Vídeo: Duro de Matar

Ho ho ho! Yippie Ki Yay!

Hoje conversamos sobre “Duro de Matar”, nosso filme de Natal dirigido por John McTiernan e que alçou ao estrelato Bruce Willis e Alan Rickman, disponível na plataforma HBO Max.

Confira:

Um abraço e um Feliz Natal para todos nós!

Vídeo publicado em 24 de Dezembro de 2020 por Roberto Siqueira

O SEXTO SENTIDO (1999)

(The Sixth Sense)

5 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #231

Dirigido por M. Night Shyamalan.

Elenco: Bruce Willis, Haley Joel Osment, Toni Collette, Olivia Williams, Trevor Morgan, Donnie Wahlberg, Peter Anthony Tambakis, Glenn Fitzgerald, M. Night Shyamalan e Bruce Norris.

Roteiro: M. Night Shyamalan.

Produção: Kathleen Kennedy, Frank Marshall e Barry Mendel.

o-sexto-sentido[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Elogiadíssimo e responsável por colocar o nome de M. Night Shyamalan no mapa, “O Sexto Sentido” surgiu como um sopro de criatividade num gênero desgastado e carente de bons filmes no final dos anos 90. Apesar do sucesso de longas como “A Bruxa de Blair” e “Pânico”, o fato é que faltava uma obra deste quilate, capaz de provocar calafrios e deixar a mente do espectador borbulhando ao final da sessão diante da surpreendente reviravolta que o fez tão famoso. Mas afinal toda esta repercussão era merecida ou, passados tantos anos, uma revisão poderia constatar que houve certo exagero?

Escrito e dirigido por M. Night Shyamalan, “O Sexto Sentido” narra a delicada relação entre o Dr. Malcolm Crowe (Bruce Willis), um respeitado psicólogo que após um importante incidente passa a sentir-se mais distante da esposa Anna (Olivia Williams), e seu paciente, o jovem Cole (Haley Joel Osment) que, atormentado por supostas alucinações, representa a chance de redenção para o experiente psicólogo anos após ter falhado com outro paciente.

Obviamente o grande responsável pela fama de “O Sexto Sentido”, o roteiro de Shyamalan é hábil o suficiente para manter o espectador preso a narrativa e simultaneamente espalhar diversas dicas sobre seu segredo ao longo da projeção sem que corra o risco de entregar a reviravolta antes do momento certo ou transformá-las em distrações. Além disso, Shyamalan cria regras para a coexistência entre os dois mundos que dominam o longa e as respeita durante todo o tempo, o que é muito importante para que o espectador não se sinta enganado quando o truque for revelado. No entanto, o segredo do sucesso do filme não reside apenas no controle absoluto que Shyamalan demonstra sobre a trama, contando também com a excepcional atmosfera criada pelo diretor e sua equipe, capaz de sugar a plateia e mantê-la tensa na maior parte do tempo.

Esta atmosfera gélida e sombria é notável desde a aparição de Vicent (Donnie Wahlberg, em participação marcante) na casa do casal, que serve também para dar o tom da narrativa ainda nos primeiros instantes de projeção. A primeira criança que Cole encontra após compreender como poderia utilizar seu dom também surge de maneira assustadora, numa imagem forte dentro da cabana dele, realçada pelos tons em vermelho e pelo ângulo escolhido pelo diretor. Toda a sequência envolvendo Kyra (Mischa Barton), aliás, é muito bem construída e envolvente, culminando num desfecho surpreendentemente trágico e que ajudaria o rapaz a aprender a lidar melhor com os mortos e ajuda-los. Afinal de contas, “O Sexto Sentido” é também sobre redenção e tanto Cole como Crowe seguem trajetórias de superação e reconciliação com si mesmos durante a narrativa. Não são raros os momentos que assustam o espectador sem depender apenas de altos acordes na trilha sonora ou da aparição repentina de algo na tela, como quando Cole é trancado no calabouço numa festa e escuta uma voz realmente aterrorizante, provocando calafrios especialmente pela forma como a sequência é conduzida.

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O ótimo design de som, aliás, além de nos ambientar com precisão e ser essencial na criação do suspense, ainda traz interessantes raccord sonoros para fazer a transição entre cenas, como quando ouvimos o diálogo entre Crowe e Cole enquanto Anna paquera seu funcionário e é interrompida pela agressão do marido no vidro da loja. Estas transições, assim como as longas sequências em silêncio, causam um estranhamento que ajuda na criação da atmosfera pretendida pelo diretor. Em “O Sexto Sentido”, jamais sabemos bem o que esperar da cena seguinte, também por que o ritmo da narrativa segue sempre interessante, intercalando os diálogos entre Crowe e Cole com os momentos de suspense sem jamais baixar a tensão que paira no ar, o que é mérito também do montador Andrew Mondshein. Além disso, a trilha sonora de James Newton Howard reforça esta tensão com seus acordes fortes e repentinos surgindo apenas pontualmente, evitando o desgaste.

Além da construção da atmosfera ideal, o trabalho em conjunto entre o diretor, o diretor de fotografia Tak Fujimoto (que explora muito bem a arquitetura gótica da Filadélfia), o design de produção de Larry Fulton e a figurinista Joanna Johnston também serve para espalhar dicas por toda a narrativa sobre a situação de Crowe, por exemplo, através da cor de objetos e roupas. Repare, por exemplo, como os objetos vermelhos surgem sempre como uma alusão a tudo que tem interferência do outro mundo, como a maçaneta que Dr. Crowe tenta abrir ou o balão que estoura quando um fantasma grita. Da mesma forma, os figurinos são extremamente importantes para indicar este contato, com Cole usando vermelho quando sobe as escadas atrás do balão, Anna vestindo vermelho no jantar de aniversário de casamento, o santuário vermelho do garoto no quarto em que se esconde dos mortos, entre outros. Cor normalmente associada à morte, o roxo também tem forte presença na tela, como podemos notar no vestido que Anna utiliza na noite trágica. A própria esposa também é usada para dar dicas aos espectadores, como quando sente frio perto do marido ou ao não dialogar com ele no restaurante italiano.

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Por mais importante que seja, a atmosfera por si só também não garantiria o sucesso artístico de longa algum. Por isso, a construção da narrativa e a atuação do elenco também são primordiais em “O Sexto Sentido”. Sempre sereno e tranquilo, com o tom de voz baixo e transmitindo uma angústia que parece lhe sugar as forças, Bruce Willis surge bem diferente do que de costume e prova mais uma vez seu talento como ator, conseguindo ainda empatia ímpar com o jovem Haley Joel Osment, o que obviamente é crucial para que o longa funcione. Já Olivia Williams consegue transmitir a solidão e tristeza de Anna justamente através do silêncio, encontrando alguns raros momentos de alegria ao lado do funcionário que lhe ajuda a esquecer o marido.

