O HOMEM ERRADO (1956)

(The Wrong Man)

 

Filmes em Geral #60

Dirigido por Alfred Hitchcock.

Elenco: Henry Fonda, Vera Miles, Anthony Quayle, Harold Stone, John Heldabrand, Doreen Lang, Norma Connolly, Lola D’Annuzio, Robert Essen, Dayton Lummis, Charles Cooper, Esther Minciotti, Laurinda Barrett, Nehemiah Persoff, Kippy Campbell e Alfred Hitchcock.

Roteiro: Angus MacPhail, baseado em livro de Maxwell Anderson.

Produção: Alfred Hitchcock.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apesar do tom sombrio e da atmosfera noir, “O Homem Errado” é, na realidade, um estudo de personagem interessante, que foge do estilo de suspense tradicional de Alfred Hitchcock, apresentando uma narrativa assustadora, não por causa da atmosfera criada ou de grandes cenas cuidadosamente orquestradas pelo diretor, mas sim por contar uma história verídica e que, exatamente por isso, poderia acontecer com qualquer um de nós.

Em Janeiro de 1943, o músico Manny (Henry Fonda) vai a um escritório de Nova York tentar um empréstimo para o tratamento dentário de sua esposa Rose (Vera Miles) e é identificado pelas funcionárias do local. Segundo elas, ele teria assaltado o escritório um ano antes, o que leva a polícia a investigar o caso e a prendê-lo. Libertado após o pagamento da fiança, ele passa a viver um drama familiar, vendo a esposa se afundar em depressão ao mesmo tempo em que negocia com um advogado para tentar livrá-lo da acusação que sofrera.

Escrito por Angus MacPhail, baseado em livro de Maxwell Anderson, “O Homem Errado” aborda o tema favorito de Hitchcock, mostrando a história real de um homem inocente acusado de um crime que não cometeu. Este apreço do diretor pelo tema fica evidente em grande parte de sua filmografia, e, neste caso em especial, ele escancara isto ao fazer a introdução do longa pessoalmente (o próprio Hitchcock afirmava que seu grande medo era ser acusado de um crime injustamente). Por isso, o longa tem uma atmosfera triste e reflexiva, refletindo a visão do diretor sobre o tema. Além disso, a escolha do diretor de fotografia Robert Burks pelo preto e branco torna o longa mais sombrio, ilustrando o sentimento amargo do protagonista, sublinhado ainda pela trilha sonora sombria e excelente do ótimo Bernard Herrmann.

Logo na apresentação de Manny e Rose, o casal cria empatia com a platéia, demonstrando carinho enquanto conversam na cama sobre as dificuldades financeiras que enfrentam e mostrando-se apaixonados e comprometidos na busca de soluções. Além disso, eles mostram preocupação com os filhos – e, inegavelmente, a preocupação com a família e com a saúde financeira é um tema universal. Obviamente, o carisma de Henry Fonda e Vera Miles colabora muito com este sentimento. Mas, após a conversa, vemos aquele homem olhando atentamente para o jornal e fazendo anotações, revelando seu vício: simular apostas em corrida de cavalos. Este pequeno momento será crucial para desconfiarmos, ainda que por pouco tempo, do protagonista num momento chave da narrativa. Desesperado para conseguir o dinheiro que a esposa precisa, ele parte para tentar um empréstimo e a reação da recepcionista ao vê-lo indica algo suspeito. Em seguida, um close na conversa das mulheres realça a expressão assustada delas, indicando que ele é o homem que assaltou o local (segundo afirmação das próprias mulheres). Tem inicio então uma fase de investigação que culminará na prisão de Manny.

Durante o interrogatório na delegacia, a posição da câmera agiganta os policiais, demonstrando o quanto Manny está intimidado, algo realçado pela boa atuação de Fonda, que transmite a aflição do personagem em seu rosto. Esta é a intenção do diretor: deixar o espectador incomodado, como o próprio personagem. Por isso, mesmo com tantas pessoas afirmando que ele é culpado, nós acreditamos em sua inocência – e Fonda transmite seriedade e parece mesmo assustado com as acusações que recebe, o que reforça este sentimento. Já na cela, as sombras da grade envolvem Manny e, pontuadas pela trilha sonora melancólica, sublinham muito bem sua solidão, assim como, quando ele dorme na cadeia, o giro da câmera e a trilha mais rápida ilustram o pesadelo do personagem. Hitchcock reforça esta estratégia através de um zoom no buraco da cela, que nos faz atravessar a porta e entrar com o personagem naquele local, num interessante movimento de câmera que nos faz compartilhar seu sofrimento.

