O RESGATE DO SOLDADO RYAN (1998)

(Saving Private Ryan)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #186

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Tom Hanks, Adam Goldberg, Vin Diesel, Edward Burns, Tom Sizemore, Giovanni Ribisi, Barry Pepper, Matt Damon, Paul Giamatti, Ted Danson, Jeremy Davies, Dennis Farina, Max Martini, Dylan Bruno e Leland Orser.

Roteiro: Robert Rodat.

Produção: Ian Bryce, Mark Gordon, Gary Levinsohn e Steven Spielberg.

O Resgate do Soldado Ryan[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Cinco anos após abordar os efeitos trágicos do regime nazista sobre o povo judeu no belo “A Lista de Schindler”, Steven Spielberg resolveu voltar à Segunda Guerra Mundial, desta vez sob a perspectiva de soldados norte-americanos e a partir do momento chave do conflito, conhecido como o “Dia D”. No entanto, se no primeiro a abordagem era mais intimista e melancólica, desta vez o diretor foca a ação, criando cenas memoráveis enquanto acompanha uma missão de resgate no meio do combate. Semelhantes tematicamente e distantes no tom, o fato é que estes dois trabalhos servem para mostrar o talento e a versatilidade deste grande diretor.

Escrito por Robert Rodat, “O Resgate do Soldado Ryan” utiliza um longo flashback para narrar o desembarque do exército norte-americano na praia de Omaha, na França, no famoso dia 06 de Junho de 1944. Após sobreviver ao verdadeiro massacre imposto pelas metralhadoras alemãs, o capitão John Miller (Tom Hanks) é incumbido de liderar um pelotão em busca do jovem James Ryan (Matt Damon), único dentre quatro irmãos ainda vivo e, justamente por isso, escolhido para voltar para casa e amenizar parte da dor de sua mãe. O problema é que Ryan é paraquedista e seu paradeiro é incerto, o que leva os soldados a questionarem a validade daquela missão.

Ainda que tenha quase 3 horas de duração, “O Resgate do Soldado Ryan” mantém um ritmo sempre empolgante, graças a sua narrativa simples e eficiente, que não abre muito espaço para firulas desnecessárias e foca constantemente na missão daquele grupo e nos obstáculos que surgem no caminho. Para isto, Spielberg conta com a montagem intensa de seu habitual colaborador Michael Kahn, ditando este ritmo dinâmico ao intercalar as empolgantes cenas de batalha com pequenos momentos de refresco, como quando os soldados conversam na igreja ou quando eles se encontram com companheiros do exército que tentam se recuperar dos ferimentos de batalha.

Isto não impede que Spielberg crie belos momentos dominados pelo silêncio e a melancolia, como, por exemplo, na cena em que a mãe de Ryan recebe as três cartas informando a morte de seus filhos. Sem a necessidade de utilizar uma só palavra, o diretor transmite toda a carga dramática da cena, apenas pelas escolhas dos planos e pelo desempenho dos atores, numa abordagem eficiente que sequer necessitaria da trilha sonora melancólica que a embala. Hábil também na composição de planos impactantes, como o rápido plano geral que acompanha o enorme contingente norte-americano chegando ao litoral francês, Spielberg confirma sua genialidade na condução das cenas de batalha, com sua câmera instável nos colocando dentro do combate. Entre elas, é claro que se destaca a sequência de abertura, capaz de tirar o fôlego do espectador, deixando-o grudado na cadeira por mais de 20 minutos.

Mãe de Ryan recebe as três cartasEnorme contingenteInvasão à NormandiaConduzida com agilidade e extrema competência por Spielberg, a invasão à Normandia não é apenas o melhor momento de “O Resgate do Soldado Ryan”, como figura também entre os maiores momentos da carreira do diretor – o que, em se tratando de Steven Spielberg, não é pouca coisa. Colocando-nos dentro do combate através da câmera agitada (e muitas vezes subjetiva), do caprichado design de som e da montagem frenética e jamais confusa, Spielberg cria uma sequência simplesmente perfeita tecnicamente, apostando no realismo gráfico para demonstrar os violentos efeitos daquele conflito armado, espalhando corpos despedaçados pela praia e espirrando sangue por todo lado, numa abordagem corajosa e acertada que faz falta em seus trabalhos mais recentes.

Refletindo a hostilidade daquele cenário, a fotografia quase sempre acinzentada de Janusz Kaminski (outro parceiro de longa data de Spielberg) abre pouco espaço para cores mais vivas, o que não impede a criação de planos lindíssimos como quando os soldados caminham sob os raios que caem no horizonte ou no ato final quando um grupo deles conversa iluminado pelos raros raios solares que vencem o tempo nublado que paira na região. Esta abordagem torna as cenas de batalha ainda mais tensas e sufocantes, ainda mais quando reforçadas pela chuva que cai. E até mesmo em ambientes internos como numa igreja a fotografia é belíssima, permitindo que Spielberg crie planos marcantes em conversas intimistas que ressaltam o lado humano daqueles soldados.

Fotografia acinzentadaRaros raios solaresAmbientes internos como uma igrejaAo recriar com precisão os uniformes utilizados na segunda guerra mundial, os figurinos de Joanna Johnston colaboram na ambientação do espectador, assim como o ótimo design de produção concebido por Tom Sanders, que recria as armas e os equipamentos utilizados como os tanques de guerra, sendo responsável também pelos impressionantes cenários nas cidades destruídas pela guerra, como na pequena vila fictícia chamada Ramelle no ato final.

Este refinamento técnico é um dos grandes trunfos de “O Resgate do Soldado Ryan” e, neste aspecto, o espantoso design de som merece um capitulo a parte. Chamando nitidamente a atenção na sequência da invasão à Normandia, onde nos permite notar com clareza toda a gama de tiros e explosões presente naquele ambiente hostil, o meticuloso trabalho de som segue perfeito por todo o filme, seja em momentos simples como quando demonstra a doença do capitão Miller na mão através do barulho repetitivo da bússola, seja na sequência final em que novamente nos coloca dentro da batalha através do som dos tiros, tanques e gritos dos soldados. Além disso, alguns instantes merecem destaque, como quando o som simula o impacto de duas explosões no capitão Miller, colocando o espectador no lugar dele ao distorcer o som real, ou quando a câmera afunda no mar logo no início e o som dá a exata noção da agressividade do ambiente acima da água ao contrastar o silencio dentro do mar com o barulho ensurdecedor fora dele.

Mais uma vez confirmando seu talento na composição de trilhas marcantes, John Williams faz outro bom trabalho, ainda que exagere em alguns momentos em que parece ditar para o espectador o que ele deve sentir. Na maior parte das vezes, no entanto, Williams pontua as cenas dramáticas com precisão, como quando o capitão Miller finalmente revela sua origem ao pelotão e escancara sua vontade de voltar pra casa, igualando-se aos seus comandados e aproximando-se da plateia.

Naturalmente carismático, Tom Hanks compõe o capitão Miller como um líder nato, falando com segurança diante dos comandados, o que não o impede de transmitir todas as dúvidas e inseguranças que vêm com o peso de sua posição, como no tocante momento em que chora solitário após a triste morte de Wade (Giovanni Ribisi). Em certo instante, ele próprio chega a questionar à validade daquela missão, humanizando o personagem ao demonstrar uma preocupação genuína com seu pelotão. Este questionamento, aliás, por diversas vezes parte dos próprios soldados, irritados diante de uma missão nada racional que coloca em risco a vida de vários combatentes para salvar apenas um.

Repleto de atores talentosos, o grande elenco de “O Resgate do Soldado Ryan” oferece pouco espaço para que nomes como Paul Giamatti e Vin Diesel brilhem. Ainda assim, Vin Diesel confere mais carisma ao seu Caparzo em seus poucos minutos em cena do que muitos dos outros atores conseguem fazer, ainda que o relacionamento entre eles soe real na maior parte do tempo, graças aos conflitos e aos diálogos que revelam suas fraquezas e angústias, tornando-os mais humanos diante do espectador. Mas ainda que seus personagens não sejam tão bem desenvolvidos, os atores que vivem aquele grupo de soldados conseguem ao menos nos fazer acreditar naqueles jovens como indivíduos diferentes e não apenas peças de um jogo de tabuleiro, como acontece, por exemplo, com o religioso atirador Jackson vivido por Barry Pepper e com o inseguro e por vezes medroso Upham interpretado por Jeremy Davies.

Líder natoCarismático CaparzoReligioso atirador JacksonApesar de todos os questionamentos, Ryan finalmente surge no caminho do grupo de maneira casual. Quando isto acontece, observe como Spielberg demora alguns segundos antes de revelar o rosto de Matt Damon, já que somente a sua presença em cena já seria suficiente para o espectador identificá-lo como o procurado personagem. E com tão pouco tempo de tela, Damon pouco pode fazer, ainda que se saia bem na conversa com o capitão Miller sobre as lembranças da vida fora dali, num dos raros momentos em que Hanks e Damon contracenam.

Após encontrar Ryan e resolver o principal conflito da narrativa, o roteiro transforma o confronto com os alemães na ponte no grande clímax, o que até funciona corretamente, ainda que não tenha o mesmo peso da espetacular batalha de abertura. E novamente, o som tem papel fundamental, já que é ele quem anuncia a chegada dos tanques alemães ao local e dá início ao conflito extremamente realista e violento, mais uma vez filmado com destreza pela câmera agitada de Spielberg e conduzido com dinamismo pelo diretor e seu montador.

Rosto de Matt DamonConversa com o capitão MillerConfronto com os alemães na ponteTecnicamente perfeito, “O Resgate do Soldado Ryan” escorrega apenas quando tenta dizer algo sobre os horrores da guerra, abordando a questão de maneira excessivamente melodramática, como nos desnecessários instantes finais em que Ryan pergunta se sua vida valeu a pena. Por outro lado, o tocante desespero de um soldado alemão diante da morte infelizmente é jogado fora no ato final, quando o mesmo surge novamente na batalha como se nada tivesse acontecido. No entanto, estas são falhas menores que não tiram os méritos do filme.

Mais empolgante do que reflexivo, “O Resgate do Soldado Ryan” funciona muito bem ao seu modo, colocando o espectador dentro da batalha e nos fazendo sentir de perto os horrores da guerra, mesmo que, no fim das contas, tenha pouco a dizer sobre ela.

O Resgate do Soldado Ryan foto 2Texto publicado em 23 de Fevereiro de 2014 por Roberto Siqueira

O MUNDO PERDIDO: JURASSIC PARK (1997)

(The Lost World: Jurassic Park)

3 Estrelas 

Videoteca do Beto #178

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Jeff Goldblum, Julianne Moore, Pete Postlethwaite, Richard Attenborough, Vince Vaughn, Arliss Howard, Vanessa Lee Chester, Camilla Belle, Peter Stormare, Richard Schiff, Joseph Mazzello e Mark Pellegrino.

Roteiro: David Koepp, baseado em livro de Michael Crichton.

Produção: Gerald R. Molen e Colin Wilson.

O Mundo Perdido - Jurassic Park[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Preocupado com a possibilidade da franquia “Jurassic Park” seguir o mesmo caminho de “Tubarão” (ou seja, ser deturpada nas mãos de pessoas menos talentosas), Steven Spielberg decidiu dirigir a continuação “O Mundo Perdido: Jurassic Park” quatro anos após o primeiro filme assombrar o mundo com seus efeitos visuais espetaculares e sua história envolvente. No entanto, as semelhanças entre o primeiro e o segundo filme se restringem apenas aos efeitos visuais assombrosos, já que apesar de contar com algumas cenas marcantes, esta sequência é bastante inferior tanto nos aspectos narrativos quanto no carisma de seus personagens.

Escrito novamente por David Koepp baseado em livro que o próprio Spielberg pediu para Michael Crichton escrever, “O Mundo Perdido: Jurassic Park” tem início quando o Dr. Ian Malcolm (Jeff Goldblum) é chamado para conversar com John Hammond (Richard Attenborough) e descobre que sua namorada, a Dra. Sarah (Julianne Moore), havia sido enviada para uma ilha conhecida como “Sítio B”, vizinha daquela onde o antigo Parque dos Dinossauros se localizava e que era utilizada na criação dos animais. Acompanhado de uma equipe, ele chega ao local com a missão de estudar os dinossauros, mas outra equipe comandada por Roland Tembo (Pete Postlethwaite) invade a ilha com a intenção de capturá-los e levá-los para San Diego, onde um novo Parque seria inaugurado.

