TOY STORY 4 (2019)

(Toy Story 4)

 

Lançamentos #3

Dirigido por Josh Cooley.

Elenco: Vozes de Tom Hanks, Bonnie Hunt, Laurie Metcalf, Joan Cusack, Tim Allen, Annie Potts, Jeff Garlin, Jodi Benson, Don Rickles, Estelle Harris, Blake Clark, Bud Luckey, Jeff Pidgeon, Lori Alan, Keanu Reeves, Christina Hendricks, Jordan Peele, Timothy Dalton, Wallace Shawn, Mel Brooks, Tony Hale, Madeleine McGraw, Patricia Arquette, Lila Sage Bromley, June Squibb, Kristen Schaal, Ally Maki e Jay Hernandez.

Roteiro: Andrew Stanton e Stephany Folsom.

Produção: Mark Nielsen e Jonas Rivera.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quando a Pixar anunciou que lançaria “Toy Story 4”, confesso que fiquei preocupado. Não que eu duvide da capacidade do estúdio que hoje pertence a Disney de produzir filmes memoráveis, mas o fato é que “Toy Story 3” parecia uma conclusão perfeita para a trajetória dos brinquedos liderados por Woody, Buzz e Cia. Só que um olhar mais profundo revela que, na realidade, o longa anterior concluía a história do crescimento de Andy e não dos brinquedos em si, o que de fato abre espaço para novos filmes. Obviamente, existe também uma motivação comercial nisso tudo, mas o bom resultado alcançado demonstra que a Pixar tomou os devidos cuidados para não entregar apenas um caça-níquel.

Escrito por Andrew Stanton (diretor de “WALL·E”, um dos meus favoritos da Pixar) e Stephany Folsom, “Toy Story 4” tem início quando Bonnie (voz de Madeleine McGraw), abatida e deslocada no primeiro dia de aula, resolve criar um brinquedo a partir de materiais encontrados no lixo e o leva para casa. Só que “Garfinho” (voz de Tony Hale) demora a perceber sua natureza de brinquedo, o que cria grandes problemas para Woody (voz de Tom Hanks), especialmente quando a família de Bonnie decide viajar e o novo brinquedo acaba se perdendo pelo caminho, entristecendo a garota e dando origem a uma verdadeira missão de busca que envolverá Buzz (voz de Tim Allen), Jessie (voz de Joan Cusack) e ainda trará de volta a boneca Beth (voz de Annie Potts).

Auxiliado por seu montador Axel Geddes, o diretor Josh Cooley abre “Toy Story 4” com um prólogo que retorna nove anos no tempo e traz a separação de Woody e Beth, o que inicialmente soa deslocado e sem propósito, como algo forçado apenas para permitir a existência do quarto filme após “Toy Story 3” dar a sensação de que uma continuação era desnecessária. Felizmente, esta sensação lentamente é dissipada, apesar de alguns flertes com o perigo como ao sugerir que Beth sairia de cena ao recusar ajudar Woody, por exemplo, até que faça todo sentido e se justifique no encerramento tocante e coerente com o momento dos personagens.

Aliás, é curioso notar como a narrativa é conduzida de maneira a preparar o espectador para o desfecho sem que a plateia perceba muito o que está acontecendo. Assim, desta vez temos menos momentos engraçados que o de costume, ainda que haja espaço para o humor criativo tão marcante em todos os filmes da franquia, que explora as possibilidades criadas pelo universo dos brinquedos. Neste aspecto, o destaque claramente fica para os novatos bichos de pelúcia, que protagonizam algumas das cenas mais divertidas do filme, como a briga com Buzz, a solução simples e eficiente para a obtenção de uma chave e os hilários planos elaborados por eles.

O que não muda nada em relação ao passado é o carisma dos personagens. Demonstrando o entrosamento esperado após tantos anos, Woody, Buzz, Jessie e companhia continuam adoráveis. A devoção de Woody à sua vocação como brinquedo continua evidente, por exemplo, na conversa com Garfinho à beira da estrada, quando fala sobre Andy em tom nostálgico e resume perfeitamente como ele vê sua função no mundo. Enquanto isso, Buzz demonstra o mesmo misto de lealdade, autoconfiança exacerbada e heroísmo que fazem dele um personagem tão marcante, enquanto Jessie, com menos espaço desta vez, continua sendo a destemida heroína da turma – e são estes três personagens que agem em momentos cruciais do filme para tentar resolver o problema, confirmando sua condição de líderes. Já o novato Garfinho conquista o público com seu temor diante de tantas novidades e, principalmente, por sua justificada obsessão inicial pelo lixo, trazendo ainda um misto de inocência e curiosidade que remete a uma criança e cria empatia com o espectador de maneiras distintas.

É inegável, porém, que a mudança mais clara em “Toy Story 4” em relação aos personagens é o destaque que as figuras femininas ganham na narrativa. Contrariando a persona criada em filmes anteriores da mocinha apaixonada pelo caubói, Beth retorna como uma mulher forte, independente e líder de um grupo de nômades, sendo ainda a responsável por decisões importantes do grupo e, de quebra, a motivação da surpreendente decisão final de Woody. Jessie, por sua vez, assume o papel de liderar a turma que fica no veículo com Bonnie, enquanto Gabby Gabby (voz de Christina Hendricks) assume o papel da vilã e ainda protagoniza um emocionante desfecho em sua trajetória.