Também colabora a montagem de George Tomasini, que emprega um ritmo correto à narrativa, dando uma sensação de lentidão no desenrolar da história, que reflete a aflição do personagem durante o árduo processo de julgamento e prisão. Além disso, a montagem emprega saltos eficientes na narrativa, quando Rose liga para o escritório do advogado O’Connor (Anthony Quayle) e quando a assistente do advogado anota a declaração de Manny, já que, nos dois casos, iríamos apenas escutar novamente uma história que já tínhamos acompanhado. Com este ritmo lento, a fotografia triste e a trilha melancólica, somados a grande atuação do elenco, Hitchcock consegue fazer com que o espectador se importe com o drama do protagonista e sinta-se angustiado. Sua estratégia é clara. Ele quer nos colocar na posição de Manny, algo reforçado pelo constante uso da câmera subjetiva, que faz com que o espectador sinta a mesma aflição daquele homem, supostamente acusado de um crime que não cometeu. Desta forma, sofremos com ele e torcemos por ele. Repare, por exemplo, como quando ele olha de relance para a esposa no tribunal, a câmera subjetiva nos coloca em seu lugar, vendo lentamente a esposa ficar pra trás enquanto Manny é levado pelos guardas. Da mesma maneira, vemos os sapatos dos presos enquanto ele caminha para a prisão, num plano que reflete seu olhar cabisbaixo, de quem realmente está deprimido.

Interpretada com competência por Vera Miles, Rose começa a dar sinais de que está cansada daquela situação no escritório de O’Connor, quando parece estar presente somente de corpo enquanto o marido e o advogado conversam. Sentindo-se culpada pelo que aconteceu com Manny, ela chega até mesmo a desconfiar do marido, o que, de maneira inteligente, serve para plantar também a dúvida no espectador, que até aquele instante confia plenamente que Manny é inocente. Mas Rose entra num caminho aparentemente sem volta e sua depressão se torna visível, o que leva Manny a interná-la num hospital psiquiátrico. Novamente, Fonda demonstra muito bem como o personagem está arrasado diante de toda aquela situação. E Miles dá um show no hospital, olhando para o vazio e transmitindo a desilusão da personagem, completamente afetada pela tragédia que assolou sua família e mostrando-se incapaz de reagir através do olhar e do tom de voz reprimido.

E quando tudo parece perdido, um plano sensacional de Hitchcock revela o verdadeiro assassino, sobrepondo seu rosto ao rosto de Manny, que reza em frente ao espelho. O homem caminha tranqüilamente pela rua e entra numa loja, para tentar um novo assalto que, desta vez, o levará à prisão (e, neste aspecto, a escolha do ator John Heldabrand para viver o assaltante Tomasini é perfeita, dada a semelhança entre ele e Fonda quando eles estão de chapéu). Ao ver aquele homem inocente saindo da delegacia e cruzando as mulheres que o acusaram no caminho, sentimos uma sensação de alívio e, porque não, nos sentimos vingados.

Baseado numa história real, “O Homem Errado” nem de longe tem a atmosfera de suspense costumeira na filmografia de Hitchcock, já que se concentra, de maneira eficiente, nos efeitos que aquela falsa acusação provocou na vida de Manny e sua família. Nem por isso, pode ser considerado um filme menor, pois cumpre muito bem o seu propósito, nos fazendo refletir sobre a confiabilidade das investigações policiais, especialmente quando se baseiam em testemunhos de seres tão falhos como nós.

Texto publicado em 08 de Junho de 2011 por Roberto Siqueira

AS VINHAS DA IRA (1940)

(The Grapes of Wrath)

 

 

Filmes em Geral #69

Filmes Comentados #10 (Comentários transformados em crítica em 10 de Agosto de 2011)

Dirigido por John Ford.

Elenco: Henry Fonda, Jane Darwell, John Carradine, Charley Grapewin, Dorris Bowdon, Russell Simpson, O.Z. Whitehead, John Qualen, Eddie Quillan, Zeffrie Tilbury, Frank Sully, Frank Darien, Darryl Hickman e Shirley Mills.

Roteiro: Nunnally Johnson, baseado em livro de John Steinbeck.

Produção: Darryl F. Zanuck.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A crise provocada pela grande depressão nos Estados Unidos é o pano de fundo para este “As Vinhas da Ira”, obra-prima humanista dirigida por John Ford, que escancara diversos problemas sociais provocados pela ganância de alguns numa época bastante difícil. Com um visual esplêndido, excelentes atuações e uma narrativa envolvente, o longa é acima de tudo um grito de liberdade de um povo sufocado pela opressão do sistema capitalista.

Tom Joad (Henry Fonda) volta para casa em liberdade condicional e encontra seu lar abandonado. Ao lado do pregador Casy (John Carradine), ele vai até a casa de seu tio John (Frank Darien) e descobre que sua família está sendo desabrigada por empresas que detém a propriedade daquelas terras. Sem ter onde ficar, eles partem para a Califórnia, empolgados com as promessas de emprego e de uma nova vida, mas a dura realidade era bem diferente do que eles imaginavam.