Expondo o que aconteceu entre o final do primeiro filme e o ponto de partida deste segundo através de um diálogo expositivo nada orgânico, David Koepp constrói um arremedo de narrativa que se transforma numa boa aventura graças ao talento de Spielberg atrás das câmeras. Ainda assim, o roteirista resgata alguns pontos interessantes do longa original, como as tiradas engraçadas de Ian que, por outro lado, acabam tirando um pouco da humanidade do personagem em alguns instantes, como por exemplo quando ele pede ironicamente três cheeseburgers pendurado num penhasco – e, pra piorar, é acompanhado na piada pelos outros dois personagens que se encontram à beira da morte. Em parte, a culpa é também de Jeff Goldblum, que desta vez ganha mais espaço na narrativa, mas não consegue reverter os problemas do roteiro e convencer como um pai ou namorado realmente preocupado.

Pra piorar, Koepp tenta conferir profundidade dramática ao protagonista através de conflitos que jamais convencem com sua filha Kelly (Vanessa Lee Chester) e a namorada Sarah, o que, somado ao comportamento deles em situações de alto risco, cria personagens rasos e inverossímeis, dificultando nossa identificação com aquele grupo. Ao menos, Spielberg corrige parcialmente esta falha ao criar cenas tensas o bastante para nos envolver, independente do grau de envolvimento que temos com os personagens. Quem também ajuda é Julianne Moore, que compõe a Dra. Sarah com mais competência, convencendo como alguém realmente apaixonada pelo que faz – repare sua expressão de alegria ao constatar que a mamãe T-Rex estava mesmo à procura do filhote. Sua personagem serve também para apresentar ao espectador conceitos e características importantes dos dinossauros, o que aumenta a tensão quando eles surgem por já sabermos os atributos mortais do Velociraptor e do T-Rex, por exemplo.

Três cheeseburgersFilha KellyExpressão de alegriaQuem também tem a função de deixar a plateia mais tensa são os caçadores cruéis e unidimensionais liderados pelo odiável Roland Tembo (Pete Postlethwaite), que ao menos tem raros momentos de humanidade, como quando pede pra ninguém contar pra Kelly que um homem tinha morrido ou quando lamenta a perda de um parceiro de equipe e diz que está cansado de andar ao lado da morte.

Mas, com o perdão do trocadilho infame, nem tudo está perdido. É fácil notar, por exemplo, que esta continuação é mesmo dirigida por Spielberg, já que o diretor demonstra sua habilidade na construção de narrativas capazes de prender nossa atenção desde os primeiros instantes, criando expectativa através do ataque à menina na Ilha no qual vemos os pequenos dinossauros cercando a garota, ouvimos seus gritos e acompanhamos a reação apavorada de seus pais, mas não vemos as consequências violentas daquele ato – infelizmente, o diretor já dava sinais da falta de coragem que marcaria sua fase seguinte ao fazer questão de ressaltar que a garota estava viva. Assim, o espectador mal pode esperar o reencontro com os gigantes animais jurássicos. Quando finalmente nos deparamos com eles, Spielberg novamente faz questão de primeiro ressaltar o olhar maravilhado dos personagens, para somente depois nos permitir admirar os imponentes dinossauros concebidos pelos impecáveis efeitos visuais da Stan Winston Studio – que, por sua vez, não apresentam grande evolução quando comparados ao primeiro filme (este sim um fenômeno na área). Finalmente, o diretor também constrói alguns planos interessantes e muito funcionais, como aquele em que vemos os Velociraptors se aproximando do grupo que caminha pela selva segundos antes do ataque arrasador.

Ataque à meninaOlhar maravilhado dos personagensVelociraptors se aproximandoAlém dos efeitos visuais, Spielberg conta também com o auxilio de sua equipe premiada por “A Lista de Schindler”, começando pelo diretor de fotografia Janusz Kaminski, que cria um visual sombrio e sufocante ao explorar muito bem o predomínio de cenas noturnas e as muitas chuvas que permeiam a narrativa. Da mesma forma, a montagem ágil de seu parceiro Michael Kahn confere um dinamismo interessante ao longa, o que é essencial numa aventura. E finalmente, se a trilha sonora de John Williams também aumenta a tensão em diversos instantes, acertando ainda ao utilizar a ótima música tema somente em momentos pontuais para evitar o desgaste da mesma, o ótimo design de som é parte fundamental no processo de dar vida aos dinossauros, tornando tudo ainda mais real aos olhos da plateia.

No entanto, a salvação de “O Mundo Perdido: Jurassic Park” está mesmo nas mãos de Steven Spielberg. Criando cenas de impacto que vão desde pequenos sustos – como no ataque repentino à base de operações durante a apresentação do projeto do Parque em San Diego – a momentos de alta tensão, o diretor confirma seu talento em sequências eletrizantes, como aquela em que acompanhamos Kelly e Sarah cavando simultaneamente aos Velociraptors que tentam invadir o esconderijo do qual elas tentam sair – numa cena, aliás, que reserva outro susto monumental ao espectador.

Cenas noturnas e as muitas chuvasAtaque repentino à base de operaçõesKelly e Sarah cavando simultaneamente aos VelociraptorsE se os “Raptors” garantem boas cenas, o que dizer então do T-Rex, que agora surge acompanhado e, portanto, duas vezes mais perigoso. Indicando novamente sua aproximação através da água (desta vez, uma poça faz a função do copo no primeiro filme), Spielberg conduz o ataque ao acampamento com maestria, gerando suspense ao trabalhar com elementos aparentemente inofensivos. Repare que, momentos antes, Sarah comenta sobre o sangue do filhote que não secou em sua blusa, o que nos faz grudar na cadeira enquanto o T-Rex cheira a blusa pendurada na cabana, gerando a correria histérica que resulta numa das raras mortes violentas do longa dentro de uma cachoeira.

Indicando aproximação através da águaSarah comenta sobre o sangue do filhoteT-Rex cheira a blusa pendurada na cabanaMas é mesmo a primeira aparição dos T-Rex que novamente se garante como o melhor momento do longa. Trabalhando mais uma vez com a noite, a chuva forte e agora agregando o telefone que toca sem parar e os gritos do filhote de T-Rex de dentro do trailer, Spielberg prepara o cenário ideal para a aparição do astro principal. Assim, o som indica a aproximação enquanto as árvores balançam e um carro arremessado confirma a fúria do predador, que surge com seu olhar penetrante na lateral do trailer, acompanhado por outro olhar que provoca a surpresa dos personagens e da plateia: eles vieram em casal. A sequência eletrizante continua com a entrega do filhote e o ataque que deixa o trailer pendurado no penhasco, chegando ao auge quando Sarah cai sobre o vidro, num momento de pura tensão que só termina quando o veículo finalmente despenca morro abaixo após deslizar pelo terreno. Após a cena de tirar o fôlego, a morte violenta de Eddie Carr (Richard Schiff) funciona como um sarcástico alívio cômico, assim como ocorria no primeiro filme com o homem sentado no vaso sanitário, só que desta vez com os animais brincando com o corpo dele.

Olhar penetranteTrailer pendurado no penhascoSarah cai sobre o vidroInfelizmente, o terceiro ato de “O Mundo Perdido: Jurassic Park” soa totalmente desnecessário, com o T-Rex surgindo na cidade de San Diego apenas para garantir alguns gritos e sustos a mais. Ao menos, garante uma boa piada quando um garoto diz para os pais que “tem um dinossauro no quintal”, mostrando ainda a curiosidade mórbida das pessoas que correm olhando para o T-Rex, num comportamento estranho do ser humano captado com precisão por Spielberg que nós voltaríamos a ver em “Guerra dos Mundos”.

No fim das contas, a continuação de “O Parque dos Dinossauros” funciona exatamente como o “Sítio B”, ou seja, seria muito mais assustadora e interessante se permanecesse apenas na imaginação dos fãs. No entanto, assim como seu terceiro ato, “O Mundo Perdido” é uma continuação desnecessária, porém divertida.

O Mundo Perdido - Jurassic Park foto 2Texto publicado em 27 de Outubro de 2013 por Roberto Siqueira

CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU (1977)

(Close Encounters of the Third Kind)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #168

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Richard Dreyfuss, Bob Balaban, Teri Garr, François Truffaut, Melinda Dillon, J. Patrick McNamara, Warren J. Kemmerling, Cary Guffey e Roberts Blossom.

Roteiro: Steven Spielberg.

Produção: Julia Phillips e Michael Phillips.

Contatos Imediatos do Terceiro Grau[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após o sucesso avassalador de “Tubarão”, Steven Spielberg teria carta branca para tocar o projeto que quisesse. Não surpreende, portanto, que o próximo longa do diretor seja justamente aquele que marca sua primeira incursão num de seus gêneros favoritos. Contando novamente com Richard Dreyfuss no elenco e conseguindo ainda a participação de uma lenda do cinema francês (o diretor François Truffaut), Spielberg tinha tudo nas mãos para emplacar outro grande sucesso e, felizmente, ele não decepcionou. “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” é uma ficção científica cativante, que mantém seu encanto mesmo décadas após seu lançamento.

“Contatos Imediatos do Terceiro Grau” era um projeto tão pessoal que Spielberg não apenas dirigiu o filme como também se encarregou de escrever o roteiro, que tem início quando o tranquilo Roy (Dreyfuss) começa a ter visões de uma misteriosa montanha ao mesmo tempo em que presencia estranhas luzes cortarem o céu da pequena cidade em que vive no interior dos EUA. Obcecado pela estranha montanha, ele acaba se distanciando da família e, após ser abandonado, parte em busca de respostas. Em paralelo, o cientista Claude Lacombe (Truffaut) investiga a estranha aparição de um grupo de aviões desaparecidos há muitos anos, enquanto Jillian Guiler (Melinda Dillon) ganha destaque na mídia após afirmar que seu pequeno filho Barry (Cary Guffey) foi levado por uma nave espacial.

Com sua costumeira habilidade na construção de narrativas que misturam eventos grandiosos com dramas extremamente pessoais, Spielberg e seu montador Michael Kahn conduzem as três linhas narrativas de “Contatos Imediatos” num ritmo agradável, priorizando a trajetória de Roy sem jamais tornar os segmentos que acompanham Lacombe ou Jillian menos interessantes. Assim como ocorria em “Tubarão” (e, posteriormente, na maioria dos filmes de Spielberg), a ausência da figura paterna é um tema marcante, surgindo primeiro na casa do menino Barry, criado por uma mãe forte e solitária, e depois na própria trajetória de Roy, que larga mulher e filhos para ir atrás dos OVNI’s e acaba embarcando no disco voador com os extraterrestres. Apesar disto, este não será o tema central do longa, que concentra sua força nas imagens marcantes conseguidas com efeitos visuais extremamente eficientes e na sensação de encanto das pessoas diante do que veem – algo que o diretor faz questão de ressaltar em diversos momentos com planos que realçam o olhar de admiração dos personagens.

Efeitos visuais extremamente eficientesEncanto das pessoasOlhar de admiraçãoPara isto, Spielberg capricha na composição dos planos, como fica evidente desde o impressionante plano geral que mostra toda a cidade escurecendo após a queda da energia elétrica e, logicamente, no deslumbrante ato final. Além disso, o diretor usa sua câmera com habilidade para criar suspense, por exemplo, na cena em que a luz do farol de um carro atrás da caminhonete de Roy se movimenta para o lado quando este o ultrapassa e, minutos depois, outra luz também se movimenta, só que desta vez para cima, indicando para a plateia a presença de algo estranho. Repare ainda como o diretor sabe trabalhar muito bem a expectativa do espectador na cena em que acompanhamos os controladores de voo captando a presença dos OVNI’s e, especialmente, quando nos coloca dentro da casa junto com Barry e sua mãe, criando uma cena absolutamente tensa que culmina no impressionante plano em que ela sai correndo pra fora e vê as naves sumindo no horizonte distante com seu filho.