Apostando em muitas cenas noturnas e chuvosas, a fotografia de Patrick Lin realça a tensão em momentos como a sequência de abertura ou o ato final, enquanto o design de produção de Bob Pauley capricha em cenários como a loja de antiguidades, criando uma atmosfera que remete ao terror desde os primeiros instantes através das teias de aranha, dos móveis e da pouca iluminação do local. Filme mais melancólico dos quatro até então, “Toy Story 4” trabalha desde o início na construção desta atmosfera que sustentará a dolorosa despedida do ato final, com seu visual dominado pelas citadas cenas sombrias e a trilha sonora mais contida e triste de Randy Newman, na qual vale destacar também a preocupação com pequenos detalhes, como quando um acordeom embala a lembrança de Duke Caboom (voz de Keanu Reeves) e seu dono canadense, remetendo a influência francesa naquele país.

Esta abordagem mais melancólica não impede, no entanto, que Josh Cooley acelere o ritmo nos momentos necessários, como quando sua câmera fluída viaja pelos ambientes acompanhando Buzz e Woody indo do parque para a loja de antiguidades e, especialmente, quando acompanhamos quatro linhas narrativas distintas simultaneamente, com Woody na loja, Buzz indo atrás dele, Garfinho sob a custódia de Gabby Gabby e os brinquedos que ficaram no motor home – novamente, ponto para o montador Axel Geddes. Esta sequência mais frenética de ações nos leva a interessante reviravolta em que Woody, após escapar de Gabby Gabby, resolve voltar e tentar encontrar uma dona para ela, após o sofrido abandono que humaniza a personagem e torna mais aceitáveis suas motivações. No entanto, a grande surpresa ainda estava por vir.

Construído cuidadosamente durante toda a narrativa sem jamais escancarar esta intenção, o devastador momento em que Woody decide abandonar o grupo deixa personagens e espectadores em frangalhos, também pela carga emocional que naturalmente evoca após tantos anos. Ciente do impacto desta decisão, Cooley prepara o espectador para este momento tocante através das citadas trilha sonora e fotografia, que criam o clima ideal, e da condução da relação já distante entre Woody e Bonnie desde o início, revelando como ele já não era mais o protagonista daquele universo, o que torna sua decisão compreensível e coerente com sua essência. Certamente um dos mais queridos personagens não apenas da Pixar, mas do universo das animações em geral, Woody merecidamente angariou milhões de fãs de todas as idades ao redor do mundo e certamente levou muitos deles as lágrimas neste instante.

Além da catarse emocional, “Toy Story 4” volta a abordar a importância das crianças na vida dos brinquedos como um dos temas centrais da narrativa, trazendo ainda as tradicionais reflexões filosóficas sobre a natureza dos brinquedos e seu lugar no universo e, de quebra, promovendo outra interessante discussão através do novo personagem feito de lixo. O que é um brinquedo de fato? Uma bola de meia é um brinquedo? Sua função é divertir uma criança até inevitavelmente ser abandonado como Beth e tantos outros ou divertir crianças aleatórias sem jamais criar vínculo com nenhuma delas como fazem os brinquedos nos parques? Somente por isso o longa dirigido por Josh Cooley já vale a pena.

Ainda que o considere inferior ao primeiro e ao terceiro filme, “Toy Story 4” justifica sua existência através da introdução de novos personagens e novas reflexões sem perder características marcantes dos longas anteriores e nos reservando ainda um surpreendente e emocionante desfecho que pode significar o encerramento do ciclo de um dos mais emblemáticos personagens da curta e gloriosa trajetória da Pixar.

Ou seria o início de uma nova trajetória solo? Só o tempo dirá.

Texto publicado em 24 de Dezembro de 2019 por Roberto Siqueira

TOY STORY 2 (1999)

(Toy Story 2)

5 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #233

Dirigido por John Lasseter, Ash Brannon e Lee Unkrich.

Elenco: Vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Joan Cusack, Don Rickles, Jim Varney, Kelsey Grammer, John Ratzenberger, Wallace Shawn, Annie Potts, John Morris, Laurie Metcalf, Estelle Harris, R. Lee Ermey, Andrew Stanton, Joe Ranft, Rodger Bumpass, Frank Welker e Robert Goulet.

Roteiro: Andrew Stanton, Rita Hsiao, Doug Chamberlin e Chris Webb, baseado em argumento de John Lasseter, Pete Docter, Ash Brannon e Andrew Stanton.

Produção: Karen Robert Jackson e Helene Plotkin.

toy-story-2[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quatro anos após revolucionar a animação no cinema e inaugurar a quase impecável filmografia da Pixar, era inevitável que o mega sucesso de público e crítica “Toy Story” ganhasse uma continuação. O grande temor, no entanto, era que esta continuação fosse simplesmente uma mera desculpa para ganhar dinheiro, desperdiçando o enorme potencial dramático que o material original continha. Felizmente, a Pixar deixou claro desde então que, por mais que erre aqui ou ali, sua capacidade de acertar é infinitamente maior, entregando uma continuação admirável, superior tecnicamente e nivelada em termos narrativos ao seu antecessor.