Escrito por Nunnally Johnson, baseado em livro de John Steinbeck, “As Vinhas da Ira” trata de um tema delicado com extrema sensibilidade enquanto acompanha a trajetória sofrida de migração de uma família simples do interior dos Estados Unidos. Acostumadas a um estilo de vida que a urbanização não permitiria existir mais, estas pessoas são forçadas a tentar a vida na cidade grande, numa mudança conturbada que só aumentará os problemas sociais do país, inchando ainda mais as metrópoles, já sem espaço para as pessoas que vivem lá. Por outro lado, como podemos esperar que estas pessoas fiquem num local sem oportunidades, tomado por grandes empresas que irão explorar aqueles que se aventurarem a ficar por lá? Como podemos perceber, os problemas gerados pelo sistema capitalista e, principalmente, pela ganância de alguns já ganhava espaço em 1940 e perdura até hoje. A urbanização e a evolução trouxeram mudanças drásticas na vida daquelas pessoas e infelizmente, ampliaram a pobreza e a miséria – e ainda bem que alguns cineastas, como Ford e Chaplin, tinham coragem de criticar este sistema já naqueles tempos.

Ford exalta o “amor a terra” logo no início da narrativa, quando um emocionado Muley (John Qualen) chora enquanto agarra a terra no chão (“Nasci aqui e vou morrer aqui!”, esbraveja). O diretor mostra também o outro lado da moeda, evidenciando os problemas causados pela migração quando um grupo de pessoas para o caminhão da família Joad e impede que eles entrem em determinada região, já repleta de pessoas famintas e desesperadas. Amontoados num caminhão caindo aos pedaços, a família Joad sofre durante praticamente toda a viagem, e a trilha sonora triste e melancólica simboliza a tristeza de quem teve que deixar a terra que ama. Nem todos agüentam o tranco e outra melodia triste surge para acompanhar o enterro do vovô, numa cena simples e comovente em que Ford demonstra toda sua sensibilidade. E o próprio caminhão simboliza a bagunça que aquela família estava vivendo longe de sua terra, num belo trabalho de direção de arte de Richard Day e Mark-Lee Kirk, que se destaca ainda no miserável acampamento que recebe os desabrigados na Califórnia.

Belos também são os movimentos de câmera de Ford, como aquele que inicia na família de Muley, passa pela casa destruída e, em seguida, corta para a sombra da família na terra, simbolizando que agora eles eram apenas sombra do que já foram um dia. Além disso, o diretor explora muito bem as longas planícies e plantações, sempre com a marcante linha do horizonte ao fundo, comprovando seu talento na composição de planos belíssimos. A bela direção de fotografia do ótimo Gregg Toland auxilia neste processo, especialmente durante a viagem da família. Além disso, a escolha do preto e branco reforça o tom melancólico da narrativa e ressalta a vida sofrida da família Joad. Repare ainda como quando Tom retorna pra casa, a fotografia sombria afunda o personagem nas sombras enquanto ele descobre o que aconteceu com seus vizinhos e familiares – e aqui vale destacar a atuação marcante de John Qualen como Muley, nos comovendo ao demonstrar sua paixão pela terra natal. Este clima sombrio é reforçado pela montagem de Robert L. Simpson, que utiliza alguns fades para fazer a transição das cenas, escurecendo completamente a tela por alguns segundos (o que hoje soa deselegante, mas na época não). Além disso, Simpson e Ford seguem uma linha narrativa clássica e, com exceção de um pequeno flashback no início, linear, em que a montagem jamais chama a atenção para si, numa decupagem cuidadosa que mostra apenas o que é necessário para o andamento da trama.

O curioso termo “cats” utilizado para os tratores Caterpillar que derrubam as casas não surge por acaso. Ele personifica uma empresa e a faz parecer algo palpável. Só que uma empresa não é uma pessoa e, portanto, não pode ser ameaçada (“Em quem nós atiramos?”, pergunta o filho de Muley). Naquele instante, as corporações passavam a dominar o cenário – e as terras que até então passavam de geração para geração – e ninguém podia fazer nada a respeito. E a situação só piorava. Tom começa a perceber isto quando um homem conta sobre sua experiência na cidade, onde as 800 vagas prometidas eram disputadas por milhares de pessoas, deixando muitos desempregados – e o momento em que ele fala sobre a morte dos filhos é tocante, revelando também a desonestidade do médico que apontou outra causa para a morte, evitando que as estatísticas de mortes por “fome” aumentassem. A fome também é o tema central de outra cena belíssima dentro de uma venda na beira da estrada, quando o dono (e depois a garçonete) percebe que a família está passando fome e vende os pães e doces por preços menores. Aliás, o rosto das crianças com fome, seja na venda ou no acampamento, é de cortar o coração de qualquer um.

