REDS (1981)

(Reds)

4 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #212

Dirigido por Warren Beatty.

Elenco: Warren Beatty, Diane Keaton, Jack Nicholson, Gene Hackman, Edward Herrmann, Maureen Stapleton, Paul Sorvino, Jerzy Kosinski, M. Emmet Walsh, Nicolas Coster, Bessie Love e Jerry Hardin.

Roteiro: Warren Beatty e Trevor Griffiths.

Produção: Warren Beatty.

Reds[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Somente alguém do gabarito de Warren Beatty poderia viabilizar em plena Guerra Fria a produção de um épico sobre um jornalista que se envolveu diretamente na Revolução Bolchevique e que é ainda hoje o único norte-americano enterrado no Kremlin. No entanto, ainda que traga comentários mais ácidos sobre a natureza feroz do capitalismo aqui e ali, “Reds” acaba mesmo é utilizando o contexto político e a Revolução Russa de 1917 como pano de fundo para narrar uma cativante história de amor.

Escrito, dirigido e produzido pelo astro Warren Beatty, “Reds” acompanha a trajetória do casal John Reed (o próprio Beatty), um jornalista do periódico socialista “The Masses”, e Louise Bryant (Diane Keaton), uma mulher casada que decide fugir com ele de Portland para acompanhar as mudanças políticas e sociais onde elas estavam acontecendo. Juntos, eles acabam participando da Revolução Russa de 1917 e, inspirados, tentam trazer os mesmos conceitos para aplicá-los nos EUA e liderar uma revolução semelhante, lutando por direitos trabalhistas e, especialmente ela, por causas feministas, mas esbarram em disputas políticas que impedem a concretização de seus planos.

Influente e poderoso em Hollywood, Warren Beatty demonstrou coragem ao colocar em risco sua reputação para levar às telas uma história sobre um “herói comunista” em plena Guerra Fria e com os americanos totalmente contaminados pelo ódio aos “vermelhos”. O segredo para tal feito reside na inteligência do roteiro, que traz a trajetória de Reed sem pintá-lo como um mártir, apontando suas virtudes e defeitos e, de quebra, trazendo críticas ao capitalismo, mas também mostrando as contradições e os embates ideológicos de líderes do movimento socialista, o que equilibra a balança.

Com grande orçamento e competência para empregá-lo, Beatty e sua equipe técnica puderam realizar uma impressionante reconstituição de época, a começar pelo design de produção de Richard Sylbert, que nos transporta para a Rússia e os EUA do início do século XX tanto nas inúmeras cenas que se passam em locais fechados como nas locações, auxiliado pelos figurinos de Shirley Russell, que diferenciam os costumes de cada país e permitem ao espectador localizar-se facilmente. Enquanto isso, Vittorio Storaro fotografa as salas e porões em que os personagens se encontram quase sempre em cores opacas e nem mesmo a presença constante do vermelho confere mais vida aos locais, contrastando com o visual arrebatador das tomadas externas tanto no deserto banhado pelo sol como na gélida Rússia dominada pelo branco da neve, regressando ao visual sombrio na escuridão melancólica do hospital que recebe o ato final.

Locais FechadosDeserto banhado pelo solRússia dominada pelo branco da neve

Assim, não faltam imagens impactantes em “Reds”, como as belíssimas sequências que trazem o povo russo marchando com bandeiras nas ruas para tomar o poder ou a forte cena da chegada à Rússia, em que podemos ver junto com os personagens os perversos efeitos da guerra através da janela do trem com diversos soldados mutilados. Quase todas estas sequências são acompanhadas pela trilha sonora de Stephen Sondheim, que confere o tom épico através de belas composições e variações interessantes dos cânticos da Revolução Russa.

Numa escolha arriscada, Beatty e seus montadores Dede Allen e Craig McKay interrompem o andamento da narrativa para inserir constantemente entrevistas com personagens marcantes da história real que, ao surgir olhando diretamente para a câmera, buscam conferir um ar documental ao longa. Esta quebra de ritmo se intensifica no segundo ato quando “Reds” passa a investir mais no triangulo amoroso envolvendo Reed, Louise e Eugene O’Neill (Jack Nicholson) e deixa de lado os aspectos políticos, sinalizando que o foco estará mais no desenvolvimento daquela relação do que no desenrolar da Revolução.

Povo russo marchandoSoldados mutiladosEntrevistas com personagens marcantes

Não que a política não tenha importância na narrativa, já que as críticas ao capitalismo surgem em diversos diálogos de impacto, como fica claro logo na primeira aparição de Beatty em que seu personagem, com apenas uma palavra, resume a única coisa que interessa neste regime político. Por outro lado, as diversas discussões entre os integrantes do movimento socialista norte-americano demonstram que nem sempre a causa está à frente da sede pelo poder, algo que também podemos notar através da postura autoritária dos líderes da Revolução Russa diante de Reed, que agem com a mesma falta de humanidade daqueles que eles criticavam – o que nos leva à excepcional discussão de Reed com um deles num trem, confrontando o fanatismo do líder russo com o equilíbrio que John conseguiu ao longo dos anos.

