TOY STORY 4 (2019)

(Toy Story 4)

 

Lançamentos #3

Dirigido por Josh Cooley.

Elenco: Vozes de Tom Hanks, Bonnie Hunt, Laurie Metcalf, Joan Cusack, Tim Allen, Annie Potts, Jeff Garlin, Jodi Benson, Don Rickles, Estelle Harris, Blake Clark, Bud Luckey, Jeff Pidgeon, Lori Alan, Keanu Reeves, Christina Hendricks, Jordan Peele, Timothy Dalton, Wallace Shawn, Mel Brooks, Tony Hale, Madeleine McGraw, Patricia Arquette, Lila Sage Bromley, June Squibb, Kristen Schaal, Ally Maki e Jay Hernandez.

Roteiro: Andrew Stanton e Stephany Folsom.

Produção: Mark Nielsen e Jonas Rivera.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quando a Pixar anunciou que lançaria “Toy Story 4”, confesso que fiquei preocupado. Não que eu duvide da capacidade do estúdio que hoje pertence a Disney de produzir filmes memoráveis, mas o fato é que “Toy Story 3” parecia uma conclusão perfeita para a trajetória dos brinquedos liderados por Woody, Buzz e Cia. Só que um olhar mais profundo revela que, na realidade, o longa anterior concluía a história do crescimento de Andy e não dos brinquedos em si, o que de fato abre espaço para novos filmes. Obviamente, existe também uma motivação comercial nisso tudo, mas o bom resultado alcançado demonstra que a Pixar tomou os devidos cuidados para não entregar apenas um caça-níquel.

Escrito por Andrew Stanton (diretor de “WALL·E”, um dos meus favoritos da Pixar) e Stephany Folsom, “Toy Story 4” tem início quando Bonnie (voz de Madeleine McGraw), abatida e deslocada no primeiro dia de aula, resolve criar um brinquedo a partir de materiais encontrados no lixo e o leva para casa. Só que “Garfinho” (voz de Tony Hale) demora a perceber sua natureza de brinquedo, o que cria grandes problemas para Woody (voz de Tom Hanks), especialmente quando a família de Bonnie decide viajar e o novo brinquedo acaba se perdendo pelo caminho, entristecendo a garota e dando origem a uma verdadeira missão de busca que envolverá Buzz (voz de Tim Allen), Jessie (voz de Joan Cusack) e ainda trará de volta a boneca Beth (voz de Annie Potts).

Auxiliado por seu montador Axel Geddes, o diretor Josh Cooley abre “Toy Story 4” com um prólogo que retorna nove anos no tempo e traz a separação de Woody e Beth, o que inicialmente soa deslocado e sem propósito, como algo forçado apenas para permitir a existência do quarto filme após “Toy Story 3” dar a sensação de que uma continuação era desnecessária. Felizmente, esta sensação lentamente é dissipada, apesar de alguns flertes com o perigo como ao sugerir que Beth sairia de cena ao recusar ajudar Woody, por exemplo, até que faça todo sentido e se justifique no encerramento tocante e coerente com o momento dos personagens.

Aliás, é curioso notar como a narrativa é conduzida de maneira a preparar o espectador para o desfecho sem que a plateia perceba muito o que está acontecendo. Assim, desta vez temos menos momentos engraçados que o de costume, ainda que haja espaço para o humor criativo tão marcante em todos os filmes da franquia, que explora as possibilidades criadas pelo universo dos brinquedos. Neste aspecto, o destaque claramente fica para os novatos bichos de pelúcia, que protagonizam algumas das cenas mais divertidas do filme, como a briga com Buzz, a solução simples e eficiente para a obtenção de uma chave e os hilários planos elaborados por eles.