Cativante e complexo desde sua introdução, quando revela seu passado criminoso e temperamento explosivo, o Tom Joad de Henry Fonda aprende lentamente a lidar com aquela situação, percebendo que o poder sempre esteve nas mãos do próprio povo. Esta mudança gradual é notável nas frases ácidas que demonstram o sentimento que crescia dentro dele, como quando diz que “o governo tem mais interesse pelos mortos do que pelos vivos” no enterro do avô. Ator talentoso e carismático, Fonda se destaca em diversos momentos, como quando reencontra sua mãe, partindo emocionado para abraçá-la (e o close de Ford em seu rosto realça sua bela atuação). Mas seu rosto aparentemente inofensivo esconde uma pessoa prestes a se revoltar contra tudo, como podemos notar quando ele responde rispidamente que seu nome “ainda” era Joad, após ser questionado diversas vezes num acampamento. “Não é preciso coragem se você não tem escolha”, diz para um policial antes de cruzar o deserto. O pior inimigo é aquele que não tem mais nada a perder e Tom estava nesta situação. Por isso, seu lado mais primitivo surge quando vê um homem atingir seu amigo Casy e ele volta a matar. Desesperado, se esconde nos braços da amada mãe, numa cena em que a simples visão da porta 63 abrindo e fechando, o som da sirene ao fundo e a posição da câmera de Ford – que não mostra o que se aproxima do local – criam muita tensão.

Além de Fonda, quem também dá um show é Jane Darwell como a mãe de Tom, emocionando a platéia com sutileza, como quando queima os objetos da família antes de partir. Sua conversa com o filho no final é uma linda cena, que simboliza o desmoronamento da família e, por outro lado, mostra o nascimento de um cidadão disposto a lutar por seus direitos e se opor a opressiva política das empresas capitalistas. Repare como ela olha para o horizonte com os olhos marejados, sabendo que seu filho estava partindo para, provavelmente, nunca mais voltar. Ela sabe que quando ele diz pensar em Casy, está deixando claro que lutará até o fim pela nova causa, assim como fez seu amigo – e as palavras de Tom (“Estarei em todo lugar…”) são marcantes e belíssimas, coroando a grande atuação de Fonda. Diretos e realistas, mãe e filho são muito parecidos, mas este jeito seco não os impede de amar um ao outro. Ao ouvir Ma Joad dizer que “Não somos do tipo que beija, mas…” e ver o abraço apertado deles, o espectador precisa segurar as lágrimas.

No restante do excelente elenco, merece destaque a atuação de Charley Grapewin como o vovô, especialmente quando ele se revolta antes de deixar sua casa. “Essa é a minha terra. Não é boa, mas é minha”, diz ele, numa excelente frase que sintetiza o quanto viver em sua própria terra era importante para aquelas pessoas. Também vale ressaltar a atuação de John Carradine como Casy, que se sai bem desde a primeira conversa com Tom e, principalmente, quando explica para o amigo o motivo da greve, momentos antes de morrer. A frase final “Nós viveremos para sempre, porque nós somos o povo!” deixa uma mensagem otimista, de que o povo, ainda que seja explorado, jamais deixará de existir (afinal, eles precisam do povo, não?). Seria interessante também que jamais deixasse de lutar por seus direitos.

“As Vinhas da Ira” é uma forte crítica ao sistema que tomou conta dos EUA depois da grande depressão, onde empregadores exploravam empregados, se aproveitando da situação para pagar salários insignificantes. De maneira tocante, John Ford entrega um filme humanista, melancólico e reflexivo, atingindo o coração do espectador. É preciso muita falta de sensibilidade para não se comover com a luta daquelas pessoas e não se revoltar com as atitudes dos mais favorecidos. A grande pergunta que fica é: depois de tantos anos, será que esta situação mudou?

PS: Comentários divulgados em 17 de Novembro de 2009 e transformados em crítica em 10 de Agosto de 2011.

Texto atualizado em 10 de Agosto de 2011 por Roberto Siqueira

DOZE HOMENS E UMA SENTENÇA (1957)

(12 Angry Men) 

5 Estrelas 

Obra-Prima 

Videoteca do Beto #13

Dirigido por Sidney Lumet.

Elenco: Henry Fonda, Lee J. Cobb, E. G. Marshall, Jack Klugman, Ed Begley, Martin Balsam, John Fiedler, Ed Binns, Jack Warden, Joseph Sweeney, George Voskovec, Robert Webber. 

Roteiro: Reginald Rose. 

Produção: Henry Fonda e Reginald Rose. 

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

“É sempre difícil deixar o preconceito fora de uma questão dessas. Não importa pra que lado vá, o preconceito sempre obscurece a verdade”. A poderosa frase dita por um personagem chave em determinado momento da trama resume bem a mensagem principal deste filme absolutamente corajoso, envolvente e surpreendentemente original. Filmado quase que em sua totalidade dentro de uma única sala (somente 3 minutos acontecem fora dela), “Doze Homens e uma Sentença” é a prova de que um filme pode sim ser do mais alto nível sem a necessidade de grandes investimentos, apenas utilizando a criatividade e o talento.

Doze jurados têm a responsabilidade de decidir se um jovem garoto, acusado de matar o próprio pai, é culpado ou inocente. Com base na enorme quantidade de provas apresentadas pela promotoria, onze deles têm absoluta certeza de que o menino é culpado. Mas um dos jurados não pensa desta forma. Como a lei exige unanimidade na decisão, todos tentarão argumentar para convencer o último jurado de que eles têm razão.

