WATERWORLD – O SEGREDO DAS ÁGUAS (1995)

(Waterworld)

 

Videoteca do Beto #138

Dirigido por Kevin Reynolds.

Elenco: Kevin Costner, Dennis Hopper, Jeanne Tripplehorn, Tina Majorino, Leonardo Cimino, Rick Aviles, Zakes Mokae, Chaim Girafi, R.D. Call, Zitto Kazann e Jack Black.

Roteiro: Peter Rader e David Twohy.

Produção: John Davis, Charles Gordon, Lawrence Gordon e Kevin Costner.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apesar de tentar evitar assuntos que envolvem os bastidores de uma produção, é praticamente impossível escrever sobre “Waterworld” sem abordar estas questões. Filme mais caro do mundo na época, o longa de Kevin Reynolds enfrentou diversos problemas em sua fase de produção, que iam desde a destruição total de um cenário (a colônia de escravos, onde provavelmente estariam os “escravistas” citados no início) até brigas envolvendo o diretor e seu astro principal, que culminaram no abandono do primeiro durante o projeto. Some a isto a costumeira dificuldade de filmar no mar e a péssima recepção dos críticos e você terá todos os ingredientes de um enorme fracasso – que de fato se consumou, mesmo com a bilheteria ao redor do mundo ajudando a pagar o gigantesco custo de aproximadamente 200 milhões de dólares.

Mas calma. Apesar da chuva de críticas, este não é o pior filme de todos os tempos. Desconte o hype negativo da época e a megalomania de Kevin Costner (na época, muito poderoso em Hollywood) e você terá boas cenas de ação e uma premissa até interessante que, infelizmente, não é bem desenvolvida pelo fraco roteiro. Escrito por Peter Rader e David Twohy, “Waterworld” inicia com uma curiosa brincadeira com o logo da Universal, informando que num futuro distante as calotas polares derreteram e cobriram a superfície da Terra com água, obrigando aqueles que sobreviveram a se adaptarem a um novo mundo. Interessante, não? Depois disto, conhecemos o personagem sem nome de Kevin Costner – chamado pelos outros de Mariner -, que, após ser capturado num Atol (uma espécie de cidade sobre a água), se vê obrigado a proteger Helen (Jeanne Tripplehorn) e a jovem Enola (Tina Majorino) em troca de sua liberdade. O problema é que os Smokers, liderados pelo diácono (Dennis Hopper), estão procurando justamente a menina, que muitos acreditam ter o mapa da mítica “Terra Seca” tatuado nas costas.

É realmente uma pena, portanto, que após este início promissor os roteiristas não saibam o que fazer e desenvolvam a história de maneira tão irregular. Entretanto, apesar do péssimo material que tem em mãos, Kevin Reynolds até consegue criar bons momentos, como a sequência da invasão do Atol e a fuga de Mariner de um mercado tomado pelos Smokers, compondo ainda planos plasticamente interessantes, como nas belas imagens do barco navegando solitário no mar, e outros surpreendentemente eficientes, como após a briga de Mariner com um nômade no interior do barco, onde o posicionamento da câmera cria um pequeno suspense ao mostrar o adversário surgindo primeiro antes de revelar a ferida em suas costas. Mas, apesar destes bons momentos, o diretor não consegue salvar o longa do fracasso.

Outro momento interessante é a apresentação de Mariner e de seu barco funcional, mostrando a capacidade de raciocinar rapidamente do personagem e a imponência das velas de sua embarcação quando ele deixa outro nômade a mercê dos Smokers e foge. Um dos melhores “personagens” de “Waterworld”, o barco de Mariner consegue a proeza de fazer com que o espectador sinta a sua falta tanto quanto a de Enola quando sai de cena, ainda no segundo ato. Mas se estas cenas funcionam bem, por outro lado o conflito que provoca a prisão de Mariner no Atol é pouco verossímil, surgindo apenas para revelar a origem mutante do personagem – o próprio conceito de mutação, aliás, também poderia ser mais bem desenvolvido. De qualquer modo, até a invasão do Atol a narrativa caminha bem e a chegada dos Smokers ao local inicia a melhor sequência do filme. Alternando entre os planos sem jamais soar confuso, Reynolds conduz a sequência com dinamismo, numa cena de tirar o fôlego que garante bons momentos de ação e comprova o excepcional trabalho do design de som, notável em todo o filme. Tecnicamente, vale destacar também a trilha sonora de James Newton Howard, que aposta no alto e bom som para embalar as cenas de ação, apesar de empregar corretamente sons que evocam o mar em alguns instantes.

