007 CONTRA O HOMEM COM A PISTOLA DE OURO (1974)

(The Man with the Golden Gun)

4 Estrelas 

Videoteca do Beto #199

Dirigido por Guy Hamilton.

Elenco: Roger Moore, Christopher Lee, Maud Adams, Britt Ekland, Richard Loo, Yiu Lam Chan, Hervé Villechaize, Lois Maxwell, Desmond Llewelyn, Clifton James, Bernard Lee, Marne Maitland  e Marc Lawrence.

Roteiro: Richard Maibaum e Tom Mankiewicz, baseado em romance de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman.

007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após tropeçar em “Com 007 Viva e Deixe Morrer”, Guy Hamilton volta a boa forma neste interessante “007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro” que, mesmo com falhas, consegue resgatar a essência dos bons filmes da série graças a mescla mais equilibrada entre as boas cenas de ação e os momentos de humor, passando também pela narrativa coesa e por personagens mais carismáticos – entre eles, o ótimo vilão interpretado por Christopher Lee.

O roteiro escrito pelos experientes Richard Maibaum e Tom Mankiewicz inspirado em romance de Ian Fleming parte de uma premissa muito interessante ao trazer o icônico James Bond (Roger Moore) recebendo uma curiosa ameaça de morte através da inscrição “007” numa bala de ouro enviada ao Serviço Secreto Britânico. Após M (Bernard Lee) sugerir que ele peça demissão ou tire férias, Bonde decide investigar o caso e acaba descobrindo a ligação entre o sequestro de um cientista que descobriu como captar energia solar e o assassino profissional que o ameaçou conhecido como Francisco Scaramanga (Christopher Lee).

Ao colocar Bond sob a mira de um perigoso assassino, “007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro” faz uma interessante inversão de papeis que torna sua narrativa mais envolvente, num verdadeiro jogo de gato e rato repleto de momentos inspirados, como quando Bond utiliza uma estranha anomalia para se passar por Scaramanga e, assim, conseguir conversar com o poderoso Hai Fat (Richard Loo). Desta forma, passamos a temer constantemente pelo destino do agente secreto, especialmente quando percebemos que Scaramanga é um vilão bem mais ameaçador do que os que estamos acostumados na série.

Explorando desta vez o lado exótico das locações em Macau e Hong Kong, Guy Hamilton e seus diretores de fotografia Ted Moore e Oswald Morris criam um primeiro ato bastante sombrio, repleto de cenas noturnas e ambientes fechados que ajudam a criar uma atmosfera mais séria, ilustrando bem a ameaça ao protagonista. Além disso, Hamilton utiliza a câmera de maneira inteligente para dar dicas essenciais ao espectador, seja na maneira quase idêntica que filma o segmento de abertura e o ato final, chamando nossa atenção para qualquer detalhe que não seja similar, seja ao realçar o navio Queen Elizabeth encalhado no porto de Hong Kong através de planos gerais e de uma narração diegética, indicando um local que seria importante para a narrativa no futuro, no qual um diálogo expositivo entre Bond e seus companheiros de Serviço Secreto basicamente explica a trama e as motivações dos personagens para a plateia.

Intercalando entre as ações de James Bond e Scaramanga, os montadores Raymond Poulton e John Shirley são responsáveis também por imprimir um ritmo dinâmico nas cenas de ação (que abordarei em instantes), assim como é importante também o design de som, ainda que este só se destaque mesmo no ato final, ao demonstrar a potencia das explosões que destroem o esconderijo de Scaramanga e o impacto delas na ilha. Compondo uma trilha sonora repleta de toques orientais, John Barry volta à franquia sem grande destaque, economizando também na utilização do tema clássico de 007, que, como de costume, surge somente em momentos pontuais.