A obra-prima de Lumet nos leva inicialmente ao tribunal onde o julgamento do garoto está acontecendo. Minutos depois, somos transportados, junto com os atores, para dentro da sala onde a importante decisão será tomada. O close no garoto antes de nos jogar dentro dela, auxiliado pela lenta e triste trilha sonora, nos lembra o que está em jogo naquele momento. Um dos grandes méritos do filme, aliás, é que o roteiro de Reginald Rose nunca nos diz se o garoto é de fato inocente ou culpado. Mesmo assim, a perfeita argumentação de apenas um jurado é suficiente para nos fazer concordar com ele logo no início do filme. Desta forma, quando a segunda votação proposta pelo personagem de Henry Fonda tem inicio, nos pegamos torcendo para alguém ter escrito “não culpado” no papel, pois os argumentos apresentados por ele foram convincentes e nos provam que não temos a certeza necessária para acusar o menino.

A direção de Lumet é absolutamente competente na direção de atores, evitando que o filme se torne maçante (o que seria compreensível em um filme que se passa o tempo todo no mesmo local). Observe como os atores sempre fazem algo para ter um pouco de movimentação em cena, como tirar os casacos, mexer nos óculos, levantar, olhar pela janela, ligar o ventilador ou mudar de posição na mesa. Este absoluto controle da movimentação em cena (misè-en-scene) pode ser observado em detalhes na cena em que um jurado preconceituoso (Ed Begley) começa a fazer seu discurso inflamado contra o garoto. Os outros jurados começam a se levantar e ficar de costas pra ele, demonstrando que não concordam com o que ele fala. A câmera se distancia lentamente, diminuindo o personagem na cena. Simultaneamente, ele vai diminuindo o tom de voz, até ficar desolado e sentar numa cadeira. O elenco atua em conjunto e a cena visualmente é perfeita na tradução do sentimento de todos. Além disso, Lumet explora ao máximo as possibilidades que a situação oferece, utilizando a câmera para nos transmitir sentimentos. Em uma das votações, Lumet vai aproximando lentamente a câmera do imigrante enquanto eles contam nove a três para “culpado”. Quando a câmera está bem próxima, ele muda de opinião e vota inocente. A câmera traduz visualmente o momento em que ele se convence e muda, engrandecendo-o na tela, como se a coragem para mudar estivesse crescendo dentro dele até o ponto de externar esta decisão. Outro detalhe perceptível é que a câmera inicia o longa filmando a maioria do tempo por cima, em plano geral. Com o passar do tempo ela vai descendo e filma os atores pela metade do corpo e quando se aproxima o final do filme, Lumet abusa da utilização de close no rosto deles. Desta forma, o diretor traduz visualmente o aumento da tensão e da sensação de angústia dos jurados. A chuva também é um artifício muito bem utilizado para aumentar esta sensação de incomodo e desconforto, como se eles estivessem se sentindo enclausurados. Finalmente, Lumet capta muito bem as excelentes atuações de todo o elenco. Repare, por exemplo, a cena em que os jurados discutem sobre a velocidade dos passos de uma das testemunhas do caso. Um jurado diz que “um velho daquele jamais saberia precisar esta informação” e a câmera da um close nele exatamente no momento em que percebe ter escancarado seu preconceito, o que se agrava pela presença de um senhor de idade na sala.