Cidade escurecendoCarro atrás da caminhonete de RoyDentro da casaObviamente, o diretor de fotografia Vilmos Zsigmond tem participação fundamental neste processo, trabalhando na maior parte do tempo com paletas claras e cenas diurnas que criam um contraste interessante com o espetacular visual do ato final, que se passa praticamente o tempo todo à noite, num cenário perfeito para o festival de cores e luzes que toma conta da tela após a chegada das espaçonaves. Quem também dá um show em “Contatos Imediatos” é o design de som, que se destaca logo de cara ao captar com precisão o barulho do vento e as vozes dos personagens na sequência que abre o longa no México. E finalmente, a trilha sonora do mestre John Williams é responsável por criar as cinco notas icônicas que estabelecem contato com os extraterrestres, além de servir também para aumentar a tensão em alguns momentos pontuais, como na chegada dos ET’s à casa de Barry.

Paletas clarasFestival de cores e luzesCinco notas icônicasEm outro momento bem conduzido por Spielberg, acompanhamos Roy conversando com a esposa por telefone e, no segundo plano, a imagem da montanha Devil’s Tower na televisão – e o próprio movimento de câmera que revela a montanha real é belíssimo. No entanto, “Contatos Imediatos” não se resume apenas ao apuro técnico, já que o diretor é competente também ao extrair boas atuações de praticamente todo o elenco, a começar pelo próprio Richard Dreyfuss, que demonstra a determinação do personagem através de suas expressões marcantes, evidenciando também o quanto sua vida foi afetada por aquele evento incomum – algo que sua esposa e seus filhos não demoram a perceber, o que os leva a deixar a casa (com razão) após um surto de loucura do pai. E se a esposa de Roy vivida por Teri Garr não ganha grande destaque, Melinda Dillon quase rouba a cena com seu desempenho envolvente na pele da desesperada mãe de Barry, comovendo pela maneira determinada com que parte em busca do filho.

Roy conversando com a esposa por telefoneExpressões marcantesDesesperada mãe de BarryApesar de serem impulsionados por motivações distintas (ela vai atrás do filho enquanto ele se distancia deles), Jillian e Roy compartilham a obstinação por algo que eles sequer têm certeza que vão conseguir encontrar, o que justifica a identificação dos personagens e, por consequência, conquista também a empatia da plateia. Assim como eles, nós não sabemos exatamente aonde a narrativa irá nos levar, mas aguardamos ansiosamente pelo contato que dá nome ao filme.

Inteligente, Spielberg constrói o clímax cuidadosamente, criando uma atmosfera perfeita e fazendo com que a plateia aguarde ansiosamente pelo contato com os extraterrestres através de planos belíssimos como aquele que mostra a montanha preparada para a chegada dos discos voadores. Quando o aguardado momento chega, o diretor segue uma linha diferente da maioria das obras relacionadas à invasão de alienígenas, nos apresentando seres pacíficos e interessados somente em comunicar-se com a raça humana. E isto acontece de maneira mágica, num espetáculo de luzes e sons que dificilmente é apagado da memória do espectador. Neste instante, os olhares fascinados dos personagens se confundem com os da própria plateia, maravilhada diante de tamanho espetáculo visual.

Montanha preparadaLuzes e sonsOlhares fascinadosConfirmando sua habilidade ímpar de construir narrativas absolutamente cativantes, Steven Spielberg se consolidava como um diretor com rara capacidade de agradar público e crítica, narrando histórias visualmente marcantes sem jamais deixar de se preocupar com o lado humano de seus personagens. Envolvente e espetaculoso, “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” é um trabalho memorável na carreira de Spielberg, o que não deixa de ser um feito, considerando a filmografia deste aclamado diretor.

Contatos Imediatos do Terceiro Grau foto 2Texto publicado em 14 de Maio de 2013 por Roberto Siqueira

JURASSIC PARK – O PARQUE DOS DINOSSAUROS (1993)

(Jurassic Park)

 

Videoteca do Beto #94

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Sam Neill, Laura Dern, Jeff Goldblum, Samuel L. Jackson, Richard Attenborough, Bob Peck, Martin Ferrero, B.D. Wong, Joseph Mazzello, Ariana Richards, Wayne Knight, Gerald R. Molen e Miguel Sandoval.

Roteiro: Michael Crichton e David Koepp, baseado em livro de Michael Crichton.

Produção: Kathleen Kennedy e Gerald R. Molen.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Em diversas críticas, escrevi comentários que revelam minha insatisfação com o cinema de entretenimento que passou a predominar as produções de Hollywood nos últimos anos, o que pode ser interpretado, de maneira errônea, como uma aversão aos filmes de ação e aventura que utilizam o recurso dos efeitos visuais, como se a utilização destes já fosse suficiente para desqualificar um filme. A verdade é que sou fã de efeitos visuais, desde que sejam utilizados de maneira orgânica e em casos onde realmente agreguem à produção. E a maior prova de que admiro um trabalho bem feito neste quesito é “Jurassic Park”, um dos filmes que marcaram minha juventude e que alia com precisão efeitos visuais extraordinários e uma narrativa coesa e eletrizante, que intercala momentos de muito suspense com cenas de tirar o fôlego do espectador.

O milionário Hammond (Richard Attenborough) constrói um parque numa ilha da Costa Rica e, através da clonagem feita em laboratórios, consegue recriar os extintos dinossauros. Empolgado, ele decide convidar o paleontólogo Dr. Grant (Sam Neill) e a paleobotânica Dra. Ellie (Laura Dern) para conhecer o local, acompanhados de seus netos Tim (Joseph Mazzello) e Lex (Ariana Richards) e do Dr. Malcolm (Jeff Goldblum). Mas o divertido passeio se transforma num pesadelo quando o funcionário Nedry (Wayne Knight), insatisfeito com seu salário, decide sabotar o sistema de segurança do local, na tentativa de vender os DNA’s para um terceiro interessado.

Escrito por Michael Crichton e David Koepp, baseado em livro do próprio Crichton, “Jurassic Park” parte de uma premissa muito interessante e criativa, que torna crível a existência dos dinossauros através da clonagem, utilizando como base o sangue de mosquitos presos na seiva das árvores por milhões de anos. A partir daí, o coeso roteiro, sempre sob a direção precisa de Spielberg, constrói uma narrativa perfeita, sem pontas soltas nem excessos, o que é vital numa aventura, assim como é essencial o ritmo dinâmico empregado pelo montador Michael Kahn. Na realidade, o longa até abre um pequeno espaço para discutir até que ponto o homem tem o direito de trazer de volta à vida uma espécie extinta e contrariar a seleção natural, mas o foco da narrativa está mesmo na aventura e “Jurassic Park” cumpre muito bem sua proposta. Além disso, a narrativa tem o cuidado de estabelecer os conflitos entre os personagens muito cedo e de maneira bem clara, por exemplo, quando Nedry demonstra insatisfação com seu salário e arquiteta a traição logo em sua primeira aparição. E até mesmo a presença dos netos de Hammond revela-se um elemento importante para aumentar a aflição no espectador devido a sua fragilidade e inocência.

De maneira geral, as atuações do elenco parecem exageradas, especialmente nos momentos que envolvem os dinossauros, como podemos notar quando mencionam a existência do T-Rex e dos Velociraptors, gerando o espanto das pessoas presentes. Ainda assim, Ariana Richards e Joseph Mazzello conferem realismo ao desespero dos netos de Hammond diante dos dinossauros e ainda estabelecem uma boa química com Sam Neill. Neill, por sua vez, cai bem no papel do Dr. Grant justamente por sua inexpressividade, que evita caracterizar o protagonista como um herói, assim como Laura Dern também é uma atriz que não transmite a energia que uma heroína necessita, fragilizando sua Dra. Ellie e fazendo com que o espectador tema por seu futuro. Exatamente por isso, ela não consegue convencer nas seqüências que exigem grande esforço físico, mas ainda assim não prejudica sua atuação, que é balanceada pelos bons momentos dramáticos, como quando confronta Hammond e suas idéias mirabolantes. Jeff Goldblum faz o papel do cético na pele do Dr. Malcolm, que mantém os pés no chão e prevê os problemas que poderão surgir ao misturar uma espécie tão poderosa e extinta com a raça humana. Além disso, suas piadas de humor negro funcionam como alivio cômico, algo necessário numa narrativa onde a tensão cresce constantemente, como quando pergunta “Vai ter isto no passeio?” após fugir de carro do T-Rex. Já Richard Attenborough vive o obcecado Hammond, que sequer consegue pensar nos netos por causa de seu projeto, como fica claro na conversa que tem com a Dra. Ellie após as crianças sumirem no parque (e Attenborough demonstra esta fixação do personagem muito bem eu seu olhar arregalado e na firmeza de sua voz). Fechando o elenco, vale notar ainda que Samuel L. Jackson interpreta Ray Arnold, um dos integrantes da equipe de informática e de segurança do parque.

A construção da narrativa é meticulosa e busca criar expectativa no espectador através dos diálogos antes de inserir momentos de alta tensão e aventura eletrizante, como a história que o Dr. Grant conta para um garoto nas escavações a respeito dos velociraptors, reforçada pelas citações de Hammond ao parque momentos depois. Para aumentar ainda mais esta expectativa, Spielberg seque a cartilha de “Tubarão” e prolonga ao máximo a aparição dos dinossauros (especialmente do T-Rex e dos Velociraptors), deixando a imaginação do espectador fluir – observe, por exemplo, como não vemos o velociraptor por completo (somente parte do rosto e um close no olho) na primeira cena do filme. E quando o faz, sempre procura mostrar primeiro a reação das pessoas presentes, para somente depois mostrar os dinossauros. Observe, por exemplo, como antes de vermos pela primeira vez um dinossauro na tela, o diretor emprega um zoom no rosto do Dr. Grant e da Dra. Ellie, realçando o tamanho da surpresa de ambos diante do que estão vendo. Em seguida, Spielberg revela sua proeza e aquelas enormes criaturas aparecem se movimentando com graça e leveza diante dos nossos olhos. E de fato impressiona o trabalho magnífico dos efeitos visuais (Industrial Light & Magic e Stan Winston Studio), que assombraram o mundo com a perfeita recriação digital dos dinossauros (uma combinação de bonecos eletrônicos com CGI). E além dos efeitos visuais, o som espetacular também torna os dinossauros mais realistas, o que é vital para o sucesso da narrativa, pois nós realmente acreditamos no que vemos e embarcamos na aventura. Quando Hammond diz “bem-vindos ao Jurassic Park!”, também estamos, assim como os personagens, encantados com tudo aquilo. Isto ocorre também porque Spielberg tem o cuidado de ambientar completamente o espectador à ilha, fazendo com que ele, assim como os personagens, se sinta fascinado desde a chegada ao local, onde os belos planos da paisagem e a empolgante trilha sonora embalam a euforia do espectador. O fascínio só aumenta quando somos apresentados ao laboratório através de um travelling que nos deixa hipnotizados diante de tanta criatividade. Spielberg conta ainda com a direção de arte de John Bell e William James Teegarden, que cria um parque verossímil através das enormes cercas elétricas, da bela fachada da porta de entrada do parque e até mesmo dos veículos de passeio, que lembram carros de safáris. Já os figurinos são compatíveis com o ambiente em que se passa a narrativa, com roupas leves e esportivas e acessórios típicos dos parques, como o chapéu do Dr. Grant e o uniforme de Muldoon (Bob Peck). Mas nem tudo são flores e a conversa sobre os riscos que o parque representa também funciona como maneira de preparar o espectador para o que virá a seguir, além é claro de provocar a irritação de Hammond, inconformado com os questionamentos do grupo de pesquisadores.