No entanto, a força de “Reds” está muito mais em seus personagens do que na discussão política, o que é um prato cheio para os grandes atores de seu elenco. Mesmo com pouco tempo em tela, Jack Nicholson confere um cinismo marcante ao cético Eugene O’Neill, um personagem melancólico que parece esconder seu sofrimento sob aquela capa de ceticismo, enquanto nomes como Gene Hackman, Edward Herrmann e Paul Sorvino dão credibilidade aos seus respectivos personagens em suas raras aparições. Já Maureen Stapleton compõe Emma Goldman como uma ativista política que se torna quase como uma mãe para Reed, chegando a rivalizar com Louise em boa parte do tempo ao perceber que ela de fato havia fisgado o jornalista.

Casal com os mesmos ideais e maneiras distintas de lutar por eles, Reed e Louise possuem personalidades muito fortes e uma visão de mundo bem à frente de sua época, o que somado ao lado passional de ambos, acaba levando cada discussão ao extremo da emoção. Mas ainda que ideais políticos sejam sempre discutíveis, o que não dá para negar é a vontade de ambos de vivenciar a história sendo escrita, numa característica pungente de grandes jornalistas.

Cético EugeneMãe para ReedCasal com os mesmos ideaisCom suas expressões marcantes e o inegável carisma, Diane Keaton rouba a cena e transforma-se no destaque do elenco, seja em seus momentos de explosão ou apenas quando observa John, como em seus discursos inflamados que geram diferentes reações dela. Ardorosa defensora das causas feministas, Louise chama a atenção numa época em que as mulheres eram relegadas ao segundo plano, demonstrando coragem tanto para dar uma resposta sensacional ao senador que pergunta se ela acredita em Deus como para partir em busca do homem que ama, numa viagem extremamente perigosa e desgastante que traz um dos planos mais belos do longa, com Louise vestida de preto olhando para o horizonte e sentindo-se perdida ao saber que ele não estava mais na prisão finlandesa quando ela chega lá. Mas estes empecilhos não a impedem de ir atrás de Reed, não porque dependa dele, mas sim por que se preocupa com ele. Esta diferença básica é crucial para entender a força da personagem.

Responsável pelo famoso livro “Dez dias que abalaram o mundo”, John Reed é encarnado por Warren Beatty com paixão, algo notável em seus discursos empolgados como aquele em que incita a greve dos operários russos, captado com precisão pelo design de som que nos permite distinguir sua voz em meio à multidão que grita sem parar. Excelente jornalista, Reed acaba tornando-se obcecado pela causa revolucionária, o que eventualmente lhe faz deixar Louise de lado e esfria o relacionamento, levando ao distanciamento justamente por que ela, ao contrário da maioria das mulheres oprimidas da época, não ficaria ali esperando que ele lhe desse atenção. Esta personalidade forte de ambos acaba provocando a separação quase definitiva quando as fronteiras russas são cercadas com Reed em Moscou e Louise em Nova York, iniciando a odisseia de ambos que só terminará no emocionante reencontro na estação de trem após Reed salvar-se de um ataque dos contrarrevolucionários, numa bela cena muito bem conduzida por Beatty. A emoção genuína dela ao perder o companheiro (sem trocadilho) no hospital toca a plateia, justamente pela construção realista e extremamente humana daquele relacionamento.

Expressões marcantesIncita a greve dos operários russosAtaque dos contrarrevolucionários

Utilizando a Revolução Russa como pano de fundo, “Reds” narra uma épica história de amor, marcada por discussões, separações, desavenças, mas principalmente pela admiração e compreensão. Na tentativa de implantar sua ideologia e melhorar a sociedade em que estavam inseridos, Reed e Louise acabaram encontrando aquilo que mais vale a pena: pessoas especiais com quem compartilhar a experiência única que é viver.

Reds - foto 2Texto publicado em 20 de Setembro de 2015 por Roberto Siqueira

2 comentários sobre “REDS (1981)

  1. Cesar Duarte 2 outubro, 2015 / 12:05 am

    Olá Roberto, é bom tê-lo de volta. Reds foi um filme pelo qual esperei ansiosamente seu lançamento no Brasil. Como desde novo me interessei pela Revolução Bolchevique de 1917, já havia lido o livro Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed, no qual o filme naturalmente se baseia. Como você coloca muito bem, a revolução em sim é apenas o pano de fundo para contar a historia de amor entre o jornalista e sua amada. Como o livro trata do maior levante social da história (se deu certo já é outra história), confesso que fiquei decepcionado com a história, já que o livro trata de um dos maiores fatos do século XX, e mesmo da história da humanidade. Pô, John Reed foi testemunha ocular desse evento máximo do século XX, e o filme se arrastando na história de amor entre o casal. Apesar de todas as qualidade técnicas do filme, me decepcionei. Pela história que poderia ter sido contada e não foi, pra mim foi um dos maiores desperdícios pela história grandiosa que era o mote principal do livro e foi relegada a segundo plano. Agora, falo isto porque a minha percepção, por ter lido o livro, talvez seja diferente de quem não o leu, daí o meu desencanto. Roberto, um abraço e bom retorno, afinal estávamos sentindo sua falta.

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    • Roberto Siqueira 2 novembro, 2015 / 4:39 pm

      Muito obrigado pelo comentário Cesar.

      É totalmente compreensível seu desapontamento.

      Quanto ao blog, aos poucos estou acertando o compasso para voltar ao ritmo normal. Hoje pretendo divulgar nova crítica.

      Abraço e obrigado pelas palavras.

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