O que não muda nada em relação ao passado é o carisma dos personagens. Demonstrando o entrosamento esperado após tantos anos, Woody, Buzz, Jessie e companhia continuam adoráveis. A devoção de Woody à sua vocação como brinquedo continua evidente, por exemplo, na conversa com Garfinho à beira da estrada, quando fala sobre Andy em tom nostálgico e resume perfeitamente como ele vê sua função no mundo. Enquanto isso, Buzz demonstra o mesmo misto de lealdade, autoconfiança exacerbada e heroísmo que fazem dele um personagem tão marcante, enquanto Jessie, com menos espaço desta vez, continua sendo a destemida heroína da turma – e são estes três personagens que agem em momentos cruciais do filme para tentar resolver o problema, confirmando sua condição de líderes. Já o novato Garfinho conquista o público com seu temor diante de tantas novidades e, principalmente, por sua justificada obsessão inicial pelo lixo, trazendo ainda um misto de inocência e curiosidade que remete a uma criança e cria empatia com o espectador de maneiras distintas.

É inegável, porém, que a mudança mais clara em “Toy Story 4” em relação aos personagens é o destaque que as figuras femininas ganham na narrativa. Contrariando a persona criada em filmes anteriores da mocinha apaixonada pelo caubói, Beth retorna como uma mulher forte, independente e líder de um grupo de nômades, sendo ainda a responsável por decisões importantes do grupo e, de quebra, a motivação da surpreendente decisão final de Woody. Jessie, por sua vez, assume o papel de liderar a turma que fica no veículo com Bonnie, enquanto Gabby Gabby (voz de Christina Hendricks) assume o papel da vilã e ainda protagoniza um emocionante desfecho em sua trajetória.

Apostando em muitas cenas noturnas e chuvosas, a fotografia de Patrick Lin realça a tensão em momentos como a sequência de abertura ou o ato final, enquanto o design de produção de Bob Pauley capricha em cenários como a loja de antiguidades, criando uma atmosfera que remete ao terror desde os primeiros instantes através das teias de aranha, dos móveis e da pouca iluminação do local. Filme mais melancólico dos quatro até então, “Toy Story 4” trabalha desde o início na construção desta atmosfera que sustentará a dolorosa despedida do ato final, com seu visual dominado pelas citadas cenas sombrias e a trilha sonora mais contida e triste de Randy Newman, na qual vale destacar também a preocupação com pequenos detalhes, como quando um acordeom embala a lembrança de Duke Caboom (voz de Keanu Reeves) e seu dono canadense, remetendo a influência francesa naquele país.

Esta abordagem mais melancólica não impede, no entanto, que Josh Cooley acelere o ritmo nos momentos necessários, como quando sua câmera fluída viaja pelos ambientes acompanhando Buzz e Woody indo do parque para a loja de antiguidades e, especialmente, quando acompanhamos quatro linhas narrativas distintas simultaneamente, com Woody na loja, Buzz indo atrás dele, Garfinho sob a custódia de Gabby Gabby e os brinquedos que ficaram no motor home – novamente, ponto para o montador Axel Geddes. Esta sequência mais frenética de ações nos leva a interessante reviravolta em que Woody, após escapar de Gabby Gabby, resolve voltar e tentar encontrar uma dona para ela, após o sofrido abandono que humaniza a personagem e torna mais aceitáveis suas motivações. No entanto, a grande surpresa ainda estava por vir.

Construído cuidadosamente durante toda a narrativa sem jamais escancarar esta intenção, o devastador momento em que Woody decide abandonar o grupo deixa personagens e espectadores em frangalhos, também pela carga emocional que naturalmente evoca após tantos anos. Ciente do impacto desta decisão, Cooley prepara o espectador para este momento tocante através das citadas trilha sonora e fotografia, que criam o clima ideal, e da condução da relação já distante entre Woody e Bonnie desde o início, revelando como ele já não era mais o protagonista daquele universo, o que torna sua decisão compreensível e coerente com sua essência. Certamente um dos mais queridos personagens não apenas da Pixar, mas do universo das animações em geral, Woody merecidamente angariou milhões de fãs de todas as idades ao redor do mundo e certamente levou muitos deles as lágrimas neste instante.

Além da catarse emocional, “Toy Story 4” volta a abordar a importância das crianças na vida dos brinquedos como um dos temas centrais da narrativa, trazendo ainda as tradicionais reflexões filosóficas sobre a natureza dos brinquedos e seu lugar no universo e, de quebra, promovendo outra interessante discussão através do novo personagem feito de lixo. O que é um brinquedo de fato? Uma bola de meia é um brinquedo? Sua função é divertir uma criança até inevitavelmente ser abandonado como Beth e tantos outros ou divertir crianças aleatórias sem jamais criar vínculo com nenhuma delas como fazem os brinquedos nos parques? Somente por isso o longa dirigido por Josh Cooley já vale a pena.

