THE RUNAWAYS – GAROTAS DO ROCK (2010)

(The Runaways)

3 Estrelas 

Filmes em Geral #117

Dirigido por Floria Sigismondi.

Elenco: Kristen Stewart, Dakota Fanning, Michael Shannon, Scout Taylor-Compton, Alia Shawkat, Johnny Lewis, Riley Keough, Tatum O’Neal e Brett Cullen.

Roteiro: Floria Sigismondi, baseado no livro “Neon Angel: The Cherie Currie Story“, de Cherie Currie.

Produção: Art Linson, John Linson e William Pohlad.

The Runaways - Garotas do Rock[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Primeira banda de rock da história a ser formada somente por mulheres, “The Runaways” fez um sucesso surpreendente durante pouco mais de três anos na década de 70, terminando repentinamente graças aos desentendimentos entre as integrantes da banda e o empresário delas. No entanto, sua importância histórica jamais poderá ser apagada, e é justamente isto que o longa dirigido pela diretora estreante Floria Sigismondi tenta reforçar, obtendo sucesso apenas parcialmente.

Escrito pela própria Sigismondi com base no livro da vocalista Cherie Currie intitulado “Neon Angel: The Cherie Currie Story“, “The Runaways – Garotas do Rock” apresenta a trajetória da banda desde a sua formação, quando o empresário Kim Fowley (Michael Shannon) é contatado pela guitarrista Joan Jett (Kristen Stewart) e acaba contratando Cherie Currie (Dakota Fanning) para assumir o vocal da banda. Após os ensaios, o grupo sai em turnê e acaba alcançando um sucesso meteórico, que seria lentamente minado graças aos problemas internos do grupo e do empresário.

Ainda no primeiro ato de “The Runaways”, o professor de violão da jovem Joan diz que “mulheres não tocam guitarras elétricas”, escancarando o preconceito que imperava na época e anunciando o quão difícil era a missão daquelas jovens num mundo tão machista como o do rock. No entanto, a dificuldade representa também uma oportunidade, algo que o empresário Fowley enxerga rapidamente, já que até então inexistiam bandas de rock formadas exclusivamente por mulheres. A sequência que acompanha a formação da banda, aliás, é bem interessante, com Fowley procurando a vocalista numa balada e, posteriormente, ensinando Cherie a cantar da maneira que ele entendia ser a correta para ganhar a atenção do público masculino.

Empregando uma câmera inquieta na maior parte do tempo que busca refletir o estado de espírito das garotas, a diretora consegue imprimir um ritmo ágil à narrativa, graças também ao bom trabalho do montador Richard Chew, que com cortes rápidos consegue conferir dinamismo as apresentações da banda, além de se destacar em sequências que prezam pela economia narrativa, como na assinatura do contrato em que as reportagens que saltam na tela dão a exata noção do sucesso do grupo de maneira rápida e eficiente, ainda que soe clichê. No entanto, o roteiro erra ao focar exclusivamente no desenvolvimento da banda, deixando de lado aspectos pessoais que poderiam dar mais densidade às personagens. Assim, a família de Cherie é a única que conhecemos, o que evidencia a estratégia de forçar nossa empatia com a vocalista (afinal, o livro que inspira o roteiro é dela).

Realçando o lado rebelde de Cherie através do quarto repleto de pôsteres de David Bowie, o design de produção de Eugenio Caballero acerta também ao recriar as vestimentas extravagantes da banda com precisão, como no show no Japão em que a vocalista surge com uma roupa provocante, além é claro das estilosas jaquetas e camisetas de Joan. Além delas, os cabelos coloridos, os rostos pintados, as bebidas, os cigarros e as drogas (que aparecem rapidamente, mas o suficiente para conferir credibilidade ao projeto, já que sabemos que elas existiam em profusão naquele ambiente) evidenciam o tempo todo que aquelas meninas eram realmente selvagens, algo praticamente impensável na época. E finalmente, o apertado trailer em que elas ensaiam surge carregado por tons dourados no teto, simbolizando o futuro glorioso que o grupo tinha pela frente.

