ROCKY V (1990)

(Rocky V)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #221

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Sage Stallone, Burgess Meredith, Tommy Morrison, Richard Gant, Tony Burton, Jimmy Gambina, Delia Sheppard, Paul Micale, Stu Nahan e Michael Buffer.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky V[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Cinco anos depois de beijar a lona artisticamente com o fraco “Rocky IV”, Stallone tentava reerguer seu personagem e dar-lhe uma despedida digna – na época ele não imaginava retornar de maneira triunfal 16 anos mais tarde. Assim, “Rocky V” se caracteriza pela saída de cena do famoso pugilista da Filadélfia, que passa a focar os esforços no treinamento de um substituto. O resultado é um filme honesto, ainda que distante dos melhores momentos da franquia.

Apesar de novamente assumir o roteiro, Stallone desta vez aposta no retorno de John G. Avildsen à direção, o que se mostra uma decisão acertada especialmente pelos diversos momentos que buscam homenagear “Rocky, um Lutador”, construindo uma atmosfera nostálgica que certamente encontra eco nos sentimentos dos fãs. Basicamente, aqui vemos Rocky (Stallone, óbvio) impedido de voltar a lutar por conta de uma lesão permanente. Após ser enganado por seu contador, ele se vê obrigado a voltar para o bairro em que vivia e decide ajudar a impulsionar a carreira do jovem Tommy (Tommy Morrison), porém tudo muda com a chegada de um empresário (Richard Gant) que oferece muito dinheiro para assumir a carreira do promissor lutador.

Seguindo boa parte da estrutura narrativa clássica da franquia (o início relembra o filme anterior, temos uma luta no final, etc.), “Rocky V” aposta também na volta do tom melancólico ao trazer o protagonista enfrentando problemas de saúde e financeiros, retornando a uma vida difícil e, principalmente, constatando a passagem do tempo e a decadência de lugares importantes pra ele como a abandonada academia de Mickey. Assim, enquanto a direção de fotografia de Steven Poster ajuda a criar esta atmosfera através da escolha de cores escuras e ambientes sombrios, John G. Avildsen aproveita para também inserir a mencionada nostalgia, resgatando diversos elementos do primeiro filme que estabelecem uma conexão imediata com o espectador mais saudosista, como quando Rocky coloca seu chapéu preto e os óculos em Adrian.

Volta para o bairro em que viviaAbandonada academia de MickeyNostalgia

Confirmando esta estratégia, a trilha sonora de Bill Conti também relembra “Rocky, um Lutador” ao trazer a música “Tack it back”, os lentos acordes da clássica música tema que embalam suas lembranças do início de carreira, entre outros momentos. Por outro lado, em “Rocky V” não temos a famosa sequência do treinamento acompanhada pela empolgante trilha sonora presente nos outros filmes da franquia. Aliás, a trilha sonora surge apenas pontualmente, contrariando a presença tão marcante anteriormente. Talvez o excesso de clipes em “Rocky IV” tenha motivado a escolha de uma trilha sonora econômica em “Rocky V”.

Mais relaxado e a vontade na pele de seu personagem que no filme anterior, Stallone demonstra bem o peso da idade nas expressões de dor que o acompanham, tornando Rocky ainda mais falível e humano. Além disso, seu relacionamento cheio de carinho com o filho (Sage Stallone, que segura bem o papel) reforça seu carisma, especialmente ao constatar sua alegria por reviver etapas da vida através do garoto, em momentos simplesmente lindos. Até mesmo quando está nervoso Rocky não perde a humanidade e o bom coração, como fica claro em seus primeiros diálogos com Tommy. Nem mesmo a mídia e sua voracidade por notícias polêmicas conseguem tirá-lo do sério. No entanto, a possibilidade de reviver a adrenalina do boxe e de poder fazer o papel de Mickey empolgam Rocky, que se vê naquele jovem boxeador – ou ao menos tenta ver na luta daquele rapaz a sua luta para encontrar um lugar ao sol. Por isso, a decepção é ainda maior quando Tommy o deixa para trás para seguir o caminho mais fácil.