Escrito a oito mãos por Andrew Stanton, Rita Hsiao, Doug Chamberlin e Chris Webb, “Toy Story 2” nos leva novamente ao quarto de Andy (voz de John Morris), onde seus divertidos brinquedos se preparam para o acampamento de verão em que Woody (voz de Tom Hanks) mais uma vez acompanharia seu dono. No entanto, após sofrer um acidente e ter seu braço direito rasgado, Woody é deixado para trás e acaba sendo sequestrado por um colecionador de brinquedos, levando Buzz (voz de Tim Allen), Rex (voz de Wallace Shawn) e companhia a partirem em busca de seu resgate.

Impecável tecnicamente, o trabalho dos animadores da Pixar se destaca logo nos primeiros instantes, numa sequência de abertura inspirada que nos leva pela pequena aventura de Buzz no espaço e culmina num final muito criativo, já prendendo a atenção da plateia desde o início e resgatando a relação de cumplicidade entre aqueles queridos personagens e o espectador. Claramente trazendo uma evolução gráfica em relação ao filme anterior, a qualidade da animação impressiona pela riqueza de detalhes, como quando os olhos de Rex se movem quando a mãe de Andy (voz de Laurie Metcalf) recolhe os brinquedos para colocar na venda de usados, refletindo sua aflição ao sentir a aproximação dela.

Ainda na parte técnica, a fotografia de Sharon Calahan traz uma abordagem mais sombria em alguns momentos ao adotar cores escuras, como no clímax no aeroporto ou no duelo entre Buzz e o Imperador Zurg (voz de Andrew Stanton, que viria a dirigir filmes da Pixar depois). Além disso, acerta em cheio na escolha do sépia para realçar a aura nostálgica do passado de Woody (e do western de maneira geral), contrastando com o colorido do quarto de Andy e o dourado que embala a sequência mais emocionante do filme (voltaremos a ela em instantes). Já a montagem de Edie Bleiman, David Ian Salter e Lee Unkrich, além de imprimir um ritmo empolgante à narrativa, acerta ainda em momentos delicados e elegantes, como a transição do desenho do “homem-galinha” da tela de um brinquedo para o homem real.

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Transitando muito bem entre a comédia e a melancolia, os diretores John Lasseter, Ash Brannon e Lee Unkrich adotam a mencionada abordagem mais sombria nesta continuação, trazendo novos personagens e elementos narrativos que fortalecem a trajetória de Woody, Buzz e os demais carismáticos brinquedos, tornando-os ainda mais próximos de todos nós. Apostando no infalível sentimento nostálgico que os brinquedos evocam nos adultos e em inspiradas gags que divertem as crianças, o longa não erra em praticamente nada nos aspectos narrativos e temáticos, graças a condução dos diretores e a qualidade do roteiro.

Entre os inúmeros momentos engraçados, gosto particularmente daquele em que o porquinho (voz de John Ratzenberger) troca de canais rapidamente para achar o “homem-galinha” com o Rex desesperado ao seu lado. A sequência na loja de brinquedos também é muito inspirada e aproveita praticamente todas as oportunidades que a situação oferece para nos fazer rir, passando pelo corredor do Buzz Lightyear, o imperador Zurg e principalmente na hilária passagem pelas Barbies. Aqui, aliás, acontece uma das diversas referências aos grandes clássicos do passado no plano que realça o T-Rex no retrovisor do carro exatamente como ocorria em “Jurassic Park”. Entre outras referências, temos ainda os arremessos com o pai em “Campo dos Sonhos”, as notas musicais da trilha de “2001” e a óbvia referência à “Star Wars Episódio V: O Império Contra-Ataca”. Vale destacar também as sequências de ação muito bem conduzidas pela câmera ágil dos diretores, como no empolgante ato final no aeroporto, desde quando passarmos junto com os personagens pelo check-in e iniciarmos a viagem pelas esteiras ao lado das malas até o dinâmico trecho que se passa na pista e no avião.

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Só que, curiosamente, as cenas mais marcantes de “Toy Story 2” não são recheadas de energia. Um verdadeiro capitulo a parte dentro do filme, a aparição do velhinho que conserta Woody é fabulosa, trazendo à tona um personagem carismático dos famosos curtas da Pixar de maneira peculiar e apaixonante, assim como a cena mais tocante do longa, que sequer envolve diretamente o protagonista. Exalando sensibilidade e delicadeza, o pequeno clipe que narra a história de Jessie (voz de Joan Cusack) é comovente e já anunciava ainda em 1999 a enorme capacidade da Pixar de tocar o espectador em poucos minutos (algo que voltaria a ocorrer, por exemplo, em “Up – Altas Aventuras”), além de ser visualmente belíssimo com seus tons dourados que remetem a melhor época da vida da boneca contrastando com o tom melódico e triste da linda canção que embala a sequência.

