(The Doors)
Filmes em Geral #108
Dirigido por Oliver Stone.
Elenco: Val Kilmer, Meg Ryan, Kyle MacLachlan, Frank Whaley, Kevin Dillon, Kathleen Quinlan, Michael Wincott, Michael Madsen, Billy Idol, Sean Stone, Wes Studi, Kelly Hu, Mimi Rogers, Jennifer Rubin e Crispin Glover.
Roteiro: Randall Jahnson e Oliver Stone.
Produção: Bill Graham, Sasha Harari e A. Kitman Ho.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Dizem que Val Kilmer precisou de alguns meses para se recuperar psicologicamente após viver o lendário Jim Morrison neste interessante “The Doors”, biografia de um dos maiores frontman da história do rock dirigida pelo polêmico e competente Oliver Stone. Verdade ou não, o fato é que o ator se entregou de corpo e alma numa atuação de encher os olhos, que salta da tela e faz os fãs vibrarem enquanto acompanham a trajetória do ídolo sendo retratada na telona. No entanto, Stone não ousou ir além e entregou um filme que retrata Morrison apenas sob este prisma de ídolo, sem jamais se aprofundar na pessoa existente debaixo daquela capa. O resultado é um filme que agrada em cheio aos fãs de The Doors (como eu), mas que deixa a sensação de que faltou alguma coisa para aqueles que estavam interessados em conhecer um pouco mais do ícone (também como eu).
Trazendo a básica trajetória de ascensão e decadência de um astro do rock, o roteiro de Randall Jahnson e do próprio Oliver Stone narra a vida de Jim Morrison (Val Kilmer) desde a criação da lendária banda The Doors ao lado de Ray Manzarek (Kyle MacLachlan), Robby Krieger (Frank Whaley) e John Densmore (Kevin Dillon), passando pelo enorme sucesso, pelo relacionamento com Pamela Courson (Meg Ryan), pelo uso compulsivo de drogas e álcool e chegando a decadência que levaria o vocalista a morte precoce ainda aos 27 anos de idade.
O tom escolhido por Stone para levar a trajetória da banda às telonas fica evidente logo no início, quando o vocalista pergunta para a plateia se “estão todos aí”, como na abertura de um show. A partir de então, o que temos é um verdadeiro presente para os fãs que, justamente por se preocupar demais em agradá-los, acaba pecando um pouco pela falta de ousadia.
Tecnicamente, “The Doors” tem muitos acertos. A reconstituição dos anos 60, por exemplo, é excelente, graças aos carros antigos, a decoração dos bares e casas de show e as roupas e acessórios típicos da época como os óculos coloridos e as bandanas, o que é mérito do design de produção de Barbara Ling e dos figurinos de Marlene Stewart. Além disso, a câmera inquieta do diretor passeia pelas festas e apresentações com destreza, ilustrando a euforia das pessoas naqueles ambientes. Aliás, o grande mérito da direção de Stone é justamente captar o espírito livre da época e a energia dos shows da banda com incrível precisão, o que é ótimo para sugar o espectador pra dentro da narrativa.
Para isto, o diretor conta também com a ágil montagem de David Brenner e Joe Hutshing, que reflete a personalidade agitada do vocalista, mas peca pelo excesso ao prolongar demais a narrativa em certos momentos, tornando o filme um pouco arrastado e cansativo por alguns instantes. Ainda assim, os montadores merecem elogios por criarem transições elegantes como aquela em que saímos do olho do índio que atormenta Morrison para vê-lo cantando The End ao vivo em Los Angeles. E por falar nos shows, vale citar também o ótimo design de som, que cria a atmosfera perfeita nos permitindo ouvir com clareza os gritos da plateia, as conversas entre a banda e cada instrumento que é tocado no palco.
Como era de se esperar, a trilha sonora obviamente é deliciosa, recheada de clássicos da banda que nos fazem vibrar na poltrona durante a projeção. E não podemos negar que é muito empolgante acompanhar o processo de criação de clássicos eternos do rock como Light my Fire, assim como é muito interessante a maneira como Stone usa a câmera para nos colocar dentro das viagens de ácido deles, como na sequência do deserto, na qual sentimos as mesmas sensações alucinógenas dos integrantes do The Doors. O banquete para os fãs se complementa com as confusões no palco, as prisões por relatar um ataque da polícia e por insinuar mostrar a genitália em um show, as brigas de Morrison com Pam e com a banda e o uso abusivo de drogas e álcool. Neste sentido, não temos do que reclamar, está tudo lá. Até mesmo a origem do nome da banda é explicada, para o deleite dos fãs.
Esta abordagem respeitosa ao ícone se confirma através do visual do longa. Observe como a fotografia de Robert Richardson abusa de tons dourados que destacam cores como amarelo e laranja, realçando a imagem icônica do personagem – algo ainda mais intenso quando Stone emprega planos em ângulo baixo e contra a luz que buscam engrandecê-lo na tela, criando esta aura de ídolo tão desejada pelo diretor. Em outros momentos, Richardson abusa dos tons em vermelho, realçando a aura pecaminosa que normalmente é associada ao rock, especialmente quando acompanhamos os abusos do vocalista. Mas esta abordagem excessivamente respeitosa é também prejudicial (voltaremos a ela em instantes).
Entretanto, o grande destaque do longa é mesmo a atuação visceral de Val Kilmer. Caracterizado com enorme competência, o ator lembra bastante o verdadeiro Jim Morrison em vários momentos através do cabelo, das calças apertadas e de acessórios como os óculos pequenos e arredondados. Mas a força de sua atuação está mais na atitude do que na aparência, já que Kilmer encarna Morrison com muita intensidade, mostrando força no palco (o que é essencial, já que é justamente sua performance hipnótica no palco chama a atenção de uma gravadora e dá início ao sucesso avassalador da banda) e um comportamento excêntrico fora dele, causado pelo excesso de uso de drogas e álcool.