Infelizmente, este ponto de virada do roteiro é extremamente previsível. Imaginamos muito antes que Tommy largará Rocky e cederá ao assédio do ganancioso empresário vivido por Richard Gant através de sinais nada sutis como o conflito familiar que sua chegada provoca – e, principalmente, por causa da atuação de Tommy Morrison. Ao contrário do que poderíamos imaginar, Rocky passa a ignorar o próprio filho e a esposa (Talia Shire, em sua despedida da série) e a centrar sua vida somente em Tommy, numa atitude que ele certamente não teria e que destoa do personagem humano que conhecíamos até então. Some a isto a revolta natural do filho, a aproximação sorrateira do empresário e a evidente ambição do jovem lutador e temos a receita pronta para a mudança do personagem.

Relacionamento cheio de carinho com o filhoJovem boxeadorGanancioso empresário

Igualmente previsível é o confronto entre eles, que obviamente surge no ato final, mas ao menos resgata a energia que faltou no confronto com Drago em “Rocky IV”, trazendo ainda um ar de novidade justamente por acontecer nas ruas, de maneira quase primitiva. Mantendo a câmera agitada e próxima do rosto dos personagens, Avildsen consegue criar a atmosfera desejada sem nos fazer perder a noção geográfica do que vemos na tela, o que é muito importante. O confronto é cru, repleto de sentimentos reprimidos que são jogados pra fora e, por isso, funciona. O esperado desfecho com a vitória de Rocky e sua reconciliação com a família apenas confirmam a ideia de encerrar sua carreira no cinema de maneira simples, porém digna.

Ainda que não seja um excelente filme, “Rocky V” resgata alguns aspectos importantes ao voltar a focar no desenvolvimento dos personagens e ao trazer a atmosfera melancólica e a faceta humana tão presentes nos melhores momentos da franquia. Determinado a encerrar a carreira de seu protagonista no cinema, “Rocky V” tem um final com cara de despedida, relembrando momentos de todos os filmes anteriores – afinal, Stallone não imaginava naquele momento que Rocky voltaria 16 anos depois com o ótimo “Rocky Balboa”. Ainda bem que ele desistiu da ideia.

Rocky V foto 2Texto publicado em 19 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY IV (1985)

(Rocky IV)

2 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #220

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Dolph Lundgren, Brigitte Nielsen, Tony Burton, Michael Pataki, James Brown, Sylvia Meals e Stu Nahan.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky IV[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Rever “Rocky IV” foi uma experiência quase tão traumática quanto seria enfrentar o pugilista da Filadélfia num ringue. Ainda com a memória afetiva de um longa que marcou minha geração, vi lentamente os mitos sendo desconstruídos um a um numa narrativa mal formulada e repleta de ideologia distorcida, que foge totalmente do que tinha de melhor na franquia até ali. No entanto, é preciso contextualizar o longa para melhor compreender as razões que levaram Stallone a adotar aquela abordagem. Não que isto sirva para salvar o filme do fracasso, pois não serve, mas ao menos para entender o que levou uma franquia tão sólida a sofrer um escorregão tão marcante.

Como de costume, Stallone escreveu o roteiro e assumiu a direção do projeto. Só que, ao contrário da abordagem que investia no desenvolvimento dos personagens, aqui ele decide trazer o campeão mundial dos pesos-pesados Rocky Balboa (o próprio Stallone, claro) treinando o ex-campeão Apollo Creed (Carl Weathers) para uma luta de exibição contra o soviético Ivan Drago (Dolph Lundgren), na qual uma tragédia desencadeará uma nova luta que promoverá não apenas a vingança pessoal de Rocky, como também de toda a “América” (como eles gostam de se intitular).