E já que mencionei a cowgirl, vale dizer que a introdução de Jessie, Bala no Alvo (voz de Frank Welker) e Pete (voz de Kelsey Grammer) é extremamente eficiente e acrescenta muito a narrativa, trazendo elementos importantes para compreendermos o passado e a história de Woody e engrandecendo-o ainda mais como personagem. Remetendo aos tempos áureos do western e novamente abordando o conflito de gerações e a transição da época dos caubóis para a época dos astronautas no imaginário infantil após a corrida espacial, o conflito entre o velho e o novo também ganha mais força pela forma nostálgica que somos apresentados a história de Woody, através de fitas de videocassete, toca discos e brinquedos já anacrônicos, que soam como doces lembranças na memória dos espectadores mais velhos. Além disso, o roteiro encontra ainda um pequeno espaço para enviar uma mensagem de respeito as diversidades ao mostrar como Woody é simplesmente deixado de lado após ter seu braço rasgado e perder sua “perfeição”, reencontrando brinquedos abandonados que viveram seus dias de glória num passado não muito distante e sentindo na pele o quanto a rejeição é dolorosa.

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A música cantada por Wheezy (voz de Robert Goulet) encerra “Toy Story 2” no mesmo clima alegre que o primeiro filme encerrava, mas desta vez temos ainda os divertidos erros de gravação que, além de revelar a já latente criatividade da Pixar, também nos aproxima mais daqueles personagens ao torna-los críveis dentro do que é possível numa animação – e de quebra, revela bastidores das produções hollywoodianas de maneira bem humorada, como ao mostrar Pete paquerando as Barbies gêmeas e as brincadeiras de Woody com Buzz. Aliás, o próprio conceito de erros de gravação numa animação não deixa de ser uma situação hilária.

Resgatando a aura nostálgica que tornou “Toy Story” uma animação tão especial, “Toy Story 2” acerta ao trazer novidades para a trajetória do caubói e do astronauta mais queridos dos anos 90, preparando o terreno para seu terceiro e derradeiro capítulo que, como sabemos, seria responsável por uma verdadeira comoção em toda uma geração.

toy-story-2-foto-2Texto publicado em 31 de Janeiro de 2017 por Roberto Siqueira

ESCOLA DE ROCK (2003)

(School of Rock)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #112

Dirigido por Richard Linklater.

Elenco: Jack Black, Joan Cusack, Joey Gaydos Jr., Robert Tsai, Angelo Massagli, Kevin Clark, Maryam Hassan, Caitlin Hale, Cole Hawkins, Brian Falduto, Mike White, Adam Pascal, Lucas Papaelias, Chris Stack, Sarah Silverman, Lucas Babin, Jordan-Claire Green e Miranda Cosgrove.

Roteiro: Mike White.

Produção: Scott Rudin.

Escola de Rock[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Se para muita gente o rock n’ roll é sinônimo de diversão, “Escola de Rock” é certamente um dos filmes que conseguem captar esta essência com precisão, transmitindo para a plateia a energia de um verdadeiro show de rock através de sua narrativa ágil e de seus personagens extremamente carismáticos. Encabeçado pelo ótimo Jack Black, o longa dirigido pelo talentoso Richard Linklater é tão leve e despretensioso que nem parece que possui tantas qualidades, mas ao examiná-lo com paciência o espectador notará que sua aura envolvente é fruto do trabalho árduo de pessoas muito competentes.

Escrito especialmente para Jack Black por seu amigo Mike White, “Escola do Rock” começa quando Dewey Finn (Black) é expulso de sua banda devido ao seu comportamento polêmico e acaba sendo obrigado a procurar outro emprego. Assim, quando uma escola telefona procurando seu amigo Ned Schneebly (Mike White) no apartamento em que eles vivem junto com a namorada de Ned chamada Patty (Sarah Silverman), ele não hesita em aceitar o emprego no lugar dele, assumindo as aulas de uma rígida escola de ensino fundamental como professor substituto.

Diretor eficiente, Richard Linklater nos insere na atmosfera de “Escola de Rock” já durante a criativa apresentação dos créditos iniciais, quando um plano-sequência acompanhado pela música agitada ao fundo nos leva até o palco onde o personagem de Jack Black se apresenta sem sucesso. Empregando seus costumeiros elegantes movimentos de câmera, o diretor prende nossa atenção através de uma narrativa ágil que praticamente não nos permite notar o tempo passar, o que é mérito também do ritmo perfeito empregado pela montadora Sandra Adair, que mantém o foco nas divertidas aulas do professor, deixando as pequenas subtramas envolvendo a diretora da escola e os amigos de Dewey em segundo plano, além é claro de construir transições muito interessantes como quando saímos de Dewey caído no palco para ele deitado na cama logo no início.

Neste instante, muitas informações a respeito do personagem são passadas somente através do visual, com seu quarto repleto de LPs e CDs de rock, além dos pôsteres e faixas de bandas como “Black Sabbath” e “The Who” que surgem espalhados pelo apartamento (design de produção de Jeremy Conway). Observe ainda como as fortes cores que predominam no apartamento como preto, marrom e vermelho contrastam com a clara sala de aula, na qual predomina o branco e onde a luz consegue preencher o aconchegante ambiente com muito mais facilidade, o que obviamente é mérito do diretor de fotografia Rogier Stoffers. E finalmente, os uniformes sóbrios dos alunos em tons de azul e branco e as roupas engraçadas do protagonista criam um contraste evidente que, não à toa, só deixará de existir no ato final, quando o professor finalmente surgirá no palco vestido como eles (figurinos de Karen Patch).