Ousado e criativo, Jim Morrison é uma verdadeira força da natureza, capaz de escrever a mais bela poesia e de estragar um almoço entre amigos com a mesma facilidade, num comportamento imprevisível que Kilmer demonstra muito bem em momentos interessantes como uma entrevista para a imprensa britânica, que evidencia a dualidade de sua mente genial e conturbada. Traumatizado por lembranças da infância que inspiraram a criação da canção Riders on the Storm, Morrison precisa se sentir admirado, como fica evidente nas noites de sexo com Patricia e Pam, mas a origem de seu trauma jamais fica muito clara, o que nos permite interpretar que aqueles índios eram apenas um símbolo dos demônios internos dele.
Vivendo ao seu lado, a carismática Meg Ryan compõe uma Pam alegre e espirituosa, mas que nem por isso deixa de ter suas crises provocadas pelos excessos da vida do casal – que, aliás, são responsáveis pelas brigas homéricas entre eles. Também obrigados a aguentar os excessos de seu frontman, os outros integrantes da banda são interpretados de maneira discreta por MacLachlan, Whaley e Dillon, enquanto Kathleen Quinlan se encarrega de dar vida à jornalista Patricia Kennealy, que rouba a atenção de Morrison por um período, e Michael Madsen diverte-se na pele do amigo do vocalista Tom Baker. Mas o fato é que todos empalidecem diante da presença marcante de Kilmer. Finalmente, vale citar a participação rápida do diretor Oliver Sonte como o professor de cinema da UCLA.
Astro decadente e incapaz de enxergar isto, Jim Morrison para um show para ofender o público, cria o caos ao incitar a plateia contra a polícia e quase é preso novamente, mas ao começar um dos grandes hits da banda, a velha energia está lá, intacta, como acontece com as grandes bandas da história do rock – e Stone capta isto com precisão com sua câmera agitada que nos coloca no meio da multidão que pula ensandecida acompanhando Morrison pelo local. Neste terceiro ato, aliás, é impressionante notar também a transformação física de Val Kilmer, que passa do astro jovem e magro do início para o barrigudo e decadente vocalista do ato final.
Artista de alto nível, Jim Morrison foi um verdadeiro gênio, um dos grandes nomes da história da música, assim como o “The Doors” foi uma das bandas mais respeitáveis do rock, com sua discografia repleta de canções excepcionais. Mas isto todos nós já sabemos. A pergunta que fica ao final de “The Doors” é: e o homem? Quem foi verdadeiramente Jim Morrison? Quais eram seus anseios, suas angústias, suas dúvidas? As respostas que temos após mais de duas horas de projeção são muito poucas, o que deixa a sensação de que o longa foi dirigido por um fã, que não ousou desconstruir o mito e investigar a fundo o lado falho e humano do quase intocável ídolo do rock.
Mesmo assim, sua energia e a sensacional atuação de Val Kilmer são suficientes para agradar. Mas poderíamos ter recebido algo mais. E esta é uma sensação que nós jamais temos ao ouvir as músicas da banda e que, certamente, as pessoas jamais sentiam ao comparecer aos shows deles. Morrison e seus companheiros entregavam tudo no palco. Infelizmente, Stone não fez o mesmo.
Texto publicado em 10 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira
Oi, Roberto. Realmente, percebe-se que faltou algo no filme. Infelizmente, muitas restrições forma impostas a Oliver Stone, como não ter tido acesso a toda obra literária de Jim Morrison (grande intelectual e poeta), porque os pais de Pamela Courson, que haviam herdado os poemas e escritos, negaram qualquer permissão para usá-los no filme, até o pai de Jim, não queria que o filme fosse feito. Stone, declarou que a maior parte do roteiro foi baseado em entrevistas com pessoas próximas a Jim. Certamente, se ele tivesse as infomações importantes e necessárias, o filme teria sido muito melhor,mesmo assim, eu amo esse filme,o Val Kilmer foi perfeito.
Um abraço fraternal,
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Olá, Roberto. Pelo visto temos algo em comum além de gostarmos de bons filmes: curtimos The Doors. Bem, quanto ao filme eu achei o início bastante promissor. Com passagens rápidas, fiéis à história da banda e muito legais como o passeio entre Pam e Jim pela praia ao anoitecer, os ensaios daquela que seria a música mais tocada da banda, a montagem feita entre o uso de peiote no deserto, passando pela rápida imagem de Morrison morto na banheira até a interpretação avassaladora de The End e a apresentação no programa de Ed Sullivan. A partir daí parece que a coisa toda perde um pouco o seu impacto e começam as dúvidas. Onde exatamente começa o declínio de Jim Morrison? O que faz com que o genial intérprete se transforme num alcoólatra deprimido e decadente (enterros são divertidos?)? Por que ocorreu o primeiro rompimento entre Pam e Jim? O que motivou o lado rebelde de Morrison aflorar acima de sua inteligência? No livro “Rock, do sonho ao pesadelo” algumas dúvidas são explicadas, enquanto que no filme as respostas ficam no imaginário e nas entrelinhas.
Mas entre altos e baixos, o filme é eficiente. Possui um visual fantástico, uma trilha sonora belíssima, uma interpretação incrível de Val Kilmer e uma ambientação perfeita dos loucos anos 1960.
Enfim, um filme feito para os verdadeiros fãs da banda que conhecem sua história, mas que deixa algumas perguntas no ar para o espectador que nunca leu nada a respeito de Doors e Morrison.
Grande abraço.
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Olá Janerson,
Muito obrigado pelo comentário repleto de conhecimento. Engrandeceu muito o debate!
Abraço.
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