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Ao contrário dela, Toni Collette surge como um poço de emoções na busca por compreender o universo do filho, demonstrando bem a preocupação e a pressão sofrida por Lynn. Mãe angustiada e que mal sabe o que fazer para auxiliá-lo, ela parece constantemente abalada, como fica evidente quando encontra Cole tremendo e sequer sabe o que perguntar, restando-lhe apenas o choro sofrido. A relação entre mãe e filho estabelece outra dinâmica importante da narrativa ao demonstrar que Cole não se sentia à vontade para falar abertamente sobre seus problemas, por maiores que fossem os esforços da mãe. Por isso, a cena em que finalmente encontra forças para falar sobre seu dom é um momento emblemático e emocionante, utilizando o contato com a avó materna para conectar mãe e filho, numa sequência conduzida com competência e sensibilidade por Shyamalan – a título de curiosidade, o diretor faz uma ponta como o médico de Cole, escancarando desde então sua obstinação em ser o “novo Hitchcock”.

Como podem perceber, os relacionamentos entre o psicólogo e o paciente e entre mãe e filho são essenciais para que “O Sexto Sentido” transmita a angústia do garoto com precisão e se a missão é cumprida com louvor é por que Osment tem uma atuação simplesmente impecável. Garoto misterioso e atormentado, Cole esconde sob sua timidez um conflito psicológico cruel provocado por sua capacidade de ter contato com o mundo sobrenatural, que o leva a ter uma instabilidade emocional notável, por exemplo, quando ele explode e confronta seu professor numa sala de aula, num dos momentos de destaque de Osment. Carismático e de aparência frágil, o garoto brilha em diversos instantes, como no momento icônico em que Cole conta seu segredo para Crowe, no qual Shyamalan realça a forte expressão dele, que carrega a emblemática cena com facilidade – e aqui vale notar como a câmera foca no Dr. Crowe após Cole dizer que as pessoas não sabem que estão mortas, em outra dica sutil e inteligente.

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É inegável, entretanto, que “O Sexto Sentido” consolide mesmo seu sucesso junto a boa parte do público na força de seu plot twist (algo que viria a tornar-se a marca do diretor, para o bem e para o mal). Assim, Shyamalan nos traz a sensacional reviravolta através de uma simples aliança que cai da mão da esposa, deixando o protagonista e o espectador atordoados com o que descobrem. O segredo muito bem guardado dificilmente é desvendado pelo público antes da hora, ainda que, como citado, diversas dicas sejam espalhadas pela narrativa. E justamente por respeitar rigorosamente todas as regras internas que criou e ainda assim conseguir guardar seu segredo até o fim, “O Sexto Sentido” torna-se ainda mais interessante e impactante na segunda vez que o assistimos.

O diálogo melancólico e revelador com a esposa adormecida fecha a narrativa de maneira impactante e deixa o espectador com os pensamentos fervilhando, tentando rever o filme na cabeça em busca de furos no roteiro. Felizmente, eles não existem. Há espaço ainda para a emoção no breve diálogo de despedida do casal, que ressalta a importância de aproveitarmos ao máximo nossa passagem por esta vida ao lado das pessoas que amamos.

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O primeiro grande sucesso de M. Night Shyamalan não poderia ter sido melhor. Pena que depois ele tornou-se refém da própria fórmula e a desgastou incessantemente até transformar as “reviravoltas” em algo esperado, o que, por definição, anula totalmente seu efeito. Não é o caso aqui. “O Sexto Sentido” continua impactante, criativo e merece toda a repercussão que causou, apesar de um ou outro exagero.

o-sexto-sentido-foto-2Texto publicado em 12 de Setembro de 2016 por Roberto Siqueira

OS 12 MACACOS (1995)

(Twelve Monkeys)

 

Videoteca do Beto #131

Dirigido por Terry Gilliam.

Elenco: Bruce Willis, Madeleine Stowe, Brad Pitt, Christopher Plummer, David Morse, Jon Seda, Frederick Strother, Frank Gorshin, Carol Florence, Lisa Gay Hamilton e Felix Pire.

Roteiro: David Peoples e Janet Peoples, inspirado no filme “La Jetée” de Chris Marker.

Produção: Charles Roven.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Carregando em cada fotograma o estilo visual caótico e marcante de seu diretor, “Os 12 Macacos” é uma ficção científica interessante, que conta também com atuações inspiradas de seu elenco e uma narrativa ao mesmo tempo complexa e fascinante para conquistar o espectador. Apresentando um ambiente deprimente no futuro e outro prestes a entrar em colapso no passado, o longa de Terry Gilliam mais parece um pesadelo, prendendo a atenção do espectador não apenas por seu visual, mas também pela maneira inteligente que sua ótima premissa é desenvolvida.

Inspirado no filme “La Jetée”, de Chris Marker, o intrincado roteiro de David e Janet Peoples tem inicio em 2035, quando James Cole (Bruce Willis) é enviado de volta ao passado para coletar informações sobre um vírus letal que dizimou os seres humanos em 1996, matando cerca de cinco bilhões de pessoas. Só que, por um erro dos cientistas, James retorna a 1990 e acaba internado num hospício, onde conhece a psiquiatra Kathryn (Madeleine Stowe) e o jovem Jeffrey Goines (Brad Pitt), filho do Dr. Goines (Christopher Plummer) e provável responsável pelo nascimento do grupo conhecido como o “exército dos doze macacos”, que teoricamente teria espalhado o vírus letal pelo mundo.

Logo em seus primeiros minutos, “Os 12 Macacos” demonstra sua faceta onírica através do misterioso sonho de seu protagonista num aeroporto que, na verdade, mais parece um atormentador e recorrente pesadelo, surgindo em diversos momentos para aterrorizá-lo. Em seguida, James aparece numa cela bastante desconfortável, conversando com outro prisioneiro no mundo subterrâneo (onde os poucos sobreviventes ao vírus tentam sobreviver) momentos antes de ser convocado para uma misteriosa missão. Desta forma, o diretor busca facilitar a identificação do espectador com seu protagonista, que surge vulnerável, em condições precárias e prestes a ser enviado numa missão incerta. Com a ajuda do montador Mick Audsley, Gilliam imprime dinamismo à narrativa, mantendo-a sempre intrigante justamente por conduzi-la sob a perspectiva de James, nos colocando assim na mesma posição do protagonista, acertando ainda ao inserir as viagens no tempo de maneira orgânica – com exceção do primeiro salto brusco do presente para 1990 em Baltimore.