Adotando um tom mais cômico que o de costume, Guy Hamilton consegue um balanço eficiente que mantém o espectador atento sem jamais permitir que ele relaxe, ainda que a divertida participação do xerife J. W. Pepper (Clifton James) de “Com 007 Viva e Deixe Morrer” renda boas gargalhadas. Mas estes momentos não tiram o foco principal da narrativa nem quebram a tensão gerada sempre que Scaramanga entra em cena. Mas e quanto a James Bond?

Estranha anomaliaNavio Queen ElizabethBond mais virilLogo na primeira luta em Istambul, Roger Moore já demonstra evolução no que tange aos aspectos físicos e parece muito mais convincente do que no longa anterior, o que confere uma nova dimensão para o personagem. Só que na busca por soar mais viril, o ator parece passar da conta em certos instantes, como quando ameaça o fabricante de armas Lazar (Marne Maitland) para obter informações, assim como faz com a Srta. Anders (Maud Adams, que voltaria em “007 Contra Octopussy”), chegando a agir violentamente no segundo caso, numa abordagem que foge do estereótipo de herói tradicional, mas que por outro lado nos faz questionar onde foi parar o 007 que utilizava seu charme a favor nestes momentos. Por outro lado, esta agressividade também rende bons momentos, como quando Bond acerta um chute num adversário ainda nos cumprimentos pré-luta de um torneio, quebrando a regra de maneira surpreendente e divertida.

Quem também quebra regras é o próprio longa ao trazer uma moça completamente nua numa piscina enquanto fala com Bond. Ainda que a água dificulte a visão, é a primeira vez que vemos uma mulher completamente nua na série. Aliás, é difícil dizer qual é a mais bela entre as bondgirls de “007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro”. Enquanto a Srta. Anders de Maud Adams revela uma vulnerabilidade tocante sendo facilmente descartada pelo vilão, a agente secreta Goodnight interpretada por Britt Ekland nos diverte com suas trapalhadas que, por outro lado, enfraquecem profissionalmente a personagem.

Quem nunca perde força é o vilão, um homem inteligente e cruel, capaz de matar o poderoso Hai Fat a sangue frio e, no segundo seguinte, assumir o comando de seu império. Discreto e realmente perigoso, Christopher Lee compõe Scaramanga como um homem fino que esconde suas cruéis ambições sob aquela carcaça de elegância, chegando a soar carismático em diversos momentos, especialmente nos diálogos com Bond em que demonstra sua inteligência. Observe, por exemplo, sua clareza e fluência enquanto apresenta o inventivo sistema de captação de energia solar – que, aliás, também impressiona pela criatividade das instalações concebidas pelo design de produção de Peter Murton. Na pele de um ator talentoso como Lee, James Bond encontra um antagonista à altura.

Vulnerabilidade tocanteAtrapalhada GoodnightScaramanga inteligente e cruelCom um vilão respeitável e Roger Moore claramente mais a vontade no papel de 007, Hamilton concentra esforços no desenvolvimento de cenas de ação empolgantes, como a excelente perseguição de carros que culmina na espetacular travessia de Bond de um lado para o outro do rio antes de chegar ao local onde Scaramanga fugiria em seu criativo carro voador. No entanto, o destaque fica mesmo para o duelo final que remete a cena de abertura dentro dos ambientes preparados por Scaramanga, numa rima narrativa elegante que funciona também dramaticamente justamente porque o espectador sabe exatamente os perigos que aguardam James Bond, enquanto o próprio personagem ainda terá que descobri-los. Após uma tensa perseguição, chegamos ao momento crucial em que Hamilton enquadra o suposto boneco de 007 por trás, realçando os dedos inteiros em sua mão e anunciando que aquele é o verdadeiro James Bond, numa solução eficiente que conclui muito bem o duelo ao som do tiro fatal do agente secreto que finalmente vence Scaramanga.

O ato final ainda nos traz um último instante de alta tensão enquanto Bond tenta retirar o Solex, com a montagem intercalando entre sua ação, as trapalhadas de Goodnight e a nuvem que encobre o sol momentaneamente. Já o ataque final do anão Nick Nack (Hervé Villechaize) poderia tranquilamente ser descartado, pois não agrega em nada à narrativa.