Além do funcional barco de Mariner, o interessante Atol construído a partir de restos de materiais realça o bom trabalho de direção de arte de David Klassen. Seguindo o mesmo raciocínio, os criativos figurinos de John Bloomfield criam roupas acinzentadas a partir de sobras de materiais e restos de peixes, enquanto a fotografia de Dean Semler realça este mundo sem vida na maior parte do tempo, criando um contraste interessante com as belas imagens do oceano e dando ao longa um visual decadente pós-apocalíptico que lembra muito a série “Mad Max”. Aliás, as semelhanças com a série de George Miller não param por aí, já que aqui o protagonista também é um homem solitário e o petróleo tem grande importância comercial. A diferença é que no mundo das águas a terra também é muito valorizada (não me pergunte por que), dando uma vantagem econômica considerável ao mutante Mariner, que pode buscá-la no fundo do mar graças às suas guelras e membranas que lhe permitem mergulhar e respirar em baixo d´água.

Sempre durão e com a cara fechada, o Mariner de Costner parece não confiar em ninguém, o que é normal diante das condições em que ele vive, vagando solitário pelos oceanos. Segundo Enola, “ele não tem nome, assim a morte não o encontra”, e de fato o ator convence como durão, transmitindo a força que o personagem exige. Mas apesar de se sair bem como nômade solitário, ele não consegue carregar o projeto sozinho, falhando, por exemplo, na relação com Helen. E se o segundo ato é bastante irregular, é também porque foca demasiadamente na relação entre Mariner, Helen e Enola, prejudicada pela falta de química entre Costner e Tripplehorn. Felizmente, se Tina Majorino transita entre o carisma e a chatice com sua Enola, ao menos garante momentos de alivio cômico durante sua conturbada relação com Mariner, através dos desenhos no barco e do corte do cabelo delas em certo instante. Apesar da irregularidade, a relação deles ainda traz um belo momento quando Mariner ensina a garota a nadar. Por outro lado, novamente o roteiro sabota os atores através de seus diálogos risíveis, como quando Helen pergunta se eles conseguem escapar de um avião e Mariner diz: “Não com as velas abaixadas”, como se um veleiro fosse capaz de fugir de um avião. E até mesmo o conceito de fuga soa totalmente sem sentido num mundo coberto pela água e, portanto, com raros locais capazes de “esconder” alguém. Fechando o elenco, Hopper parece se divertir como o Diácono na maior parte do tempo, mas exagera na dose soando extremamente caricato em muitos momentos.

Em certo momento, Helen reclama da falta de comida e nos leva a outra cena embaraçosa. A pesca do peixe gigante, além de pouco convincente, surge apenas para revelar os fracos efeitos visuais de “Waterworld”, confirmados na visita ao fundo do mar e na explosão do navio dos Smokers. Mas nada que se compare aos erros primários de Peter Rader e David Twohy que, além de todos os problemas citados, ainda incluem diálogos expositivos, como no primeiro contato com um nômade que serve apenas para explicar algumas regras daquele mundo pós-apocalíptico, e um discurso ridículo do Diácono para os Smokers.

Investindo num enigma pouco criativo envolvendo o mapa nas costas de Enola, o confuso conceito da “Terra Seca” também parece apenas uma ideia jogada na narrativa, sem que os roteiristas tivessem o cuidado de desenvolvê-la melhor. Aliás, o roteiro falha terrivelmente sempre que tenta explorar os conceitos daquele mundo, deixando algumas questões em aberto como: quem são e o que pretendem os Smokers? De onde eles tiram tanto “petro-suco” (uma refinaria, talvez?). Além disso, porque eles desistem de perseguir Mariner em diversos momentos mesmo estando motorizados enquanto o alvo segue num barco a vela. Quando pensamos sobre a origem da “Terra Seca”, que surge no ato final, a coisa fica ainda mais confusa. Se Enola tem por volta de seis anos e nasceu lá, significa que aquele local jamais submergiu, o que torna inexplicável a decisão dos pais de enviarem a garota num cesto dentro daquele mar hostil. E se o local submergiu, a “evolução” que trouxe mutantes não pode ter acontecido em tão pouco tempo, até porque o Diácono diz em certo momento: “estamos perto St. Joe, depois de SÉCULOS de vergonha”. Em resumo, tudo é muito confuso e mal desenvolvido em “Waterworld”.

O terceiro ato consegue ser ainda mais irregular que o segundo, apresentando raros momentos interessantes, como o confronto verbal entre Mariner e o Diácono que resulta na explosão do local (“Ele nunca blefa”, diz Enola), mas transforma o protagonista num verdadeiro MacGyver, sendo capaz de enfrentar sozinho todos os Smokers, explodir o navio, impedir a fuga do Diácono de avião (repare que todos os objetos que ele precisa estão no lugar, só esperando para serem utilizados), recuperar Enola, perdê-la novamente e se atirar do alto de um balão no meio do oceano para recuperar definitivamente a garota, provocando ainda a morte dos últimos inimigos (Ufa! Só de digitar fiquei cansado).