É preciso dizer que, para o sucesso absoluto do filme, a excepcional direção de Lumet não seria suficiente. Seria preciso também um elenco extremamente capaz. E felizmente, este é o caso. Isto porque mesmo quando não estão diretamente ligados à cena, os atores estão sempre aparecendo, mesmo que seja em segundo plano, o que os obriga a “atuar” praticamente durante todo o filme. Logo na primeira votação dois detalhes já mostram sutilmente como é o ser humano, graças à fenomenal interpretação coletiva do elenco. Ao perguntar quem considera o garoto culpado, alguns erguem as mãos na hora. Outros aguardam alguns segundos, observam e só depois erguem, claramente seguindo a opinião da maioria sem a menor convicção. Já quando começa a contagem, ao ver que Fonda não ergueu a mão, o rapaz que conta faz uma pausa, mostrando-se impressionado com o voto dele. Todos olham pra ele como forma de intimidá-lo pela atitude tomada. Henry Fonda encabeça o elenco com uma atuação do melhor nível. Inicialmente pensativo, ele vai lentamente mostrando que os seus argumentos são mais do que suficientes para não condenar o garoto. Quando o jurado nº 1 (Martin Balsam) pergunta: “Você não acha que ele é culpado?”, ele responde: “Eu não sei”. Esta é à base do seu argumento, e a grande lição do filme, ou seja, se você não tem certeza absoluta, não pode condenar uma pessoa à morte. Um dos seus grandes momentos acontece logo após a demonstração de que a testemunha não conseguiria correr determinada distância em 15 segundos. Um dos jurados (interpretado magnificamente por Lee J. Cobb) diz que eles estão loucos, sendo convencidos por contos de fadas e deixando o garoto escapar pelas mãos. Ao ser provocado por Fonda, Cobb explode em cena, rangendo os dentes, cerrando os olhos e furiosamente partindo pra cima dele. Fonda, cinicamente, prova que estava certo antes ao afirmar que nem sempre queremos fazer o que dizemos. Lee J. Cobb reafirma seu talento quando altera seu voto, mostrando com muita emoção o motivo de sua posição firme até ali. É até difícil apontar destaques no elenco, já que todos têm atuações de alto nível. O jurado nº 7 (Jack Warden), por exemplo, se mostra logo no inicio como alguém fanático por esporte e que pouco se importa com o que está em jogo. Seu desinteresse fica ainda mais evidente quando muda seu voto sem nenhum motivo plausível, o que gera a revolta do jurado imigrante, interpretado por George Voskovec. John Fiedler, como o jurado nº 2, mostra através da voz sua timidez e insegurança. Martin Balsam conduz a votação com firmeza e se mostra bem justo e convicto de suas opiniões. O jurado nº 4 (E. G. Marshall) também mostra a mesma postura e quando Fonda questiona o que ele fez nos últimos dias, suas respostas são rápidas, como quem quer mostrar que tem certeza do que está falando. Joseph Sweeney, como o jurado nº 9, fala com muita propriedade sobre os motivos que levariam uma testemunha a mentir, numa alusão clara a ele mesmo, que também é um senhor de idade. Observe como ele faz uma pequena pausa quando alguém tosse e depois prossegue no discurso. Estes pequenos detalhes mostram a qualidade da interpretação de todo elenco.

O roteiro de Reginald Rose também tem grande mérito no sucesso do filme. Com diálogos ágeis e sempre interessantes, consegue prender a atenção do espectador em todos os momentos. Aborda também diversos temas polêmicos e escancara preconceitos, o que é bastante válido. Na primeira votação, por exemplo, os jurados começam a explicar porque votaram em “culpado”. E já no primeiro jurado podemos ver um erro que é freqüentemente cometido pelas pessoas, quando ele diz que acha que é culpado porque ninguém provou o contrário. Ora, como diz o personagem de Fonda, o ônus da prova é da promotoria, ou seja, o réu pode ficar calado. Quem tem que provar é quem acusa. Só que infelizmente o ser humano tem a tendência de julgar imediatamente como culpado alguém que é apenas acusado de algo. Outro trecho interessante do roteiro é a cena em que um jurado diz que o menino não sabe nem falar o inglês correto (“He don’t speak good english”. O imigrante corrige: “He doesn’t”). Este trecho irônico mostra que o preconceito dele é idiota, já que o imigrante fala inglês melhor do que ele próprio.

Como se não bastassem todas estas qualidades, “Doze Homens e uma Sentença” propõe ainda uma reflexão interessante no espectador, ao abordar o já citado preconceito de diversas formas diferentes. Temos o preconceito contra a origem da pessoa (um dos homens diz que o cortiço é uma escola de bandidos), contra os imigrantes (o esportista diz: “eles vêm para o nosso país e já querem dar opinião”), o preconceito contra os mais velhos e até mesmo contra os jovens, que é o grande motor da fúria de um dos jurados que havia brigado com o filho e deixou este problema pessoal afetar sua decisão no caso. Em resumo, o filme nos mostra claramente que jamais devemos nos deixar levar pelas aparências. Por tudo isso, podemos dizer que a parte técnica discreta e limitada pelo ambiente único não faz nenhuma falta. O filme é completo e não precisa de mais nada.

Sidney Lumet conseguiu realizar em “Doze Homens e uma Sentença” uma verdadeira aula de cinema, utilizando de forma excepcional o seu talentoso elenco, abusando de sua qualidade como diretor e criando, no fim das contas, uma verdadeira obra-prima. Admiradores do cinema devem saborear este filme singular, que é a prova de que mesmo sem grandes recursos técnicos o cinema pode nos oferecer grandes obras.

PS: Para ver outra crítica interessante do filme no Blog Cinepapo, de meu amigo Augusto, clique aqui.

Texto publicado em 29 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira

ERA UMA VEZ NO OESTE (1968)

(Once Upon a Time in West) 

5 Estrelas

 

Obra-Prima

 

Videoteca do Beto #7

Dirigido por Sergio Leone.

Elenco: Henry Fonda, Charles Bronson, Claudia Cardinale, Jason Robards, Gabriele Ferzetti, Frank Wolff, Paolo Stoppa, Jack Elam, Woody Strode, Keenan Wynn e Lionel Stander. 

Roteiro: Sergio Donati e Sergio Leone, baseado em estória de Dario Argento, Sergio Leone e Bernardo Bertolucci. 

