WYATT EARP (1994)

(Wyatt Earp)

 

Videoteca do Beto #109

Dirigido por Lawrence Kasdan.

Elenco: Kevin Costner, Dennis Quaid, Gene Hackman, Michael Madsen, Bill Pullman, Isabella Rossellini, Tom Sizemore, James Caviezel, Téa Leoni, David Andrews, Linden Ashby, Jeff Fahey, Joanna Going, Catherine O’Hara, JoBeth Williams, Mare Winningham, James Gammon, Rex Linn, Randle Mell, Adam Baldwin, Annabella Gish, Lewis Smith, Betty Buckley, Alison Elliott, Karen Grassle, John Dennis Johnston e Ian Boehn.

Roteiro: Dan Gordon e Lawrence Kasdan.

Produção: Kevin Costner, Jim Wilson e Lawrence Kasdan.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Nos primeiros minutos de “Wyatt Earp”, vemos o personagem título sentado num bar, tomando seu café e fumando um charuto, minutos antes de ser interrompido por outros dois homens. Ao ser informado da presença de um grupo de inimigos, ele se levanta e diz: “Vamos!”. Qualquer um que conheça um pouco da história deste famoso xerife do velho oeste sabe que este momento precede o histórico tiroteio de O.K. Curral. O problema do longa dirigido por Lawrence Kasdan está justamente em não saber terminar a narrativa quando ela voltar a este ponto, após um longo flashback que narra a caminhada do protagonista até este momento decisivo. Sendo assim, “Wyatt Earp” é um filme longo, que parece longo, o que é um problema.

O jovem Wyatt Earp (Kevin Costner) vaga pelo oeste até se estabelecer como xerife em pequenas cidades, fazendo fama pela forma nada amigável que mantém a ordem local. Após conhecer Doc Holliday (Dennis Quaid) e trazer seus irmãos Virgil (Michael Madsen) e Morgan (Linden Ashby) para trabalhar com ele, Wyatt se vê num perigoso conflito com um grupo de criminosos, que resulta no trágico tiroteio no O.K. Curral, que selou o destino de todos pra sempre.

Muitos filmes marcantes da história do cinema têm três ou mais horas de duração. A duração, em si, não é um problema. O problema é quando um filme se estende até as três horas sem necessidade e, principalmente, conteúdo para tanto. A história do xerife “Wyatt Earp” até pode render bons e longos filmes, mas neste caso, a narrativa se esvazia bastante após o conflito central da trama e o diretor, em parceria com o montador Carol Littleton, parece não saber em que momento deve encerrar o filme. Sendo assim, nem mesmo a vingança de Wyatt após a morte do irmão Morgan consegue prender a atenção do espectador – algo que o diretor parece saber, pois sequer mostra a vingança completa do protagonista, indicando que ele continuou sua retaliação pessoal no texto que fecha a narrativa. Sendo assim, o longa soa cansativo em seu ato final, num erro fatal cometido pelo diretor e pelo montador, que não souberam enxugar o roteiro escrito pelo próprio Kasdan, em parceria com Dan Gordon, e extrair o que ele tem de melhor. E de fato existem muitas coisas boas na história, especialmente quando olhamos sob o aspecto psicológico de um personagem claramente transformado por uma tragédia pessoal.

“Wyatt Earp” tem todos os elementos clássicos do western, como a ferrovia em construção, os cavalos cavalgando pelo terreno árido, o saloon com homens jogando cartas e prostitutas procurando fregueses, figuras tradicionais como o xerife e os bandidos e, obviamente, os duelos armados. E todos estes elementos surgem com muito realismo, graças aos figurinos de Colleen Atwood, que seguem o modelo clássico, com chapéus e botas para os homens e vestidos imponentes para as mulheres, e ao bom trabalho de direção de arte de Gary Wissner, notável na arquitetura das cidades, assim como nas carroças e até mesmo nos trens de ferro, ambientando o espectador perfeitamente ao velho oeste. Também colabora o ótimo design de som, com os tiros, o galope dos cavalos e até mesmo o sopro do vento tornando tudo mais real. Tecnicamente, a única nota literalmente fora do tom é a repetitiva trilha sonora de James Newton Howard, que, apesar do tom solene, soa desnecessária em muitos momentos.