Ao contrário de Nick Nack, “007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro” agrega bastante à filmografia de James Bond, com sua narrativa envolvente e seu marcante vilão. A música tema pouco inspirada e recheada com uma deselegante conotação sexual a gente até perdoa.

007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro foto 2Texto publicado em 22 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira

COM 007 VIVA E DEIXE MORRER (1973)

(Live and Let Die)

2 Estrelas 

Videoteca do Beto #198

Dirigido por Guy Hamilton.

Elenco: Roger Moore, Yaphet Kotto, Jane Seymour, Clifton James, Julius Harris, Geoffrey Holder, David Hedison, Gloria Hendry, Bernard Lee e Lois Maxwell.

Roteiro: Tom Mankiewicz, baseado em romance de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman.

Com 007 Viva e deixe morrer[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Primeiro trabalho de Roger Moore na pele de 007, “Com 007 Viva e deixe morrer” representa uma nova queda de qualidade na série, confirmando-se também como o primeiro escorregão de Guy Hamilton na direção de um filme de James Bond após realizar o excelente “007 Contra Goldfinger” e o mediano “007 Os Diamantes são eternos”. Ressentindo-se de bons momentos de ação e da falta de carisma de alguns personagens, o longa até diverte em alguns momentos, mas está longe de corresponder a expectativa que cerca um filme de James Bond.

Escrito pelo desta vez solitário Tom Mankiewicz com base em romance de Ian Fleming, “Com 007 Viva e deixe morrer” tem início quando três agentes do governo britânico são mortos durante uma investigação, deixando o caso sob a responsabilidade de James Bond (Roger Moore). Após rastrear o tráfico de drogas da África até a Europa, Bond chega aos EUA e acaba descobrindo o envolvimento de um diplomata internacional (Yaphet Kotto).

O primeiro problema de “Com 007 Viva e deixe morrer” está na falta de inspiração do roteiro, ainda que seja criativa a maneira como os agentes são assassinados, especialmente aquela que envolve um funeral. Não que o roteiro seja o ponto forte dos filmes da franquia, mas aqui a narrativa parece atirar para todos os lados, passando por tráfico de drogas, política internacional e envolvendo até mesmo esoterismo. Além disso, é bastante incômoda a maneira como a maioria dos negros é retratada. Ainda que alguns deles ajudem Bond, como o agente da CIA e o piloto do barco, na maior parte do tempo os negros são mostrados como selvagens e criminosos, numa abordagem pateticamente racista.

Continuando o giro pelo mundo, Nova York e a ilha de San Monique são as locações da vez. Enquanto a primeira é fotografada de maneira naturalista por Ted Moore, a segunda ganha um visual extravagante que, reforçado pelas vestimentas nativas desenvolvidas pela figurinista Julie Harris, torna as sessões ocultistas ocorridas ali ainda mais impactantes, especialmente no quase todo noturno terceiro ato em que túmulos e caveiras ganham destaque. Da mesma forma, os tons em vermelho e o fogo que compõe a sala de Kananga em Nova York concebida pelo design de produção de Syd Cain criam uma atmosfera negativa que reflete bem a ameaça aos protagonistas.

Negros são mostrados como selvagens e criminososSessões ocultistasSala de KanangaComposta pela primeira vez sem a presença de John Barry desde “007 Contra o Satânico Dr. No”, a trilha sonora de George Martin segue a mesma linha ao utilizar somente pontualmente o tema clássico composto por Monty Norman, compondo ainda boas variações da música tema “Live and Let Die”, que se tornou um clássico de Paul McCartney e uma das mais famosas já utilizadas na franquia.