Como podemos notar, Steven Spielberg trabalha toda a primeira hora da narrativa na preparação do espectador para os dois principais momentos do longa: a primeira aparição do T-Rex e a caçada dos velociraptors numa cozinha. E quando estes dois momentos chegam, o espectador não está apenas vendo os temíveis predadores na tela, está também recordando tudo que ouviu até então sobre eles, como quando Hammond comenta que tem um T-Rex (“T-Rex corre a 50 kmpor hora”) e provoca o espanto do Dr. Grant e da Dra. Ellie (esta é a primeira menção ao mais temido dos dinossauros) ou quando presenciamos o nascimento de um velociraptor que, seguido pelo momento em que vemos uma vaca sendo oferecida como alimento e pela conversa sobre sua inteligência, velocidade e agressividade, preparam o espectador para o momento em que eles entrarem em cena. Outroexemplo da inteligência de Spielberg é a cabra deixada para alimentar o T-Rex no passeio do grupo, que servirá, junto com um copo d’água, como indicador de sua presença no momento mais eletrizante do longa. Momento este que terá início logo após uma intensa discussão entre Nedry e Hammond, que levará o programador a iniciar o seu plano de roubo dos DNA’s, ao mesmo tempo em que vemos os funcionários de Hammond prevendo uma tempestade. Um close numa lata de spray indica o momento da traição, ao mesmo tempo em que raios e trovões anunciam a chegada da chuva enquanto os pesquisadores tentam curar um dinossauro doente no parque. Quando a tempestade finalmente se aproxima, Nedry já programou uma pane no sistema de segurança, provocando a irritação de Hammond ao constatar que o passeio acabou – e a fotografia de Dean Cundey, que até então priorizava cores vivas, agora passa a estabelecer uma atmosfera sombria, reforçada pela chuva, pela falta de energia e pela noite que recai sobre todos. Preocupado, Ray pergunta para Hammond onde os carros pararam e a resposta vem no plano seguinte, com a cabra presa. Eles estavam parados em frente ao local do T-Rex, sem a proteção da cerca elétrica e em carros que não se movimentam devido à falta de energia. O cenário estava pronto. Assim como em “Tubarão”, Spielberg guardou sua principal atração por mais da metade da projeção.

Tem inicio então a melhor cena de “Jurassic Park” (pessoalmente, considero esta uma das melhores cenas dos anos 90). Enquanto o garoto Tim brinca no carro, sua irmã Lex, assim como o Dr. Malcolm, começa a sentir o perigo, ao contrário de Grant e do advogado Donald Gennaro (Martin Ferrero), que parecem tranqüilos. A ausência de trilha sonora colabora com o clima tenso, reforçado pela chuva, que naturalmente provoca aflição. De repente, um tremor rompe o silêncio. Spielberg dá um close num copo d’água, observado atentamente pelo pequeno Tim, que vê a água tremendo e, com seus óculos de visão noturna, percebe que a cabra sumiu. Lex pergunta: “Onde está a cabra?”, e uma perna ensangüentada cai sobre o carro, provocando o desespero de todos. E então surge o T-Rex, primeiro com seu rosto gigantesco, depois, após estourar as cercas, em toda sua imponência, para a perplexidade de todos – e novamente vale à pena destacar os espetaculares efeitos visuais e sonoros, notáveis na perfeição dos movimentos, no impacto dos passos e no som dos gritos, conferindo imenso realismo ao gigante predador. A partir daí, uma seqüência eletrizante de imagens assustadoras toma conta da tela, terminando somente na fuga de Grant com as crianças, enquanto Malcolm fica desacordado debaixo das folhas e Gennaro, num momento de puro humor negro, é devorado pelo T-Rex (repare a inclinação da cabeça do predador antes de comê-lo, como quem observa com carinho sua refeição). Em resumo, uma cena fantástica, construída nos mínimos detalhes e conduzida com perfeição por Spielberg.

Após a eletrizante aparição do T-Rex, o cenário perfeito para a aventura está construído. Agora, só resta ao espectador se deixar levar pelo que vê e torcer pelo sucesso dos personagens. Por isso, é importante não ter nenhum grande herói no grupo, o que faz com que o espectador tema pela vida de todos eles. Num ritmo alucinante, a segunda metade da projeção apresenta um festival de seqüências marcantes, balanceando muito bem o suspense e a aventura. Primeiro um carro “persegue” Grant e Tim numa árvore, num momento onde a trilha sonora aumenta a tensão, ao contrário da cena do T-Rex, onde o som diegético era suficiente para assustar. Aliás, além de pontuar muito bem as cenas tensas, a trilha sonora de John Williams apresenta uma música tema belíssima. Outra cena eletrizante é a fuga de Malcolm, Ellie e do caçador Robert Muldoon num carro, com o T-Rex perseguindo o grupo (destaque para o curioso plano em que seu rosto gigante aparece no retrovisor). Vale destacar ainda o momentoem que Ellietenta ligar novamente as cercas elétricas sob a orientação de Hammond e, paralelamente, as crianças e Grant tentam pular uma das cercas (e novamente o trabalho do montador Michael Kahn se destaca, intercalando as duas seqüências com precisão, mantendo o espectador com os olhos grudados na tela). Após a solução do problema, Spielberg não resiste ao susto barato, provocado por um velociraptor que aparece repentinamente. E finalmente, a segunda cena marcante de “Jurassic Park” acontece quando Grant deixa as crianças para procurar os outros. Sozinhas, elas notam a presença de um velociraptor no local (observe que novamente Spielberg índica isto através da reação da garota, evitando mostrar o predador logo de cara). Desesperadas, as crianças fogem para a cozinha, onde sofrerão uma intensa caçada não apenas de um, mas de dois velociraptors, até que consigam escapar. Observe como os movimentos de câmera de Spielberg colaboram para que o espectador se sinta dentro daquele jogo de gato e rato, com planos subjetivos se alternando com planos abertos que mostram a geografia do local e evitam que o espectador se perca na cena. E no instante final, quando todos pareciam vítimas certas dos velociraptors, o T-Rex ressurge triunfal e salva o grupo, atacando os companheiros de era Mesozóica.

Quando Grant diz para Hammond que decidiu não endossar seu parque, está refletindo o pensamento de todo o grupo, que milagrosamente escapou da morte. No entanto, este pensamento não reflete o sentimento do espectador, que certamente aprovará o parque dos dinossauros, com seus maravilhosos efeitos visuais e, principalmente, sua narrativa envolvente, conduzida com perfeição por Steven Spielberg. Para todos que, assim como eu, se tornaram fãs desta maravilhosa viagem, deixemos um “Bem-vindos ao Jurassic Park!”.

Texto publicado em 17 de Abril de 2011 por Roberto Siqueira

A LISTA DE SCHINDLER (1993)

(The Schindler’s List) 

 

 

Videoteca do Beto #92

Vencedores do Oscar #1993

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Ralph Fiennes, Caroline Goodall, Jonathan Sagall, Embeth Davidtz, Malgoscha Gebel, Shmulik Levy, Mark Ivanir, Béatrice Macola e Andrzej Seweryn.

Roteiro: Steven Zaillian, baseado em livro de Thomas Keneally.

Produção: Branko Lustig, Gerald R. Molen e Steven Spielberg.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Diretor versátil e de enorme talento, Steven Spielberg é responsável por muitos dos filmes marcantes de minha geração. Mas, entre todos eles, confesso ter um carinho especial por este “A Lista de Schindler”, que narra a bela história de Oskar Schindler, o homem responsável por salvar mais de mil judeus da inevitável morte no Holocausto. Balanceando com enorme sensibilidade momentos tocantes e momentos bastante violentos, o diretor consegue um resultado magnífico, entregando um filme maior que, além de documentar uma fase negra da história da humanidade, serve como um fascinante estudo de dois personagens parecidos superficialmente, mas muito diferentes em sua essência.

O articulado Oskar Schindler (Liam Neeson) encontra uma oportunidade de ouro para fazer fortuna ao conseguir inaugurar uma fábrica na Polônia em plena segunda guerra mundial, onde empregava judeus, mão-de-obra praticamente escrava na época. Oportunista, sedutor e amante da boa vida, ele aproveita sua forte influência dentro do partido nazista para conseguir as autorizações que precisava e abrir a fábrica. Mas, com o passar do tempo, aquela atividade lucrativa se transforma numa luta para conseguir salvar a vida de mais de mil judeus, em pleno período de extermínio alemão.

Como de costume, Steve Spielberg conduz a narrativa de “A Lista de Schindler” com incrível segurança e precisão, transitando entre os momentos mais suaves, enquanto acompanhamos a vida de Oskar Schindler na fábrica e no alto escalão do partido nazista, e os momentos de tensão e violência, que mostram os abusos cometidos nos campos de concentração, como na cena tocante em que mães judias correm desesperadas ao verem suas crianças sendo levadas em caminhões, onde o diretor nos coloca dentro da cena, graças também ao excelente som que capta os gritos desesperados daquelas mulheres. Durante toda a projeção, existem vários exemplos das inúmeras atrocidades cometidas contra os judeus, como a morte de uma engenheira judia, o humilhante exame físico que separa os “doentes dos sãos” e os diversos tiros disparados contra a cabeça de homens e mulheres. O “auge” de toda esta selvageria acontece na extremamente violenta noite da extinção do gueto, onde após diversos assassinatos covardes, Spielberg encerra a seqüência com um plano geral do local, com os clarões e o som dos tiros dando a exata noção do tamanho do massacre, num momento em que a beleza visual contrasta diretamente com a tristeza que sentimos. Isto acontece porque, inteligentemente, o roteiro escrito por Steven Zaillian acompanha alguns personagens-chave do gueto (como o rapaz que foge pelo bueiro e o garoto alemão que salva a mãe de sua amiga), aproximando o espectador daquelas pessoas e criando empatia com elas. Sendo assim, se naturalmente nós já torceríamos por elas e sofreríamos com elas, esta decisão torna tudo ainda mais íntimo ao espectador. Outro exemplo claro da importância de nos aproximar dos personagens acontece quando Schindler vê uma garota vestida de vermelho, andando tranqüilamente no meio do massacre. A famosa garota de vermelho é um artifício inteligente de Spielberg, que, além de destacá-la na multidão (refletindo o que Schindler vê naquele momento), servirá para mostrar futuramente que nem mesmo as crianças eram poupadas daquele verdadeiro extermínio, através da triste imagem do corpo da garota prestes a ser cremado. Além disso, o roteiro ainda insere outros momentos que terão reflexo futuro na narrativa, como a história contada por uma mulher sobre o gás letal que substituía a água no banho das mulheres nos campos de concentração.

Ainda na direção, Spielberg abusa de planos elegantes, como podemos notar logo no jantar de apresentação do protagonista, em que o diretor alterna travellings pelo local e closes dele e das pessoas presentes, além de empregar o “still” (pause) para destacar cada foto tirada por Schindler e inserir um belo plano-seqüência que o acompanha na entrada no salão. Além disso, Spielberg conta com a iluminação perfeita do diretor de fotografia Janusz Kaminski, que também se destaca em outra cena num restaurante, durante um jantar entre Schindler e a esposa (nas duas cenas, observe a bela composição visual, contrastando as luzes e as sombras no rosto dos personagens). Aliás, a escolha do preto e branco soa totalmente acertada, porque além de amenizar a absurda violência dos atos que vemos, serve também para ilustrar o quão obscuro foi aquele período da história da humanidade, algo refletido desde a elegante transição das imagens coloridas para o preto e branco através da fumaça de uma vela, representando o momento em que aquela vida passará a existir somente na memória daquele povo, agora afundado numa realidade cruel e sem perspectivas. Spielberg é inteligente ainda ao indicar muitas coisas sutilmente, como no plano em que coloca Amon (Ralph Fiennes) e Schindler em lados opostos da mesa (e da tela), aproximando-os no final através de um zoom que indica o momento em que eles se entendem na negociação. Finalmente, repare na precisa composição visual da cena em que Amon tenta matar um senhor judeu após questionar o número de dobradiças que ele fez, onde podemos observar as frustradas tentativas do cruel nazista e, no segundo plano, garotos correndo desesperadamente para não ver aquele assassinato.

