PACTO DE SANGUE (1944)

(Double Indemnity)

 

Filmes em Geral #74

Filmes Comentados #5 (Comentários transformados em crítica em 22 de Novembro de 2011)

Dirigido por Billy Wilder.

Elenco: Fred MacMurray, Barbara Stanwyck, Edward G. Robinson, Porter Hall, Jean Heather, Tom Powers, Byron Barr, Richard Gaines, Fortunio Bonanova, John Philliber e James Adamson.

Roteiro: Billy Wilder e Raymond Chandler, baseado em livro de James M. Cain.

Produção: Buddy G. DeSilva.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Filme essencial para entender o que é o noir, “Pacto de Sangue” destaca-se pelo envolvente roteiro e pelos fascinantes personagens que povoam o universo obscuro e predominantemente noturno criado por Billy Wilder. Surgido numa época em que o público havia perdido a “inocência” devido aos acontecimentos do período (como a guerra mundial), o filme atingia os anseios de uma platéia que esperava por filmes mais próximos da realidade, com pessoas comuns agindo de formas inesperadas.

Escrito pelo próprio Billy Wilder em conjunto com Raymond Chandler e baseado em livro de James M. Cain, “Pacto de Sangue” narra a história de Walter Neff (Fred MacMurray), um competente vendedor de seguros que é seduzido pela esposa de um cliente, a charmosa Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck), e convencido a assassinar o marido dela, tomando ainda o cuidado de fazer o crime parecer um acidente, para que ela possa receber o seguro em dobro. Mas, para isto, eles terão que enganar o chefe de Neff, o astuto Barton Keyes (Edward G. Robinson).

Ao contrário da maioria dos filmes que envolvem um assassinato, “Pacto de Sangue” já inicia revelando quem é o assassino. Isto acontece porque o foco do ótimo roteiro não está no exercício de descobrir quem cometeu o crime, mas sim em revelar como e porque ele cometeu aquele assassinato e o que ele fez para não ser descoberto – “Fiz por dinheiro e por uma mulher. Fiquei sem o dinheiro e também sem a mulher.”, diz Neff. Repleto de trechos deliciosos (“Seu homenzinho lhe tirou da cama?”, pergunta Neff. “Foi o Zelador”, responde Keyes) e sempre num ritmo acelerado, o roteiro apresenta um verdadeiro festival de diálogos marcantes, como o primeiro entre Neff e Phyllis ou o inteligente diálogo expositivo durante a caminhada até o trem, no qual apesar de Phyllis afirmar já saber todo o plano, Neff insiste em repassar cada etapa, o que permite ao espectador saber com antecedência como eles completarão o crime. Repleta de reviravoltas e surpresas, a interessante trama também nos permite acompanhar como funciona a empresa de seguros, que faz de tudo para não pagar o segurado investigando caso a caso com muito cuidado, mostrando ainda o outro lado, através das pessoas que buscam se beneficiar ilicitamente do seguro.

Este cuidadoso filtro é feito por Barton Keyes, interpretado por Edward G. Robinson e que conhece tudo sobre o ramo de seguros. Solteiro, extremamente confiante e viciado em trabalho, ele é o típico workaholic, que não larga sua profissão por nada e sente enorme prazer no que faz. Robinson está perfeito no papel, com falas rápidas que demonstram o conhecimento que Keyes tem do assunto, além de sua enorme confiança e ansiedade. O espectador é apresentado aos seus rígidos métodos de trabalho logo no início, através do caso do motorista do caminhão, que serve para aumentar a tensão quando ele começa a investigar o crime de Neff.

Mas nem mesmo o capcioso Keyes poderia imaginar que entre as pessoas que tentam burlar o sistema de seguros está Walter Neff, seu melhor corretor e profundo conhecedor do negócio. Justamente por conhecer os caminhos, Neff pensa em cada detalhe antes de executar o plano. E é sob a ótica dele que acompanhamos a trama, graças à narração que expõe seu ponto de vista durante toda a história e que é fundamental para que o espectador embarque na narrativa sob a perspectiva do criminoso. Com falas rápidas e muito cinismo, Fred MacMurray tem uma boa atuação na pele de Neff, demonstrando como o corretor vai lentamente se entregando ao plano de Phyllis até finalmente resolver ajudá-la. Repare, por exemplo, como na cena em que o Sr. Dietrichson (Tom Powers) assina o seguro sem saber, ele puxa o papel para ler enquanto fala e, cuidadosamente, Neff puxa o papel de cima de volta para encobrir o que estáem baixo. Atroca de olhares entre Neff e Phyllis neste momento chega a ser assustadora.

Os olhares entre eles, aliás, chamam bastante atenção em outros momentos também, como no primeiro contato, carregado de tensão sexual e que revela a atração mútua quase que imediatamente. O sexo, aliás, também é abordado de maneira sutil por Wilder, na cena em que ela vai pela primeira vez à casa de Neff e consegue convencê-lo a ajudá-la. Repare como ela aparece deitada nos ombros dele e, após um corte para a sala de Keyes, voltamos para a casa dele com Phyllis se maquiando num canto do sofá enquanto ele fuma um cigarro no outro canto. A cena sugere o sexo, mas não mostra nada, e é justamente neste momento que ele decide ajudá-la. Representando muito bem a mulher fatal, Barbara Stanwyck exala sensualidade, mas também se sai bem nos aspectos minimalistas de sua atuação, como quando ela mexe as mãos e evita olhar nos olhos dele ao insinuar sobre o seguro contra acidentes para o marido, demonstrando um nervosismo que denuncia sua intenção de matar o Sr. Dietrichson e receber o seguro desde aquele instante.

