(Woman on Top)
Videoteca do Beto #240
Dirigido por Fina Torres.
Elenco: Penélope Cruz, Murilo Benício, Harold Perrineau, Mark Feuerstein, John de Lancie, Anne Ramsay, Ana Gasteyer, Lázaro Ramos, Wagner Moura, Carlos Gregório, Daniele Suzuki, Cléa Simões e Otávio Martins.
Roteiro: Vera Blasi.
Produção: Alan Poul e Nancy Paloian-Breznikar.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Uma das coisas que sempre evito fazer ao assistir um filme é criar expectativas, pois, como sabemos, a expectativa é a mãe da decepção. Sendo assim, o fato de “Sabor da Paixão” ter Penélope Cruz, Murilo Benício, Lázaro Ramos e Wagner Moura em seu elenco não interferiu na avaliação que fiz do longa – se assim fosse, teríamos o primeiro caso de nota negativa da história do Cinema & Debate. Pois o fato é que o filme dirigido pela venezuelana Fina Torres é tão fraco, mas tão fraco, que para ser ruim teria que melhorar bastante.
Escrito pela brasileira Vera Blasi, “Sabor da Paixão” conta a trajetória de Isabella (Penélope Cruz), a dona de um restaurante em Salvador que, após descobrir a traição de seu marido Toninho (Murilo Benício), decide abandonar o país e tentar uma nova vida em San Francisco. Já nos Estados Unidos, ela é convidada a assumir o comando de um programa televisivo sobre culinária, apoiada pelo amigo travesti Monica Jones (Harold Perrineau), enquanto no Brasil Toninho busca encontrar formas de reconquistar sua esposa, com a ajuda dos amigos Rafi (Wagner Moura) e Max (Lázaro Ramos).
Não chega a surpreender que uma produção norte-americana sobre o Brasil seja repleta de clichês e estereótipos, ainda que a direção de uma venezuelana e o roteiro escrito por uma paulistana pudessem trazer pontos de vista diferentes e tornar a narrativa mais rica, o que infelizmente não é o caso. Dentre o festival de estereótipos sobre o Brasil que desfilam ininterruptamente durante os quase insuportáveis 92 minutos de projeção, ao menos a trilha sonora de Luis Bacalov traz alguns bons momentos recheados de bossa nova antes de tornar-se enjoativa pela falta de variação e excessiva repetição. E não é exagero dizer que os pontos positivos do longa param por aí. Com muito boa vontade, podemos dizer que a fotografia de Thierry Arbogast consegue estabelecer alguma diferença entre os tons coloridos da nova vida da protagonista nos EUA e o tom pasteurizado na Bahia, que remetem ao estado de espírito dela, assim como a montadora Leslie Jones (que incrivelmente trabalhou em ótimos filmes como “Além da Linha Vermelha” e “Embriagado de Amor”) demonstra alguma inspiração através de elipses que utilizam o céu e um outdoor de Isabella. Os efeitos visuais ruins, notáveis nas sequências exotéricas, completam a parte técnica do longa.
Errando em praticamente todas as decisões, a diretora Fina Torres jamais consegue manter o espectador interessado na narrativa, o que é ainda mais grave se levarmos em conta o talentoso elenco que ela tinha em mãos. Para começar, a decisão de trazer atores brasileiros falando em inglês mesmo no Brasil, obviamente visando agradar ao público norte-americano, nos tira completamente do ambiente e torna tudo muito artificial e pasteurizado. Esta intenção é reforçada pela transmissão da ideia de um Brasil que vive de sol, sexo e água de coco, imagem esta que muitos estrangeiros ainda tem do país. No entanto, para o papel principal, Torres aposta na espanhola Penélope Cruz, na época uma estrela em ascensão, mas inegavelmente uma escolha bastante duvidosa que tenta se passar por brasileira sem pronunciar uma palavra em português, o que poderia ser amenizado se ao menos sua personagem fosse interessante.
Apostando em sua inegável sensualidade, Cruz não consegue contornar os graves problemas do roteiro, vivendo uma Isabella sem personalidade, que abandona sua cidade, sua profissão e seu restaurante e, mesmo assim, ainda corta o dedo durante uma aula pensando no marido que a traiu. Chega a ser vergonhosa, por exemplo, a sequência em que ela o aceita em seu programa com enorme facilidade, como se nada tivesse ocorrido até então. Da mesma forma, soa completamente artificial a maneira como ela rapidamente se transforma de talentosa cozinheira em âncora de um programa de TV, surgindo de repente com plena desenvoltura na frente da tela, como se fizesse isso há décadas. Por sua vez, Murilo Benício não fica atrás, criando um Toninho histérico e sem carisma, que representa o verdadeiro mala e jamais justifica a atração que a protagonista sente por ele, protagonizando ainda cenas pavorosas como aquela em que canta na cadeia acompanhado de um som não diegético que torna tudo ainda mais artificial. Ao menos, Harold Perrineau nos diverte com sua simpática atuação na pele do travesti Monica, enquanto Mark Feuerstein quase salva o tímido produtor Cliff, mas acaba sendo demonizado pelo roteiro.
Chega a ser curioso como um longa com tantas mulheres no processo produtivo pode ser tão machista. Vejamos: Toninho trai a mulher por que, acredite se quiser, ele não consegue dominar a relação sexual – o que explica o título original do filme. Poderia ser mais ridículo? Calma que tem mais. Frases carregadas de machismo como “Homem que ama sua mulher não se deixa ser pego com outra” e o famoso “Mas eles são homens” que tenta justificar o injustificável surgem a todo momento, o que já seria imperdoável num roteiro escrito por um homem, mas torna-se ainda mais embaraçoso vindo de uma mulher. Para piorar, o roteiro estereotipa completamente a mulher brasileira e o Brasil em geral, vendendo uma imagem feita sob medida para agradar estrangeiros que nunca tiveram o trabalho de buscar se informar sobre o país – e, justiça seja feita, até mesmo brasileiros costumeiramente criam imagens totalmente desconexas da realidade de outras regiões que, normalmente, nunca conheceram. Praticamente todos os clichês brasileiros estão presentes no péssimo roteiro de Blasi, que traz ainda um final exotérico, previsível e nada original.
Nem mesmo como comédia romântica “Sabor da Paixão” funciona, trazendo momentos embaraçosos como quando o produtor de TV é convencido pelo aroma de um alimento a mudar de ideia, quando obviamente o aroma não consegue ultrapassar a tela. Em resumo, o longa não tem momentos engraçados – nem mesmo Wagner Moura e Lázaro Ramos salvam -, os personagens não são carismáticos e o casal não tem química.
Ironicamente, uma cena de “Sabor da Paixão” exemplifica perfeitamente muitos de seus graves problemas. Em certo momento, os produtores estragam o programa de culinária de Isabella ao retirar a liberdade criativa de sua âncora e pasteurizá-lo para a grande massa, retirando sua espontaneidade da mesma forma como ocorre no próprio longa, que vende um Brasil totalmente pasteurizado e repleto de clichês, feito sob medida para agradar a parcela do público norte-americano que enxerga o país como um paraíso exótico e fonte de turismo sexual.
Texto publicado em 13 de Março de 2019 por Roberto Siqueira
Desde 2011 que eu convivo neste site e é o primeiro filme que ganha só uma estrela, grande momento!!!
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Haha, bem observado Mateus.
De fato é o primeiro filme a receber uma estrela na Videoteca.
Nas listas anuais você pode encontrar outros.
Abraço.
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