Enquanto assistimos “A Lista de Schindler”, somos sugados para aquele período da história, graças ao excelente trabalho técnico da equipe de Spielberg. A começar pela impecável direção de arte de Ewa Skoczkowska e Maciej Walczak e pelos figurinos de Anna B. Shepard, notável nos uniformes dos soldados alemães e nas roupas dos judeus, além da decoração das casas e, especialmente, no plano-seqüência que viaja sobre os objetos e roupas deixados pelos judeus antes de entrar num trem, que são separados pelos soldados alemães, numa indicação clara do destino trágico daquelas pessoas. Aliás, o fato dos soldados falarem o idioma alemão também ajuda na ambientação do espectador. Para completar a criação da atmosfera perfeita, a linda trilha sonora do excepcional John Williams, eterno colaborador de Spielberg, capta toda a essência daquele triste período da história em suas notas melancólicas no piano, como podemos notar no momento em que os judeus marcham para o gueto, quando a trilha ilustra a tristeza deles. E apesar de suas três horas de duração, “A Lista de Schindler” jamais se torna cansativo, graças ao excelente ritmo empregado pela montagem de Michael Kahn, que também cria pequenos momentos divertidos, como o teste de datilografia das candidatas à secretária de Schindler e a escolha dos produtos que farão parte da cesta que ele enviará aos alemães na inauguração da fábrica. Interessante também como a montagem de Kahn evidencia, através do contraste, o absurdo de toda aquela situação, como no momento em que Schindler ocupa um quarto espaçoso e aconchegante deixado pelos judeus, enquanto a família que ali morava se acomoda no apertado gueto. Repare também o pequeno momento de alivio cômico, tão raro no longa, quando o chefe da família diz que “poderia ser pior” e, segundos depois, chegam mais judeus para dividir o quarto com eles. Em outro momento, a montagem de Kahn intercala imagens de Oskar e Amon fazendo a barba. Aparentemente, eles são pessoas parecidas, membros do partido nazista e homens de respeito notório, mas, na essência, são pessoas bastante diferentes.

Muito bem interpretado pelo seguro Liam Neeson, Oskar Schindler é um homem com enorme facilidade de comunicação e bastante carismático, que se aproveita disto para criar uma boa imagem diante dos nazistas, o que lhe permitiria abrir sua fábrica de panelas e ganhar muito dinheiro – e Neeson é um ator que transmite a paz que o personagem exige. O mais fascinante é que Schindler tinha muitas das características dos nazistas do partido. Gostava da boa vida, das mulheres, da bebida e mantinha a aparência impecável em seus ternos de seda, o que faz com que um grupo de judeus saia de perto dele numa igreja, claramente assustados com a presença de um “nazista” ali. E assim como Amon, sua preocupação com a imagem é evidente, o que o leva a ficar profundamente irritado quando começa a ter fama de homem bom, pois sabia exatamente o perigo que aquilo representava. Ainda assim, Schindler se empolga na lavagem dos vagões de um trem, num raro momento em que deixa os alemães perceberem que ele se importava com o povo judeu. Coincidentemente, é preso em seguida, sob a acusação de ter beijado uma judia e, ironicamente, Amon intercede por ele e consegue sua liberação. E se no final vemos um Schindler obstinado, que vai buscar suas mulheres em Auschwitz e, pela segunda vez, suborna um oficial alemão para “comprar” os seus judeus, esta paixão pela vida parece brotar somente durante a projeção, numa transformação lenta e admirável do personagem que Neeson ilustra muito bem. Além disso, o ator se destaca quando questiona um soldado alemão que tentava tirar as meninas do trem, mostrando autoridade enquanto explica a função delas em sua fábrica. Já Ralph Fiennes encarna Amon Goeth com uma frieza palpável, tornando seu psicótico personagem em alguém ainda mais cruel. Seu olhar gélido e sua fala serena, sem oscilação no tom de voz, transmitem a segurança de um homem determinado a cumprir a missão que lhe deram e para quem atirar nos judeus da sacada era apenas uma diversão. Ainda assim, após ouvir Schindler falar que os imperadores eram poderosos porque podiam decidir não matar alguém, Amon tem um pequeno “acesso de bondade”, que dura apenas alguns minutos e termina no assassinato de seu empregado. Mas Amon não odiava todos os judeus que conhecia, como deixa transparecer na paixão que nutre por Helen, a empregada que ele escolheu a dedo assim que chegou à Polônia. Só que ele luta contra este sentimento, por causa de seu preconceito e, principalmente, para manter sua imagem diante dos companheiros de exército alemão, como fica evidente na cena em que ele quase confessa seu amor por ela na adega, mas acaba batendo novamente na jovem judia interpretada por Embeth Davidtz. Helen é só mais um exemplo da terrível condição daquelas pessoas, vivendo constantemente sob o medo da morte, como ela deixa claro numa conversa com Schindler (“Ele não vai te matar porque gosta de você”, diz Schindler). Fechando os destaques do coeso elenco, o ótimo Ben Kingsley também se destaca como Itzhak Stern, com suas falas rápidas e seu semblante sempre preocupado que transmitem com precisão o constante estado de tensão em que vive.

Steven Spielberg sempre foi habilidoso na arte de indicar sutilmente o que está acontecendo (como o copo d’água em “Jurassic Park” e a madeira boiando sem o cachorro em “Tubarão”) e, desta vez, são as cinzas caindo nas mãos de Schindler que indicam ao espectador o que ele veria a seguir: o terrível momento em que os corpos de mais de 10 mil judeus são exumados e queimados. A humanidade havia chegado ao fundo do poço e aquela enorme pilha de corpos é o símbolo perfeito deste momento. Mas ainda havia esperança, pelo menos para uma pequena parte daquele povo. E no plano em que Schindler “compra” seus judeus, as grades da janela que envolve a dupla simbolizam que ele finalmente encurralou Amon e conseguiu o que queria, chegando até mesmo a convencê-lo a liberar Helen. Tem inicio então a elaboração da lista que dá nome ao filme. Aquele pedaço de papel representaria a salvação para mais de mil judeus. Nas palavras de Stern, “esta lista é a vida”. Vale destacar ainda um último momento em que a inteligência de Spielberg é notável, quando o trem com as mulheres da lista de Schindler é enviado à Auschwitz por engano. Quando elas entram no espaço reservado para o banho, a história do gás letal imediatamente vem à nossa mente. As mulheres (e o espectador) temem pelo pior e Spielberg sabe disto, conduzindo a cena com lentidão e criando um clima bastante tenso. Após cortarem o cabelo, elas entram e esperam ansiosamente pela água, mas, quando as luzes se apagam momentaneamente, os gritos desesperados são inevitáveis. Felizmente, a cena termina bem, com a água caindo e derramando alivio em todas elas.

Chegamos então ao fim da guerra e a inevitável despedida de Schindler, agora um foragido da justiça. Diante daquelas pessoas que salvou, ele se desespera ao constatar a futilidade dos bens materiais diante da vida, num discurso que até pode soar melodramático, mas que funciona perfeitamente, emocionando o espectador. Por quê? Porque aquela atitude é muito coerente com tudo que ele fez até então. Não estamos vendo alguém arrependido, que repentinamente se comove diante do que poderia ter feito. Vemos ali um homem devastado, transformado por tudo que viu e que demonstrou em suas atitudes que realmente seria capaz de abrir mão de tudo para salvar mais uma ou duas pessoas. O belo final no cemitério transcende o filme e mostra a importância daquele homem, responsável por toda uma nova geração de judeus. E se são uma pequena parte diante dos seis milhões que morreram no Holocausto, os seis mil judeus descendentes da “lista de Schindler” provam que seus esforços valeram à pena.

Steven Spielberg emocionou o mundo ao apresentar a linda história de um homem digno, que se transformou diante de tudo que viu e lutou até o fim para salvar a vida de milhares de judeus. Com o tom correto e triste que a história narrada pede, “A Lista de Schindler” é uma verdadeira obra-prima, que mostra como a compaixão é um dos mais valiosos sentimentos que podemos ter. “Quem salva uma vida, salva o mundo inteiro”. Schindler salvou mais de mil.

Texto publicado em 27 de Março de 2011 por Roberto Siqueira

INDIANA JONES E A ÚLTIMA CRUZADA (1989)

(Indiana Jones and the Last Crusade)

 

Videoteca do Beto #62

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Harrison Ford, Sean Connery, Denholm Elliott, Alison Doody, John Rhys-Davies, Julian Glover, River Phoenix, Michael Byrne, Kevork Malikyan, Richard Young, Alexei Sayle e Paul Maxwell.

Roteiro: Jeffrey Boam, baseado em estória de George Lucas e Menno Meyjes.

Produção: Robert Watts.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após iniciar a saga do arqueólogo Indiana Jones com o maravilhoso “Os Caçadores da Arca Perdida”, Steven Spielberg adotou um tom mais obscuro e, conseqüentemente, menos interessante no segundo filme da série, o apenas razoável “Indiana Jones e o Templo da Perdição”. Felizmente, o talentoso diretor volta a utilizar com força total as principais características da série neste delicioso “Indiana Jones e a Última Cruzada”, misturando com eficiência o bom humor e as engenhosas seqüências de ação, e de quebra, ainda introduz o tema “relacionamento entre pais e filhos”, algo recorrente em sua filmografia.

Após descobrir que seu pai (Sean Connery) havia sido capturado pelos nazistas enquanto buscava encontrar o santo Graal, o arqueólogo Indiana Jones (Harrison Ford), acompanhado de seu amigo Marcus Brody (Denholm Elliott), parte em busca do precioso artefato e, principalmente, para tentar salvar seu pai. Ao desembarcar em Veneza, encontra a ajuda da misteriosa Dra. Elsa Schneider (Alison Doody) e novamente se envolve numa série de aventuras.

Definitivamente, “Indiana Jones e a Última Cruzada” é um legítimo representante da série que fez tanto sucesso nos anos oitenta, como podemos notar desde o clássico início com o logo da Paramount se transformando numa montanha. A linha vermelha no mapa enquanto vemos a imagem do avião, o envolvimento com uma mulher, o chapéu, o chicote e a empolgante trilha sonora também continuam presentes. Spielberg mantém ainda outra característica marcante da série, abusando do bom humor. Aliás, se “O Templo da Perdição” se perdia em meio ao clima pesado demais, este “A Última Cruzada” é o mais leve e engraçado dos três filmes. O diretor também dá um show logo na seqüência de abertura, quando o jovem Indy (River Phoenix) foge em cima de um trem com um precioso artefato, abusando da criatividade durante a atrapalhada fuga do rapaz, além de utilizar animais de verdade, sem efeitos digitais, o que somado aos tradicionais truques mecânicos (outra marca da série), confere muito mais realismo à cena. O diretor também demonstra seu talento na condução de cenas extremamente empolgantes de ação, como quando os nazistas perseguem os Jones de moto e na seqüência do deserto em que Indy faz malabarismos para conseguir escapar dos alemães. Além disso, o diretor utiliza a câmera com função narrativa, como no momento em que o zoom na placa “Berlim” indica o caminho que os heróis seguiram. Finalmente, a seqüência final dentro da caverna é carregada de tensão enquanto Indy desvenda os mistérios em busca do cálice e se encerra de forma emocionante quando o Sr. Jones finalmente chama o filho de “Indiana”, deixando claro que a vida deles era muito mais importante que aquele artefato religioso.

Spielberg também inova ao apresentar uma excelente introdução mostrando a juventude de Indy, que serve como base para o fio condutor da narrativa: o relacionamento entre pai e filho. Além disso, serve também para apresentar traços marcantes da personalidade dele, como o medo de cobras e a tomada rápida de decisão, além de revelar como ele passou a utilizar o chicote e o chapéu. Tudo isto é mérito também do bom roteiro de Jeffrey Boam, baseado em estória de George Lucas e Menno Meyjes, que divide a narrativa em duas linhas principais. A primeira delas se concentra na busca pelo Graal e abre espaço para as sensacionais aventuras do arqueólogo. Já a segunda linha narrativa olha, ainda que de forma superficial e bem humorada, para os problemas de relacionamento entre pai e filho que, como dito, é um tema recorrente nos filmes de Spielberg. Além disso, apresenta diversos momentos que remetem ao primeiro filme, a começar pelo plano do professor Jones dando aula, seguido pela referência à Arca da Aliança, a morte de um vilão que se transforma em esqueleto (que claramente lembra o rosto derretido) e, finalmente, até mesmo os próprios vilões nazistas estão presentes nos dois filmes.