Créditos iniciaisQuarto deleUniformes sóbriosRepleta de clássicos do rock que vão de AC/DC à Black Sabbath, a trilha sonora de Craig Wedren só poderia ser mesmo empolgante, incluindo ainda excelentes sacadas como a escolha da música “Substitute”, do “The Who”. Os fãs de rock vão vibrar também com as menções a gênios como Jimi Hendrix e Neil Peart nas lições de casa aplicadas pelo professor, que, além de engraçadas, são muito apropriadas para cada instrumentista.

Professor Dewey que é interpretado por um Jack Black solto e divertido, que se mostra muito a vontade num papel feito sob medida pra ele. Afinal, suas expressões marcantes e exageradas caem muito bem na pele do roqueiro improvisado como professor, responsável por muitos dos momentos hilários do longa, como quando ele aponta três dedos para Theo (Adam Pascal) e manda ele ler nas entrelinhas ou na empolgante primeira vez em que ele toca na sala de aula com os alunos e arranca os primeiros riffs de Zack (Joey Gaydos Jr.). No entanto, o engraçado Dewey demonstra também uma surpreendente capacidade de liderança ao dividir as tarefas entre os alunos, colocando cada um na função correta (e ajustando aqueles que se oferecem para outras áreas), num exemplo perfeito de motivação que orgulharia muitos palestrantes por aí. E o que dizer do ótimo momento em que Dewey hesita antes de cantar sua própria canção para os alunos, numa demonstração de falta de confiança graciosa e divertida?

Encarnando a diretora durona da escola, Joan Cusack tem ótimos momentos, como quando toma cerveja toda desajeitada num bar e em seguida curte a música que adora ao lado de Dewey ou quando desabafa no carro sobre o quanto a pressão do cargo mudou seu jeito de ser, além do engraçado instante em que ela revela aos pais que seus filhos sumiram – e graças a sua expressão realçada pelo close de Linklater, nós praticamente sentimos o desespero dela quando é pressionada pelos pais na escola. Por sua vez, o verdadeiro Ned Schneebly interpretado pelo roteirista Mike White é inerte, alguém totalmente passivo diante das ações de Dewey e da detestável namorada dele Patty, vivida por Sarah Silverman.

Ainda que quase todo o elenco adulto se saia bem, inegavelmente o grande mérito de Linklater está na direção do elenco mirim, que dá um verdadeiro show coletivo de talento e carisma através de personagens adoráveis como o tímido Zack vivido por Joey Gaydos Jr., os complexados Lawrence de Robert Tsai (“Não sou maneiro”, diz) e Tomika de Maryam Hassan (“Eles vão rir de mim porque sou gorda”), o descolado Freddy interpretado por Kevin Clark e que muda seu penteado para o estilo punk rock, além das adoráveis Marta (Caitlin Hale) e Michelle (Jordan-Claire Green), do inteligente Leonard (Cole Hawkins) e da determinada Summer (Miranda Cosgrove). No entanto, o grande destaque das atuações mirins fica mesmo para Brian Falduto, que cria um afeminado Billy com tanta perfeição e graça que fica impossível não rir em quase todas as vezes que ele aparece.

Expressões marcantesCurte a músicaElenco mirimCriando um pequeno conflito que serve para desmascarar Dewey e deixar a plateia aflita, o roteiro parte para a resolução do problema no empolgante clímax, quando os pais se apressam para chegar ao local do show e acompanham a sensacional apresentação dos filhos, captada com perfeição por Linklater. Com o auxilio de seu montador, ele transita num ritmo perfeito entre os vários integrantes da banda e a vibração da plateia, compondo uma apresentação belíssima e vibrante, fechando a ótima sequência com a polêmica votação e o público emocionado pedindo BIS. O final metalinguístico já na escola de rock oficial com Dewey falando diretamente com a plateia apenas fecha com chave de ouro este filme delicioso e empolgante.

Captando a essência do rock sob o filtro do olhar inocente das crianças, Richard Linklater realizou um filme memorável, que conta também com a estupenda atuação de Jack Black e do elenco infantil para se tornar ainda melhor. E assim como os pais dos alunos e a diretora da escola, você não precisa necessariamente ser roqueiro para se encantar com o desempenho deles.

Escola de Rock foto 2Texto publicado em 14 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira

ALTA FIDELIDADE (2000)

(High Fidelity)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #110

Dirigido por Stephen Frears.

Elenco: John Cusack, Iben Hjejle, Todd Louiso, Jack Black, Lisa Bonet, Catherine Zeta-Jones, Joan Cusack, Tim Robbins, Chris Rehmann, Ben Carr, Lili Taylor, Natasha Gregson Wagner e Harold Ramis.

Roteiro: D.V. DeVincentis, Steve Pink, John Cusack e Scott Rosenberg, baseado em livro de Nick Hornby.

Produção: Tim Bevan e Rudd Simmons.