Evidente já na premissa do longa, a influência do cenário político faz-se presente em diversos momentos repletos de estereótipos da época da guerra fria que predominavam produções hollywoodianas. Antes da tradicional abertura que relembra o filme anterior, as primeiras imagens de “Rocky IV” já trazem duas luvas com as bandeiras dos EUA e da URSS embaladas pelo sucesso “Eye of the tiger”, dando de cara o tom político e ideológico que destruirá as intenções do longa. Como de costume, Stallone investe na construção do relacionamento familiar na primeira metade da narrativa, o que mantém parte das características marcantes da franquia, mas infelizmente esta abordagem é abandonada sempre que o adversário russo e sua equipe entram em cena, transformando “Rocky IV” num confronto muito mais ideológico do que qualquer outra coisa.

Infelizmente, ao decidir desenvolver temas políticos, Stallone acaba deixando de lado o interessante desenvolvimento dos personagens notável nos longas anteriores e responsável por tornar a franquia Rocky tão especial. Frases como “isso é nós contra eles” deixam clara a visão política deturpada de Stallone, reforçada pela entrada no ringue de Apollo diante de Drago que mais parece uma propaganda política do “american way of life”, com o nacionalismo exacerbado praticamente saltando da tela.

Felizmente, nem tudo está perdido. A empatia entre Rocky e Apollo está novamente presente, o que é essencial para ampliar o impacto da tragédia que ocorrerá. Por outro lado, são tantos os sinais de que Apollo morrerá que parte deste impacto é perdido, como na conversa entre Rocky, Adrian (Talia Shire), Apollo e Paulie (Burt Young) num almoço de família em que Adrian já se mostrava preocupada com as condições físicas de Apollo, que afirma: “Sem guerra é melhor o guerreiro estar morto”, escancarando de vez o que viria a acontecer. Por tudo isso, a morte de Apollo é bem previsível, mas ainda assim sentimos o impacto da cena, muito mais pelo carisma do personagem do que pela construção dramática da narrativa em si.

Luvas com as bandeiras dos EUA e da URSSEntrada no ringueEmpatia entre Rocky e Apollo

Cada vez mais confiante e diferente da garota tímida de “Rocky, um Lutador”, Adrian pela primeira vez diz que Rocky não poderá vencer uma luta, demonstrando sua crescente insatisfação com o risco que ele corre sempre que sobe ao ringue, mas o atrito é resolvido e ela se reconcilia com ele antes da luta final. Estes conflitos tão humanos e estas preocupações tão comuns aos casais é que tornam Rocky e Adrian tão próximos do espectador. Não é o que ocorre do outro lado. Tratados de maneira diametralmente oposta pelo roteiro, Drago e sua esposa Ludmilla (Brigitte Nielsen) soam totalmente unidimensionais, exatamente como muitos dos vilões dos anos 80.

Treinando muitas vezes sob uma luz vermelha que faz uma pouco sutil alusão ao regime soviético e que serve também para criar uma aura que demoniza o adversário, Drago surge quase como uma máquina criada pelos “terríveis” soviéticos para destruir tudo que surgir pela frente. Em sua apresentação, ele não fala uma palavra sequer. Posteriormente, apenas algumas poucas palavras, sempre com intenção de intimidar quem está ao redor. Na realidade, Dolph Lundgren praticamente não atua, ganhando destaque apenas quando surge no ringue para demonstrar sua força, o que teoricamente deveria intimidar Rocky, mas não o faz. Stallone, por sua vez, tem menos tempo para desenvolver o lado humano de Rocky, surgindo mais como um garoto propaganda de academias em diversos clipes que acompanham seus treinamentos.