Entre o elenco o destaque vai para Harrison Ford, que dá outro show na pele do arqueólogo Indiana Jones, e Sean Connery, que vive o pai de Indy. É impressionante notar como Ford se sente à vontade no papel do carismático herói. Ator e personagem se misturam e nem sequer podemos imaginar outro ator em seu lugar. Todos os trejeitos, olhares e até mesmo o timing cômico do personagem soam perfeitos graças ao talento de Ford. Repare, por exemplo, seu olhar de satisfação quando Elsa descobre que a página com o mapa foi arrancada do diário ou o seu sorriso de alivio quando Hitler autografa o diário. Já Sean Connery mostra seu talento desde sua primeira aparição, formando uma dupla perfeita com Ford. Famoso por interpretar James Bond (o pai cinematográfico de Indiana Jones), ninguém melhor do que ele para interpretar o pai de Indy e impor respeito. A química dos dois atores é perfeita, sendo responsável por diálogos deliciosos e cheios de sarcasmo, presenteando ainda o espectador com pelo menos dois momentos hilários, quando Henry Jones incendeia acidentalmente uma sala nazista e quando ele encontra uma passagem secreta, provocando a queda imediata de Indy pela escada. Mas apesar de cômica, a relação dos dois tem um traço de ressentimento perceptível em alguns momentos, como num diálogo expositivo que explica a morte da Sra. Jones. Observe, por exemplo, como o Sr. Jones chama Indy de “Júnior” diversas vezes, provocando a irritação do filho, como se ainda o visse como um menino. Note também como em diversos momentos Indy toma atitudes que lhe enche de orgulho próprio, mas seu pai olha com desaprovação, provocando sua imediata mudança de feição. A troca de olhares entre Ford e Connery, aliás, também provoca momentos muito engraçados, como quando eles conversam com os nazistas sobre o diário e quando o Sr. Jones diz que Elsa fala enquanto dorme, deixando claro que também dormiu com ela. No único momento em que tenta se abrir com o pai, Indy fica sem palavras, e novamente o roteiro toca na difícil relação entre pai e filho de maneira bem humorada, algo que se repetiria na cena em que Indy supostamente cai do penhasco, provocando a confissão de seu pai (“Achei que tinha te perdido”). Nesta cena, aliás, Spielberg cria um pequeno suspense antes de revelar, novamente com bom humor, a salvação de Indy. Fechando o elenco, temos ainda Alison Doody, que vive a sensual e perigosa Elsa Schneider com elegância, Denholm Elliott, interpretando o engraçado Marcus Brody e o retorno do fascinante Sallah, interpretado novamente com competência por John Rhys-Davies.

Também merece destaque o trabalho técnico feito em “Indiana Jones e a Última Cruzada”, a começar pela montagem de Michael Kahn, que tem papel fundamental nas espetaculares seqüências de ação, alternando entre os vários planos com agilidade. Além disso, mantém a narrativa num ritmo sempre empolgante, o que é essencial numa aventura. Kahn ainda faz algumas transições interessantes, como no momento em que através do chapéu o jovem Indy se transforma no adulto Indiana Jones. A direção de arte de Stephen Scott, auxiliada pelos ótimos figurinos de Joanna Johnton e Anthony Powell e pela bela direção de fotografia de Douglas Slocombe, capricha na ambientação do espectador, criando três ambientes completamente diferentes. A beleza estonteante de Veneza contrasta com a gélida seqüência em território alemão e austríaco, ao passo em que o deserto tem um visual mais seco, refletindo o crescente desconforto de Indy na medida em que avança em sua missão. Slocombe também capricha na fotografia obscura dentro da caverna, iluminada somente com velas e tochas, além de carregar nos tons escuros como o preto e o vermelho que, auxiliado pelas tochas, conferem um ar infernal ao desfile nazista, simbolizando o mal encarnado naqueles vilões. Finalmente, merece destaque também o bom trabalho de som e efeitos sonoros, perceptível principalmente nas seqüências de ação.

Como não poderia deixar de ser, “Indiana Jones e a Última Cruzada” termina de forma bem humorada, revelando o nome completo de Indy e a origem de seu “Indiana”. Podemos citar ainda outros diversos momentos engraçados, como o barulho de Indy quebrando o piso enquanto um senhor carimba papéis, a fuga dos Jones de avião (“Nos atingiram!”) e a seqüência seguinte, quando o Sr. Jones diz que “Estão tentando nos matar! […] É uma experiência nova pra mim” e ouve Indy responder que “Acontece comigo toda hora!”. A mistura de ação e bom humor se revela a receita perfeita para esta aventura deliciosa, embalada por dois personagens extremamente carismáticos e por um roteiro muito inteligente.

Spielberg acerta novamente na condução de mais esta maravilhosa aventura do arqueólogo Indiana Jones. Aproveitando o carisma de seu herói e de seus atores, o diretor aborda seu tema preferido de forma bem humorada e envolve novamente o espectador, através de seqüências de ação incrivelmente criativas e, acima de tudo, de uma narrativa muito envolvente.

Texto publicado em 26 de Agosto de 2010 por Roberto Siqueira

OS GOONIES (1985)

(The Goonies)

 

Videoteca do Beto #57

Dirigido por Richard Donner.

Elenco: Sean Astin, Josh Brolin, Jeff Cohen, Corey Feldman, Kerri Green, Martha Plimpton, Jonathan Ke Quan, John Matuszak, Robert Davi, Joe Pantoliano, Anne Ramsey, Lupe Ontiveros, Mary Ellen Trainor, Keith Walker e Paul Tuerpe.

Roteiro: Chris Columbus, baseado em estória de Steven Spielberg.

Produção: Harvey Bernhard e Richard Donner.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Baseada em estória de Steven Spielberg, esta deliciosa aventura juvenil dirigida pelo versátil e competente Richard Donner brinda o espectador com uma narrativa muito interessante, capaz de prender a atenção durante todo o longa e que conta ainda com algumas cenas simplesmente inesquecíveis. A excelente interpretação coletiva de um elenco jovem e muito competente – que conta com nomes como Josh Brolin e Sean Astin – é a cereja do bolo deste leve e delicioso “Os Goonies”, que marcou toda uma geração de cinéfilos pelo mundo, abordando temas recorrentes da adolescência, como o fortalecimento das amizades e a descoberta do sexo.

Prestes a deixar o local onde vivem, um grupo de adolescentes que se intitula “os Goonies” resolve organizar uma cerimônia de despedida do local e dos próprios integrantes do grupo. Mas ao descobrir o mapa de um tesouro perdido, resolvem partir em busca do misterioso tesouro para evitar a venda e demolição das casas onde moram.

O inteligente roteiro de Chris Columbus, baseado em estória de Steven Spielberg, mistura muito bem a ação e o humor, algo que fica ainda mais evidente graças à dinâmica montagem de Michael Kahn, que imprime um ritmo ágil à narrativa, bastante apropriado para uma aventura juvenil. Além disso, o roteiro aborda temas marcantes da adolescência, como o estabelecimento de fortes laços de amizade e a descoberta da atração pelo sexo oposto. Afinal de contas, o que seriam “os goonies” senão um grupo de amigos, destes que, ainda que o tempo distancie, guardamos na memória para sempre? Já a descoberta da atração pelo sexo oposto, um momento muito importante na vida de qualquer adolescente, é ilustrada, por exemplo, quando Michael (Sean Astin) acidentalmente beija Andy (Kerri Green), que esperava pelo irmão dele (Brandon, interpretado por Josh Brolin), numa das muitas cenas bem humoradas do longa. A criatividade, marca registrada do filme, aparece logo no início da narrativa, através da forma inteligente com que um dos bandidos foge da prisão, deixando claro desde então quem serão os vilões da estória. A criatividade volta a aparecer em diversos outros momentos, como no interessante método utilizado para abrir o portão dos Walsh e, principalmente, durante toda a aventura dos adolescentes na busca pelo tesouro escondido dentro de uma casa aparentemente abandonada. Além disso, o bom humor permeia toda a narrativa, como na cômica tradução de “Bocão” (Corey Feldman) para as palavras em espanhol da empregada e na acidental quebra da estátua da Sra. Walsh. Neste sentido, também merece destaque a ligação de “Bolão” (Jeff Cohen) para a polícia, que serve como lição nada sutil para crianças mentirosas.

Richard Donner dirige “Os Goonies” com extrema segurança, criando belas seqüências em diversos momentos, como no plano aéreo em que os garotos andam de bicicleta, seguido por um pequeno travelling para a esquerda que revela o local onde a aventura se passará. Em outro momento, o diretor movimenta a câmera rapidamente para a esquerda enquanto cada “goonie” fala uma frase, formando um interessante jogral. Já durante a descida por uma espécie de toboágua, a câmera agitada nos leva pra dentro da cena, conferindo realismo e garantido a emoção. Mas o principal destaque no trabalho de Donner vai mesmo para a direção de atores, que consegue extrair uma performance coletiva de alto nível de um elenco extremamente jovem. O drama familiar da eminente perda da casa motiva os jovens a seguir na busca pelo tesouro. E se nos identificamos e compramos a idéia deles, é devido às boas e convincentes atuações. Todos os nomes do elenco merecem destaque, com atenção especial para Jeff Cohen, que interpreta o “Bolão” e é o dono das melhores cenas do longa. Josh Brolin como Brandon Walsh, Sean Astin como Michael Walsh, Corey Feldman vivendo o “Bocão”, Jonathan Ke Quan como “Data” e Kerri Green interpretando Andy completam o coeso elenco juvenil. Ainda nas atuações, o marcante e deformado Sloth é interpretado por John Matuszak e entre os vilões, o destaque fica para a engraçada Mama Fratelli, muito bem interpretada por Anne Ramsey.

Assim como outro herói de Spielberg (o arqueólogo Indiana Jones), os “goonies” cometem erros constantemente, o que aumenta a empatia do espectador e faz com que este realmente tema pelo destino dos aventureiros. Colabora com este sentimento o fato de Donner não abrir mão da utilização de ameaças reais, como o uso de armas de fogo por parte dos bandidos, o que aumenta a sensação de perigo e transforma os vilões em personagens mais realistas. Mas ainda que o perigo pareça real, o clima alegre e divertido é o que prevalece. Os figurinos coloridos de Linda DeScenna e a trilha sonora divertida e empolgante (típica de aventuras) de Dave Grusin – que conta com música de Cindy Lauper – reafirmam a cara oitentista do filme. A fotografia (Direção de Nick McLean), também bastante colorida, reforça o clima alegre do filme. Além disso, capricha na iluminação e no jogo de luz e sombra, já que boa parte do filme se passa dentro de uma caverna.

A frase de Michael “Willie, você é o primeiro goonie” ilustra muito bem o espírito aventureiro do filme, que agrada em cheio tanto as crianças como os adultos – adultos estes que já foram adolescentes um dia e viveram todas as sensações desta fase tão cheia de dúvidas e, ao mesmo tempo, tão marcante em nossas vidas. Nem mesmo os efeitos visuais que hoje soam ultrapassados devem ser levados em conta na avaliação, já que não são mais importantes que a criativa narrativa do longa. Talvez o único pecado de “Os Goonies” seja mesmo o extenso terceiro ato, que demora demais para encerrar a narrativa após a resolução do principal conflito da trama, que é a descoberta do tesouro. Não fosse este pequeno detalhe, a pérola dirigida por Richard Donner seria um filme praticamente perfeito dentro daquilo que se propõe a fazer.

Extremamente leve e divertido, “Os Goonies” conta com um roteiro criativo e a direção competente de Richard Donner para brindar o espectador com uma aventura juvenil bastante agradável. Abordando temas marcantes da adolescência durante a empolgante jornada, consegue prender a atenção do espectador, que se identifica com diversas situações vividas por aquele grupo de jovens e realmente torce pelo sucesso deles. Por isso, pode-se dizer que “Os Goonies” é uma aventura acima da média, que consegue entreter espectadores de todas as idades de maneira bastante original.

Texto publicado em 09 de Maio de 2010 por Roberto Siqueira

DE VOLTA PARA O FUTURO (1985)

(Back to the Future) 

 

 

Videoteca do Beto #33

Dirigido por Robert Zemeckis.

Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Crispin Glover, Thomas F. Wilson, Claudia Wells, Mark McClure, Wendie Jo Sperber, George DiCenzo, Lee McCain, James Tolkan e Billy Zane.

Roteiro: Robert Zemeckis e Bob Gale.

