O SHOW DE TRUMAN – O SHOW DA VIDA (1998)

(The Truman Show)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #187

Dirigido por Peter Weir.

Elenco: Jim Carrey, Laura Linney, Noah Emmerich, Ed Harris, Paul Giamatti, Natascha McElhone, Holland Taylor, Brian Delate, Harry Shearer, Blair Slater, Peter Krause e Philip Baker Hall.

Roteiro: Andrew Niccol.

Produção: Edward S. Feldman, Andrew Niccol, Scott Rudin e Adam Schroeder.

O Show de Truman - O Show da Vida[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Mundialmente reconhecido por seu talento como comediante, Jim Carrey encontrou em “O Show de Truman” uma das suas primeiras oportunidades de demonstrar que também poderia ser um bom ator em papéis dramáticos – ainda que, neste caso, seus engraçados trejeitos marquem presença constante, o que não ocorreria com a mesma frequência, por exemplo, no subestimado “O Mundo de Andy” e no excepcional “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças”. Felizmente, Carrey aproveitou muito bem a chance, favorecido também por um roteiro extremamente criativo e pela direção dotada de grande sensibilidade de Peter Weir, num conjunto coeso que faz deste um dos grandes filmes daquele ano.

Escrito por Andrew Niccol, “O Show de Truman” nos apresenta a Truman Burbank (Jim Carrey), um homem comum que vive tranquilamente numa pequena cidade dos Estados Unidos, trabalhando como corretor de seguros e passando o restante do dia na companhia de sua esposa Meryl (Laura Linney) e de seu amigo Marlon (Noah Emmerich). O que ele não sabe, no entanto, é que sua vida é transmitida ao vivo para todo o planeta, 24 horas por dia, desde quando ele ainda era um bebê se desenvolvendo dentro da barriga de sua mãe. Idealizado pelo visionário Christof (Ed Harris), o programa se tornou um sucesso sem precedentes na história da televisão, mas as reflexões de Truman e seu desejo de conhecer outros lugares podem colocar tudo a perder.

Extremamente bem estruturado e inteligente, o roteiro de Niccol faz uma crítica frontal aos reality shows, que ainda engatinhavam na época do lançamento do filme e viriam a se tornar febre nos anos seguintes. Nem por isso, a narrativa se torna pesada, já que a abordagem leve adotada por Peter Weir praticamente transforma “O Show de Truman” numa fábula, o que é correto, já que dificilmente o programa faria tanto sucesso mundialmente se não funcionasse como uma espécie de terapia para um público que quer esquecer-se dos problemas em frente da televisão. Além da leveza, a narrativa tem também um ritmo empolgante, graças à montagem eficiente de William Anderson e Lee Smith, que inicialmente foca no cotidiano do protagonista até que, lentamente, nos apresente aos bastidores por trás daquele grande show.

Apostando em ângulos inusitados e posicionamentos de câmera que emulam o programa de televisão e suas microcâmeras escondidas, Peter Weir é bem sucedido na tarefa de estabelecer uma atmosfera leve sem que, por isso, perca o teor crítico da narrativa. Além disso, o diretor consegue extrair ótimas atuações de seu elenco, começando pelas grandes estrelas como Jim Carrey e Ed Harris e chegando aos papéis secundários como os de Noah Emmerich como o amigo Marlon e Natascha McElhone como Sylvia, a charmosa namoradinha do protagonista que é expulsa do programa, destacando-se também pelo ótimo controle da misè-en-scene, notável na precisa coordenação da movimentação dos figurantes em diversos instantes, como quando eles tentam impedir que Truman identifique seu pai (Brian Delate).

Ângulos inusitadosCharmosa namoradinhaEles tentam impedir que Truman identifique seu paiSempre sorridentes e vestidos com as roupas engomadas escolhidas pela figurinista Marilyn Matthews, os moradores locais ajudam a criar a imagem da “vida perfeita”, reforçada pelas belas casas e edifícios da cidade concebida pelo design de produção de Dennis Gassner, que mais se parece com os luxuosos condomínios que vemos em revistas. Além disso, os dias lindos e ensolarados se tornam ainda mais brilhantes nas mãos do diretor de fotografia Peter Biziou, que realça as cores das cenas diurnas e também se destaca nas noites banhadas pela lua artificial, reforçando a atmosfera fabulesca pretendida pelo diretor. E até mesmo a delicada trilha sonora de Burkhard Dallwitz trabalha neste sentido, pontuando cenas belíssimas como o encontro escondido de Truman e Sylvia na praia.

Roupas engomadasBelas casas e edifícios da cidadeNoites banhadas pela lua artificialA pureza de Truman, aliás, chega a ser tocante. Encarnando o papel com seriedade e talento, Jim Carrey aproveita sua oportunidade de ouro na carreira, compondo um personagem ingênuo, simultaneamente divertido e trágico, o que o distancia bastante dos personagens cômicos que ele havia vivido até então. Em sua envolvente busca pela verdade, Truman oscila entre o rapaz afugentado pela maneira como foi moldado naquele contexto e homem que deseja conhecer o mundo, buscando força para enfrentar seus medos – como o pavor da água provocado pelo trauma da perda do pai.