Mas se tecnicamente o longa segue razoavelmente o padrão da série, a grande expectativa ficava mesmo por conta do substituto de Sean Connery após sua saída definitiva. Mais debochado e menos carismático, Roger Moore demonstrava neste que seria o primeiro de seus sete trabalhos como James Bond que tinha porte para encarnar o personagem, ainda que lhe faltasse o charme natural de Connery e, principalmente, a leveza nas sequências que exigem esforço físico, o que faz as lutas corporais soarem pouco convincentes. Por outro lado, Moore se sai bem nos momentos em que Bond é irônico, mantendo uma característica tipicamente britânica e marcante do personagem com precisão, como na previsível e ainda assim eficiente brincadeira que faz com as cartas “Lovers”.

Já Yaphet Kotto divide sua atuação em dois segmentos bastante distintos. Enquanto encarna Mr. Ben, o ator surge bastante caricato, numa atuação exagerada que fica ainda pior graças à maquiagem inverossímil que, de quebra, ainda entrega de bandeja uma revelação que teoricamente deveria ser bombástica. Já na pele de Kananga o ator se sai bem melhor, compondo um personagem ameaçador somente através da forma como fala com Solitaire, a garota esotérica vivida por Jane Seymour.

Mais debochado e menos carismáticoPersonagem ameaçadorSolitaire, a garota esotéricaSorrindo de maneira sutil ao ser cortejada por Bond já na ilha, Solitaire não esconde sua atração pelo agente e se torna mais uma bondgirl, acompanhando 007 em sua aventura pela ilha. Já Rosie Carver, a primeira bondgirl negra da história que ganha vida na pele de Gloria Hendry, utiliza a famosa queda do agente por mulheres para atraí-lo à ilha, mas infelizmente a personagem é praticamente arruinada pela atuação bastante exagerada da atriz.

Não bastassem as atuações comprometedoras, “Com 007 Viva e deixe morrer” falha num ponto crucial em qualquer filme do gênero, que é a falta de inspiração e inventividade de suas cenas de ação. Repare, por exemplo, a sequência em que Bond é perseguido na ilha dirigindo um ônibus, conduzida de maneira burocrática e sem nenhum momento de grande emoção. Esta falta de cenas que prendam a atenção do espectador é determinante para o fracasso da narrativa.

Ao menos, a cena em que Kananga interroga Bond e Solitaire é tensa, assim como a sequência em que Bond consegue escapar dos enormes crocodilos (e que provavelmente inspirou o game “Pitfall”). Além delas, merece destaque a engraçada aparição do xerife valentão interpretado por Clifton James, que tenta insistentemente prender Bond e os criminosos sem ter a menor noção do que está acontecendo ali. Trata-se de um personagem estereotipado e exagerado como os outros, mas este ao menos diverte. E finalmente, a perseguição com lanchas é a melhor sequência do filme, empolgando através da montagem dinâmica de Bert Bates, Raymond Poulton e John Shirley, que alterna entre os belos planos aéreos de Guy Hamilton que nos permitem compreender a geografia local e os planos fechados que realçam a tensão dos personagens, mas sua longa duração acaba minando um pouco o impacto sobre o espectador.

Estes bons momentos, no entanto, são raros e não conseguem salvar “Com 007 Viva e deixe morrer”. E se nem mesmo o agente secreto mais famoso do mundo consegue tal feito, é melhor ouvir o conselho da música de Paul McCartney e seguir a vida, deixando o longa de estreia de Roger Moore na franquia pra lá.

Com 007 Viva e deixe morrer foto 2Texto publicado em 21 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira

007 OS DIAMANTES SÃO ETERNOS (1971)

(Diamonds Are Forever)

3 Estrelas 

Videoteca do Beto #197

Dirigido por Guy Hamilton.

Elenco: Sean Connery, Jill St. John, Charles Gray, Bruce Cabot, Putter Smith, Norman Burton, Lana Wood, Desmond Llewelyn, Bernard Lee, Bruce Glover, Lois Maxwell e Leonard Barr.

Roteiro: Tom Mankiewicz e Richard Maibaum, baseado em romance de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman.