Alta Fidelidade[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Amadurecer nunca foi fácil. Desde os primeiros momentos da vida em que somos obrigados a deixar fases deliciosas para trás e encarar novas e pesadas responsabilidades (como ir para a escola, por exemplo), o processo de amadurecimento do ser humano pode ser complicado e difícil dependendo da maneira como encaramos cada etapa. Pra piorar, os tempos modernos trouxeram tecnologias maravilhosas que, por outro lado, permitem que retornemos a este passado delicioso sempre que possível, seja jogando aquele videogame que amávamos, assistindo aquele seriado ou desenho ou até mesmo ouvindo as mesmas músicas de antes. Isto não é necessariamente algo ruim, mas pode tornar-se um problema sério quando esta facilidade nos impede de seguir adiante. E é justamente este o caso do protagonista deste ótimo “Alta Fidelidade”, um longa sensível a respeito da dificuldade de um homem de encarar as responsabilidades que surgem pela frente.

Escrito a oito mãos por D.V. DeVincentis, Steve Pink, John Cusack e Scott Rosenberg com base em livro homônimo de Nick Hornby, “Alta Fidelidade” narra o cotidiano de Rob Gordon (John Cusack), o dono de uma pequena loja de discos em Chicago que está se separando da namorada Laura (Iben Hjejle). Fanático por música, ele passa seus dias vendendo discos e discutindo o cenário musical com seus dois funcionários Dick (Todd Louiso) e Barry (Jack Black), mas o fim do relacionamento faz com que ele reflita sobre os inúmeros relacionamentos frustrados que teve na vida.

Repleto de diálogos interessantes como aquele em que Rob e Barry discutem os significados da palavra “ainda”, o roteiro de “Alta Fidelidade” traz pequenas joias como a pouco romântica, porém verdadeira proposta de casamento de Rob, que foge completamente dos clichês. Além disso, o texto parece um verdadeiro presente para os fãs da música, trazendo inúmeras referências a bandas famosas e outras desconhecidas do grande público, além das interessantes listas criadas pelos personagens (como sabemos, criar listas é uma brincadeira capaz de viciar nove entre dez fãs de música e de cinema também!), que estão espalhadas por toda a narrativa.

A criatividade não para por aí. Se num primeiro momento somos levados a enxergar Rob como uma vítima, nossa expectativa é completamente subvertida quando ele revela as quatro coisas ruins que fez para Laura, quebrando a imagem de pobre homem sofrido e dando os primeiros sinais do quanto ele fugia de um relacionamento sério – algo que sua mãe já havia indicado antes numa conversa telefônica. Em seguida, as explicações dele para cada acontecimento escancaram seus medos e angustias, tornando o personagem mais humano diante dos nossos olhos, ainda que não justifique suas ações.

Prendendo a atenção do espectador através do carisma dos personagens, o diretor Stephen Frears e seu montador Mick Audsley saltam no tempo sempre num ritmo ágil e sem jamais tornar a trama confusa, apostando nos flashbacks que trazem as fracassadas experiências amorosas do protagonista e ousando quebrar a quarta parede praticamente o filme inteiro ao permitir que o protagonista fale diretamente com o expectador, o que, auxiliado pelo carisma de Cusack e pelos closes e planos fechados de Frears que acompanham Rob constantemente, ajuda a criar empatia entre o personagem e a plateia.

Até mesmo os aspectos técnicos são usados para externar os sentimentos do protagonista. Deixando as janelas quase sempre fechadas ou apenas parcialmente abertas, o diretor de fotografia Seamus McGarvey cria um visual sombrio que, reforçado pelas cores sem vida que decoram o apartamento dele, conferem um ar de esconderijo ao local – afinal, é ali que Rob se esconde do mundo adulto ao seu redor, com seus LPs dispostos em ordem alfabética no apartamento e seus pôsteres de bandas na parede (design de produção de David Chapman e Therese Deprez). Finalmente, a trilha sonora recheada de canções maravilhosas de Howard Shore acerta ao retratar os diversos sentimentos conflitantes do protagonista, saltando de músicas empolgantes para baladas intimistas com facilidade.

Num papel difícil e crucial para o sucesso do longa, Cusack está muito bem, carregando a narrativa com facilidade e muita desenvoltura. Com sua expressão de derrotado e seu comportamento quase recluso, Rob é alguém difícil de lidar, escondendo-se atrás do humor autodepreciativo como forma de evitar falar abertamente sobre sua falta de coragem para encarar um relacionamento com seriedade. Se suas mudanças de penteado e no estilo das roupas são notáveis ao longo das experiências amorosas (figurinos de Laura Bauer), seu comportamento praticamente mantém-se o mesmo, o que o leva a acreditar que todos seus relacionamentos são apenas versões distorcidas do primeiro. Obcecado por explicações, Rob torna-se quase paranoico enquanto busca superar o fim de suas relações amorosas, sem perceber que os relacionamentos em si são também a razão de sua paranoia, já que ele não suporta a ideia de manter um compromisso duradouro com alguém.