Criando um mundo sujo e abandonado no presente e outro tampouco atraente no passado, o diretor reflete na tela a confusão mental de seu protagonista. O caótico local onde James se encontra com os cientistas, por exemplo, ajuda a criar a atmosfera conturbada e anárquica pretendida pelo diretor. Aliás, as cenas que se passam no presente chegam a ter um tom caricato tão exagerado que, por vezes, acabam arrancando o riso da plateia – o que serve como alívio cômico numa narrativa que exige muita atenção. Já no passado, as paredes descascadas do hospício tornam o ambiente bastante realista e ajudam a ilustrar a repulsa do protagonista naquele lugar. E se a direção de arte de William Ladd Skinner é essencial neste processo, os interessantes figurinos de Julie Weiss não apenas reforçam este visual como ainda distinguem bem cada época, como na segunda guerra mundial e nos anos 90.

Sempre carismático, Bruce Willis conquista o espectador com seu vulnerável James Cole, levando a plateia com ele naquela jornada e convencendo até mesmo quando começa a questionar sua própria sanidade – destaque especial para duas cenas, uma na cama de um hospital diante dos cientistas e outra num quarto de hotel com Kathryn. Exibindo a angústia de quem se sente deslocado e confuso e a determinação de quem tem uma missão a cumprir, Willis cria um personagem cativante e muito humano. Já Brad Pitt está sensacional como o pirado Jeffrey Goines, com seus tiques, a fala rápida, a oscilação no tom de voz e a constante movimentação no olhar, que caracterizam muito bem um personagem simultaneamente perigoso e fascinante. Juntos, eles são responsáveis pelos melhores momentos de “Os 12 Macacos”. Contudo, existem outros momentos interessantes, especialmente quando envolvem a Kathryn de Madeleine Stowe, que transmite bem a aflição e a confusão na mente da personagem diante de James e suas afirmações. E não podemos deixar de citar Christopher Plummer, que encarna com eficiência o famoso pai de Jeffrey, ainda que surja poucas vezes em cena.

Em certo momento da trama, o espectador passa a compartilhar da dúvida de James e questiona se tudo aquilo não existe mesmo apenas na mente do protagonista. Mas a reviravolta completa acontece quando um menino é encontrado no celeiro (conforme ele havia dito que aconteceria) e, somado a uma fotografia da primeira guerra mundial e à bala retirada da perna dele, comprova para Kathryn e para o espectador que James falava a verdade. E então a referencia ao clássico “Um corpo que cai” surge no disfarce de Kathryn, nas imagens do longa de Hitchcock dentro de um cinema e até mesmo na trilha sonora, amarrando tematicamente a narrativa e escancarando a mensagem do longa: jamais poderemos alterar o passado. Esta mensagem se confirma na emblemática cena final, onde o “sonho” se repete. O olhar de Kathryn para o jovem James, acompanhado de um leve sorriso, torna esta dolorosa cena num momento belo, ilustrando o instante em que ela percebe que James viveria eternamente neste ciclo.

Utilizando com inteligência o complicado conceito da viagem no tempo, “Os 12 Macacos” nos apresenta um futuro decadente e um passado povoado por personagens cativantes, numa narrativa que exige muita atenção do espectador, mas o recompensa por sua coerência e complexidade. Somando ainda atuações marcantes e uma direção eficiente, o longa se confirma como uma ficção científica melancólica, intrigante e competente, que nos permite discutir horas e horas a respeito de seus interessantes conceitos. Precisa mais?

Texto publicado em 18 de Junho de 2012 por Roberto Siqueira

DURO DE MATAR – A VINGANÇA (1995)

(Die Hard With a Vengeance)

 

Videoteca do Beto #129

Dirigido por John McTiernan.

Elenco: Bruce Willis, Jeremy Irons, Samuel L. Jackson, Graham Greene, Colleen Camp, Larry Bryggman, Anthony Peck, Nicholas Wyman, Sam Phillips, Kevin Chamberlain, Sharon Washington, Stephen Pearlman e Michael Alexander Jackson.

Roteiro: Jonathan Hensleigh, baseado nos personagens criados por Roderick Thorp.

Produção: John McTiernan e Michael Tadross.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após fazerem sucesso no cultuado “Pulp Fiction”, Bruce Willis e Samuel L. Jackson voltaram a atuar juntos (desta vez contracenando, o que quase não acontece no longa de Tarantino) sob a direção de John McTiernan, responsável pelo primeiro e melhor filme da franquia “Duro de Matar”. Só que todos estes elementos não foram suficientes para que “Duro de Matar – A Vingança” repetisse o feito do primeiro filme. Com uma narrativa menos inspirada, o longa se sustenta no carisma de seu protagonista e nas boas sequências de ação, mas está longe de ser um grande filme.

Escrito por Jonathan Hensleigh, “Duro de Matar – A Vingança” nos apresenta logo de cara uma explosão que serve para estabelecer o novo vilão como uma ameaça real e perigosa. Momentos depois, ele liga para a polícia, se apresenta como Peter Krieg (Jeremy Irons) e exige a presença de John McClane (Bruce Willis), que é encontrado bêbado e separado da mulher. O vilão passa então a brincar com McClane através de charadas e, logo na primeira delas, o dono de um estabelecimento chamado Zeus (Samuel L. Jackson) se envolve acidentalmente no caso e passa a ajudar McClane.

Apostando na volta da família Gruber (agora na pele do irmão interpretado por Jeremy Irons) após o sucesso do marcante vilão interpretado por Alan Rickman em “Duro de Matar”, o roteiro de Hensleigh acerta ao abusar do artifício “pista e recompensa”, por exemplo, através do distintivo “6991”, do nome da escola onde está uma bomba e da aspirina que entrega o paradeiro do vilão no terceiro ato. Por outro lado, a narrativa falha pelo excesso de momentos implausíveis, como aquele em que McClane é expelido de um túnel cheio d’água bem no momento em que Zeus passava pela rua, numa coincidência inimaginável numa cidade enorme como Nova York. Este tipo de artifício também existe nos filmes anteriores, é verdade, mas é amenizado por narrativas mais envolventes e cenas de ação mais impressionantes, algo que infelizmente não acontece neste “Duro de Matar – A Vingança”, o que acaba destacando os exageros do roteiro justamente pela falta de momentos marcantes e/ou cenas memoráveis. Mas se falha neste aspecto, Hensleigh se redime ao criar um interessante código de ética nos vilões, que brigam para não deixar bombas no alcance de crianças e deixam Zeus partir em certo momento, o que os torna menos unidimensionais e, consequentemente, mais interessantes.

Mesmo com mais de duas horas de duração, “Duro de Matar – A Vingança” jamais se torna entediante, graças ao bom ritmo imprimido pela montagem de John Wright e pela condução direta de McTiernan. Com cenas dinâmicas e bem conduzidas, como a sequência em que McClane e Zeus atravessam a cidade num taxi (e na contramão!) ou a sequência dentro do metrô, o longa apresenta um ritmo ágil, que prende nossa atenção. Por outro lado, o diretor não consegue transformar estas cenas em momentos de forte impacto, o que é uma falha considerável num filme de ação. Observe, por exemplo, um dos raros momentos em que McTiernan consegue criar tensão, quando o telefone toca enquanto um policial claramente aterrorizado aponta uma arma para Zeus, que precisa atender a chamada telefônica e evitar a explosão de uma bomba no metrô. A cena é lenta, mas bastante tensa e muito bem conduzida por McTiernan, servindo como referência para o potencial que a trama tinha, não aproveitado pelo diretor.