007 Os Diamantes são eternos[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Conhecido por marcar a despedida de Sean Connery da série 007 (na verdade, ele ainda voltaria em “007 – Nunca mais outra vez”, mas esta é uma refilmagem de “007 Contra a Chantagem Atômica” e não é considerado um filme oficial da série), “007 Os Diamantes são eternos” marca também a volta de Guy Hamilton, diretor de “007 Contra Goldfinger”, o melhor filme da franquia até então. Partindo de uma premissa interessante e contando com um primeiro ato promissor, o longa caminha bem até próximo de seu ato final, quando infelizmente não consegue sustentar o ótimo ritmo imprimido até ali.

Adaptado para o cinema por Tom Mankiewicz e Richard Maibaum com base em romance de Ian Fleming, “007 Os Diamantes são eternos” tem início quando o governo britânico decide enviar James Bond (Sean Connery) atrás de um suspeito de contrabandear diamantes da África do Sul para a Europa e os EUA. Com a ajuda da intermediadora Tiffany Case (Jill St. John), ele viaja para Los Angeles e acaba descobrindo que os diamantes na verdade iriam parar nas mãos de seu grande inimigo Blofeld (Charles Gray) como parte de um plano que poderia destruir grandes cidades em todo o mundo.

Para tentar repetir o sucesso de “007 Contra Goldfinger”, Guy Hamilton resolveu convocar boa parte da equipe técnica responsável por aquele e alguns outros filmes da série. Assim, além da volta de Sean Connery e do ator Charles Gray, que havia chamado a atenção em sua rápida participação como Henderson em “Com 007 só se vive duas vezes”, voltaram também o diretor de fotografia Ted Moore, o designer de produção Ken Adam e o roteirista Richard Maibaum, agora auxiliado por Tom Mankiewicz, estreante que viria a escrever o roteiro de outros filmes da franquia.

Continuando o tour da série pelo mundo, Amsterdam e Las Vegas foram as locações escolhidas desta vez, com a primeira se destacando pelos charmosos canais captados com eficiência pela câmera de Hamilton e de seu diretor de fotografia, enquanto a segunda ganha um visual colorido reforçado pelos fortes raios solares da Califórnia, que criam um contraste com as sequências que se passam em ambientes fechados e, especialmente, com o visual sombrio do deserto californiano no assassinato do dentista que introduz os assassinos comandados por Blofeld.

Quem também voltou foi o vozeirão de Shirley Bassey, responsável pela bela música tema “Diamonds are forever”, que inspirou as variações da trilha sonora de John Barry. Utilizando o tema clássico pontualmente como de costume, Barry erra apenas na composição pouco inspirada nas cenas de ação, como na terrível trilha que embala a fuga de Bond da Willard White a bordo de um carro lunar, que por sua vez é uma cena tão absurda que chega a ser divertida, assim como ocorre na perseguição de carros à noite em que Bond despista os inimigos. Esta diversão, no entanto, deve-se muito mais à forma como Hamilton conduz a cena e, principalmente, à maneira debochada que Connery as encara do que propriamente ao roteiro.

O trabalho da dupla de roteiristas até que começa bem, construindo uma trama envolvente que aborda questões interessantes como o tráfico internacional de diamantes, mas se perde ao longo da narrativa, especialmente naquilo que é o principal num filme de 007, ou seja, a construção de cenas de ação realmente empolgantes. Por sua vez, Guy Hamilton e seus montadores Bert Bates e John W. Holmes imprimem um ritmo muito interessante nesta primeira parte do longa, que acompanha a inventiva forma de contrabando dos diamantes, mas falham por também não conseguirem melhorar o ato final, carente de momentos de maior impacto.