Produção: Fulvio Morsella.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Obra superior de um dos maiores diretores que já existiram no cinema mundial, Era uma vez no Oeste se estabelece como um festival de imagens belíssimas que narram uma história maravilhosa e emblemática, servindo de metáfora para o começo da modernização e o fim do mundo mítico do velho oeste. É um canto de despedida de personagens clássicos e de um estilo de vida característico de uma época distinta da sociedade americana. Nas palavras de um personagem em certo momento do filme, é algo que tem a ver com a morte (“Something to do with death”).

Um irlandês visionário compra uma propriedade afastada da cidade em um local que viria a ser no futuro a rota da estrada de ferro. Em virtude do lugar estratégico que se instalou, ele e toda sua família são assassinados por um matador de aluguel. O que ninguém sabia é que este homem havia se casado há pouco tempo atrás com uma prostituta de New Orleans que acaba de chegar à cidade e que passa a ser defendida por um misterioso homem solitário.

Com sua costumeira habilidade e perfeccionismo para construir cenas antológicas, Leone inicia o filme mostrando uma velha estação, protegida por um senhor de idade e uma índia. A trilha sonora sempre competente de Ennio Morricone cede lugar aqui ao som de um moinho de vento que, auxiliado pela lentidão da construção da cena, ajuda a criar um clima crescente e insuportável de tensão. As gotas caindo no chapéu de um pistoleiro, a mosca voando no rosto de outro e o som do telégrafo só aumentam o clima de expectativa. Quando ouvimos o barulho do trem chegando à estação já imaginamos o que está para acontecer. A excelente introdução do filme serve também para introduzir o personagem mais enigmático da narrativa: o Gaita (Charles Bronson). Sua primeira aparição já deixa bem claro para o espectador que se trata de alguém extremamente perigoso. Na cena seguinte, vemos a família que servirá de base para toda a trama e mais uma vez os momentos silenciosos falam mais que as palavras. Somente os olhares daquelas pessoas já nos indicam que algo se aproxima, o que de fato acontece minutos depois. Temos então outra excelente introdução de personagem. Observe como a câmera prolonga ao máximo o momento em que o rosto de Frank é revelado, criando uma enorme expectativa na platéia (movimento também utilizado em outra cena do filme, quando Jill abre uma porta). Além de ter muito estilo, esta introdução tem também um contexto histórico. Em uma época sem internet, as pessoas não sabiam quem faria qual papel nos filmes, e Fonda era um ator marcado por fazer papel de mocinho. Ao apresentá-lo em cena como o cruel bandido, Leone provocou um enorme choque na platéia. A cena termina com uma elipse maravilhosa que corta do som de um tiro para o som dos freios de um trem. Estes são apenas dois exemplos de mais uma espetacular direção de Sergio Leone. Ele alterna closes muito próximos dos rostos dos atores, que são capazes de revelar cada cicatriz, com planos gerais distantes que exploram muito bem as maravilhosas paisagens da região. Além da condução perfeita da narrativa, Leone abusa também da criação de planos e movimentos de câmera cheios de estilo. Em duas oportunidades Jill (Claudia Cardinale) chega à ambientes desconhecidos por ela, e o visual da cena já nos faz sentir isso. Observe como o foco se concentra no rosto da atriz e todo o ambiente atrás dela fica fora de foco. O diretor cria um contraste interessante com o ambiente em que ela está chegando, sempre filmado através de um plano geral e com foco em toda a cena, demonstrando o quanto ela está deslocada e intimidada, ao contrário das outras pessoas que já estavam ali. Leone cria ainda muitos momentos de tensão, como na cena em que a algema presa à Cheyenne (Jason Robards) é cortada.

O diretor italiano demonstra também seu talento na direção de atores, extraindo performances de alto nível. O grande destaque fica para Charles Bronson como o frio e determinado Gaita, sempre com a expressão séria e focado em seu objetivo. Suas introduções em cena com o som da gaita anunciando sua presença são maravilhosas. Henry Fonda também está muito bem como o expressivo vilão Frank. Seu olhar penetrante caiu como uma luva no personagem, que conta ainda com um jeito lento de andar, característico de quem é extremamente autoconfiante. O ponto alto da grande atuação de Jason Robards são os momentos de humor. Cheyenne é um vilão divertido e ambíguo, e Robards transmite essa idéia em muitas cenas com extrema habilidade. Sua conversa com Jill sobre a importância que tem para um trabalhador ver uma mulher linda como ela é hilária. Ele também tem um bom desempenho dramático, como na cena em que diz para Jill que ela o faz lembrar sua mãe. Sua expressão sincera é marcante e estabelece uma conexão com ela, além de conseguir respeito da parte dela. Claudia Cardinale está belíssima como Jill. Sua memorável última cena, quando ela se mistura aos trabalhadores para lhes dar água, é também extremamente simbólica. Seu olhar penetrante fascina os outros personagens, que vão descobrindo aos poucos o poder que aquela mulher tem naquele ambiente hostil. Ela é o centro da narrativa, tudo gira ao seu redor. Interessante notar como os três homens chave da trama têm alguma relação mais intima com ela de diferentes formas. O Gaita é mais violento, Frank mais romântico (com a concessão dela), e Cheyenne é mais bem humorado (e abusado também). Também merece destaque a cena em que Morton (Gabriele Ferzetti) vê o quadro do mar e sente que jamais conseguira ver o que tanto desejava, pois sabe que seu fim está próximo. Ferzetti transmite toda a angústia do personagem através do olhar triste e da respiração pausada.