Produção: Neil Canton e Bob Gale. Produção Executiva de Steven Spielberg.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

A curiosidade comum à maioria dos filhos sobre a época em que seus pais eram jovens é o fio condutor desta produção absolutamente encantadora dirigida por Robert Zemeckis e produzida por Steven Spielberg. Como eles eram? O que faziam? Será que tinham os mesmos dilemas, dúvidas e preocupações? Como se divertiam? Todas estas respostas são apresentadas ao jovem McFly de forma maravilhosa, explorando ao máximo um roteiro incrivelmente inteligente e original. “De Volta para o Futuro” é uma obra-prima da ficção que mostrou a cara dos anos oitenta como poucas obras fizeram.

A trama do filme é criativa e eficiente. O jovem Marty McFly (Michael J. Fox) aciona acidentalmente uma máquina do tempo criada pelo seu amigo e cientista Dr. Emmett Brown (Christopher Lloyd), retornando ao ano de 1955, onde conhece seu pai, ainda jovem, e posteriormente sua mãe. O problema é que ela acaba se apaixonando por ele e, conseqüentemente, colocando em risco sua própria existência. Desta forma, Marty deverá criar uma maneira para que seus pais se encontrem e fiquem juntos, evitando alterar o curso da história e permitindo o seu próprio nascimento.

Lendo assim, da forma que está, parece complicado. Mas o roteiro perfeito escrito por Robert Zemeckis e Bob Gale faz com que tudo se torne mais simples. Sem nenhum furo, ele consegue fazer com que todas as cenas tenham importância na trama, normalmente apresentando elementos que refletem em outros instantes da narrativa. Não é raro encontrar em uma mesma cena dois ou três elementos que podem ter importância em eventos futuros (ou refletirem atitudes do passado). Note, apenas como exemplo, como o verso do papel onde Jennifer (Claudia Wells) anota seu telefone será de suma importância para que Marty consiga voltar aos anos oitenta posteriormente. Além disso, o roteiro não perde as excelentes oportunidades criadas pela viagem no tempo e oferece piadas impagáveis, como aquela em que Marty toca “Johnny B. Goode”, fazendo com que o primo de Chucky Berry ligue imediatamente pra ele, e logo em seguida, quando Marty toca guitarra com o marcante estilo roqueiro de ser e assusta a platéia, somente para dizer que “eles não estava preparados para aquilo ainda, mas os filhos deles iriam adorar”. Genial.

É claro que a competente direção de Robert Zemeckis também tem muita importância. A começar pelo travelling inicial, que nos mostra os muitos relógios do Dr. Brown (ou “Doc”) simbolizando o tempo, tão importante na narrativa, e as noticias no jornal, rádio e televisão, que servem para nos situar no ano de 1985. Além disso, é perceptível já no primeiro plano do filme a enorme criatividade do Dr. Brown, através da parafernália criada para dar comida ao seu cachorro (não por acaso chamado Einstein) e fazer café. Vale à pena observar também como ao chegar ao centro da cidade, em 1955, Zemeckis diminui Marty em um plano geral que, além de mostrar como era a cidade na época (destacando o ótimo trabalho de direção de arte de Todd Hallowell), ilustra como Marty está perdido naquele local. O diretor cria outro plano excepcional na primeira vez em que pai e filho, agora com a mesma idade, aparecem juntos, colocando-os lado a lado. Este plano é de um simbolismo imenso. Podemos comparar as gerações e até mesmo a personalidade de cada um deles, além de observar o misto de encanto e susto do garoto ao ver o pai tão jovem. Zemeckis também tem mérito na criativa forma utilizada para viajar no tempo. O uso do carro, que lembra uma nave espacial, é genial, pois permite que ele viaje junto e sirva para voltar novamente ao presente.

Outro segredo da enorme empatia que o filme cria no espectador está na química perfeita entre o jovem Marty e o cientista “Doc”. Mérito das excelentes atuações de Michael J. Fox, que esbanja jovialidade e simpatia, e Christopher Lloyd, com seu jeito maluco e exagerado que casa muito bem com o personagem (seu visual se inspirou em Einstein, que dá nome ao seu já citado cachorro). Sempre inquieto, seu olhar arregalado e sua energia refletem muito bem a ansiedade do criativo cientista, sempre em busca de novas descobertas. Já o jovem Marty é o elo perfeito entre o filme e o público. É maravilhoso acompanhar, através do olhar dele, como seus pais eram jovens normais, que tinham paixões, dilemas, dúvidas e até mesmo vícios. Sua família problemática (tio preso, pai recatado e sufocado pelo chefe, mãe alcoólatra e irmãos inúteis) colabora com nossa imediata identificação com o personagem, além é claro do inegável carisma de Fox. E aqui o filme também cria conexões com o passado, já que a forma de agir no presente apenas reflete atitudes tomadas na juventude do casal. Repare como Lorraine McFly (Lea Thompson) recorda com nostalgia a forma que conheceu George (Crispin Glover), que nem sequer presta atenção, pois está ligado no programa de televisão. O desempenho do casal, aliás, merece grande destaque. Crispin Glover oferece um ótimo desempenho como o fracassado George, deixando claro como os traumas da juventude refletiam em sua vida de adulto. Por outro lado, a excelente atuação de Lea Thompson cresce muito durante a juventude de Lorraine. Observe a forma apaixonada com que ela olha para Marty, com a fala ofegante, demonstrando ansiedade ao pedir que ele a convide para o baile. Em outro momento, seu sorriso mistura embaraço e satisfação, ao ouvir Marty falar sobre a possibilidade de um dia ela e George terem filhos. E mesmo quando representa Lorraine já adulta ela não compromete, primeiro passando uma imagem de mãe conservadora, e depois, como reflexo das mudanças no passado, se mostrando uma mãe moderna e muito mais feliz. Lorraine era uma garota como outra qualquer, impulsiva, apaixonada e romântica. Como muitos jovens, tinha vícios (fumava e bebia, o que provoca um choque em Marty), porém, como a maioria dos adultos, pedia ao filho que não tivesse. Lorraine fazia tudo que posteriormente, já como adulta e mãe, proibia os filhos de fazer. Esta atitude, que normalmente é uma forma de tentar proteger os filhos, acaba tendo um efeito contrário em muitos casos, e é interessante notar como até mesmo este tema o filme aborda de forma inteligente e divertida. Finalmente, merece destaque o excepcional desempenho de Thomas F. Wilson como o cruel Biff.

Somente para não deixar passar batido, vale a pena destacar a excepcional maquiagem, notável tanto nos jovens atores, quando estes estão interpretando os pais de Marty, como no envelhecimento de Christopher Lloyd (repare seu pescoço e suas rugas no rosto). A bela trilha sonora é mérito de Chris Hayes e Alan Silvestri. Destaca-se também a excelente montagem de Harry Keramidas e Arthur Schmidt, que mantém um ritmo perfeito para o filme, misturando momentos de ficção, humor, aventura, ação e drama, sempre na medida certa. Existem momentos de ação, aliás, que deixam o espectador grudado na cadeira, como a perseguição em que Marty foge e, acidentalmente, “inventa” o skate e a seqüência angustiante que marca sua volta para 1985 (observe a inteligente transição feita através do plano do relógio). Além disso, o final coerente com as atitudes de Marty no passado (seus pais estão muito bem na vida e Biff é empregado de George), ainda deixa em aberto a seqüência da trilogia.

Explorando com muito talento a enorme curiosidade que os filhos têm de saber como eram os pais na juventude, o filme aproveita para deixar algumas mensagens interessantes. A mais importante delas é a de que as atitudes da juventude ecoam no resto de sua vida. George, por exemplo, era um jovem sem autoconfiança e isto refletia num adulto completamente indefeso e submisso. Pequenas mudanças de atitude no passado mudariam todo o curso de sua história, como o filme mostraria mais pra frente.

Sempre fico me perguntando o que eu faria se tivesse a oportunidade de viajar no tempo. Qual seria minha escolha, a nostalgia do passado ou o mistério do futuro? Mais divertido ainda é pensar que meu primeiro filho, que hoje está na barriga da mamãe, poderia voltar no tempo e testemunhar a enorme alegria que sua chegada nos proporcionou. Viajar nesta interessante premissa é só uma das muitas possibilidades que “De Volta para o Futuro” oferece. Experimente, por exemplo, rever o filme, observando pequenos detalhes que passaram batidos na primeira vez. Será sempre uma experiência divertida e reveladora. Clássico absoluto dos anos oitenta, esta maravilhosa aventura brinda o espectador com uma das idéias mais criativas já exploradas pelo cinema. Com personagens fascinantes, estimula nossa imaginação e nos diverte de uma forma intensa, inteligente e absolutamente inesquecível.

Texto publicado em 05 de Janeiro de 2010 por Roberto Siqueira

INDIANA JONES E O TEMPLO DA PERDIÇÃO (1984)

(Indiana Jones and the Temple of Doom)

 

Videoteca do Beto #31

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Harrison Ford, Kate Capshaw, Jonathan Ke Quan, Amrish Puri, Roshan Seth, Philip Stone, Roy Chiao, David Yip, Ric Young, Chua Kah Joo, Philip Tan e Dan Aykroyd.

Roteiro: Willard Huyck e Gloria Katz, baseado em estória de George Lucas.

Produção: Robert Watts.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Segundo filme da deliciosa saga do arqueólogo, “Indiana Jones e o Templo da Perdição” infelizmente apresenta um resultado claramente inferior ao primeiro longa, se salvando somente pelo carisma do protagonista e pelas engenhosas seqüências de ação que caracterizam a série. Steven Spielberg dirige aqui um filme mais sombrio, menos realista e, conseqüentemente, menos interessante. Nada, porém, que comprometa o filme ao ponto de classificá-lo como um fracasso total. Longe disso. O grande pecado é que ele não atinge a excelente expectativa, inevitavelmente criada após o maravilhoso filme que o precedeu.

O arqueólogo Indiana Jones (Harrison Ford) escapa de Shangai, acompanhado de Willie Scott (Kate Capshaw) e do pequeno Round (Jonathan Ke Quan), mas na fuga é forçado a parar na Índia, onde encontra um povoado que lhe solicita resgatar as pedras roubadas por um feiticeiro que escraviza as crianças do local. Na busca destas pedras, ele encontrará diversos obstáculos e enfrentará poderes mágicos vindos do fanatismo de um culto obscuro que sacrifica seres humanos.

O início empolgante em Shangai, seguido pela clássica linha vermelha que acompanha o avião no mapa, além é claro do logo da Paramount se transformando no primeiro plano do filme, dão a sensação de que vamos presenciar outra maravilhosa produção, tão qualificada quanto “Os Caçadores da Arca Perdida”. Porém esta sensação se desfaz logo na primeira grande cena de ação, repleta de momentos irreais, mas que por outro lado, revela o ponto positivo de “Templo da Perdição”, o humor refinado. Os momentos bem humorados aparecem em número maior que no primeiro filme, como na cena em que Willie pergunta desesperada para Indy se ele sabe pilotar, e ele responde: “Não. Você sabe?”. Logo em seguida, quando pulam do avião num bote e conseguem pousar (?!), caindo de um penhasco (numa das seqüências absurdamente irreais) e aparentemente conseguem se salvar, Indy diz que “não foi tão ruim assim”, somente para depois despencar dentro de um rio. Em outro trecho bastante engraçado, Willie se desespera com os animais na selva, enquanto Indy joga cartas com Round e comenta com o garoto que o problema dela é a gritaria. A cena do jantar no palácio também garante boas gargalhadas.

O garoto interpretado por Jonathan Ke Quan, aliás, é extremamente divertido, com um ótimo timing cômico. Já Kate Capshaw exagera nas caretas e gritos de Willie Scott, tornando a personagem muito irritante. Por outro lado, os apuros que ela passa garantem boas risadas, o que reforça o argumento de que o humor é o destaque do longa. Felizmente, o carisma inegável de Harrison Ford garante a simpatia do espectador. Novamente muito confortável no papel do arqueólogo, seu ótimo senso de humor, suas engraçadas reações e até mesmo suas caretas (bem mais comedidas que de sua parceira, porém muito eficientes) garantem a diversão. Até mesmo porque Indiana Jones continua sendo um herói diferente, tomando decisões erradas, que comprometem sua segurança, o que é sempre divertido e garante autenticidade ao herói. Observe, por exemplo, a cena em que ele joga uma pedra em um homem que maltrata as crianças escravas, somente para chamar a atenção dele e de todos os outros presentes, já que de nada adiantaria tomar aquela atitude intempestiva. Em outro momento, após escapar de ser esmagado junto com Willie e Round, ele volta para pegar o chapéu, numa atitude que somente Indy seria capaz de tomar. Este enorme carisma do herói é o que evita a antipatia da platéia pelo filme, mesmo com o tema sombrio abordado.