Assassinato do dentistaCarro lunarCharme e autoconfiançaJá na direção de atores, Hamilton se sai novamente bem, extraindo atuações carismáticas de boa parte do elenco. Em sua despedida da série, Sean Connery volta para trazer o charme e a autoconfiança que tanto caracterizam seu James Bond, pronunciando logo em sua primeira aparição a famosa frase “Bond. James Bond”, assim como acontece no primeiro filme da série – e é interessante observar a rápida menção as férias do personagem na conversa com “M” (Bernard Lee), numa elegante referência ao longa anterior que demonstra respeito pelo trabalho realizado. Novamente demonstrando indiferença diante do perigo e muita astúcia para enfrentar os problemas, Bond protagoniza ótimos momentos como a sufocante luta num elevador em Amsterdam e a tensa sequência em que é colocado num caixão que será cremado – e em ambas, acreditamos no esforço e na dor do personagem graças ao bom desempenho de Connery.

Escolhidas para viverem as bondgirls da vez, Lana Wood tem uma rápida participação como a sexy Plenty (e Bond faz uma piada impagável com o nome da moça), enquanto Jill St. John inicialmente compõe Tiffany como uma mulher sensual e esperta que não será facilmente enganada por James Bond, mas acaba perdendo força ao longo da narrativa, muito mais por culpa do roteiro do que por demérito da atriz, que encerra sua participação de maneira melancólica ao apoiar-se apenas no forte apelo sexual das roupas que é obrigada a usar no ato final (figurinos de Don Feld).

Sexy PlentyForte apelo sexualDivertido vilãoJá Charles Gray percorre o caminho inverso na pele de Blofeld. Inicialmente parecendo frágil ao ser derrotado com facilidade por Bond, o divertido vilão surpreendentemente retorna com força total durante a narrativa, protagonizando ótimos momentos até que seja novamente derrotado pelo agente secreto. E é justamente na visível queda de ritmo da segunda metade da narrativa que reside o maior escorregão de “007 Os Diamantes são eternos”, confirmada no fraco desfecho que, além de enfraquecer seu ótimo vilão, ainda está muito aquém da empolgante primeira metade do longa, dando a sensação de que tudo é resolvido de qualquer jeito e sem o mesmo cuidado demonstrando na engenhosa construção inicial da trama. Em questão de minutos, Bond descobre o paradeiro de Blofeld, invade o local e consegue impedir a destruição imaginada por ele, que pouco consegue fazer mesmo com tamanho poderio a seu favor.

Claramente dividido em duas partes distintas, “007 Os Diamantes são eternos” define muito bem a fase da franquia 007 estrelada por Sean Connery. É irregular, porém divertido.

007 Os Diamantes são eternos foto 2Texto publicado em 20 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira

007 CONTRA GOLDFINGER (1964)

(Goldfinger)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #193

Dirigido por Guy Hamilton.

Elenco: Sean Connery, Gert Fröbe, Honor Blackman, Martin Benson, Harold Sakata, Tania Mallet, Shirley Eaton, Desmond Llewelyn, Bernard Lee e Victor Brooks.

Roteiro: Richard Maibaum e Paul Dehn, baseado em romance de Ian Fleming.

Produção: Albert R. Broccoli e Harry Saltzman.

007 Contra Goldfinger[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Terceiro filme da franquia, “007 Contra Goldfinger” preserva até hoje um lugar de destaque em qualquer lista dos melhores longas estrelados pelo agente secreto britânico, o que não é pouco, considerando a quantidade de bons filmes produzidos desde então. Recheado de personagens carismáticos, balanceando momentos divertidos com outros de alta tensão e engrandecido ainda por um bom vilão, o longa dirigido por Guy Hamilton conseguiu superar seus ótimos antecessores, conquistando lugar cativo no coração dos fãs da franquia.

Novamente baseado em romance de Ian Fleming, o roteiro escrito por Richard Maibaum e Paul Dehn traz James Bond (Sean Connery) sendo incumbido de investigar um excêntrico milionário conhecido como Goldfinger (Gert Fröbe), mas o seu envolvimento com a namorada do alvo acaba colocando-o em rota de colisão com o poderoso homem. Após ser capturado e preso, Bond descobre que os planos de Goldfinger são bem mais ousados do que ele imaginava anteriormente.