O roteiro é coeso e aborda temas interessantes como a vingança e o poder do dinheiro, além de mostrar a corrupção que envolvia todo o processo de construção das ferrovias. Os deliciosos diálogos, sempre presentes nos filmes de Leone, não poderiam faltar aqui. Podemos destacar a sensacional conversa entre o Gaita e Cheyenne dentro do bar (“Eu vi três casacos como estes na estação. Dentro dos casacos haviam três homens. Dentro dos três homens, três balas.”), dois excelentes diálogos entre Jill e Cheyenne (quando ele sente que ela pensa em atacá-lo e quando ela explica porque decidiu morar no campo) e uma outra tirada sensacional que faz referência à Judas, recheada de bom humor. Temos também a seqüência em que o atendente de um bar diz que jamais gostou da idéia de morar em uma cidade grande pois prefere a vida tranqüila do campo, o que se revela uma engraçada ironia, já que aquele lugar é perigoso o bastante para não se ter uma vida tranqüila.

O filme conta também com um excelente trabalho de montagem, que permite à narrativa fluir de forma agradável e nunca arrastada. Observe as excelentes transições de planos, como na ocasião em que Cheyenne pergunta à Jill se o café dela é bom. A resposta “nada mal” vem em outra cena, com Morton fazendo uma outra pergunta a Frank. Tonino Delli Colli colabora significativamente para a criação daquele universo através de sua excelente direção de fotografia. As cores que predominam, como preto, bege e marrom, tornam ainda mais árido o ambiente. Ele também conseguiu tornar imperceptível a diferença de cor na poeira das locações, que ficavam em lugares totalmente diferentes (EUA e Espanha). Quando Jill deita em sua cama muito triste pela perda do marido, a fotografia a envolve em cores pretas, numa demonstração visual da escuridão que ela está mergulhada. O belo trabalho de direção de arte cria uma cidade em construção impressionante, vista pela primeira vez em um admirável travelling de Leone, além de cuidar de todos os detalhes dos cenários, como os envelhecidos talheres e toda a mobília da casa de Jill. Os figurinos sensacionais criam todo o ambiente característico do velho oeste, com botas, casacos e cinturões, além dos belos vestidos das mulheres. A maquiagem também é excelente, marcando aqueles rostos queimados pelo sol com perfeição. Ennio Morricone dá mais um show, compondo uma trilha sonora sensacional. Cada personagem tem sua própria e bem característica trilha. Jill tem um tema delicado e arrebatador, com uma melodia lenta e uma voz aguda. Frank tem um tema tenso, com notas pesadas e longas. O tema de Cheyenne é alegre, com notas rápidas e divertidas. Já o Gaita tem um tema sombrio, com notas contínuas e pesadas misturadas ao som de uma gaita estridente.

(se não viu o filme, pule este parágrafo) Como não poderia deixar de ser em um filme de Sergio Leone, o esperado duelo final é conduzido lentamente e com enorme brilhantismo. A câmera alterna planos gerais com closes no rosto dos atores, ao som de uma trilha primorosa que mistura os temas dos dois personagens. A movimentação é orquestrada, e eles vão se posicionando para o duelo lentamente. Os olhares fixos demonstram a tensão daquele momento e o auge acontece através de um close extraordinário que praticamente entra nos olhos do Gaita, seguido de um flash-back que explica porque ele evitou a morte de Frank antes. O prazer da vingança era o seu maior desejo. Observe que após o duelo, quando Frank é baleado, ele está numa posição de comando no plano, com a câmera filmando-o de baixo pra cima. Quando ele cai, imediatamente o Gaita assume esta posição, tomando assim o controle da situação. Frank, agora derrotado, passa a ser filmado de cima pra baixo, e seu último plano, com a gaita na boca, remete visualmente ao motivo de sua perseguição e morte. Toda esta composição visual característica de Leone demonstra sua enorme habilidade como diretor.

Os elementos característicos dos filmes dirigidos por Sergio Leone são utilizados de forma mais perfeita do que nunca nesta produção. O clima tenso e a sensação sempre presente de que aquelas pessoas dificilmente sobreviverão mantém o espectador sempre atento à narrativa. Extremamente bem fotografado e colecionando cenas inesquecíveis, Era uma vez no Oeste é uma fábula lenta e triste sobre o fim de uma era e o início de outra na sociedade americana. À chegada da ferrovia trouxe o progresso para aquelas pessoas, mas trouxe também o fim de um período memorável, recheado de personagens inesquecíveis. Todos estes elementos fazem do filme uma obra-prima marcante e eterna. 

Texto publicado em 18 de Julho de 2009 por Roberto Siqueira