Ainda que o considere inferior ao primeiro e ao terceiro filme, “Toy Story 4” justifica sua existência através da introdução de novos personagens e novas reflexões sem perder características marcantes dos longas anteriores e nos reservando ainda um surpreendente e emocionante desfecho que pode significar o encerramento do ciclo de um dos mais emblemáticos personagens da curta e gloriosa trajetória da Pixar.

Ou seria o início de uma nova trajetória solo? Só o tempo dirá.

Texto publicado em 24 de Dezembro de 2019 por Roberto Siqueira

007 PERMISSÃO PARA MATAR (1989)

(Licence to Kill)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #206

Dirigido por John Glen.

Elenco: Timothy Dalton, Benicio Del Toro, Anthony Zerbe, Robert Davi, Frank McRae, Desmond Llewelyn, Robert Brown, Carey Lowell, Talisa Soto, David Hedison, Anthony Starke, Everett McGill, Pedro Armendáriz Jr., Priscilla Barnes e Caroline Bliss.

Roteiro: Michael G. Wilson e Richard Maibaum, baseado nos personagens criados por Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Michael G. Wilson.

007 Permissão para Matar[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após resgatar o prestígio da franquia 007 com uma atuação bem mais próxima do que se espera de James Bond, Timothy Dalton teve sua segunda e última oportunidade de interpretar o agente britânico neste “007 Permissão para Matar” e, novamente, não decepcionou. Compreendendo perfeitamente a proposta mais realista da abordagem de John Glen, Dalton consolidou a recuperação da série com outra atuação firme e, o que é melhor, num filme envolvente e empolgante.

Escrito por Michael G. Wilson e Richard Maibaum a partir dos personagens criados por Ian Fleming, “007 Permissão para Matar” traz o agente James Bond (Timothy Dalton) numa missão independente de vingança pessoal contra um conhecido traficante de drogas (Robert Davi) que assassinou a esposa (Priscilla Barnes) de seu amigo Felix (David Hedison), contrariando as ordens do Serviço Secreto Britânico.

A abertura em ritmo frenético e com cenas de ação bem mais realistas que de costume estabelece muito cedo a proposta de John Glen em “007 Permissão para Matar”. Apostando numa atmosfera mais crível e no ritmo intenso da montagem de John Grover, a franquia tentava se adaptar ao cinema de ação realizado na época e, porque não, competir com os bem-sucedidos “macho movies” da era Stallone e Schwarzenegger, deixando definitivamente para trás a fase mais cômica e de auto-paródia da fase Roger Moore. Não que, para isto, Glen tenha retirado o charme e a elegância característicos do agente. James Bond continua lá, inteligente o bastante para farejar o perigo, incapaz de resistir ao charme feminino e ainda dono de um gosto refinado.

Mas o fato é que o realismo é notável, por exemplo, quando o diretor faz questão de nos mostrar as fortes imagens do ataque do tubarão ao agente Felix e, em seguida, a impactante imagem de sua esposa assassinada. Aliás, são raros os momentos em que esta abordagem verossímil falha, como por exemplo, na briga num bar em que os golpes desferidos parecem artificiais, numa das cenas em que chama a atenção a presença de Benicio Del Toro ainda muito jovem como o capanga Dario. Empregando bons movimentos de câmera, John Glen trabalha na construção de cenas mais tensas, como quando realça um guincho sendo retirado por Bond no primeiro plano e os pés de um guarda caminhando no segundo plano antes do confronto físico entre eles, incluindo ainda um leve travelling que destaca as enguias elétricas que serão essenciais na conclusão da cena.