Mantendo a ação banhada pela luz do dia na maior parte do tempo, a fotografia de Peter Menzies Jr. só aposta na noite e na escuridão no ato final, numa tentativa tardia de ampliar a tensão. Já a trilha sonora de Michael Kamen segue a cartilha dos filmes de ação com seus acordes rápidos e altos, mostrando originalidade apenas na referencia à trilha clássica de “Dr. Fantástico” todas as vezes que os alemães aparecem sozinhos – especialmente a mulher de Gruber.

Mas se erra a mão na condução de algumas cenas de ação, McTiernan acerta no desenvolvimento dos personagens, a começar pelo vilão, que se não chega a aterrorizar como Hans Gruber no primeiro filme, é claramente um vilão mais respeitável que o coronel Stuart de “Duro de Matar 2”. Após acompanharmos os policiais se espalhando pela cidade do alto de um prédio diante da ameaça de uma bomba numa escola, a câmera faz um rápido movimento e revela Peter Gruber, que observa tudo à distância antes de iniciar a execução de seu audacioso plano. Sempre talentoso, Irons cria um vilão interessante e nada unidimensional, como podemos perceber quando manda liberar Zeus, quando atira na perna dele para não matá-lo e, especialmente, quando descobrimos que não existe bomba na escola (“Não sou um monstro”, diz). Apesar de sua ética peculiar, Gruber não deixa de soar ameaçador, especialmente no início, quando sugere não ter interesse em dinheiro – o que limita bastante as ações da polícia. E até mesmo suas charadas surgem como uma novidade interessante, mas infelizmente perdem a força ao longo da narrativa.

Sempre carismático na pele de John McClane, Bruce Willis mantém as características marcantes do personagem, como o mau-humor, a humanidade e a capacidade de rir das situações absurdas em que se envolve involuntariamente. Separado da mulher, ele surge bêbado e largado, mas é rapidamente envolvido no caso (a pedido do próprio criminoso), permitindo ao espectador se deliciar com suas tiradas e suas decisões nem sempre corretas, como quando decide perseguir os criminosos num túnel, somente para ser surpreendido pela água da represa e quase morrer afogado. Entretanto, desta vez McClane ganha à companhia de Zeus, um comerciante acidentalmente envolvido no caso num incidente no Harlem. Com uma irritante síndrome de perseguição que o impede de ver seu próprio racismo (algo que McClane aponta em certo momento), o Zeus de Samuel L. Jackson surge como uma espécie de parceiro de McClane (algo como Murtaugh e Riggs em “Máquina Mortífera”) e consegue sucesso neste sentido. O problema é que McClane é um personagem fascinante, que não precisa de companhia para funcionar, mas nem por isso a presença de Zeus compromete. Também mal-humorado e com boas tiradas, ele é responsável por momentos divertidos, como quando informa que o carro tem airbag no lado do motorista e olha assustado prevendo a ação de McClane, que salta de uma ponte em alta velocidade. Fechando o elenco, é sempre interessante ver Graham Greene, o eterno “Pássaro Esperneante” de “Dança com Lobos”, que aqui surge como o policial Joe Lambert.

Um dos acertos da série “Duro de Matar” está na constante sensação que temos de que McClane não conseguirá ter sucesso em sua empreitada. Tememos por seu destino, justamente porque ele parece alguém real e vulnerável, e não um herói invencível. Neste terceiro filme esta sensação é ainda mais forte, especialmente após a sequência no navio – e confesso que eu teria curtido mais se o filme acabasse com McClane no telefone, admitindo o sucesso do plano de Gruber, num final que seria bastante original. Infelizmente, o roteiro aposta na fórmula tradicional e uma última pista nos leva ao tradicional confronto entre vilão e mocinho, com a vitória mais que esperada de McClane.

Apesar do final convencional e dos clichês do gênero, “Duro de Matar – A Vingança” é um bom filme de ação, que se sustenta especialmente na química entre Willis e Jackson e no carisma de seu protagonista. Por outro lado, suas cenas de menor impacto e sua narrativa menos envolvente que nos filmes anteriores transformam este no filme menos interessante da série até então.

Texto publicado em 07 de Junho de 2012 por Roberto Siqueira

DURO DE MATAR 2 (1990)

(Die Hard 2)

 

Videoteca do Beto #118

Dirigido por Renny Harlin.

Elenco: Bruce Willis, William Sadler, John Leguizamo, Bonnie Bedelia, William Atherton, Reginald VelJohnson, Franco Nero, John Amos, Dennis Franz, Art Evans, Fred Dalton Thompson, Tom Bower, Sheila McCarthy e Don Harvey.

Roteiro: Steven E. De Souza e Doug Richardson, baseado em livro de Walter Wagner.

Produção: Charles Gordon, Lawrence Gordon e Joel Silver.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Depois do enorme sucesso de “Duro de Matar”, Bruce Willis estrela esta continuação dirigida por Renny Harlin, que aposta no carisma de seu personagem e em uma nova situação inusitada para criar cenas de forte impacto. Talvez enfraquecido pelos vilões claramente menos assustadores que o inteligente Hans Gruber de Alan Rickman, “Duro de Matar 2”, consegue um resultado inferior ao primeiro filme, mas ainda assim agradável.

Após assumirem o controle do aeroporto de Washington, um grupo liderado pelo coronel Stuart (William Sadler) espera a chegada do coronel Esperanza (Franco Nero), um preso político que está sendo extraditado, e ameaça derrubar aeronaves se a policia não seguir suas exigências. O problema é que Holly (Bonnie Bedelia), a esposa de John McClane (Bruce Willis), se encontra em um dos aviões e ele fará tudo que for possível para salvar a esposa.

