A FIRMA (1993)

(The Firm)

 

Videoteca do Beto #90

Dirigido por Sydney Pollack.

Elenco: Tom Cruise, Jeanne Tripplehorn, Gene Hackman, Ed Harris, Holly Hunter, David Strathairn, Hal Holbrook, Terry Kinney, Wilford Brimley, Gary Busey, Steven Hill, Barbara Garrick, Paul Sorvino e Tobin Bell.

Roteiro: David Rabe, Robert Towne e David Rayfiel, baseado em livro de John Grisham.

Produção: John Davis, Sydney Pollack e Scott Rudin.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Baseado no best-seller de John Grisham, este empolgante “A Firma” é um thriller eletrizante, que prende a atenção do espectador, nos envolvendo na complicada situação do protagonista interpretado por Tom Cruise, que vê a grande oportunidade de sua vida lentamente se transformar num verdadeiro pesadelo. Dirigido por Sydney Pollack, o longa aposta na alta carga de tensão e em seu talentoso elenco, conseguindo sucesso simplesmente pela forma em que a narrativa é conduzida, sem apelar para inúmeras seqüências de ação ou suspense.

Após formar-se com honras, o jovem advogado Mitch McDeere (Tom Cruise) aceita a proposta de uma pequena firma localizada em Memphis, que lhe oferece um alto salário e diversos benefícios em troca de seu talento. Mas na medida em que ele inicia os trabalhos, começa a desconfiar da empresa e de seus companheiros, como o misterioso Avery (Gene Hackman), que paralelamente tenta seduzir sua esposa Abby (Jeanne Tripplehorn).

Em certo momento de “A Firma”, o jovem Mitch acompanha um garoto de rua durante uma série de cambalhotas, externando sua extrema alegria naquele momento de sua vida, logo após ser contratado e mudar-se para Memphis. Esta cena terá reflexo direto em outro momento da narrativa, quando o mesmo Mitch vê o garoto iniciar sua série de cambalhotas e sequer esboça reação, passando direto pelo menino como se nem tivesse notado sua presença. A diferença entre os dois instantes é que no segundo a firma já tinha transformado sua vida. Entre estes dois momentos antagônicos, o jovem Mitch e sua esposa Abby vivem o chamado “sonho americano”, algo simbolizado no interessante raccord que transforma o desenho das crianças da turma em que Abby dava aulas em Boston na imagem do casal viajando rumo à nova vida. E o diretor Sydney Pollack faz questão de refletir este sentimento em seus belos planos, que exploram o lindo pôr-do-sol em Memphis, as grandes pontes que cruzam o rio e o reflexo do sol nas estradas e prédios da cidade, conferindo uma aura dourada aquele momento promissor. E até mesmo a trilha sonora evocativa de Dave Grusin reflete o sentimento do casal, que realiza o sonho do sucesso profissional e da vida estável na chegada a Memphis. Aliás, logo na primeira conversa com a Bendini, Lambert (Hal Holbrook), um dos poderosos da empresa, afirma que a família é importante pra eles, mostrando uma receptividade refletida no local da conversa, bastante aconchegante e convidativo, criando uma atmosfera familiar que revela o bom trabalho de direção de arte de John Willett, notável também na decoração imponente dos escritórios e salas de reuniões da firma. Mas durante uma festa que acontece momentos depois, Lambert diz para Mitch que na firma nós “guardamos os segredos entre nós” e indica sutilmente o que viria a acontecer – e que também é indicado pela fotografia de John Seale, sempre clara e convidativa fora da firma e obscura dentro do ambiente de trabalho de Mitch.

Mas, logo após sua chegada, dois advogados morrem num mergulho e, após conversar com um misterioso agente do FBI (Ed Harris), com o homem que cuida dos barcos de mergulho e com um de seus clientes numa viagem feita com Avery, Mitch passa a desconfiar da firma – algo que Cruise demonstra bem em seu olhar cada vez mais inquieto. A partir daí, Pollack começa a empregar um ritmo cada vez mais intenso à narrativa, que nos levará ao momento crucial em que Denton (Steven Hill) conta a verdade sobre a firma para Mitch (e que remete à conversa entre o Sr. “X” e Jim Garrison no “JFK” de Oliver Stone, pois, nas duas cenas, um banco numa praça serve de local ideal para que um segredo seja revelado). Desde então, na medida em que Mitch tenta encontrar uma forma de sair do terrível labirinto em que se meteu, Pollack ilustra sua agonia através do ritmo crescente da narrativa, graças ao auxilio da montagem ágil da dupla Fredric e William Steinkamp. O trabalho dos Steinkamp, aliás, é notável desde a chegada dos McDeere à Memphis, quando ilustra o dia-a-dia corrido do casal através de uma seqüência de imagens embaladas pela empolgante trilha sonora, além de ilustrar o desespero de Mitch diante de tanto material pra estudar através da montagem fluída da cena em que diversos advogados deixam pastas em sua mesa.