Visualmente o longa também é interessante, com a fotografia de Alec Mills oscilando entre momentos de brilho intenso e cores vivas nas cenas a beira mar que exploram toda a beleza da Guatemala e instantes bem mais sombrios, especialmente no segundo ato com as cenas dentro do cassino de Sanchez e de sua negociação com os asiáticos na noite em que é atacado. Ainda entre os destaques da parte técnica, a sombria trilha sonora de Michael Kamen pontua os momentos de suspense, surgindo diversas vezes sem jamais abusar do famoso tema de 007, o que evita seu desgaste.

Impactante imagem de sua esposa assassinadaGuincho sendo retirado por BondNegociação com os asiáticosNo entanto, esta abordagem realista por si só não garante um bom filme e, felizmente, “007 Permissão para Matar” conta também com um bom roteiro que, nas mãos de Glen, torna a narrativa bastante envolvente. Utilizando um fundo político interessante através do interesse de governos de países da América Latina, dos EUA e da Inglaterra nos negócios de Sanchez, o roteiro mantém o espectador sempre atento com suas interessantes reviravoltas, como quando Sanchez pensa que Bond o salvou na noite do atentado e quando Bond pensa que a agente Pam (Carey Lowell) o traiu ao vê-la no local em que Sanchez negocia com os asiáticos. Além disso, mesmo num universo tradicionalmente unidimensional o roteiro consegue desenvolver bem seus personagens.

Observe, por exemplo, como a narrativa estabelece desde o início a importância de Sanchez, o bom vilão vivido por Robert Davi. Saindo da mesmice, as intenções de Sanchez soam plausíveis, ainda que condenáveis. Ele não quer dominar o mundo, quer “apenas” ser um traficante bilionário. Criando um vilão respeitável com sua postura simultaneamente elegante e firme diante de seus comandados, Davi se sai bem também na tradicional cena da conversa com Bond que, desta vez, traz um intrigante diálogo no primeiro encontro deles no cassino. Já as bondgirls vivem situações distintas em “007 Permissão para Matar”. Enquanto a inexpressiva Talisa Soto jamais cria empatia com Bond na pele de Lupe, Carey Lowell se sai bem nesta tarefa, obtendo sucesso também como a tradicional parceira feminina do agente britânico nas cenas de ação.

Novamente adotando uma postura séria e até mesmo agressiva, Timothy Dalton confirma ser um ator capaz de dar vida a James Bond, convencendo tanto na elegância quanto especialmente nas cenas que exigem esforço físico, soando ameaçador em diversos momentos de uma maneira que Moore raramente foi capaz de fazê-lo. Repare também como o ator demonstra o quanto Bond está devastado após a trágica morte de Della, a esposa de seu amigo assassinada pelos capangas de Sanchez. Determinado e agindo mais pela emoção do que pela razão, o Bond de Dalton chega a destoar um pouco do personagem tradicional, mas funciona muito bem justamente por trazer a energia que andava faltando para a franquia.

Importância de SanchezTradicional parceiraPostura séria e agressivaEsta energia é notável nas ótimas cenas de ação de “007 Permissão para Matar”, que surgem de maneira mais espaçada, porém sempre com eficiência, como quando Bond faz um avião de Jet Sky, sobe nele e joga o piloto no mar, numa sequência tão radical e absurda que o próprio roteiro faz piada com ela mais pra tarde ao trazer o capanga Krest (Anthony Zerbe) contando o que aconteceu para Sanchez e todos reagindo com desdém de sua versão do ocorrido. Existem também os momentos em que os inimigos tomam decisões convenientemente equivocadas, como quando um mergulhador corta o tubo de oxigênio de Bond embaixo d´água ao invés de cortar o próprio agente, mas podemos perdoar estes pequenos deslizes – até porque, caso contrário, não teríamos mais filme nem franquia.

Finalmente, apesar de durar mais tempo que o necessário e de conter dois momentos absurdamente exagerados envolvendo o caminhão dirigido por Bond, a sequência de ação que encerra a narrativa é extremamente empolgante. Alternando entre planos que nos colocam dentro dos caminhões e tomadas aéreas que além de nos orientar geograficamente ainda nos permitem acompanhar as ações de Pam no avião, Glen conduz a sequência com muita segurança durante toda a descida do morro até o inevitável confronto final entre Bond e Sanchez.