Assim como em “Duro de Matar”, a trama de “Duro de Matar 2” se passa no natal e coloca John McClane involuntariamente no meio de uma situação de alto risco. Escrito por de Steven E. De Souza e Doug Richardson, baseado em livro de Walter Wagner, o roteiro desta vez centraliza as ações no aeroporto de Washington, usando os mesmos elementos que fizeram sucesso no longa anterior, como a esposa Holly em situação de risco, a policia jogando contra McClane e a imprensa sensacionalista e sem escrúpulos que, desta vez, prepara uma transmissão ao vivo do avião, interessada apenas na audiência e sem se importar com as vidas que estão em jogo – não por acaso, quando Holly agride o repórter, o espectador vibra com ela. Acertadamente, o roteiro dispensa a apresentação dos personagens e suas motivações (até porque muitos são conhecidos pelo espectador) e parte para os conflitos, fazendo a narrativa engrenar de vez no momento em que Stuart informa as regras aos controladores do aeroporto. Auxiliado pela montagem de Stuart Baird e Robert A. Ferretti, o diretor Renny Harlin alterna com fluência entre as tramas e permite que o espectador acompanhe o drama de Holly no avião, o trabalho da policia e de McClane e o minucioso monitoramento dos vilões de dentro de uma igreja. Aliás, o momento em que John descobre a igreja de onde Stuart comanda o aeroporto ilustra bem o trabalho dos montadores, alternando entre os planos num ritmo intenso e nunca confuso.Intensa também é a condução de Harlin na direção, que torna a narrativa envolvente e bastante tensa. Grande parte desta tensão se deve também ao fato de “Duro de Matar 2” abordar um medo coletivo ao envolver aviões, já que a maioria das pessoas se identifica com o drama dos passageiros e entra em pânico junto com eles quando os problemas começam a surgir. O diretor se sai bem ainda na condução de grandes cenas, como a impressionante seqüência do pouso e explosão do avião Windsor 114, em que se destacam também os espetaculares efeitos visuais. Após esta cena em que o herói não consegue evitar a tragédia, o espectador passa a temer pelo futuro dos personagens, pois agora os vilões já provaram do que são capazes. Por isso, após o pouso do general Esperanza, a tensão volta a dominar a tela e só é aliviada quando John é ejetado do avião, num momento exagerado e pouco realista que, em compensação, é de uma beleza plástica elogiável que só ilustra o bom trabalho do diretor.

Curiosamente, quando as ações saem do aeroporto nem mesmo as frenéticas seqüências na igreja e na floresta evitam que a alta carga de tensão se dissipe, graças ao fim do sentimento de clausura presente em todo o primeiro filme e em boa parte do segundo, reduzindo o impacto da narrativa. Ainda assim, a seqüência em que John persegue os bandidos na floresta é interessante, deslizando apenas nos momentos em que os vilões erram tiros à queima roupa seguidamente. A narrativa apresenta ainda uma ótima reviravolta quando o exército revela sua parceria com Stuart, mantendo seu ritmo alucinante e devolvendo o pânico ao aeroporto quando os vilões tentam escapar com o general Esperanza.

Desta vez sob a direção de Oliver Wood, a fotografia aposta novamente em tons escuros e cenas noturnas, refletindo a angústia do protagonista, além de ampliar a tensão na platéia através de elementos naturais como a neve e a noite. Por isso, quando as luzes se apagam e todos os controles somem, o caos toma conta do local e o espectador se sente parte daquele ambiente em desespero. Obviamente, os excelentes efeitos sonoros colaboram para esta ambientação, destacando-se especialmente nos tiroteios e explosões, assim como a trilha sonora de Michael Kamen injeta adrenalina com seus acordes altos. E finalmente, o realismo e a violência gráfica de algumas cenas nos fazem acreditar ainda mais no que vemos na tela, como quando um homem tem a garganta cortada e quando um dos vilões é sugado pela turbina de um avião.

Entre os personagens, John McClane continua adoravelmente mal-humorado, mas desta vez surge menos vulnerável que antes, talvez pelo excesso de cenas em que ele literalmente faz o impossível para escapar da morte. Por outro lado, Willis está muito bem nestas cenas, que exigem enorme esforço físico, além de manter o carisma do personagem, essencial para conquistar o espectador e fazer com que este torça por ele. O ator ainda mantém a grande empatia com o policial Powell, interpretado por Reginald VelJohnson, e sua constante preocupação com a esposa ajuda a humanizar o personagem – e Willis tem mérito nisto também, nos fazendo acreditar que ele de fato teme a morte de Holly. Entre os inimigos de McClane, o coronel Stuart de William Sadler é um vilão respeitável, ainda que não tenha a força do Hans de Alan Rickman em “Duro de Matar”. E vale citar também o major Grant, interpretado por John Amos, que inicialmente cria empatia com McClane graças ao seu jeito direto, partindo logo para a ação e deixando a teoria do burocrático capitão Lorenzo (Dennis Franz) de lado, mas esta empatia se revelaria irônica e traiçoeira.

Após ser traído por Grant, John parte numa tentativa desesperada de, em primeiro lugar, salvar sua esposa, o que, conseqüentemente, salvaria também todas as outras aeronaves ameaçadas. Para isto, ele precisa enfrentar os vilões, que já se encontram dentro de um Boeing 747 na pista do aeroporto enquanto ele está preso numa multidão desesperada diante das informações dadas pela imprensa na televisão. A solução? Usar o helicóptero da própria imprensa para alcançar o avião e, após ser largado na asa do Boeing, enfrentar os inimigos. Esta inimaginável situação resulta numa luta entre o herói e Stuart, que inexplicavelmente prefere sair da aeronave em movimento e enfrentá-lo, ao invés de acelerar o avião e levantar vôo, forçando a inevitável queda de McClane. Depois disto, John cai da asa do Boeing em movimento após abrir o tanque de combustível e consegue explodi-lo, numa cena exagerada que fecha a narrativa. E são justamente estes exageros que comprometem parte de “Duro de Matar 2”. Ainda assim, as qualidades do longa compensam estas falhas. Na última cena, um policial faz uma brincadeira com a multa de John que abriu o filme, trazendo alivio cômico no momento certo e encerrando bem a narrativa.

Com cenas mais forçadas e menos realistas que no primeiro filme, “Duro de Matar 2” é um eficiente filme de ação que cumpre seu propósito graças aos momentos de impacto, à trama envolvente e, acima de tudo, ao seu personagem principal cativante, que literalmente carrega a narrativa nas costas.

Texto publicado em 27 de Outubro de 2011 por Roberto Siqueira

DURO DE MATAR (1988)

(Die Hard)

 

Videoteca do Beto #117

Dirigido por John McTiernan.

Elenco: Bruce Willis, Alan Rickman, Bonnie Bedelia, Reginald VelJohnson, Paul Gleason, De’voreaux White, William Atherton, Hart Bochner, James Shigeta, Clarence Gilyard Jr. e Alexander Gordunov.

Roteiro: Jeb Stuart e Steen E. De Souza, baseado em livro de Roderick Thorp.

Produção: Lawrence Gordon e Joel Silver.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Os heróis dos filmes de ação em geral são homens extremamente inteligentes, fortes e aparentemente infalíveis, capazes de enfrentar exércitos inteiros e tomar decisões em questão de segundos, acertando em praticamente todas elas. Felizmente, este não é o caso de John McClane, o protagonista deste ótimo “Duro de Matar” que, além de ser uma pessoa comum que deseja apenas rever a família distante, toma decisões equivocadas e sofre bastante antes de conseguir salvar sua esposa e a própria pele. E ainda que, no fim das contas, tenha o mesmo sucesso em sua missão que os outros heróis do gênero, a forma como o faz é que torna o personagem mais humano e o aproxima do espectador.