Prejudicado pelo hype negativo da época e pelos diversos problemas na produção, “Waterworld” está longe de ser um grande filme, mas também não é a porcaria que muitos afirmaram em seu lançamento. Apesar da fragilidade com que desenvolve sua interessante premissa, trata-se de um filme de ação correto, bastante irregular é verdade, mas com momentos interessantes, especialmente em seu primeiro ato. É pouco para salvá-lo, mas, por outro lado, o longa não merecia ser o responsável por – com o perdão do trocadilho – afundar a carreira de muitos dos envolvidos em sua produção.

Texto publicado em 30 de Setembro de 2012 por Roberto Siqueira

15 comentários sobre “WATERWORLD – O SEGREDO DAS ÁGUAS (1995)

  1. César Jean 24 julho, 2019 / 8:11 pm

    Isso é um filme. Uma ficção. Uma fantasia. Eles não precisam dar respostas para tudo. Filme é maravilhoso. Nota 10000. Escutou senhor Roberto. SIQUEIRA.

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    • Roberto Siqueira 27 julho, 2019 / 2:58 am

      Na verdade eu li César.

      Obrigado pelo comentário.

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  2. clodoaldo meireles 21 fevereiro, 2017 / 3:00 pm

    Eu adoro Waterworld as criticas pouco me importam assisto ao filme para me divertir não para procurar defeitos.

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    • Roberto Siqueira 22 fevereiro, 2017 / 3:01 pm

      Excelente Clodoaldo, divirta-se.

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  3. fernando varela 17 janeiro, 2017 / 3:17 pm

    o filme pode até ser ruim, mas os que disseram que Costner arruinou a carreira erraram redondamente…

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    • Roberto Siqueira 22 fevereiro, 2017 / 3:03 pm

      De fato ele nunca mais teve o espaço que tinha antes, mas continuou sendo um bom ator/diretor.

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  4. Janerson 13 novembro, 2012 / 10:16 pm

    Olá, Roberto. Um filme com uma ideia bastante interessante, porém em algum ponto dele a coisa desandou. Há cenas forçadas demais (bela lembrança do Mcgyver), o rosto normalmente sem expressão de Kevin Costner, uma má jornada de Hopper e um filme que por ter mais de duas horas acaba se tornando cansativo. Waterworld não é o pior filme do mundo, é até razoável. mas a série de problemas que surgiram e a bem lembrada irregularidade na condução da história, fazem com que os esforços de todos os envolvidos, especialmente de Kevin Costner, sucumbam. E isso é muito pouco para alguém que participou de filmaços como Os Intocáveis ou Dança com Lobos. Talvez Waterworld seja o começo da decadência de Costner, até então uma figura intocável dentro da indústria do cinema.
    Abraço

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    • Roberto Siqueira 15 novembro, 2012 / 12:09 am

      É verdade Janerson.
      Costner demorou anos pra voltar a fazer um grande filme. Somente com “Pacto de Justiça” ele conseguiu voltar a brilhar, ainda que sem o sucesso comercial de antes.
      Grande abraço e obrigado pelo comentário.

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  5. Wellington 1 outubro, 2012 / 10:47 pm

    Bom roberto o que Dizer de um filme que passou por diversos problemas desde direcao cenário destruído enfim foi um filme mal concebido apesar de ter sido indicado ao Oscar por efeitos especiais o considero como um filme fraco aquele tipo de filme que assiste uma vez e não da vontade de assistilo novamente foi indicado ao framboesa de ouro como pior filme.

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    • Roberto Siqueira 3 outubro, 2012 / 11:13 pm

      O Framboesa é uma grande brincadeira, não era pra tanto. Mas é fraco sim.
      O pior é que a premissa é bem interessante, mas muito mal aproveitada, e isto é justamente o que me irrita mais.
      Abraço.

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  6. Mateus Aquino 30 setembro, 2012 / 10:23 pm

    Bem, eu ainda não assisti à esse filme para opinar, mas pelo o que parece, é o pior de sua videoteca, pois nenhum recebeu apenas duas estrelas

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    • Anônimo 1 outubro, 2012 / 10:12 pm

      Assisti esse filme há muitos anos atras e não me recordo muito dele só lembro que na época em que assisti não o apreciei muito preciso revelo novamente mas este filme e tido como um dos piores filmes do kevin costner

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    • Roberto Siqueira 3 outubro, 2012 / 11:11 pm

      Com certeza o Costner tem filmes muito melhores.
      Abraço.

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    • Roberto Siqueira 3 outubro, 2012 / 11:09 pm

      Tem piores Mateus, aguarde…
      Na verdade, eu gostava deste filme na adolescência e comprei por pura nostalgia, mas com o passar do tempo percebi seus graves defeitos.
      Não é tão ruim quanto falaram na época, mas é fraco sim.
      Abraço.

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