(Dial M For Murder)
Filmes em Geral #57
Dirigido por Alfred Hitchcock.
Elenco: Ray Milland, Grace Kelly, Robert Cummings, John Williams, Anthony Dawson, Patrick Allen, Leo Britt, George Leigh e Robin Hughes.
Roteiro: Frederick Knott, baseado em peça de Frederick Knott.
Produção: Alfred Hitchcock.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Alfred Hitchcock sabia como poucos extrair suspense de maneira simples e eficiente, seja através de uma festa (“Festim Diabólico”), seja através de uma noite num hotel de beira de estrada (“Psicose”) ou, simplesmente, através das observações de um homem parado numa cadeira de rodas (“Janela Indiscreta”). Mais impressionante ainda era sua habilidade de criar momentos tensos através de objetos do cotidiano, como a xícara de café em “Interlúdio” e, no caso deste ótimo “Disque M para Matar”, um aparelho telefônico. Com a costumeira simplicidade narrativa e um bom elenco nas mãos, o mestre nos brindou com outro longa marcante, repleto de suspense e reviravoltas.
O ex-tenista profissional Tony Wendice (Ray Milland) decide matar sua esposa Margot (Grace Kelly), numa tentativa de herdar seu dinheiro e evitar que ela se separe, após descobrir seu caso extraconjugal com o escritor Mark Halliday (Robert Cummings), que, ironicamente, está visitando o casal. Para isto, ele chantageia um colega dos tempos de faculdade, que deveria assassiná-la em troca de uma boa quantia de libras. Só que o plano não sai conforme o planejado e Tony se vê obrigado a contornar a situação, sem jamais perder de vista sua real intenção de tirar a esposa de seu caminho.
“Disque M para Matar” é uma adaptação para o cinema da peça de Frederick Knott, que é também o responsável pelo excelente roteiro, apresentando, além de diálogos marcantes e muito bem elaborados, desconcertantes reviravoltas durante a narrativa. Rodado na maior parte do tempo em um único cenário, o filme jamais se torna cansativo, graças à boa montagem de Rudi Fehr e aos deliciosos diálogos do roteiro, que ficam ainda mais atraentes devido à boa atuação do elenco comandado por Hitchcock. Aliás, o diretor tem grande parcela de responsabilidade pelo ritmo empolgante do longa, graças à firme condução da narrativa, que não perde tempo e busca apresentar logo em sua introdução os conflitos entre os personagens, deixando o espectador ciente dos problemas entre Tony e Margot e do caso dela com Mark. Em poucos minutos, já sabemos do caso extraconjugal, das cartas de amor interceptadas e do sumiço da bolsa numa estação de trem. Nesta mesma cena, o vestido vermelho de Margot faz alusão ao futuro violento que a aguardava (além de destacar a personagem) e a luxuosa casa em que eles vivem nos mostra a boa situação financeira do casal, revelando o bom trabalho de direção de arte de Edward Carrere. Ou seja, numa única cena, Hitchcock nos apresenta elementos vitais para o andamento da trama e que terão reflexo futuro na narrativa.
Um exemplo claro da qualidade dos diálogos de “Disque M para Matar” é a longa conversa entre Tony e Swan (Anthony Dawson), que, num primeiro momento, serve para nos apresentar aquele novo personagem e seu passado, e, em seguida, nos mostrar o poder de persuasão de Tony, que convence o colega a matar sua esposa através da chantagem de maneira convincente. Inteligente, Tony já havia estudado por muito tempo a vida de Swan e sabia que ele não teria como recusar a proposta. A cena se desenrola com incrível naturalidade, graças também a excelente atuação de Milland e Dawson, que se movimentam e falam como se estivessem num verdadeiro jogo de xadrez, onde cada palavra pode significar uma vantagem para o “oponente”. Nesta cena, vale destacar ainda como a câmera acompanha os movimentos de Tony enquanto ele simula como o assassinato acontecerá, preparando o espectador para aquele momento marcante. Após o diálogo, Swan finalmente pega o dinheiro – e a trilha sombria de Dimitri Tiomkin surge para reforçar que ele aceitou a proposta.
Em outro momento, Hitchcock enquadra Margot, Mark e Tony, que se despede da esposa enquanto coloca a chave disfarçadamente embaixo do tapete. Mark observa tudo, mas não percebe o que está acontecendo. Na despedida, Margot estranha o beijo do marido, como se pressentisse o que estava acontecendo – e Grace Kelly demonstra isto com precisão através de sua feição preocupada. Momentos antes, a conversa sobre o crime perfeito ajuda a criar a atmosfera ideal para o momento da execução do plano, além de ter reflexo na última cena, quando Tony recorda uma frase de Mark. E então, conforme o planejado, os homens vão para a festa e ela fica sozinha, a mercê do cruel destino arquitetado por seu marido. A trilha ainda mais sombria indica a tragédia enquanto Swan se aproxima da casa dos Wendice e até mesmo a fotografia de Robert Burks, que até então apresentava tons mais claros, carrega nas sombras e cria um visual bastante obscuro, que aumenta a aflição e colabora com a atmosfera de suspense. Como de costume, Hitchcock trabalha sua grande cena em cada detalhe, a começar pela diferença de horário entre os relógios de Swan e Tony, percebida antes pelo espectador e só depois pelos personagens. São estes pequenos detalhes que podem atrapalhar todo o planejamento da dupla e que servem para aumentar ainda mais a tensão. Além do relógio, Tony se depara com um homem no telefone, justamente na hora em que ele vai ligar para a esposa. E então, o telefone toca e seu toque parece disparar o coração do espectador. Hitchcock sabia extrair tensão de coisas simples e, neste caso, um objeto comum como o telefone parece capaz de hipnotizar a platéia e deixá-la em frangalhos. Quando ela finalmente atende, não sabemos onde se encontra Swan, que é revelado através de um belo movimento de câmera, girando em todo o cenário até nos mostrar o assassino no local combinado, bem atrás de Margot. Mas ele não consegue estrangular a pobre vítima (e seu olhar hesitante, segundos antes de atacá-la, indica que Swan não era um assassino frio e cruel como Tony esperava) e, após lutar por sua vida, Margot consegue pegar uma tesoura e atingi-lo, matando-o imediatamente. “Disque M para Matar” sofre então uma grande reviravolta. O que Tony faria agora? É justamente a meticulosa e orquestrada ação dele que acompanharemos, durante a tensa investigação que, sem ter uma única cena de ação (além de se passar praticamente num único cenário), consegue deixar o espectador grudado na cadeira o tempo todo.
