EMBRIAGADO DE AMOR (2002)

(Punch-Drunk Love)

 

Filmes em Geral #41

Dirigido por Paul Thomas Anderson.

Elenco: Adam Sandler, Emily Watson, Philip Seymour Hoffman, Luis Guzmán, Mary Lynn Rajskub e Lisa Spector.

Roteiro: Paul Thomas Anderson.

Produção: Paul Thomas Anderson, Daniel Lupi e Joanne Sellar.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após dirigir os maravilhosos “Boogie Nights” e “Magnólia”, o talentoso diretor Paul Thomas Anderson decidiu escrever, dirigir e produzir este interessante “Embriagado de Amor”, uma estranha comédia romântica que se destaca pelos personagens e situações pouco convencionais. E ainda que jamais alcance o resultado formidável dos dois filmes citados, o longa consegue ao menos cumprir o seu propósito e diverte o espectador, fugindo completamente dos clichês tão comuns neste tipo de filme.

O pequeno empresário Barry Egan (Adam Sandler) passa por dificuldades financeiras, mas encontra uma falha numa promoção de uma grande companhia aérea e vê nela a chance de garantir milhas para o resto de sua vida. Único homem de uma casa onde convive com sete irmãs, ele demonstra claro desconforto na presença das mulheres, algo que fica evidente quando ele conhece Lena (Emily Watson), a misteriosa mulher por quem se apaixona. O problema é que para ficar com ela, ele terá de superar uma gangue que entrou em sua vida após uma infeliz ligação feita por ele, um homem carente e solitário.

Escrito pelo próprio Paul Thomas Anderson, o criativo roteiro de “Embriagado de Amor” aborda temas universais como a solidão e a busca pelo amor verdadeiro, além de conter frases muito interessantes, que ajudam a definir a personalidade dos personagens (“Eu não sei se existe um problema, porque não sei como as outras pessoas são”, diz Barry, logo após quebrar o vidro da sala diante de suas irmãs). Mostra ainda como a carência afetiva pode levar o ser humano a correr riscos desnecessários, como fornecer dados pessoais por telefone, simplesmente para saciar a ânsia de finalmente ter companhia, nem que seja através da voz de uma mulher contratada para este tipo de serviço. Na direção, Anderson mantém sua característica principal, utilizando elegantes movimentos de câmera, como o freqüente uso da panorâmica e dos travellings. Além disso, suas tomadas geralmente são longas, ou seja, têm poucos cortes, o que é mérito também da boa montagem de Leslie Jones e Dylan Tichenor. Seus tradicionais planos-seqüência (tão marcantes em “Boogie Nights” e “Magnólia”) também aparecem em diversos momentos, como na saída do casal do restaurante, na chegada de Barry em casa com suas irmãs à espera e no jantar romântico do casal no Havaí. Observe ainda como Anderson também utiliza o segundo plano, como num dos momentos em que Barry faz suas peculiares compras no mercado, onde podemos notar uma pessoa vestida de vermelho ao fundo e, ainda que apareça totalmente fora de foco, podemos presumir que é Lena.

Outro plano emblemático é aquele em que Barry, solitário e carente, espera ansiosamente pela ligação da moça do tele sexo. Aqueles segundos parecem horas para Barry e para o espectador, graças ao silêncio da cena, que evita utilizar a trilha sonora, refletindo a sensação de angústia e solidão do personagem. Quando finalmente o telefone toca, Barry se mostra arredio às palavras sensuais da moça, preferindo simplesmente conversar com ela, o que evidencia ainda mais sua carência afetiva, algo também notável através da pilha de diferentes jornais em sua mesa. Não que seja algo anormal ter vários jornais na mesa, mas neste caso fica evidente que o rapaz procura toda e qualquer forma de distração para amenizar sua solidão. Observe o nervosismo de Barry durante esta conversa telefônica, especialmente no momento em que ele diz que sua “namorada” está fora da cidade. No dia seguinte, quando fala com a garota novamente pela manhã, ele começa a andar pra trás, tenso com o desenrolar da conversa. Desesperado e arrependido, Barry cancela o cartão, mas seus problemas haviam apenas começado. O nervosismo e a timidez de Barry são quase palpáveis, o que demonstra a qualidade da boa atuação de Adam Sandler. Repare sua revolta incontida ao responder para Lena que sua irmã era uma mentirosa durante um jantar, dando claros indícios da veracidade da história. Sandler alterna muito bem os momentos dóceis de Barry, especialmente ao lado de Lena, e os momentos explosivos, como quando soca um objeto até se machucar ou quando destrói o banheiro de um restaurante. Único homem da casa, Barry é constantemente sufocado pela pressão de suas sete irmãs, como podemos perceber quando tenta atender um cliente em seu trabalho e é constantemente interrompido por chamadas telefônicas de irmãs diferentes. “Quantas irmãs você tem?”, pergunta o cliente após a terceira ligação. “Sete”, responde ele, provocando o desespero no cliente e o riso no espectador. Em outro momento, o close de Anderson em seu rosto, durante uma discussão com uma de suas irmãs na loja, reflete o sentimento de sufoco de Barry. Finalmente, vale destacar também que Emily Watson se sai muito bem na pela da igualmente estranha Lena. Também tímida, como podemos notar nas conversas do casal, ela se revela o par perfeito para Barry, um jovem com claras dificuldades para se relacionar.

