancárias e a viagem para o México, por exemplo. Além disso, não vemos mais Andy após a fuga, e sim como Red chega até ele. Quando Red diz no final que “espera” reencontrar o amigo e apertar a mão dele, o verbo esperar tem um significado muito maior do que aparenta. Red havia encontrado mais do que a esperança tão comentada pelo amigo. Ele encontrou a redenção.

Contando com pessoas talentosas em todas as áreas, Frank Darabont e seu ótimo elenco entregaram uma obra-prima, que viverá muito tempo em nossas memórias. No meu caso, pelo menos, já se passaram 16 anos desde que assisti ao filme pela primeira vez e seu efeito continua intacto. Narrando uma história humana e com reviravoltas marcantes, “Um Sonho de Liberdade” pertence ao seleto grupo de filmes que parece melhorar a cada nova revisão. Esta é a marca dos grandes filmes.

PS: Confesso que não foi nada fácil escrever sobre este que é um dos filmes mais importantes da minha vida. Por isso, qualquer traço de “exagero emocional” que apareça no texto não é mera coincidência. Este filme, de fato, ainda mexe muito comigo. Ao lado de “Coração Valente”, é responsável direto por minha paixão pelo cinema.

Texto publicado em 22 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira

TOP GUN – ASES INDOMÁVEIS (1986)

(Top Gun)

 

Videoteca do Beto #46

Dirigido por Tony Scott.

Elenco: Tom Cruise, Kelly McGillis, Val Kilmer, Anthony Edwards, Tom Skerritt, Meg Ryan, Michael Ironside, John Stockwell, Barry Tubb, Rick Rossovich, Tim Robbins, Clarence Gilyard Jr., Whip Hubley e James Tolkan.

Roteiro: Jim Cash e Jack Epps Jr..

Produção: Jerry Bruckheimer e Don Simpson.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Tony Scott escolheu a dedo o roteiro de “Top Gun – Ases Indomáveis”, sabendo que teria em mãos a oportunidade perfeita de fazer fama e arrecadar milhões em bilheteria. Explorando muitos clichês, o longa nada mais é do que uma estória comum feita para alçar ao sucesso o na época jovem e ascendente Tom Cruise. E Scott é hábil nesta tarefa, utilizando todos os recursos que podia para não falhar. O resultado é um filme convencional, que não deixa ter momentos interessantes – principalmente quando explora as ótimas seqüências aéreas – mas jamais alcança um resultado expressivo ou memorável.

Pete Mitchell, conhecido como Maverick (Tom Cruise), é um jovem e promissor piloto de caça que, ao lado de seu grande amigo Nick “Goose” Bradshaw (Anthony Edwards), ingressa na Academia Aérea norte-americana, especializada em desenvolver os melhores pilotos e conhecida como Top Gun. Ao chegar lá, se envolve com a bela instrutora Charlotte Blackwood (Kelly McGillis) ao mesmo tempo em que enfrenta um duelo particular com outro excepcional piloto, conhecido como Iceman (Val Kilmer).

Como podemos perceber, “Top Gun” parece ter apenas um propósito: alçar o então candidato a astro de Hollywood Tom Cruise ao estrelato e, conseqüentemente, arrecadar milhões nas bilheterias. E o roteiro nada criativo, escrito por Jim Cash e Jack Epps Jr., explora diversos clichês sem nenhum pudor para alcançar seu objetivo. Temos o jovem galã e promissor que, devido ao trauma do passado relacionado à morte do pai, não tem medo e nem juízo, mas que por outro lado, é incrivelmente bom no que faz. Temos também a garota (no caso uma mulher mais madura) que obviamente se envolverá com o mocinho e o antagonista chato, que parece existir somente para gerar conflito com o protagonista sem aparente justificativa, e que obviamente, ficará amigo dele no previsível final. Finalmente, temos as músicas joviais e românticas da bela trilha sonora de Harold Faltermeyer, que ficam grudadas na memória do espectador, fazendo-o lembrar do filme sempre que as escuta (e na época a romântica “Take my breath away”, do grupo Berlin, foi tocada exaustivamente nas rádios). Somente para reforçar o argumento, repare as inúmeras vezes em que Scott utiliza o close em Tom Cruise, freqüentemente de óculos escuros, alternando com planos americanos (da cintura pra cima) do astro sem camisa, claramente explorando o carisma (e os músculos) do jovem ator para atrair o público feminino, como fica evidente na cena do jogo de vôlei, que nada mais é do que puro exibicionismo dos jovens galãs. Até mesmo a tensa e triste morte de Goose não escapa ao clichê da morte do melhor amigo que serve como ponto de virada na vida do protagonista, simbolizada perfeitamente na cena em que Maverick joga as cinzas do parceiro no mar. E nem mesmo o treinamento dos pilotos soa convincente, jamais transmitindo a esperada dificuldade que um piloto deveria enfrentar para alcançar o nível de excelência exigido numa profissão como esta.