Contando ainda com a bela direção de fotografia de Owen Roizman, Kasdan entrega uma direção plasticamente perfeita, enquadrando com incrível beleza as paisagens naturais e conferindo um aspecto clássico ao longa – repare, por exemplo, o lindo visual durante a viagem da família Earp, com as carroças cruzando as planícies com o pôr-do-sol ao fundo. Além disso, a fotografia emprega uma admirável iluminação nas cenas noturnas, com exceção das primeiras seqüências na fazenda dos Earp, iluminadas apenas com a luz da lua (o que é correto nesta situação, pois era a realidade local). Só que, infelizmente, Kasdan erra a mão na condução da narrativa, estendendo demais algumas cenas, como a seqüência em que Wyatt saca a arma rapidamente e expulsa um homem de um bar, seguida por seu trabalho de vendedor de pele de búfalos, que é totalmente dispensável. Além disso, Kasdan e Littleton erram também ao indicar grandes saltos na narrativa através de letreiros, o que soa deselegante e torna tudo mais episódico.

Após atingir um homem com uma bola de sinuca num bar, Wyatt faz um discurso típico do herói íntegro e ético tradicional de Hollywood, algo confirmado quando ele recusa uma prostituta e volta à cidade de infância para se casar com Urilla (Annabella Gish). Aliás, a relação com Urilla exemplifica um dos bons momentos de Kasdan e seu montador, que resumem a história do casal em poucos minutos, passando pelo namoro (repare a fotografia clara no reencontro do casal), casamento e início da vida na casa nova – destaque também para a passagem do tempo, indicada pela mudança das estações na janela do quarto. O outro acerto notável do diretor é a escolha do elenco, que conta com muita gente talentosa. Apesar de estar longe de seu melhor momento, Kevin Costner transmite segurança como Wyatt Earp, mostrando-se durão e até mesmo violento, além de exibir uma assustadora frieza quando enfrenta os criminosos. Extremamente agressivo, Wyatt conquista inimigos por onde passa, mas consegue manter a segurança local, ao contrário de seu amigo Ed Masterson (Bill Pullman), que o substitui e é amado pelos habitantes de Dogde City, mas deixa a criminalidade tomar conta do local (algo ilustrado pela placa “Proibido armas” cheia de tiros) e acaba morrendo, numa cena bastante triste. Aliás, uma das boas cenas do longa acontece quando Wyatt invade um bar e rende um bêbado, marcando o início de sua vida como xerife. Compare o semblante determinado do ator deste momento em diante com seu semblante carregado após a morte trágica de Urilla, que ilustra bem o sentimento do personagem, na época completamente devastado – algo refletido também pela fotografia sombria, especialmente quando ele é preso, onde a chuva reforça a melancolia de Wyatt e confirma que ele chagara ao fundo do poço.

Mas apesar da presença de Costner, quem rouba a cena mesmo é Dennis Quaid, que está ótimo como Doc Holliday. Magro e desgastado pela tuberculose, ele parece guardar as poucas energias que lhe restam para as brigas em que se envolve – seja com a amante Big Nose Kate (Isabella Rossellini), seja com os inimigos de Wyatt -, sempre parecendo disposto a matar ou morrer. Com sua voz rouca, provocada pela tosse constante, e seu olhar desconfiado, Quaid convence como o perigoso fora-da-lei, além de emocionar após a morte de Morgan, mostrando-se mais comovido que o próprio Costner. A amizade sincera entre Doc e Wyatt tem momentos marcantes, como a conversa num bar após Mattie (Mare Winningham, em boa atuação como a depressiva esposa de Wyatt) tentar o suicídio novamente e o momento em que Wyatt salva o amigo da morte numa briga com Kate, que termina com a confissão de Doc (“Eu sei que é difícil ser meu amigo”). Kasdan acerta ainda na escolha de Gene Hackman, que impõe respeito como o patriarca Nicholas Earp, com sua voz firme e semblante pesado, carregado de experiência de vida. E finalmente, outra excelente escolha é a de Michael Madsen, que demonstra firmeza como Virgil, com seu jeito igualmente debochado e ameaçador.