A tristeza do personagem principal é refletida até mesmo através dos aspectos técnicos do longa, como a direção de fotografia de Robert Elswit que, apesar de utilizar bastante o branco, destaca claramente o azul, normalmente associado à tristeza, algo reforçado pelo próprio terno constantemente utilizado por Barry (mérito também dos figurinos de Mark Bridges). Por isso, quando Lena surge em sua vida, sua roupa vermelha simboliza a paixão que se aproxima, dando vida aquele ambiente pouco colorido. E até mesmo o presente deixado por ela serve para alegrar a vida de Barry, introduzindo um pouco de música em seu triste cotidiano (Lena nunca assume explicitamente que deu o piano para Barry, mas uma conversa do casal sutilmente sugere que foi ela). E já que citamos a música, repare como a trilha sonora de Jon Brion adota um tom de urgência, principalmente nas discussões do rapaz com suas irmãs, transmitindo bem a aflição do personagem. Por outro lado, nos momentos em que ele está feliz, a trilha muda completamente, adotando um tom mais leve e descontraído. Já quando Barry é perseguido por uma caminhonete, sua fuga desesperada é embalada por uma trilha repleta de sons estranhos, refletindo sua confusão mental naquele instante. Esta fuga amedrontada, aliás, servirá de contraponto para o melhor momento do longa, quando Barry, agora fortalecido pelo amor que encontrara no Havaí, reage violentamente contra seus agressores da caminhonete. A câmera girando junto com o carro atordoa o espectador, que se choca com a explosiva reação de Barry. Por outro lado, o temperamento do rapaz já havia deixado indícios de que ele poderia, a qualquer momento, ter uma reação como aquela. Esta mudança de atitude também faz com que Barry viaje em busca da empresa que lhe provocou tantos problemas, o que resulta em outra cena fabulosa, que o coloca frente a frente com o cínico Dean Trumbell (Philip Seymour Hoffman, sempre ótimo). A expressão dissimulada de Trumbell contrasta com suas fortes palavras no telefone quando este discute com Barry, revelando o quanto aquele homem era imprevisível, mas ainda assim ele não se atreve a enfrentar a fúria do rapaz.

Obviamente, os momentos bem humorados não poderiam faltar numa comédia romântica, e eles aparecem, por exemplo, quando Lena diz para Barry que quis beijá-lo, fazendo com que ele saia correndo pelo prédio para encontrá-la (e neste momento, a montagem dinâmica colabora muito para o sucesso da cena). Além disso, a própria descoberta de Barry a respeito de uma promoção revela-se uma divertida sacada do rapaz (algo que Paul Thomas Anderson retirou de uma história real, acontecida nos EUA). O romantismo fica por conta da bela cena do beijo, embalada pela linda trilha sonora, que consolida o amor verdadeiro destas duas pessoas diferentes e que, justamente por isso, são encantadoras.

Paul Thomas Anderson utiliza seu talento como diretor para narrar a surreal história do estranho Barry neste divertido “Embriagado de Amor”, que apesar de eficiente, jamais alcança o resultado magnífico das outras obras do diretor. Mas nem por isso o resultado final deve ser depreciado, pois se trata de um filme imprevisível, repleto de personagens igualmente estranhos e encantadores, que cumpre muito bem o que se propõe a fazer e diverte o espectador. E assim como os personagens, o filme também parece estranho, mas satisfaz justamente por não repetir as desgastadas fórmulas de um gênero incapaz de se renovar.

Texto publicado em 28 de Janeiro de 2011 por Roberto Siqueira

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