Após anos bastante irregulares, a franquia 007 finalmente parecia encontrar seu rumo ao atualizar seu famoso agente sem, por isso, perder seu charme. Com uma narrativa envolvente, boas cenas de ação, a segurança de Dalton e um bom vilão, John Glen acertou novamente e fez deste “007 Permissão para Matar” um dos bons filmes da série.

007 Permissão para Matar foto 2Texto publicado em 02 de Junho de 2014 por Roberto Siqueira

007 MARCADO PARA A MORTE (1987)

(The Living Daylights)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #205

Dirigido por John Glen.

Elenco: Timothy Dalton, Maryam d’Abo, Jeroen Krabbé, Joe Don Baker, John Rhys-Davies, Art Malik, Andreas Wisniewski, Desmond Llewelyn, Robert Brown, Geoffrey Keen, Walter Gotell, Caroline Bliss e John Terry.

Roteiro: Richard Maibaum e Michael G. Wilson, baseado em história de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Michael G. Wilson.

007 Marcado para a Morte[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A saída de Roger Moore marcou o fim de uma fase complicada na franquia 007. Sem conseguir dosar muito bem a ação e o humor e contando com Moore cada vez menos interessado, John Glen acabou sendo responsável por dirigir alguns dos momentos mais embaraçosos do agente secreto (o grito do Tarzan é imperdoável!). Coube então a Timothy Dalton a missão de resgatar a abordagem mais séria neste “007 Marcado para a Morte” e, felizmente, o ator se saiu bem na missão, ainda que desta vez a dosagem peque justamente pela falta de alívios cômicos. Menos mal. Melhor exagerar na criação de uma atmosfera crível de ameaça ao protagonista do que ridicularizar o mesmo.

Pela quarta vez seguida, a missão de adaptar a história de Ian Fleming para o cinema ficou a cargo de Richard Maibaum e Michael G. Wilson. Em “007 Marcado para a Morte”, eles trazem James Bond (Timothy Dalton) ajudando o general Georgi Koskov (Jeroen Krabbé) a fugir da Cortina de Ferro, mas logo depois o russo é capturado e levado de volta a União Soviética. Antes de voltar, Koskov denuncia um plano do general Leonid Pushkin (John Rhys-Davies) que envolvia o assassinato de agentes secretos britânicos, o que leva Bond a investigar o caso e descobrir que, na realidade, o traficante de armas Brad Whitaker (Joe Don Baker) é quem tinha planos potencialmente perigosos.

Ainda que a trama não seja o mais importante num filme de James Bond, construir um roteiro minimamente interessante era o primeiro passo para recuperar o prestígio da franquia. Felizmente, a dupla responsável por roteiros bem fracos com o de “007 Contra Octopussy” surpreendeu neste “007 Marcado para a Morte”, elaborando uma trama com boas reviravoltas e que, mesmo com exageros, consegue prender a atenção do espectador. Por sua vez, John Glen procura conduzir a narrativa de maneira mais séria, já que, em pleno auge dos macho movies, seguir na linha cômica que marcou seus trabalhos anteriores poderia enterrar de vez a franquia.

Assim, o diretor procura criar uma atmosfera mais sóbria, ainda que abra espaço para momentos bem humorados como quando Bond e Kara (Maryam d’Abo) fogem para a Áustria utilizando um violoncelo e, ao passarem pela fronteira, gritam que não tem nada a declarar. Nesta mesma linha, a fotografia de Alec Mills aposta num visual predominantemente obscuro, especialmente nas sequências que se passam dentro da Cortina de Ferro, criando um contraste interessante com a fotografia árida em Tangier, no Marrocos, e com toda a beleza imperial de Viena.

Auxiliando ao estabelecer com clareza cada ambiente através da decoração detalhada, o design de produção de Peter Lamont mais uma vez chama a atenção através de cenários como a casa de Óperas na antiga Tchecoslováquia e a casa repleta de armas de Whitaker, assim como são importantes também os figurinos de Emma Porteous que diferenciam bem as elegantes vestimentas britânicas dos uniformes utilizados pelos soviéticos e, principalmente, das roupas despojadas dos afegãos.