De volta a Los Angeles para se reencontrar com a esposa Holly (Bonnie Bedelia) e os filhos, John McClane (Bruce Willis) se vê numa enroscada quando visita a empresa em que ela trabalha na mesma noite em que poderosos bandidos decidem assaltar o local, liderados pelo cruel Hans Gruber (Alan Rickman).

Apostando corretamente na empatia entre o espectador e seu protagonista, o roteiro de “Duro de Matar”, escrito por Jeb Stuart e Steen E. De Souza a partir do livro de Roderick Thorp, trata de apresentar em poucos minutos os principais personagens da trama e suas motivações, fazendo com que o espectador saiba em pouco tempo que John foi casado com Holly e está de volta para ver a esposa e os filhos no natal. Também fica evidente que os problemas do casal têm muito a ver com a vida profissional da mulher que, em plena ascensão, parece dedicar pouco tempo a família, ao passo em que seu marido, empregado na policia de Nova York, não pode se transferir para Los Angeles. Desta forma, quando os bandidos invadem o prédio, o espectador já tem todas as informações necessárias para se identificar com o drama de John, que terá de lutar para defender a sociedade e cumprir seu dever profissional e, acima de tudo, tentar evitar uma tragédia familiar. Outro aspecto interessante do roteiro é a crítica nada velada a imprensa sensacionalista, preocupada apenas em conseguir audiência, notável quando um repórter pergunta desesperado se o cinegrafista captou as imagens da explosão do prédio. Pior ainda é o momento em que eles descobrem a família de John e vão atrás de seus filhos, na tentativa de gerar uma entrevista “bombástica” – um absurdo que, convenhamos, não está distante da realidade que acompanhamos diariamente nos telejornais.

Com um roteiro simples e eficiente, o diretor John McTiernan acerta ao manter um clima palpável de tensão, quebrado apenas pelas reclamações constantes do mal-humorado protagonista e pelas divertidas aparições do motorista da limusine Theo (Clarence Gilyard Jr.) – este tipo de alivio cômico é sempre bem vindo em filmes de ação, servindo para quebrar um pouco a tensão que domina a platéia. Além disso, o diretor utiliza outros recursos narrativos eficientes, como a menção ao relógio Rolex no início, que terá reflexo no clímax da trama. Auxiliado pela montagem de John F. Link e Frank J. Urioste, o diretor estabelece um ritmo dinâmico que torna a narrativa ainda mais empolgante, engrenando logo aos 23 minutos de filme, quando os bandidos invadem o local, prendendo de vez o espectador. McTiernan conta ainda com a agitada trilha sonora de Michael Kamen, que aumenta a adrenalina da platéia, e com o excelente design de som, que torna tudo mais real, além da fotografia sombria de Jan De Bont (que viria a dirigir “Velocidade Máxima”), que aproveita o ambiente fechado e a trama noturna para criar um visual sufocante, refletindo a angústia do protagonista – repare, por exemplo, como as luzes que vazam as persianas e formam sombras no rosto dos personagens dão uma sensação de clausura.

Obviamente, as cenas de ação não poderiam faltar e, na maior parte do tempo, elas soam orgânicas e verossímeis, como quando McClane explode parte do prédio ou quando ele pula do alto do edifício e escapa por pouco da morte. E com exceção de alguns tiros a queima roupa que os bandidos erram diante do herói, na maior parte do tempo suas proezas são convincentes – também porque Willis nos faz acreditar que tudo aquilo é possível -, e nem mesmo os excelentes efeitos visuais soam exagerados, surgindo sempre de maneira orgânica e apenas quando realmente necessários. Além disso, McTiernan cria ainda momentos de pura tensão, como no plano em que o policial Powell (Reginald VelJohnson) se aproxima no corredor do lado direito da tela e vemos a mão armada de um assaltante atrás da parede do lado esquerdo, apenas aguardando o sargento, que desiste antes de encontrá-lo e vai embora. Vale destacar ainda os elegantes movimentos de câmera, como na chegada de John em que um travelling destaca o prédio aonde irá se passar a narrativa, da mesma maneira que a câmera acompanha a chegada do caminhão que levará os vilões até o prédio antes mesmo que o espectador saiba quem está no veiculo. E finalmente, uma simples fotografia de McClane no gabinete indica que eles já tiveram uma relação enquanto Holly conversa com ele no telefone, assim como quando ela fala sobre “dormir no quarto de hóspedes”, fica claro que eles estão separados.

Como citado, os problemas do casal estão mais relacionados à vida profissional do que a relação afetiva e, por isso, nos envolvemos com o drama de McClane. Além disso, Bruce Willis está muito bem como o policial simultaneamente durão e humano que é John McClane, que se torna ainda mais carismático graças ao seu divertido mau humor. Ao contrário dos tradicionais heróis de Hollywood, McClane é uma pessoa comum, passível de erros, que reclama constantemente e não quer estar naquela situação. Apesar da irritante atitude da policial que atende o chamado de McClane, os empecilhos que surgem em seu caminho são críveis, o que colabora para que o espectador se envolva com a trama. Para John, mais importante do que impedir aquele assalto é conseguir sair vivo e salvar sua esposa – duas aspirações mais do que universais.

E se tememos pelo futuro de McClane é porque, além dele parecer vulnerável, os vilões de “Duro de Matar” surgem bastante ameaçadores desde sua introdução, quando a trilha sombria e a forma como eles invadem o prédio já estabelecem para a platéia o perigo que eles representam. Também colabora a atuação séria e convincente de Alan Rickman, que cria um vilão bastante respeitável com seu olhar direto e seu tom de voz sereno, que denota um autocontrole assustador. Cruel e inteligente, seu Hans Gruber mostra que fará o que for preciso para atingir seu objetivo quando mata a sangue frio o executivo Takagi (James Shigeta), presidente da empresa assaltada pelo grupo, numa cena impressionante e de forte impacto. Outra cena impactante é aquela em que um corpo cai no capô do carro do policial Powell. Interpretado por Reginald VelJohnson, Powell estabelece excelente química com McClane, o que só ressalta o aspecto humano do protagonista, especialmente quando este se comove com a triste história do sargento, que atirou por engano num menino de 13 anos (“Não nos ensinam a conviver com o erro”, relembra Powell).

Entre os grandes momentos de “Duro de Matar”, merece destaque o tenso e até mesmo previsível encontro entre Hans e John, quando o vilão finge ser um dos reféns por saber que John não conhecia seu rosto e quase consegue eliminar seu principal obstáculo do caminho. Ainda que esteja acostumado com os heróis indestrutíveis de Hollywood, o espectador chega a temer pelo personagem, justamente porque McClane jamais soa como um herói indestrutível. Assim como voltaremos a temer por McClane no intenso terceiro ato, que começa quando a imprensa dá a arma que faltava para o astuto Hans, informando que sua esposa está entre os reféns. Toda a eletrizante seqüência final, desde a luta entre John e Karl (Alexander Gordunov), passando pela explosão no teto do prédio, a inesperada ajuda de Theo e culminando no aguardado confronto entre John e Hans (em que o relógio terá importante papel), fecha com perfeição a narrativa.