Uma das cenas mais importantes de “Wyatt Earp” acontece quando o protagonista discute com as esposas dos irmãos, expondo a dor que ainda carrega pela perda de Urilla e também a liderança que exerce sobre eles – repare como Morgan tenta consolar a esposa, mas larga a mão dela quando é repreendido por Wyatt. Este trauma se confirma num dos raros momentos em que o xerife se abre para a amante Josie (Joanna Going), numa conversa sincera na cama do casal em que os atores se saem bem e transmitem emoção. Mas, apesar destes bons momentos, faltam grandes cenas ao longa. Indicado desde o inicio como o grande momento da trama, o tiroteio de O.K. Curral não chega a decepcionar, mas está longe de ser uma cena marcante. Apesar da violência e de certa energia na cena, Kasdan não sabe escolher os melhores planos, deixando o confronto confuso, além de não criar a tensão necessária ao começar o duelo muito rapidamente (parece que o diretor não aprendeu nada com Leone). E pra piorar, após o grande duelo, a narrativa se arrasta por muito tempo antes de terminar, de forma pouco satisfatória. Ao guardar para o final uma história de heroísmo de Wyatt, Kasdan parece tentar encerrar bem a narrativa, mas erra novamente, pois todo o efeito nostálgico é anulado ao vermos as cenas no momento em que um garoto conta o que aconteceu – seria melhor se já tivéssemos visto ela antes e agora a história surgisse apenas como uma boa recordação dos bons tempos do xerife, assim como acontece com os personagens.

Tecnicamente brilhante, “Wyatt Earp” acaba soando cansativo demais, graças à má condução de Lawrence Kasdan, que não soube enxugar seu próprio roteiro. Cortando algumas cenas e conduzindo melhor momentos importantes como o famoso duelo, talvez ele tivesse realizado um grande filme. Não foi o que aconteceu. Pretensiosa ou não, o fato é que a direção de Kasdan compromete bastante o resultado final.

Texto publicado em 28 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira

6 comentários sobre “WYATT EARP (1994)

  1. Caio Rossi 7 abril, 2013 / 10:07 am

    Olá Roberto blz.
    Procurei pela crítica de Tombstone, como não achei vim parar aqui.
    Bom, também concordo com sua crítica sobre Wyatt Earp. Gostaria de ver sobre Tombstone, não sei se você já assistiu, mas para mim está entre os melhores filmes de faroeste que já vi, O Doc com o Val Kilmer, ficou bem melhor do que o Dennis Quaid. Se vc ainda não viu fica a dica.

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    • Roberto Siqueira 10 maio, 2013 / 11:02 pm

      Eu gosto de Tombstone Caio, um ótimo filme.
      Abraço.

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  2. francisco 3 agosto, 2011 / 12:12 am

    Concordo Roberto, talvez o que menos funcionou em “Wyatt Earp” e sobrou em Silverado foi ‘aquela química’ entre os atores, já que talento não faltou, em ambas as produções. Grande abraço !

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    • Roberto Siqueira 8 agosto, 2011 / 10:30 pm

      Abraço Francisco.

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  3. francisco 29 julho, 2011 / 12:44 am

    Mais uma bela análise, Roberto. Devido a minha descrença em westerns modernos eu só decidi ver este hà alguns anos atras, por ter me lembrado que Kasdam havia quase resgatado o estilo clássico do gênero nos anos 80 com o ‘surpreendentemente ótimo’ Silverado, mas infelizmente fiquei frustado. Nem parece que são filmes do mesmo diretor e roteirista, que desperdício de talento né. Um grande abraço !

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    • Roberto Siqueira 2 agosto, 2011 / 9:24 pm

      É verdade Francisco, “Silverado” é um bom filme.
      Já “Wyatt Earp” até poderia ser, com alguns ajustes que infelizmente o Kasdan não soube fazer.
      Abraço.

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