Por sua vez, a trilha sonora de John Barry também oscila bastante de um ambiente para o outro, surgindo numa composição tensa na Cortina de Ferro, numa marcha triunfal na chegada ao Afeganistão após a fuga de 007 da prisão e com variações da música tema “The Living Daylights”, do A-ha, que segue a tendência mais dançante estabelecida no filme anterior com o Duran Duran, escorregando apenas na composição deslocada que acompanha o ataque do agente da KGB disfarçado de leiteiro.

Visual obscuro na Cortina de FerroCasa de Óperas na antiga TchecoslováquiaJames Bond mais sérioSuperando o natural incômodo inicial do espectador após sete filmes estrelados por Roger Moore, Timothy Dalton compõe um James Bond mais sério, adotando uma postura firme e até mesmo agressiva que recupera o respeito perdido em sequências ridículas dos filmes anteriores, ainda que falte um pouco do charme diante das mulheres que, por exemplo, Connery tinha. Mesmo assim, Dalton segue uma linha coerente com o histórico do personagem, por exemplo, ao hesitar na hora de assassinar uma atiradora, demonstrando no rosto o interesse de James Bond na garota, da mesma forma como seu semblante indica a fúria de 007 após a morte de Saunders (Thomas Wheatley) no parque Prater em Viena. Convencendo ainda nas lutas corporais, como no segmento de abertura, o ator se sai bem na difícil tarefa de assumir um personagem já bem estabelecido e com uma enorme quantidade de fãs.

Para a alegria destes mesmos fãs, “007 Marcado para a Morte” marca também a volta do estiloso Aston Martin, o carro de luxo super equipado que estrela a fuga alucinada de Bond com a violinista Kara, na qual somos apresentados aos engenhosos opcionais do veículo que ajudam o protagonista a se livrar dos inimigos. Interpretada por Maryam d’Abo, Kara divide-se entre o amor por Kostov e a atração momentânea por Bond até que reencontre o amado e, enganada por ele, traia o agente britânico, numa das interessantes reviravoltas do roteiro. Outro destaque feminino do elenco fica para a primeira aparição de Caroline Bliss como a nova Moneypenny, mantendo o estilo “esquisita, mas simpática” que marcou a adorável Lois Maxwell.

Volta do estiloso Aston MartinViolinista KaraRespeitável general Leonid PushkinEntre os vilões, o mais respeitável é o general Leonid Pushkin interpretado com firmeza por John Rhys-Davies com seu tom de voz imponente e expressão rígida. No entanto, Pushkin acaba servindo apenas como isca, escondendo os verdadeiros vilões Georgi Koskov e Brad Whitaker, vividos de maneira mais leve e caricata por Jeroen Krabbé e Joe Don Baker, o que infelizmente enfraquece a narrativa já que estes são personagens bem menos ameaçadores que Pushkin. E finalmente, Art Malik tem uma participação rápida e sem grande destaque na pele de Kamran Shah, o líder afegão que ajuda Bond a derrotar os russos.

A batalha no Afeganistão, aliás, dura mais tempo do que deveria, enquanto o confronto final com Whitaker acaba rápido demais, o que denuncia um problema na montagem de Peter Davies e John Grover que até ali caminhava muito bem. Em todo caso, a condução do restante da narrativa agrada e sua solução é satisfatória.

Para a alegria dos fãs, James Bond finalmente estava de volta com todo vigor após algumas escorregadas perigosas. E ainda que John Glen tenha seus méritos, é inegável que a presença de Timothy Dalton foi crucial neste processo, trazendo de volta parte da credibilidade e do respeito perdidos nos últimos anos de Roger Moore.

007 Marcado para a Morte foto 2Texto publicado em 30 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira

TOY STORY 3 (2010)

(Toy Story 3)

 

 

Filmes em Geral #87

Dirigido por Lee Unkrich.

Elenco: Vozes de Tom Hanks, Tim Allen, Michael Keaton, Joan Cusack, Bonnie Hunt, Timothy Dalton, R. Lee Ermey, John Ratzenberger, John Morris, Laurie Metcalf, Wallace Shawn, Don Rickles, Jodi Benson e Ned Beatty.

Roteiro: Michael Arndt.