Neste confinamento, “O Show de Truman” tangencia temas polêmicos de maneira sutil, traçando um paralelo com políticas governamentais que desencorajam as pessoas que desejam sair de seus países para conhecer o mundo, em alguns casos com propagandas das belezas locais ou, como acontece aqui de maneira propositalmente exagerada, através do engraçado cartaz em que um raio parte um avião ao meio numa agência de turismo e que traz a frase: “Pode acontecer com você”.

Apresentada como Lauren até revelar seu verdadeiro nome durante o curto e quase adolescente romance que vive com Truman, a Sylvia de McElhone não aceita a manipulação do programa e tenta contar a verdade para o protagonista, sendo retirada sumariamente da produção comandada por Christof. É ela também quem escancara o debate central de “O Show de Truman”, numa discussão em rede nacional com Christof durante uma entrevista, logo após a esclarecedora sequência em que somos apresentados à história de Truman.

Ingênuo, simultaneamente divertido e trágicoPode acontecer com vocêEmoção de ChristofExalando sua costumeira autoridade, Ed Harris domina o ambiente sempre que entra em cena, compondo um personagem claramente centralizador que se coloca no papel de Deus daquele microuniverso, decidindo os destinos dos personagens, o clima e até mesmo quando começa e termina o dia – e, obviamente, o nome do personagem faz clara alusão ao nome de Cristo. No entanto, o ator foge da abordagem unidimensional ao nos fazer acreditar que Christof realmente pensa estar agindo corretamente. Durante uma conversa entre Marlon e Truman na ponte, por exemplo, acompanhamos pela primeira vez o diretor ditando as palavras no ponto para que Marlon as repita, revelando parte do mecanismo do programa para o espectador. Em seguida, Harris demonstra muito bem a emoção de Christof enquanto conduz a cena do reencontro de Truman com o pai, num momento excepcional que diz muito sobre o personagem. Ele ama aquilo acima de tudo.

Peça fundamental na engrenagem imaginada por Christof, a Meryl vivida por Laura Linney de maneira propositalmente falsa e forçada parece estar vivendo num comercial (e às vezes está mesmo!), falando com um sorriso largo no rosto e soando totalmente alheia aos conflitos internos de Truman. Ainda que penda para o overacting e torne Meryl detestável, Liney tem uma atuação coerente com a proposta da personagem, demonstrando humanidade somente quando não aguenta o tranco e quebra, gritando assustada ao ser ameaçada por Truman (“Façam alguma coisa!”, “Não é profissional!”). Enquanto isso, Noah Emmerich tem boa atuação, compondo um Marlon sereno, centrado e que funciona como o ponto de equilíbrio que mantém o “amigo” sob controle.

E por falar em controle, voltamos a Peter Weir, que conduz a narrativa com enorme segurança e precisão, sendo hábil também na construção de momentos marcantes, como aquele em que Truman começa a perceber o que acontece ao seu redor. O bom humor também encontra seu espaço, como nas engraçadas reações do público ao programa que nos faz refletir quanto ao nosso próprio comportamento diante da telinha. Somos assim? Já a sequência da fuga de Truman traz um componente de tensão que engrandece ainda mais a narrativa, com o diretor colocando o espectador na mesma posição dos personagens enquanto tentamos saber o que teria acontecido com o astro do show.

Ao descobrir seu paradeiro, a tensão também é notável no rosto do diretor de televisão vivido por Paul Giamatti e de todos aqueles presentes na sala quando Christof ordena que aumente a tempestade, saindo do controle e arriscando a vida de Truman de maneira cega, como se tivesse o direito de decidir como e quando ele deve morrer. O plano que destaca os raios solares entre as nuvens e a voz distorcida de Christof no diálogo final escancara a crítica ao dono do programa que se coloca na posição de Deus daquele universo. Ele sentia-se dono de Truman e de tudo ao seu redor.

Sorriso largo no rostoFuga de TrumanDeus daquele universoO final inteligente, com um dos vigias noturnos perguntando “onde está o Guia de TV” após o fim do programa, reforça a crítica ao espectador moderno, à maneira como a televisão trabalha na caça a audiência e também à própria mídia, que se mantém em busca da atenção do espectador, ainda que pra isto tenha que passar por cima da moral e da ética.

Antevendo os caminhos que a televisão caminharia na eterna busca pela audiência, “O Show de Truman” é uma pequena fábula sobre uma sociedade que valoriza mais a vida de uma pessoa na televisão do que aquelas que estão ao seu redor. Qualquer semelhança com os tempos em que reality shows dominam a grade de programação das principais emissoras não é mera coincidência.

O Show de Truman - O Show da Vida foto 2Texto publicado em 16 de Março de 2014 por Roberto Siqueira

Um comentário sobre “O SHOW DE TRUMAN – O SHOW DA VIDA (1998)

  1. Estella 4 setembro, 2017 / 12:57 am

    Buenas

    Estuve leyendo tu redacción y hay cuantiosas cosas que
    no conocía que me has aclarado, esta maravilloso..
    te quería corresponder el tiempo que dedicaste, con unas infinitas
    gracias, por aconsejar a personas como yo jejeje.

    Saludos

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