Ótimo filme de ação que não desrespeita a inteligência do espectador, “Duro de Matar” diverte justamente por apresentar cenas de explosões e tiroteios num contexto em que elas são apenas reflexos das ações dos personagens e não a razão de existir da narrativa. Contando ainda com um protagonista carismático, o longa agrada e, como sabemos, ainda abriu portas para novas e interessantes continuações.

Texto publicado em 19 de Outubro de 2011 por Roberto Siqueira

PULP FICTION – TEMPO DE VIOLÊNCIA (1994)

(Pulp Fiction)

 

Videoteca do Beto #105

Dirigido por Quentin Tarantino.

Elenco: John Travolta, Samuel L. Jackson, Uma Thurman, Bruce Willis, Harvey Keitel, Tim Roth, Ving Rhames, Eric Stoltz, Rosanna Arquette, Christopher Walken, Maria de Medeiros, Steve Buscemi, Quentin Tarantino, Amanda Plummer e Joseph “Joe” Pilato.

Roteiro: Quentin Tarantino, baseado em história de Roger Avary e Quentin Tarantino.

Produção: Lawrence Bender.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Goste ou não de Quentin Tarantino, todo cinéfilo concorda: seu estilo de fazer cinema é bastante original. Profundo conhecedor e amante da sétima arte, o diretor investe na subversão de gêneros (ao mesmo tempo em que os homenageia), revelando a influência de grandes diretores do passado em seu trabalho. Além disto, Tarantino trouxe a tona o culto ao popular, ousando misturar elementos narrativos clássicos com referências à cultura pop, sempre com uma abordagem que varia entre o realista e o hiper-realista, recheada por diálogos deliciosos e espontâneos. E esta nova forma de fazer cinema chegou ao auge logo em seu segundo longa-metragem, o excelente “Pulp Fiction”, que ainda resgatou o astro John Travolta após anos de ostracismo.

Os criminosos profissionais Jules (Samuel L. Jackson) e Vicent Vega (John Travolta) saem para fazer uma cobrança em nome do traficante Marcellus (Ving Rhames). Vicent está preocupado, porque a noite deverá acompanhar a esposa do chefe, Mia (Uma Thurman). Enquanto isso, o boxeador Butch (Bruce Willis) deverá perder uma luta, para cumprir um acordo com Marcellus e sair rico da cidade.

“Pulp Fiction” começa num pequeno restaurante, com um casal conversando sobre a vida criminosa que pretende abandonar. Em instantes, eles anunciam um assalto, e a trilha sonora indica o começo do filme. Este interessante prólogo é então deixado de lado, e voltará à tona somente nos instantes finais da narrativa. Misturando com perfeição os elementos narrativos que já utilizara em seu filme de estréia (“Cães de Aluguel”), Quentin Tarantino alcança o ápice neste “Pulp Fiction”, com seus costumeiros diálogos ágeis e deliciosos sobre coisas do cotidiano, que nem sempre colaboram para o andamento da trama, mas sempre chamam a atenção do espectador, como na conversa entre Vicent e Jules sobre as diferenças entre EUA e Europa e sobre o McDonald’s. Tarantino também aborda a vida criminosa de maneira diferente do usual, auxiliado pela trilha sonora pop e empolgante, pela montagem não cronológica e dividida em capítulos – que prende a atenção da platéia – e pela narrativa que foge da tradicional causa e efeito que normalmente motiva os personagens, mantendo o foco na situação em que os eles estão envolvidos em detrimento dos objetivos de cada um. Em “Pulp Fiction”, a força do acaso em nossas vidas também ganha destaque, através de situações inesperadas que alteram o destino de todos envolvidos, como o fato de Marcellus cruzar o farol bem na frente do carro de Butch, que levará os dois a serem seqüestrados por estupradores e à redenção de Butch diante do traficante.

Obviamente, Tarantino conta muito com o excelente trabalho da montadora Sally Menke, que divide a narrativa em capítulos bem definidos, em ordem não cronológica, ajudando a criar a atmosfera mais realista pretendida pelo diretor através de cenas extensas, com poucos cortes, que confirmam a preferência dele já indicada no filme anterior. Além disso, Menke e Tarantino mostram inteligência ao esticar as histórias que envolvem Vicent e Jules, encurtando a trama que envolve Butch, claramente a menos atraente do roteiro. Escrito pelo próprio Tarantino (baseado em história dele com Roger Avary), o roteiro de “Pulp Fiction” usa artifícios interessantes, como o “macguffin” representado pela maleta de Marcellus, que, seguindo o mais puro sentido do termo popularizado por Hitchcock, não tem função narrativa alguma a não ser guiar os personagens na trama. Personagens, aliás, que falam a linguagem das ruas, cheia de palavrões e até mesmo preconceito contra estrangeiros, confirmando a abordagem realista que aproxima o espectador. E não posso deixar de citar os maravilhosos diálogos que se espalham pela narrativa, confirmando a criatividade de Tarantino, que cria situações muito interessantes, por exemplo, ao discutir algo banal como uma massagem no pé.

O longa ainda aborda com naturalidade o uso de drogas, mostrando os personagens usando cocaína e heroína, sem aliviar também nos efeitos deste uso, como quando Vicent vai buscar Mia, com os olhos praticamente fechados e um largo sorriso no rosto, claramente transformado (a trilha e a câmera lenta ilustram a sensação de relaxamento do personagem). Tudo isto, somado à fotografia natural de Andrzej Sekula, reforça a abordagem realista e ambienta o espectador ao mundo do crime. Sekula até chega a criar um visual estilizado, por exemplo, quando Butch visita Marcellus no bar, indicando através do tom vermelho a violência que predomina naquele meio, mas, em geral, a fotografia é mais crua e próxima da realidade. Realidade que nem sempre está presente, pois Tarantino também foge da abordagem realista, por exemplo, quando Mia faz um quadrado no ar e um efeito visual representa o quadrado na tela.