Além desta grande cena, “Disque M para Matar” apresenta ainda pequenos momentos de pura tensão, como quando Margot procura algo na bolsa e diz “Estou procurando minha… aspirina”. O espectador pensa, por poucos segundos, que ela descobriria que sua chave não estava lá. Repare ainda a lenta condução da cena em que Tony aguarda a chegada da polícia ao mesmo tempo em que “prepara” a cena do crime, buscando incriminar a esposa. Mais uma vez, o mestre do suspense prolonga ao máximo os momentos tensos. Esta aí o segredo do sucesso da narrativa.
Durante a investigação do astuto Inspetor Hubbard (John Williams), Tony faz o jogo correto, não deixando clara sua real intenção de incriminar a esposa – e Ray Milland se sai bem neste aspecto, demonstrando segurança em suas palavras. Repare como sempre que pode, ele procura se mostrar solícito e preocupado em defender Margot, quando, na verdade, sabemos que ele quer mesmo é condená-la. Hitchcock faz com que o espectador saiba mais que muitos personagens em cena, criando, como ele mesmo afirmava, o verdadeiro clima suspense. Enquanto isto, Grace Kelly faz muito bem o papel da esposa indefesa e, com seu jeito dócil e carismático, conquista o espectador, algo essencial para que o público se envolva com a história e torça por seu sucesso. Observe o seu desespero com as insinuações da polícia de que ela teria premeditado o crime e, especialmente, seu rosto de decepção quando finalmente se dá conta de que Tony havia planejado tudo. Pelo menos, para alivio do espectador, ela se salva, graças também ao bom trabalho do Inspetor Hubbard, interpretado com competência por John Williams, que jamais deixa transparecer para os outros personagens suas intenções em cada visita ao local. Repare que em diversos momentos ele espera que um personagem saia de cena para, em seguida, investigar algo suspeito sobre aquela pessoa na casa, como quando compara as chaves no momento em que Tony entra no quarto. Já Robert Cummings dá vida ao seu Mark Halliday justamente por mostrar força na luta por salvar Margot, mostrando-se indignado com a passividade de Tony após a condenação.
Condenada a morte, Margot pouco poderia fazer em sua defesa. Mas a insistência de Mark e, principalmente, o faro do Inspetor trabalham a favor dela, mesmo com o comportamento meticuloso de seu marido, que faz tudo certo, mas se esquece de um pequeno detalhe. A cena final é conduzida novamente com muita habilidade por Hitchcock, que nos coloca do lado de dentro da casa e nos faz, assim como os personagens, torcer fervorosamente para que Tony abra a porta e, quando isto acontece, nada mais precisa ser dito. Ele já sabe que foi pego. Como previsto, um pequeno detalhe é, literalmente, a chave para a solução do caso, levando o Inspetor a soltar Margot e prender Tony.
Com muita criatividade, um bom elenco e um roteiro maravilhoso, Alfred Hitchcock fez de “Disque M para Matar” mais um dos grandes filmes de sua gloriosa carreira. É realmente impressionante a qualidade de sua filmografia e, acima de tudo, a simplicidade com que ele fazia o seu trabalho. Seus filmes parecem fáceis, mas, na realidade, esta facilidade com que somos envolvidos pela narrativa é fruto de seu árduo trabalho e de sua genialidade.
Excelente esse filme… Completo, com roteiro, direção e atuações excepcionais… Suspense como o grande mestre sempre soube fazer. E, para quem não sabe, Hitchcock sempre aparece em seus filmes, de maneira sutil, imperceptível, como na cena onde o marido (Ray Milland) mostra a foto para o pretenso assassino de sua esposa, e o mestre aparece sentado em primeiro plano.Muito mais denso que Festim Diabólico, também de Hitchcock.
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Incrível este filme… Completo, com roteiro, direção e atuações excepcionais… Suspense, mistério e reviravoltas nos moldes Agatha Christie, muito melhor que Festim Diabólico (já vi que, pelas notas, você não concorda comigo) e muito mais inteligente. Aqui o suspense funciona em diversas cenas e com muito mais intensidade do que no outro filme. Fiquei tenso desde quando o plano se inicia, com a saída para a festa, até o final do filme. Queria ter assistido a peça que deu origem. E penso que um remake do filme poderia ser feito, talvez contado em forma de flashbacks… Seria demais!
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Olá Thi,
Se eu prefiro “Festim” é mais pela técnica, mas também adoro “Disque M para Matar”. Hitchcock não é chamado de mestre do suspense à toa. Sobre um remake, saiba que já existe, se chama “Um Crime Perfeito”, com Michael Douglas.
Abraço.
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