Notavelmente mais sombrio, o longa afunda o herói em um mundo que explora coisas claramente repugnantes, como um ritual (uma espécie de magia negra) que sacrifica seres humanos e a escravidão de crianças. A fotografia vermelha (Direção de Douglas Slocombe) durante as cenas do ritual soa muito apropriada, numa referencia clara ao inferno. Por outro lado, a ótima trilha sonora (John Williams) característica de Indy garante alguns momentos de alegria e, especialmente na cena em que Indy finalmente coloca a mão nas pedras dentro do altar, alcança momentos poderosos. Finalmente, a espetacular seqüência nos carrinhos de trem é de uma criatividade e engenhosidade incrível, garantindo emoção e ação de alta qualidade, apesar de alguns pequenos exageros, perdoáveis neste caso. E perdoáveis justamente porque a criatividade, nesta cena, não faltou, o que não permite que o espectador se atente aos detalhes exagerados. “Templo da Perdição” apresenta ainda uma referência sensacional ao primeiro filme, quando novamente um homem habilidoso empunhando uma espada chega para atacar Indy. Ele repete a mesma cara de desdém e leva à mão para sacar a arma. O detalhe é que aqui ele não estava com ela, tornando a cena muito bem humorada.

Em resumo, o problema de “Templo da Perdição” não é necessariamente o exagero de algumas cenas de ação, também existentes no primeiro filme, mas sim a falta de criatividade do roteiro.  Se a narrativa fosse mais envolvente e criativa, as seqüências irreais passariam batidas, como acontece em “Os Caçadores da Arca Perdida”. O roteiro de Willard Huyck e Gloria Katz é extremamente fraco, sem criatividade, o que prejudica o resultado final do filme. Desta forma, a enorme quantidade de cenas irreais soa falsa e exagerada, sendo salva apenas pelo enorme carisma do personagem principal, que é realmente sensacional. Além disso, os poucos efeitos especiais que aparecem no filme soam apenas razoáveis hoje, mas na época funcionavam muito bem. Exatamente por isso que os efeitos mecânicos funcionam de maneira muito mais eficiente, pois jamais envelhecem ou perdem o realismo.

Infelizmente menos inspirado e atraente que “Caçadores da Arca Perdida”, o segundo filme do arqueólogo Indiana Jones consegue algum sucesso somente pelo enorme carisma de seu personagem principal. Apesar da boa direção de Steven Spielberg, principalmente nas engenhosas cenas de ação, o roteiro fraco e pouco criativo compromete até mesmo estas cenas, chamando à atenção para o exagero, que no primeiro longa soava até mesmo charmoso. Sombrio em demasia, “Indiana Jones e o Templo da Perdição” não consegue jamais alcançar a qualidade esperada, e exatamente por isso, decepciona. Felizmente, o herói que o inspira, assim como seus produtores, também comete erros e acertos, e exatamente por isso, a esperança de um filme melhor para a seqüência da saga renasce.

PS: Vale destacar que ainda não assisti “A Última Cruzada”, assim como não havia assistido aos dois primeiros filmes da série, o que esclarece minha última frase da crítica.

Texto publicado em 29 de Dezembro de 2009 por Roberto Siqueira

E.T. – O EXTRATERRESTRE (1982)

(E.T., The Extraterrestrial)

 

Videoteca do Beto #26

Dirigido por Steven Spielberg.

Elenco: Henry Thomas, Robert MacNaughton, Drew Barrymore, Dee Wallace-Stone, Peter Coyote, K.C. Martel, Sean Frye, C. Thomas Howell, Frank Toth, Pat Welch e Debrah Winger (E.T. – voz).

Roteiro: Melissa Mathison.

Produção: Kathleen Kennedy e Steven Spielberg.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

“ET, o extraterrestre é um filme mágico”. Esta é a melhor definição que consigo encontrar para descrever este clássico maravilhoso. A obra que marcou uma geração e comprovou o enorme talento de Spielberg de uma vez por todas é uma espetacular mistura de suspense, humor, drama e ficção que capta com competência toda a magia que o cinema pode proporcionar, deixando suas belíssimas imagens registradas na mente de cada espectador para sempre.

Um ser de outro planeta se perde na Terra e é protegido por um garoto de dez anos, filho de pais separados, que fará de tudo para evitar que ele seja transformado em cobaia. Enquanto tentam fazer contato para que o extraterrestre volte ao seu planeta, uma forte amizade surge entre os dois.

A figura encantadora do extraterrestre simboliza o amigo imaginário, tão comum na infância, ainda mais em crianças solitárias e carentes. Elliot (Henry Thomas) é uma delas. A separação recente de seus pais é motivo de forte (e óbvio) sofrimento para o garoto e seus outros dois irmãos, Michael (Robert MacNaughton) e Gertie (Drew Barrymore, ainda uma pequena garota). O competente roteiro de Melissa Mathison (que criou ainda a frase “ET, phone, home” que marcou o cinema para sempre) aborda este tema de forma muito sensível, como podemos observar na primeira discussão da família na mesa após o primeiro encontro entre o garoto e o ET (“Papai ia acreditar em mim”). A forte frase do menino provoca o choro de sua mãe (Mary, interpretada por Dee Wallace-Stone) e escancara logo no inicio do filme o problema que aquela família enfrenta. “Ele odeia o México” diz Mary em prantos, mostrando a falta que sente do marido separado (e pai ausente). Em outro momento do longa, Michael e Elliot encontram a camisa do pai e lembram de quando iam aos jogos e ao cinema com ele, reforçando o quanto aquele pai faz falta pra eles.

Sabendo da identificação que aquela situação causaria na maioria das crianças e jovens da época (os anos oitenta viveram um boom de separações de casais, inédito até então), Spielberg mantém a câmera na maior parte do tempo no campo de visão das crianças (a um metro do chão, na altura da cintura dos adultos), o que facilita ainda mais a empatia do público infantil com o filme. Observe, por exemplo, como nunca vemos o rosto dos vários homens que andam pela floresta com lanternas, assim como o das pessoas que rondam a casa de Elliot. Mas o talento de Spielberg não pára por aí. O diretor abusa de lindos planos, como na cena em que Elliot e ET fazem o primeiro contato, com a casa do lado esquerdo e o quarto do lado direito do plano sendo cobertos por uma névoa. Podemos citar também o travelling inicial, descendo das estrelas até chegar à nave espacial, mudando lentamente o tom do céu de preto pra azul, além do plano da cidade toda iluminada do alto do monte onde a nave está aterrissada. Spielberg aproveita ainda para ilustrar o valor da verdadeira amizade, mesmo que esta seja entre um humano e um não humano (neste caso um extraterrestre, que poderia também ser um animal de estimação ou um amigo imaginário). O próprio formato do ET colabora e muito para a identificação com o público. Os olhos grandes e azuis e o coração luminoso transmitem sentimentos e o aproximam demais do espectador. Além disso, quando ET imita os gestos de Elliot, os dois estão criando uma conexão que tornará a amizade ainda mais forte, num momento que lembra a cena de “Tubarão” em que pai e filho fazem a mesma coisa. Elliot e ET sentem sono, fome, se assustam, ficam embriagados e adoecem juntos, o que dá sentido à engraçada cena em que ET vê um beijo na televisão e Elliot beija sua colega na escola. O filme conta ainda com uma flor, que é um inteligente artifício utilizado para sinalizar o estado de saúde (e talvez emocional) do extraterrestre. Com tudo isto, é impossível não se identificar com a amizade entre ele e as crianças (Elliot em especial).

Finalmente, Spielberg se aproveitou também do extraordinário desempenho dos atores mirins para alcançar sucesso absoluto, dando liberdade total para que eles desempenhassem seus papéis da forma mais livre possível, resultando em atuações maravilhosas e muito realistas. Henry Thomas está muito bem como Elliot, o melhor amigo de ET. Repare sua ótima atuação quando está na cama fingindo ter febre para ficar em casa com o amigo extraterrestre. No momento em que sua mãe pega o edredom, ele pensa que o ET está ali e mostra sua aflição de forma muito convincente. Quando ela sai do quarto bagunçado pela chegada do extraterrestre, ele ergue as mãos e resmunga, demonstrando seu alívio pela saída da mãe e, ao mesmo tempo, sua irritação pela demora dela pra sair de lá. Drew Barrymore está encantadora como a pequena Gertie. Suas falas são sinceras e inocentes, como é de se esperar vindo de uma criança tão jovem. Quando o ET fala pela primeira vez, Gertie quer mostrar para sua mãe, mas ela ignora a filha e sequer nota a presença dele na cozinha. Robert MacNaughton completa o elenco mirim com competência, interpretando Michael. Entre os adultos, destaque para Dee Wallace-Stone, vivendo a sofrida mãe das crianças e para Peter Coyote, como Keys, o adulto que compreende o drama de Elliot. Todos os demais parecem não compreender a importância daquele ser fascinante na vida daquelas crianças (observe o olhar encantado dos três irmãos para o ET no quarto, em um belo plano de Spielberg). Pelo menos esta é a visão de Elliot, que acredita seriamente que “eles vão matá-lo”, aumentando a empatia com o público infantil ao mostrar a incapacidade dos adultos em compreender o universo da infância, mesmo que todos já tenham pertencido a ele um dia. A tensa seqüência em que os homens invadem a casa de Elliot para capturar ET também reflete esta intolerância.

O trabalho técnico do filme é igualmente espetacular. A começar pela excelente direção de fotografia de Allen Daviau, que destaca a cor azul em diversos momentos do longa, numa alusão ao espaço sideral, a casa do ET. Os efeitos visuais (mérito da Industrial Light & Magic) são sensacionais. Destacam-se os objetos voando em direção ao ET, as bolinhas representando os planetas girando em torno do sol e as duas cenas das bicicletas voadoras. O ritmo perfeito do longa, que equilibra suspense, humor, drama e ficção, é mérito também da excelente montagem de Carol Littleton. Os efeitos sonoros dão vida a cada movimento de ET (repare sua respiração), num trabalho absolutamente perfeito. E claro, o maior destaque vai para a sensacional trilha sonora de John Williams. Linda, encantadora, mágica e inesquecível (às vezes não existem adjetivos suficientes), conta com uma música tema poderosa e ainda pontua toda a trama com variações dela, além de utilizar outras composições magníficas.

Como não poderia deixar de ser em um filme desta qualidade, ET conta ainda com cenas absolutamente inesquecíveis. De que outra forma poderíamos descrever a belíssima seqüência em que Elliot e ET voam pela primeira vez de bicicleta, passando em frente à lua? É um casamento perfeito entre direção, efeitos visuais e trilha sonora, criando uma cena mágica. A cena da “morte” do ET e sua volta à vida é linda e extremamente tocante. Já a ação fica por conta da fuga de Michael, Elliot e ET no furgão e, posteriormente, a fuga de bicicleta com todos seus amigos. E finalmente, a segunda seqüência em que as bicicletas voam nos brinda com outro momento mágico e inesquecível. Quando vemos o close nos olhos de ET, já sabemos o que vai acontecer devido à primeira cena e a satisfação no espectador é inevitável.

É difícil conter as lágrimas com o comovente final de “E.T., O Extraterrestre”. A amizade do garoto com o extraterrestre é sincera, pura e absolutamente marcante. Este é um filme que embalou os sonhos de uma geração, e é interessante notar que não envelheceu, se tornando ainda melhor com o passar do tempo. Spielberg contou com um elenco infantil espetacular, uma equipe talentosa e com sua enorme criatividade para criar uma obra que fala para todas as idades de uma forma singular e emocionante.

Texto publicado em 15 de Dezembro de 2009 por Roberto Siqueira