Mas “Top Gun” também tem seus pontos positivos, começando pelo excelente trabalho de som, perceptível principalmente nas sensacionais seqüências aéreas, captando perfeitamente o barulho dos aviões rasgando o céu. A boa montagem de Chris Lebenzon e Billy Weber colabora nestas seqüências empolgantes, onde o diretor Tony Scott cria belos planos, auxiliado também pela direção de fotografia de Jeffrey L. Kimball e pelos efeitos visuais. O diretor abusa do lindo visual durante os vôos, aproveitando o universo de belas imagens que o céu proporciona para filmar de ângulos interessantes como a frente, a asa e a cauda dos aviões. Em outro momento, Scott dá um close em Cruise quando este fala do falecido pai, realçando a tristeza em seu rosto ao pensar na misteriosa morte dele. Tom Cruise, aliás, que tem boa atuação, demonstrando a costumeira energia na pele do rebelde Maverick, apesar de abusar dos intermináveis sorrisos (obviamente, buscando se afirmar como galã). Repare como ele sorri levemente ao ouvir que vai para a escola especial “Top Gun”, pois sabia que aquela era a oportunidade da sua vida de provar a qualidade que tinha como piloto, além de poder enfrentar o passado traumático. Seu desempenho cresce na parte final, após perder o amigo e partir para superar o trauma da perda enigmática de seu pai. Mas infelizmente, o roteiro previsível não exige muito do elenco. Goose, interpretado por Anthony Edwards, é um bonachão infantil que tem a única função de provocar o riso forçado no espectador e a maioria de seus fracos diálogos com Maverick não empolga, como quando falam sobre o Mig invertido. Val Kilmer está caricato e exagerado na pele do unidimensional Tom Kazanski, o “Iceman”, que só tem dois momentos humanos durante toda a narrativa. O primeiro é quando respeita a dor de Maverick por perder o amigo (“Sinto por Goose”) e o segundo é o previsível final, quando finalmente reconhece a qualidade do rival. Kelly McGillis vive a madura Charlotte e tem seus bons momentos, como quando diz para Cruise que não quis deixar a relação entre eles atrapalhar a profissão dela (“Não quero que saibam que me apaixonei por você”). Sua Charlotte, apesar de estar completamente apaixonada, é bastante consciente de que assumir aquela paixão poderia comprometer seu desempenho como instrutora da equipe. Tom Skerritt está excelente como o inteligente comandante Mike “Viper” Metcalf, que sabe muito bem onde Maverick pode chegar e luta para extrair o melhor do garoto. E finalmente, Meg Ryan rouba a cena nos poucos minutos em que aparece, vivendo a esposa de Goose, Carole Bradshaw. Totalmente solta e despojada, é claramente a melhor atuação do longa, transmitindo ainda muita emoção quando perde o marido. É com ela em cena que Goose e Maverick vivem um de seus melhores momentos, quando cantam juntos ao piano.

Quando Maverick se aproxima de Charlotte e canta, auxiliado por todos no bar, a canção “You’ve lost that loving feeling”, o longa de Tony Scott parece empolgar. A empolgação aumenta nas maravilhosas seqüências protagonizadas pelos caças que cortam o céu em alta velocidade. Mas infelizmente, quando a ação se passa no chão, não consegue sucesso, se limitando a uma narrativa comum e desinteressante. Não há problemas em utilizar os clichês, afinal de contas eles não se tornaram clichês à toa. O problema é a forma como estes são utilizados, e infelizmente neste caso o resultado pouco criativo não agrada, sendo salvo somente pelas seqüências aéreas citadas.

“Top Gun” não deixa nenhuma mensagem importante ou reflexão, não conta com um roteiro criativo e sequer recicla velhos clichês. Tony Scott prefere seguir o caminho contrário, abusando de fórmulas e receitas para alcançar o sucesso de bilheteria. Por isso, explora as cenas de ação envolvendo os caças para atrair o público masculino e do romance envolvendo o galã da época para atrair o público feminino. No fim das contas, o diretor conseguiu alcançar seu objetivo, mas infelizmente não conseguiu nada mais do que isso. Ao contrário dos poderosos aviões que vemos em todo o filme, “Top Gun – Ases Indomáveis” jamais alça vôos maiores.

Texto publicado em 15 de Fevereiro de 2010 por Roberto Siqueira