Janelas parcialmente abertasExpressão de derrotadoMudanças de penteadoA gama de personagens interessantes e verdadeiros, porém, não se restringe ao protagonista. Sempre reservada e centrada, Laura surge como um verdadeiro porto seguro para aquele homem, soando quase sempre como adulta diante daquele homem tão juvenil – e neste sentido, as expressões sérias e o tom de voz controlado da atriz Iben Hjejle são essenciais para a construção desta imagem. E enquanto Todd Louiso se sai bem como o tímido e antissocial Dick, falando com dificuldades e evitando olhar diretamente para as pessoas, Jack Black diverte-se como o vendedor de discos fanático por música que quase rouba a cena sempre que aparece, ainda que abuse do overacting em alguns momentos. Saindo-se muito bem na maior parte do tempo, Black demonstra desenvoltura também no palco, quando seu Barry finalmente demonstra que também pode ser um pouco eclético.

Além da sempre engraçada e espalhafatosa Liz de Joan Cusack, vale citar também as participações de Catherine Zeta-Jones, que demonstra sua forte presença na pele de Charlie; Bruce Springsteen, que aparece rapidamente durante um pensamento de Rob; e Tim Robbins, que em pouco tempo consegue fazer seu Ian Ray ser ao mesmo tempo educado e irônico. Além disso, Robbins participa da cena mais engraçada do filme, na qual acompanhamos os desfechos imaginados por Rob para o fim de uma conversa com Ray.

Reservada e centrada LauraVendedor de discos fanáticoEducado e irônicoVerdadeira declaração de amor pela música, “Alta Fidelidade” é acima de tudo um estudo sobre um homem com enorme dificuldade de encarar o amadurecimento que todos nós temos que passar um dia. E por mais que continuemos amando nossos discos da adolescência (ok, nossos CDs ou compilações em mp3), é bem mais fácil quando sabemos encarar o momento de deixar a rebeldia adolescente para trás e dar novos passos adiante na longa e árdua caminhada da vida adulta.

Alta Fidelidade foto 2Texto publicado em 12 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira

TOY STORY 3 (2010)

(Toy Story 3)

 

 

Filmes em Geral #87

Dirigido por Lee Unkrich.

Elenco: Vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Michael Keaton, Joan Cusack, Bonnie Hunt, Timothy Dalton, R. Lee Ermey, John Ratzenberger, John Morris, Laurie Metcalf, Wallace Shawn, Don Rickles, Jodi Benson e Ned Beatty.

Roteiro: Michael Arndt.

Produção: Darla K. Anderson.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Antes mesmo de assistir ao último filme da impecável trilogia “Toy Story”, fui tomado por um sentimento nostálgico somente ao imaginar que, após acompanharmos a trajetória de Andy e seus queridos brinquedos nos excepcionais filmes anteriores, aquela seria a minha despedida de Woody, Buzz e companhia. Se me emocionei em “Toy Story” e quase não contive as lágrimas em “Toy Story 2” – especialmente no clipe que conta a história de Jesse e sua dona -, era muito provável que as lágrimas seriam inevitáveis em “Toy Story 3”. Mas eu não estava preparado para esta verdadeira catarse. A verdade é que a obra-prima dirigida por Lee Unkrich mexe em nossos sentimentos mais profundos, remetendo a mais nostálgica fase de nossas vidas.

Desta vez escrito por Michael Arndt, “Toy Story 3” traz Andy (voz de John Morris) já com 17 anos e prestes a ir para a Faculdade. Enquanto arruma seu quarto, ele decide levar apenas o cowboy Woody (voz de Tom Hanks) e deixar todos seus outros brinquedos no sótão, entre eles Buzz Lightyear (voz de Tim Allen), Jessie (voz de Joan Cusack) e o Sr. Cabeça de Batata (voz de Don Rickles). Mas, por engano, sua mãe confunde o saco que ele separou para os brinquedos e eles acabam no lixo. O grupo consegue escapar, se infiltra numa caixa onde está Barbie (voz de Jodi Benson) e acaba sendo levado para a creche Sunnyside, onde eles conhecerão novos brinquedos como Ken (voz de Michael Keaton) e o urso Lotso (voz de Ned Beatty).

Esbanjando criatividade, o roteiro de Arndt traz Woody novamente numa situação complicada, tendo que salvar os amigos antes da partida de Andy, o que nos leva a novas e empolgantes aventuras. Remetendo em alguns instantes a estrutura narrativa do primeiro filme (a reunião entre os brinquedos, a “fuga involuntária” da casa), Arndt tem ainda o cuidado de revelar o destino de personagens marcantes como Wheezy, a boneca de porcelana Beth e os soldados de plástico, num indício sutil do clima nostálgico que permeia a narrativa, acertando também nos momentos bem humorados, como ao “resetar” Buzz e trazer de volta sua adorável dedicação ao “comando estelar”, além da hilária mudança de seu idioma para o espanhol. Abordando temas como a inexorabilidade do tempo (como atestam o gordo e cansado Buster e o rosto adolescente de Andy) e a importância da amizade verdadeira, “Toy Story 3” emociona não apenas as crianças, mas também (e especialmente!) os adultos.