Produção: Darla K. Anderson.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Antes mesmo de assistir ao último filme da impecável trilogia “Toy Story”, fui tomado por um sentimento nostálgico somente ao imaginar que, após acompanharmos a trajetória de Andy e seus queridos brinquedos nos excepcionais filmes anteriores, aquela seria a minha despedida de Woody, Buzz e companhia. Se me emocionei em “Toy Story” e quase não contive as lágrimas em “Toy Story 2” – especialmente no clipe que conta a história de Jesse e sua dona -, era muito provável que as lágrimas seriam inevitáveis em “Toy Story 3”. Mas eu não estava preparado para esta verdadeira catarse. A verdade é que a obra-prima dirigida por Lee Unkrich mexe em nossos sentimentos mais profundos, remetendo a mais nostálgica fase de nossas vidas.

Desta vez escrito por Michael Arndt, “Toy Story 3” traz Andy (voz de John Morris) já com 17 anos e prestes a ir para a Faculdade. Enquanto arruma seu quarto, ele decide levar apenas o cowboy Woody (voz de Tom Hanks) e deixar todos seus outros brinquedos no sótão, entre eles Buzz Lightyear (voz de Tim Allen), Jessie (voz de Joan Cusack) e o Sr. Cabeça de Batata (voz de Don Rickles). Mas, por engano, sua mãe confunde o saco que ele separou para os brinquedos e eles acabam no lixo. O grupo consegue escapar, se infiltra numa caixa onde está Barbie (voz de Jodi Benson) e acaba sendo levado para a creche Sunnyside, onde eles conhecerão novos brinquedos como Ken (voz de Michael Keaton) e o urso Lotso (voz de Ned Beatty).

Esbanjando criatividade, o roteiro de Arndt traz Woody novamente numa situação complicada, tendo que salvar os amigos antes da partida de Andy, o que nos leva a novas e empolgantes aventuras. Remetendo em alguns instantes a estrutura narrativa do primeiro filme (a reunião entre os brinquedos, a “fuga involuntária” da casa), Arndt tem ainda o cuidado de revelar o destino de personagens marcantes como Wheezy, a boneca de porcelana Beth e os soldados de plástico, num indício sutil do clima nostálgico que permeia a narrativa, acertando também nos momentos bem humorados, como ao “resetar” Buzz e trazer de volta sua adorável dedicação ao “comando estelar”, além da hilária mudança de seu idioma para o espanhol. Abordando temas como a inexorabilidade do tempo (como atestam o gordo e cansado Buster e o rosto adolescente de Andy) e a importância da amizade verdadeira, “Toy Story 3” emociona não apenas as crianças, mas também (e especialmente!) os adultos.

A espetacular seqüência de abertura dá o tom da narrativa, iniciando com a empolgante aventura (que descobriremos existir apenas na cabeça de Andy) envolvendo os principais personagens da trilogia e terminando nas gravações que mostram o crescimento do garoto. Esta oscilação entre a euforia e a nostalgia é uma das marcas de “Toy Story 3”, graças à direção firme de Unkrich que transforma o capítulo final da trilogia num festival de sensações. Contando com o bom trabalho do montador Ken Schretzmann, a narrativa transita muito bem entre emoções extremas, passando pela adrenalina das aventuras, pela tensão dos momentos de suspense e pela delicadeza de cenas tocantes, como o melancólico e sublime final, intercalando tudo isso com momentos de bom humor. Além disso, o trabalho de montagem se destaca também pela fluidez em diversos momentos, como na citada abertura e na apresentação do sistema de segurança de Lotso, que transforma Sunnyside numa prisão.

Tecnicamente, mais uma vez a qualidade das animações impressiona pela riqueza de detalhes, sendo capaz de dar vida aos brinquedos através da leveza de seus movimentos e da expressividade deles – observe a expressão de desaprovação de Woody quando chega a Sunnyside, por exemplo. Além disso, chega a ser quase inacreditável a capacidade de criação dos animadores da Pixar, que desenvolvem uma enorme variedade de brinquedos (muitos deles remetem diretamente a minha infância, aliás), assim como o roteiro novamente aproveita a oportunidade para criar gags divertidas baseadas nas características deles, como no sensacional encontro entre Ken e Barbie e no divertido desfile que ele faz pra ela, nas constantes piadas sobre a origem dele (“Não sou brinquedo de menina!”) e no corpo improvisado pelo Sr. Cabeça de Batata.