Além do excelente roteiro, Tarantino também mostra talento na condução da narrativa, conferindo um visual rico ao longa, além de constantemente fazer referências ao passado, seja dele próprio (o plano de dentro do porta-malas quando Vicent e Jules pegam as armas remete ao plano de “Cães de Aluguel” em que o policial é retirado do carro), seja do cinema em geral (na fuga de Butch, Tarantino homenageia uma velha técnica, o back projection, com o carro parado e as imagens movendo ao fundo). Além disso, o plano-seqüência que acompanha Vicent pelo “Jackrabbit Slim’s” serve como homenagem às estrelas do cinema dos anos 50, revelando os cartazes e as próprias atendentes locais, em outro momento de imersão na cultura pop, reforçado pela trilha sonora diegética com clássicos do período. Em outros momentos, Tarantino usa a handycam para conferir realismo às cenas, como quando Marcellus atira em Butch em plena luz do dia e quando Butch se dirige ao apartamento onde matará Vicent. Aliás, impressiona também a ausência de policiais e a predominância de cenas diurnas, o que confirma a subversão do cinema de gênero pretendida pelo diretor (nos filmes de crime, normalmente o visual é mais obscuro e os policiais estão no encalço dos criminosos). Finalmente, Tarantino não desvia a câmera nos momentos violentos e nem mesmo quando Mia confunde heroína com cocaína, mostrando o resultado trágico da droga na moça. O desespero toma conta da tela, Vicent sai em disparada para tentar salvá-la e o hiper-realismo novamente entra em cena. Neste momento, o espectador sente um misto de euforia e angústia, provocado pela mistura de humor negro e realismo, reforçado pela handycam utilizada na casa de Lance (Eric Stoltz). Quando Mia levanta gritando após a injeção de adrenalina, o hiper-realismo volta e o espectador ri. Este é o cinema de Tarantino. Por outro lado, este estilo cinematográfico dificilmente envolve a platéia emocionalmente, pois os personagens são praticamente caricaturas, o que é um ponto negativo em sua filmografia, mas que em “Pulp Fiction” funciona bem, dada a abordagem afastada da realidade em diversos momentos, como a citada “ressurreição” de Mia.

Com seu visual sensacional (figurinos de Betsy Heimann), que faz alusão aos anos 50, Vicent Vega – e suas roupas descoladas – e Jules – com seu cabelo “black power” – são personagens fascinantes, interpretados com grande carisma por John Travolta e Samuel L. Jackson. Apresentando um impressionante entrosamento, eles formam uma adorável dupla de criminosos, que tem um curioso código moral, revelado no diálogo que antecede a invasão de um apartamento. Para eles, é vital seguir o horário combinado, como se um ou dois minutos fossem extremamente importantes. Para Vicent, uma simples massagem no pé soaria como desrespeito ao chefe. Mas, para ambos, matar um inimigo de Marcellus a queima roupa é simplesmente normal. Travolta também demonstra com competência a aflição de Vicent por ter que sair a noite com Mia, aflição que só aumenta ao ouvir as risadas dos amigos quando ele pergunta se ela é bonita. As risadas se justificam quando surge a sensual e divertida Mia, interpretada pela ótima Uma Thurman. Demonstrando empatia com Travolta, Thurman está bem solta no papel. Na memorável cena em que eles dançam twist, além do desempenho marcante da dupla e da música empolgante (“Never can tell”, de Chuck Berry), o espectador que conhece um pouco da história do cinema sente uma ponta de nostalgia ao ver novamente John Travolta dançando, num momento que extrapola o filme e deixa a platéia em êxtase. Recheada de músicas marcantes, a trilha sonora ainda apresenta a bela “Girl, you’ll be a woman soon”, de Bruce Springsteen, numa cena em que Thurman novamente se destaca, dançando solta e cantarolando a música desafinada, ao mesmo tempo em que Travolta também dá um show, olhando para o espelho e treinando o autocontrole para evitar se envolver com a mulher do chefe.

Citar todos os nomes do elenco é até desnecessário diante de tantos bons atores que aparecem no longa. Mas alguns merecem destaque especial, como Christopher Walken, que tem uma pequena e estupenda participação ao contar a história do “Relógio de Ouro”. Já Bruce Willis, com seu jeito bruto e ameaçador, se sai muito bem como o boxeador Butch, se destacando em alguns momentos especiais, como a revolta de Butch ao saber que Fabienne (Maria de Medeiros) esqueceu o relógio de ouro, o olhar frio antes de matar Vicent, seu espanto ao ver Marcellus cruzar o farol e, principalmente, o momento surreal em que ele escolhe a arma antes de salvar Marcellus. Butch ainda é o autor de uma das frases marcantes do excelente roteiro – só que o seu “Zack is dead, baby” soa bem em inglês, mas perde a graça em português. E apesar de curtas, as participações de Tarantino, como Jimmy, e principalmente de Harvey Keitel, como Wolf, são excelentes, com o segundo exibindo a costumeira segurança e uma expressão ameaçadora, que confere credibilidade e respeito ao personagem.

Keitel e Tarantino surgem no último capitulo da narrativa. Repleto de humor negro e diálogos sarcásticos, “A situação de Bonne” conta com a cena mais violenta e engraçada do longa, que é o tiro acidental de Vicent em Marvin, mas é também o capitulo em que Jules escapa milagrosamente da morte, o que promove uma transformação no criminoso, que passa a acreditar na “intervenção divina” em sua vida. Esta interessante visão contrasta com a de seu colega Vicent, que vê no acaso a explicação para o que aconteceu. Bastante polêmica, esta discussão ideológica deixa a cargo de cada espectador tirar alguma conclusão. Após acompanhar todas estas histórias paralelas, o espectador se vê novamente no mesmo restaurante do início. Novamente, o grito de Honey Bunny (Amanda Plummer) ecoa em todo local e Pumpkin (Tim Roth) começa a recolher as carteiras, aterrorizando quase todas as pessoas presentes. “Quase” todas, porque o agora regenerado Jules está lá, sentado, com a arma na mão e a misteriosa maleta de Marcellus Wallace na mesa, enquanto Vicent está no banheiro, lendo uma revista tranqüilamente. E apesar de exagerar em alguns momentos anteriormente, Samuel L. Jackson está perfeito na cena final, demonstrando segurança e autoridade enquanto conversa com os assaltantes e explica a razão de sua regeneração. E assim como Leone fazia com maestria no western spaghetti, Tarantino conduz a cena com a costumeira habilidade, mantendo a tensão simplesmente ao prorrogar ao máximo o confronto (que, neste caso, sequer acontece), com os personagens mantendo as armas apontadas uns para os outros, como ele também fizera em “Cães de Aluguel”. Nada acontece de fato, mas a tensão que domina a cena é suficiente para nos deixar em transe.

Com seu visual estilizado, diálogos inesquecíveis, narrativa envolvente e cenas marcantes, “Pulp Fiction” marcou época e confirmou que Tarantino era o sopro de criatividade que faltava em Hollywood. Embalado por uma trilha sonora empolgante e por atuações inspiradas de um elenco excepcional, o longa revigorou o cinema dos anos 90, inspirando muitos trabalhos que surgiriam a seguir. Não foi apenas Jules que saiu regenerado, a própria Hollywood parece ter escapado milagrosamente de alguns tiros a queima roupa.

Texto publicado em 15 de Julho de 2011 por Roberto Siqueira