Ao mesmo tempo em que investiga a firma, Mitch vê sua vida de conto de fadas rapidamente dar lugar ao excesso de trabalho e a rotina maçante, que começam a desestabilizar seu relacionamento com Abby. E se sentimos que a relação está se deteriorando, é porque Cruise e Tripplehorn conseguiram estabelecer uma boa dinâmica até então, nos fazendo acreditar naquele relacionamento. Observe, por exemplo, o momento em que Mitch se mostra impressionado com uma limusine enquanto sua esposa finge estar acostumada (“Se esteve em uma limusine, esteve em todas”) ou as brincadeiras do casal na casa nova, mostrando o quanto eles se dão bem. Sempre intenso, Tom Cruise destaca-se também nos momentos mais sutis, como em sua divertida reação ao pedido de Avery no restaurante, contrariando a regra que ele acabara de citar sobre bebidas. Mas é a partir da conversa com Denton que a atuação de Cruise verdadeiramente cresce. Desnorteado após a revelação bombástica, Mitch vai direto pra firma e, inteligentemente, fala com seus superiores de maneira que pareça inocente, mas, em seguida, prova que entendeu bem o recado do FBI na tocante conversa com sua esposa, conduzida com perfeição por Sydney Pollack, que, com sua câmera lenta e com o volume alto da música, torna desnecessário escutar as palavras no ouvido dela, pois somente sua reação (em grande momento de Tripplehorn) e sua saída em disparada da casa, como uma criança que não sabe para onde ir, servem para nos comover. Aliás, Tripplehorn também se destaca no momento em que Mitch conta sobre a traição na praia, quando o rosto da atriz demonstra a dor que a personagem sente com precisão. Bastante relutante após a chegada em Memphis, ela vê seu pesadelo tornar-se realidade com o passar do tempo, mas ainda assim encontra forças para ajudar o marido na hora em que mais precisa, aproveitando-se da atração de Avery por ela, indicada já na troca de olhares e no afiado diálogo entre eles no cemitério. Como Judas, ela consolida a traição com um beijo e, após o desmaio de Avery, inicia o processo que levará Mitch a sair ileso daquela complicada situação. Na manhã seguinte, a conversa sincera entre Avery e Abby demonstra o quanto o veterano advogado estava desgastado com aquela vida – e tanto Tripplehorn como Hackman são responsáveis por conferir emoção ao diálogo. Avery é hoje o que Mitch seria amanhã, alguém devastado pela vida que leva e incapaz de mudar a situação – e Hackman demonstra isto com precisão em seu semblante pesado e triste. Nas palavras dele mesmo, em algum momento do passado a firma havia feito aquilo com ele. Sempre convincente, Gene Hackman faz de seu Avery mais um vilão ambíguo e marcante em sua carreira. Já o competente Ed Harris se mostra muito seguro como o agente do FBI Wayne Tarrance, ao passo em que Holly Hunter quase rouba a cena com seu excelente desempenho na pele da corajosa e descolada Tammy, que ajuda e muito Mitch a sair da enrascada em que se meteu. E fechando o elenco, vale notar que um dos matadores da firma é interpretado por Tobin Bell, o Jigsaw de “Jogos Mortais”.

Escrito por David Rabe, David Rayfiel e pelo ótimo Robert Towne, o roteiro de “A Firma” (baseado em livro de John Grisham) cria situações que aumentam constantemente a tensão, alcançando níveis insuportáveis no ótimo terceiro ato da narrativa, além de apresentar diversos diálogos interessantes, como quando Mitch visita o irmão Ray (David Strathairn) na cadeia ou quando ele conversa com os Moroltos, demonstrando muita inteligência para lidar com aquela gente perigosa – aliás, nesta cena Cruise também se destaca, mostrando o cansaço de Mitch através do olhar e da voz; mesmo extenuado, ele consegue impor respeito e soar convincente. Além disso, o roteiro é hábil em espalhar situações que terão reflexo futuro na narrativa, como a conversa entre Mitch e uma moça machucada na areia da praia, quando ela toca em seu ponto fraco e fala sobre o desejo de se sentir rico – algo que, descobriríamos depois, era planejado para seduzi-lo, criando uma prova de sua traição que seria usada para intimidá-lo futuramente. Existe também um interessante questionamento do “código de ética profissional” dos advogados, que são obrigados a morrer com os segredos de seus clientes, por mais inescrupulosos que sejam. Talvez o único problema do excelente roteiro de “A Firma” (e da montagem dos Steinkamp) seja a trama envolvendo o irmão de Mitch, que, apesar de ter sua importância, ocupa tempo demais na narrativa.

O eletrizante terceiro ato contém as melhores cenas de ação do filme, com as ações paralelas que colocam em prática o plano de Mitch (as cópias, o roubo dos arquivos, a negociação com o FBI, a fuga de Ray) e, obviamente, a espetacular perseguição que se inicia no metrô de superfície – com Cruise mostrando muita energia na fuga pelas ruas -, que nos leva ao momento em que ele se esconde num galpão e escapa, por sorte, da morte – e em todas estas seqüências, vale destacar novamente a dinâmica montagem dos Steinkamp. Com muita inteligência, Mitch se sai bem da complicada situação em que se meteu, ganhando sua vida de volta sem violar a lei, o que em boa parte da narrativa parecia impossível. E se parecia impossível, é porque Pollack, sua equipe e seu talentoso elenco tiveram sucesso em sua empreitada.

Com um roteiro intrigante, boas atuações e uma narrativa eletrizante, “A Firma” revela-se um thriller envolvente, que cumpre muito bem o papel que se propõe e, de quebra, questiona uma das regras básicas da advocacia. E pedindo de antemão o perdão do leitor pela falta de originalidade, entendo que poucas vezes o dito popular “quando a esmola é grande, o santo desconfia” teve tanto significado.

Texto publicado em 16 de Março de 2011 por Roberto Siqueira

4 comentários sobre “A FIRMA (1993)

  1. lfuhzbscm@gmail.com 4 julho, 2017 / 10:31 am

    Estoy entusiasmado de encontrar posts donde hay informacion tan practica como esta. Gracias por facilitar este post.

    Saludos

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    • Roberto Siqueira 4 abril, 2016 / 5:23 pm

      Obrigado pelo comentário Alexandre.

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