Ensinando Cherie a cantarQuarto repleto de pôsteres de David BowieVestimentas extravagantesNo entanto, a fotografia de Benoît Debie explora bastante o lado obscuro dos locais que elas frequentam como bares e night clubs, ilustrando a aura underground da banda. Por outro lado, quando Joan e Cherie se beijam pela primeira vez, a fotografia realça tons avermelhados para simbolizar a natureza “pecaminosa” associada ao ato (ou, simplesmente, a paixão existente entre elas), exatamente como acontece na eletrizante performance no Japão, que também assume a aura pecaminosa normalmente associada ao rock. E já que mencionei o show, a trilha sonora de Lillian Berlin é bastante agitada e coerente com o espírito do longa, sendo composta na maior parte do tempo por músicas de bandas lideradas por mulheres.

E as mulheres são mesmo a força central de “The Runaways”. Enfrentando o público desde quando vence um concurso ao imitar David Bowie, Cherie parece ser a garota ideal para assumir a banda idealizada por Fowley, ainda que fisicamente ela não tenha tanta presença (ela tinha apenas 15 anos, afinal). Inicialmente frágil e pouco expressiva, Dakota Fanning ilustra a transformação de Cherie com precisão, tornando-se a garota explosiva que agita o palco no Japão de maneira gradual e convincente. Quem também convence é Kristen Stewart, que se sai muito bem ao encarnar a durona Joan Jett, chamando a atenção sempre que surge em cena e rivalizando diretamente com Cherie pelo protagonismo da banda com sua voz firme e sua postura corporal agressiva. Além disso, ela e Dakota criam uma boa empatia.

Por sua vez, Michael Shannon se diverte ao compor o excêntrico Kim Fowley de maneira bastante exagerada, o que poderia soar caricato, mas acaba funcionando graças à forma como ele dá vida às ótimas cenas em que treina as garotas para enfrentar o mundo no apertado trailer. Tratando-as com agressividade, ele não consegue notar que Cherie jamais se conecta completamente aquele mundo, dividindo-se entre a vida na estrada e a preocupação com a família. É ele também quem tenta transformá-la numa mega estrela, provocando confrontos frequentes entre a vocalista e a guitarrista Lita, interpretada por Scout Taylor-Compton, que pouco pode fazer com o papel que tem em mãos, surgindo quase sempre agressiva e demonstrando um ciúme doentio de Cherie – na verdade, Lita não cedeu os direitos para adaptar sua história, o que permitiu que Cherie e Joan, desafetas da guitarrista e sempre presentes na produção, criassem uma versão em que ela fosse a grande pivô da separação do grupo.

Joan e Cherie se beijamDurona Joan JettExcêntrico Kim FowleySó que nem mesmo os conflitos internos impedem que elas se empolguem ao chegar ao Japão e ver todas aquelas fãs correndo desesperadamente atrás delas, num raro momento que dá a noção da importância da banda. Mas a previsível discussão por causa das fotos sensuais de Cherie dá início ao conflito que levará ao fim das “Runaways”. Nem mesmo o sol da Califórnia que tanto brilhava durantes os ensaios do grupo surge com tanta força no ato final melancólico, que narra a decadência da banda após o sucesso meteórico. Após o fim das Runaways, Joan escancara que era quem mais se importava com tudo aquilo (“Esta é minha vida”) e, não à toa, se recupera do baque e consegue criar a própria banda, sendo responsável pelo hit eterno “I Love Rock n’ Roll”.

Inspirado na história real do sucesso meteórico da primeira banda completamente feminina da história do rock, “The Runaways” tem o mérito de apresentar o grupo para as novas gerações. Ainda assim, a sensação que temos quase o tempo inteiro é a de que falta alguma coisa. Conhecemos a trajetória da banda, as transições dos ensaios para o sucesso e do sucesso para a decadência estão lá, mas, quando o filme termina, sabemos pouco a respeito de suas integrantes. Tudo bem que o sucesso delas foi meteórico, mas o longa não precisava ser tão meteórico assim.

The Runaways - Garotas do Rock foto 2Texto publicado em 20 de Setembro de 2013 por Roberto Siqueira

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