Seguindo a já clássica abertura em que um tiro é disparado em direção à tela, um travelling nos apresenta a bela locação da vez e nos transporta por Miami até encontrarmos James Bond recebendo uma massagem, obviamente, acompanhado de uma linda moça. No entanto, instantes depois o criativo roteiro de “007 Contra Goldfinger” já estabelece o caminho que vai seguir, apresentando o grande vilão logo de cara e sem mistério, numa quebra da estrutura adotada antes que funciona muito bem. Assim, fica evidente que os roteiristas se equilibrarão entre momentos que respeitam o padrão pré-estabelecido e outros que buscam novidades que injetem energia à franquia.

Entre as novidades, talvez a que mais chame a atenção seja a primeira aparição do Aston Martin DB-V repleto de acessórios interessantes criados pelo genial “Q”, novamente interpretado por Desmond Llewelyn. Concebidos de maneira engenhosa pelo design de produção de Ken Adam, os aparatos tecnológicos do veículo são muito criativos e permanecem atraentes ainda hoje. O inventivo roteiro traz ainda a primeira menção ao agente 008, além da célebre frase de James Bond sobre seu gosto refinado para bebidas (“Martini batido, não mexido”).

Recheado pelo típico humor irônico britânico, “007 Contra Goldfinger” não deixa de lado o que vinha funcionando até então, como as conversas cada vez mais divertidas e sarcásticas entre Bond e a secretária Moneypenny (Lois Maxwell), mantendo-se também fiel à composição do personagem através de sua paixão irresistível pelas mulheres e de sua preferência, por exemplo, pelo champanhe Dom Perignon 53. Assim, ao mesmo tempo em que delicia as novidades, o espectador aprecia as características marcantes de James Bond, jamais tendo a sensação de estar vendo outro personagem na tela. Esta sensação é reforçada pelo uso constante da trilha sonora de John Barry, que emprega variações da excelente música tema “Goldfinger”, de Shirley Bassey, para pontuar as cenas e, assim como nos filmes anteriores, inserindo esporadicamente o tema clássico composto por Monty Norman.

Também mantendo a coerência, a fotografia de Ted Moore mantém o padrão adotado até então, apostando num visual naturalista e predominantemente diurno, ainda que algumas cenas marcantes ocorram à noite, como o assassinato de Tilly (Tania Mallet) e a dinâmica perseguição de carros que a antecede. É interessante notar também como em diversos momentos temos a presença de objetos dourados em cena, como na decoração do avião que leva Bond para os EUA, no qual também as aeromoças usam roupas com tons que remetem ao vilão do longa. Estes pequenos detalhes do design de produção realçados pela fotografia servem para fixar inconscientemente na mente do espectador o perigo que ronda constantemente o protagonista.

Aston Martin repleto de acessóriosObjetos douradosHerói de carne e ossoCada vez mais a vontade na pele de James Bond, Sean Connery encarna o sujeito com a costumeira imponência, demonstrando também sagacidade, por exemplo, ao pensar rápido após ver um inimigo se aproximando através do reflexo na retina da moça que tenta beijar (!) – e é curioso notar como exageros como este jamais soam ofensivos e se tornam até mesmos charmosos pela maneira como são conduzidos pelo diretor e interpretados pelo ator. Conferindo humanidade ao personagem ao demonstrar seu conflito interno após ver a bela Tilly passar por ele de carro, equilibrando-se entre a atitude racional (continuar perseguindo Goldfinger) e a passional (ir atrás da moça), Connery evidencia também que estamos diante de um herói de carne e osso ao demonstrar medo diante da morte iminente quando Goldfinger ameaça cortar Bond com laser, numa cena muito tensa conduzida lentamente por Guy Hamilton na qual, assim como o apreensivo agente, o espectador praticamente gruda na cadeira até a conclusão da sequência.