E como estamos falando de um film noir, os personagens não podem ser caracterizados como bons ou maus, e esta ambigüidade fica evidente especialmente em Neff e Phyllis. Repare, por exemplo, como inicialmente ele se irrita com a proposta dela (ela nunca fala diretamente, só sugere) e só depois, com a paixão crescente, é que aceita cometer o assassinato. Já Phyllis hesita na hora de cometer o crime perfeito ao descobrir que está apaixonada por Neff, mesmo com ele não acreditando nela. E o próprio Neff hesita na hora de se livrar e incriminar Zachetti (Byron Barr), deixando claro que ele não é uma pessoa ruim, apenas cometeu um erro grave, algo que fica evidente logo após a execução do crime, quando surge nervoso, trêmulo e sem saber como agir (“Coloco óculos ou não?”, se questiona). Por não ser um frio assassino, Neff evita até mesmo o contato com as pessoas, como quando não se posiciona de frente para o Sr. Jackson (Porter Hall) na sala de Keyes – em outro bom momento de MacMurray.

No aspecto visual, “Pacto de Sangue” segue a cartilha imaginaria do noir, com a fotografia obscura de John F. Seitz carregando no contraste entre o preto e o branco, sempre com claro predomínio dos pontos negros na tela, como acontece na cena do assassinato, desde a saída da casa dos Dietrichson até quando Neff e Phyllis saem de carro. Além disso, a trilha sonora de Miklós Rózsa também apresenta um tom obscuro que casa muito bem com a atmosfera do filme – e o beijo entre Neff e Phyllis dentro do carro depois da cena do crime é um exemplo da típica cena do filme noir, com o rosto dos dois encobertos pela sombra e a maior parte da tela em total escuridão.

Conduzindo todo este competente trabalho com firmeza, Wilder ainda cria planos magníficos, como na cenaem que Phyllise Keyes visitam Neff, onde podemos vê-la escondida atrás da porta, com Neff no meio do plano e Keyes em profundidade, conversando com o amigo sem ver a moça escondida. Quando ele se aproxima, a tensão aumenta e a trilha acompanha o momento com precisão. Wilder também insere elementos ao longo da narrativa que deixam a trama ainda mais interessante, como os encontros de Neff com Lola (Jean Heather), o ciúme de Phyllis e o caso dela com Zachetti. Auxiliado ainda pela montagem de Doane Harrison, Wilder conduz com perfeição a cena chave da trama, que é a simulação da morte do Sr. Dietrichson, onde a presença de um homem no fundo do trem só amplia a tensão, também reforçada pela trilha sonora. O clímax sombrio (com a mudança repentina de comportamento de Phyllis) e o encontro entre Keyes e Neff no escritório fecham o longa com perfeição.

“O cara que você procurava estava muito perto Keyes, do outro lado da sua mesa”, diz Neff. “Mais perto que isso Walter”, responde Keyes. “Também te amo Keyes”, conclui Neff. Este diálogo final mostra o quanto eles eram amigos, mas ainda assim Keyes cumpriu o seu dever e entregou Neff para a polícia. A amizade dos dois impediu que Keyes enxergasse a verdade. Com uma narrativa envolvente, personagens fascinantes e uma atmosfera única, “Pacto de Sangue” é um dos legítimos representantes do film noir que mereceram o seu lugar na galeria dos grandes filmes da sétima arte.

PS: Comentários divulgados em 21 de Setembro de 2009 e transformados em crítica em 22 de Novembro de 2011.

Texto atualizado em 22 de Novembro de 2011 por Roberto Siqueira

6 comentários sobre “PACTO DE SANGUE (1944)

  1. Janerson 11 julho, 2012 / 11:49 pm

    Olá, Roberto. Antes de mais nada, lhe parabenizo por mais essa resenha exemplar. Quanto a mim, não sei o motivo de ainda não ter vindo aqui escrever a respeito desse que considero um legítimo filme noir. Todos os ingredientes na medida certa como por exemplo, o charmoso vilão, a loura sedutora e a morte misteriosa de um personagem, motivada pelo valor de um seguro e um “quase detetive” vivido pelo inigualável Edward G. Robinson. A pitada de fermento para que a trama cresça e se torne saborosa fica a cargo do enredo numa tensão envolvente. Adicione a isso diálogos cortantes e bem bolados e voilá: temos um filme fabuloso pronto para ser servido e apreciado mesmo pelos mais exigentes.
    Grande abraço

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    • Roberto Siqueira 28 julho, 2012 / 3:44 pm

      É verdade Janerson, um filme fabuloso.
      Abraço.

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  2. Anônimo 19 dezembro, 2011 / 7:56 pm

    Acabei de assistir esse filme, o roteiro e sensacional…o clima de tensao sempre no ar…atuacoes otimas…obrigatorio pra quem gosta de um suspense inteligente.
    Esse site e nota 10, tenho acompanhado os seus comentarios e gosto muito, tem sido uma forma de eu aprender mais sobre cinema.
    abraco e parabens

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    • Roberto Siqueira 21 dezembro, 2011 / 9:54 am

      Olá Vinicius,
      Em primeiro lugar, obrigado pelos elogios, fico muito feliz.
      O filme é ótimo realmente, obrigatório mesmo.
      E parabéns pelo seu interesse em aprender mais sobre cinema! Espero sempre poder ajudar e também aprender com cada comentário aqui.
      Um grande abraço.

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