Ainda na parte técnica, vale destacar mais uma vez o excepcional design de som, que dá vida ao mundo criado pelos animadores e nos insere dentro dele com precisão. E se desta vez a bela “You’ve got a friend in me” soa ainda mais nostálgica devido às circunstâncias, a trilha sonora de Randy Newman se destaca também por pontuar com precisão as cenas de aventura e suspense, injetando adrenalina e tensão sempre na medida certa, além de mostrar criatividade nos acordes tipicamente espanhóis que embalam a divertida dança “caliente” de Buzz.

Voltando aos aspectos visuais, vale observar como a fotografia colorida e cheia de vida na chegada dos brinquedos à creche Sunnyside cria uma expectativa totalmente contrária à realidade do lugar, evidenciada somente pela reação dos brinquedos locais segundos antes da invasão das agitadas crianças que detonam todos eles. Esta subversão de expectativa, aliás, também acontece com o personagem Lotso, que surge como um urso tranqüilo e amigável – e a voz contida de Ned Beatty é essencial para isto -, mas lentamente se revela como o grande vilão da trama. Será ele o agente da mudança brusca da fotografia, que troca as cores vivas pelos tons obscuros durante todo o segundo ato após Woody ouvir a história de Lotso, em outra cena que transita de tons dourados para cores sombrias e sufocantes que, realçadas pela chuva, ilustram os sentimentos do urso abandonado.

Além de imprimir um ritmo delicioso à narrativa, Unkrich se destaca, por exemplo, na condução de seqüências empolgantes e visualmente belíssimas como a primeira fuga de Woody de Sunnyside, a acrobática saída de Buzz da sala Lagarta e a segunda fuga da creche, capaz de grudar o espectador na cadeira, especialmente quando os personagens são deixados no assombroso depósito de lixo – e confesso que cheguei a temer pelo destino dos heróis nesta sombria seqüência, que é certamente o momento mais tenso da narrativa. Através destes interessantes movimentos de câmera que acompanham as peripécias dos personagens, Unkrich confere agilidade e dinamismo ao longa, o que é essencial numa aventura infantil. Mas “Toy Story 3” está longe de direcionar seus esforços apenas para a fatia mais jovem do público. Por isso, quando os personagens escapam da difícil situação no depósito e conseguem voltar para casa, o final devastador se aproxima e o espectador já sabe o que esperar.

Quando Andy brinca pela última vez com seus queridos brinquedos e apresenta cada um deles para a garota, nós sabemos que também estamos nos despedindo daqueles personagens adoráveis. Sabemos ainda que, para Andy, não se trata apenas de deixar aqueles brinquedos legais para trás, mas também de despedir-se definitivamente dos áureos tempos da infância, época em que o mundo era filtrado pela pureza do olhar de uma criança. Por isso, a identificação do espectador adulto é inevitável e fica difícil segurar as lágrimas. Após o carro perder-se no horizonte e Andy deixar tudo isto para trás, aqueles momentos mágicos sobreviverão apenas na memória – e quem já passou por esta fase sabe bem o que é isto. Finalmente, esta cena final é ainda mais emblemática para aqueles que eram crianças no lançamento do primeiro “Toy Story”, já que, devido a distancia de 15 anos entre os filmes, estes jovens provavelmente também estavam na faculdade em 2010 e, portanto, o crescimento de Andy reflete a própria trajetória deles.

Ao contrário de Andy, que foi obrigado a deixar seus brinquedos para trás, as novas gerações podem comemorar, pois os filmes da trilogia “Toy Story” são brinquedos que podemos guardar eternamente e até mesmo voltar a “brincar” com eles sempre que quisermos. Esta é a magia do cinema. Esta é a magia da Pixar, que provou nesta trilogia ter o poder de – com o perdão do trocadilho – ir “ao infinito e além!”.

Texto publicado em 24 de Fevereiro de 2012 por Roberto Siqueira