Entre as bondgirls, o destaque fica mesmo para Honor Blackman, que compõe a bela e independente Pussy Galore com muito charme e firmeza, demorando a render-se ao charme de Bond e, justamente por isso, conquistando o galanteador agente com seu jeito descolado e a inteligência necessária para alguém que convive naquele meio repleto de homens poderosos e, ainda por cima, pilota aviões. Comandando a própria companhia aérea que, para a alegria de Bond, é composta somente por garotas, Pussy só cede quando é pega por Bond à força, num momento que foge do politicamente correto sem soar ofensivo, exatamente pela maneira como é conduzido pelo diretor e pela forma descontraída que é interpretado por Connery e Blackman.

Já as outras duas garotas de “007 Contra Goldfinger” não tiveram tanta sorte. Vivendo a primeira das irmãs que se apaixonam por Bond e são assassinadas, Shirley Eaton mal tem tempo de mostrar algo como Jill, mas ainda assim protagoniza uma boa cena quando revela a razão das vitórias seguidas de Goldfinger nas cartas, sendo dela ainda a icônica imagem da garota nua coberta pela tinta dourada. Já sua misteriosa e determinada irmã Tilly é interpretada por Tania Mallet de maneira obstinada, justificando sua postura após revelar que busca vingar a morte de Jill. No entanto, sua triste morte não apenas surpreende o espectador, como também evidencia que desta vez James Bond se encontra diante de um vilão realmente perigoso e ameaçador.

Soando inicialmente tão inofensivo inicialmente que chega a ser patético, o Goldfinger de Gert Fröbe se transforma ao longo da narrativa e se consolida como o melhor vilão da franquia até então, representando uma ameaça real ao protagonista. Poderoso, ele domina diversos negócios espalhados pelo mundo, mantendo até mesmo a máfia sob controle, como fica evidente quando ele elimina friamente alguns gângsteres de seu caminho. O mais curioso, no entanto, é que Goldfinger jamais se parece com os vilões caricatos que parecem acordar e esfregar as mãos pensando na próxima maldade que farão, soando até mesmo simpático em diversos momentos nos inúmeros diálogos que tem com Bond, que também servem para comprovar a inteligência do personagem. Observe, por exemplo, seu sorriso de canto de boca após ser elogiado por Bond, num momento sutil e muito interessante da composição de Fröbe, que, curiosamente, teve que ser dublado na versão final devido ao forte sotaque germânico. Fechando o elenco, o capanga Oddjob vivido por Harold Sakata representa outra séria ameaça, ainda que sua atuação seja extremamente caricata e destoe bastante.

Bela e independente Pussy GaloreMisteriosa e determinada TillyMelhor vilão da franquiaApós estabelecer o perigo que 007 corre e explicar detalhadamente o plano do grande vilão, o empolgante ato final começa com os aviões de Pussy Galore despejando o gás letal no forte que contém toda a reserva de ouro dos EUA. Fazendo questão de ressaltar o rosto dos parceiros de Bond no meio das vítimas, Guy Hamilton cria um plano que será essencial logo depois, quando ao ver os corpos se levantando e descobrir que eles estavam fingindo, a plateia se questiona como aquilo era possível, tendo a deliciosa tarefa de ligar os pontos e entender como James Bond havia contornado aquela complicada situação e derrotado Goldfinger. Momentos tensos como o confronto entre o exército e os comandados por Goldfinger, o duelo entre Bond e o forte Oddjob, a bomba desativada a sete segundos da explosão e a luta final entre herói e vilão no avião concluem este excelente filme de maneira empolgante.

Contando com um roteiro criativo, o carisma de seu protagonista e um vilão realmente ameaçador, além é claro de cenas marcantes e sequências empolgantes de ação, Guy Hamilton fez deste um filme superior aos anteriores, estabelecendo um padrão que seria seguido dali em diante. Aliás, justiça seja feita: “007 Contra Goldfinger” não é somente o melhor filme da franquia até então, como também é ainda hoje um dos melhores filmes do agente em seus mais de 50 anos de existência.

007 Contra Goldfinger foto 2Texto publicado em 14 de Maio de 2014 por Roberto Siqueira