A espetacular seqüência de abertura dá o tom da narrativa, iniciando com a empolgante aventura (que descobriremos existir apenas na cabeça de Andy) envolvendo os principais personagens da trilogia e terminando nas gravações que mostram o crescimento do garoto. Esta oscilação entre a euforia e a nostalgia é uma das marcas de “Toy Story 3”, graças à direção firme de Unkrich que transforma o capítulo final da trilogia num festival de sensações. Contando com o bom trabalho do montador Ken Schretzmann, a narrativa transita muito bem entre emoções extremas, passando pela adrenalina das aventuras, pela tensão dos momentos de suspense e pela delicadeza de cenas tocantes, como o melancólico e sublime final, intercalando tudo isso com momentos de bom humor. Além disso, o trabalho de montagem se destaca também pela fluidez em diversos momentos, como na citada abertura e na apresentação do sistema de segurança de Lotso, que transforma Sunnyside numa prisão.

Tecnicamente, mais uma vez a qualidade das animações impressiona pela riqueza de detalhes, sendo capaz de dar vida aos brinquedos através da leveza de seus movimentos e da expressividade deles – observe a expressão de desaprovação de Woody quando chega a Sunnyside, por exemplo. Além disso, chega a ser quase inacreditável a capacidade de criação dos animadores da Pixar, que desenvolvem uma enorme variedade de brinquedos (muitos deles remetem diretamente a minha infância, aliás), assim como o roteiro novamente aproveita a oportunidade para criar gags divertidas baseadas nas características deles, como no sensacional encontro entre Ken e Barbie e no divertido desfile que ele faz pra ela, nas constantes piadas sobre a origem dele (“Não sou brinquedo de menina!”) e no corpo improvisado pelo Sr. Cabeça de Batata.

Ainda na parte técnica, vale destacar mais uma vez o excepcional design de som, que dá vida ao mundo criado pelos animadores e nos insere dentro dele com precisão. E se desta vez a bela “You’ve got a friend in me” soa ainda mais nostálgica devido às circunstâncias, a trilha sonora de Randy Newman se destaca também por pontuar com precisão as cenas de aventura e suspense, injetando adrenalina e tensão sempre na medida certa, além de mostrar criatividade nos acordes tipicamente espanhóis que embalam a divertida dança “caliente” de Buzz.

Voltando aos aspectos visuais, vale observar como a fotografia colorida e cheia de vida na chegada dos brinquedos à creche Sunnyside cria uma expectativa totalmente contrária à realidade do lugar, evidenciada somente pela reação dos brinquedos locais segundos antes da invasão das agitadas crianças que detonam todos eles. Esta subversão de expectativa, aliás, também acontece com o personagem Lotso, que surge como um urso tranqüilo e amigável – e a voz contida de Ned Beatty é essencial para isto -, mas lentamente se revela como o grande vilão da trama. Será ele o agente da mudança brusca da fotografia, que troca as cores vivas pelos tons obscuros durante todo o segundo ato após Woody ouvir a história de Lotso, em outra cena que transita de tons dourados para cores sombrias e sufocantes que, realçadas pela chuva, ilustram os sentimentos do urso abandonado.

Além de imprimir um ritmo delicioso à narrativa, Unkrich se destaca, por exemplo, na condução de seqüências empolgantes e visualmente belíssimas como a primeira fuga de Woody de Sunnyside, a acrobática saída de Buzz da sala Lagarta e a segunda fuga da creche, capaz de grudar o espectador na cadeira, especialmente quando os personagens são deixados no assombroso depósito de lixo – e confesso que cheguei a temer pelo destino dos heróis nesta sombria seqüência, que é certamente o momento mais tenso da narrativa. Através destes interessantes movimentos de câmera que acompanham as peripécias dos personagens, Unkrich confere agilidade e dinamismo ao longa, o que é essencial numa aventura infantil. Mas “Toy Story 3” está longe de direcionar seus esforços apenas para a fatia mais jovem do público. Por isso, quando os personagens escapam da difícil situação no depósito e conseguem voltar para casa, o final devastador se aproxima e o espectador já sabe o que esperar.

Quando Andy brinca pela última vez com seus queridos brinquedos e apresenta cada um deles para a garota, nós sabemos que também estamos nos despedindo daqueles personagens adoráveis. Sabemos ainda que, para Andy, não se trata apenas de deixar aqueles brinquedos legais para trás, mas também de despedir-se definitivamente dos áureos tempos da infância, época em que o mundo era filtrado pela pureza do olhar de uma criança. Por isso, a identificação do espectador adulto é inevitável e fica difícil segurar as lágrimas. Após o carro perder-se no horizonte e Andy deixar tudo isto para trás, aqueles momentos mágicos sobreviverão apenas na memória – e quem já passou por esta fase sabe bem o que é isto. Finalmente, esta cena final é ainda mais emblemática para aqueles que eram crianças no lançamento do primeiro “Toy Story”, já que, devido a distancia de 15 anos entre os filmes, estes jovens provavelmente também estavam na faculdade em 2010 e, portanto, o crescimento de Andy reflete a própria trajetória deles.

Ao contrário de Andy, que foi obrigado a deixar seus brinquedos para trás, as novas gerações podem comemorar, pois os filmes da trilogia “Toy Story” são brinquedos que podemos guardar eternamente e até mesmo voltar a “brincar” com eles sempre que quisermos. Esta é a magia do cinema. Esta é a magia da Pixar, que provou nesta trilogia ter o poder de – com o perdão do trocadilho – ir “ao infinito e além!”.

Texto publicado em 24 de Fevereiro de 2012 por Roberto Siqueira