Clipes que, a partir de certo instante, nos dão a sensação de estarmos assistindo a um musical. Num momento relembramos a amizade de Rocky com Apollo, em outro acompanhamos Rocky e Drago treinando com tantos closes de músculos que mais parece um exercício narcisista de um já mega astro Stallone; e assim seguimos por longos minutos durante boa parte do segundo ato. Ao menos, estes clipes nos trazem belas imagens da gélida Rússia, captadas com precisão pelo diretor de fotografia Bill Butler. A esperada luta final surge também em forma de clipe após alguns minutos de bom combate, o que tira boa parte da adrenalina do confronto entre dois homens tão poderosos fisicamente e torna esta a luta menos enérgica de toda a franquia – o que é curioso ao olhar em retrospectiva, já que Drago notabilizou-se, especialmente para minha geração, como o principal adversário de Rocky.

Rocky e AdrianTreinando sob uma luz vermelhaBelas imagens da gélida Rússia

Para piorar, Stallone decide finalizar o longa com um discurso patético que envolve política de maneira totalmente distorcida e tenta, de maneira desesperada, nos fazer acreditar que o público soviético concordaria com aquilo. Se olharmos para os adversários de seu outro grande personagem na carreira a partir de “Rambo II” e até mesmo o “poderoso” inimigo em “Os Mercenários”, teremos a confirmação de que a visão política de Stallone é realmente bastante distorcida e irrelevante.

Enfim, influenciado pelo ambiente político de sua época, “Rocky IV” investe em algo novo de maneira desajeitada e acaba perdendo as melhores características da série. Uma pena. 

Rocky IV foto 2Texto publicado em 18 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY III – O DESAFIO SUPREMO (1982)

(Rocky III)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #219

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Tony Burton, Mr. T, Hulk Hogan, Ian Fried, Bob Minor, Frank Stallone e Stu Nahan.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky III - O Desafio Supremo[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Novamente após um intervalo de 3 anos após o lançamento do filme anterior, Stallone voltava as telonas com o terceiro filme da franquia “Rocky”, algo completamente esperado após o sucesso dos longas anteriores. Desta vez abandonando um pouco o tom intimista e sombrio que cercava aquele universo recheado de personagens interessantes, ele decide apostar numa abordagem mais leve e direta, com toda a cara da época em que foi criada. Assim, “Rocky III – O Desafio Supremo” surge com todos os excessos oitentistas, o que tira parte do peso dramático característico do personagem, ao menos até que uma tragédia resgate o tom melancólico.

Mais uma vez assumindo roteiro e direção, Stallone nos apresenta em “Rocky III” a evolução da carreira do agora astro Rocky Balboa, até que ele finalmente volte a ser derrotado, desta vez por um lutador promissor chamado Clubber Lang (Mr. T), que aproveita muito bem a chance de bater o campeão quando este surge abalado pelo estado de saúde de seu treinador – que, infelizmente, faleceria após a luta. Transtornado, Rocky aceita a proposta do ex-adversário Apollo Creed (Carl Weathers), que deseja treiná-lo para uma revanche com Lang em troca de um favor.

Como de costume, Stallone inicia o filme recordando o final do anterior, o que além de refrescar a memória dos espectadores (lembremos que 3 anos separavam um longa do outro), também resgata o espírito de superação que caracteriza a série, reforçado pelo clipe que surge em seguida e resume as inúmeras vitórias de Rocky ao som da empolgante “Eye of the tiger”, do Survivor, que se tornaria uma referência automática às lutas de boxe a partir dali. Desta vez abrindo mais espaço para Paulie, como fica evidente logo no início quando ele demonstra suas angústias e frustrações na infantil discussão com Rocky num estacionamento, o roteiro não investe tanto no desenvolvimento dos personagens como este início faz parecer, adotando uma abordagem bem humorada em boa parte do tempo, exemplificada perfeitamente na participação do então astro de luta livre Hulk Hogan como o canastrão Thunderlips, numa luta arranjada tão caricatural que chega a ser divertida.

Igualmente espalhafatoso é o Clubber Lang interpretado por Mr. T, que tenta chamar a atenção com sua postura agressiva e polêmica, algo muito característico também no mundo do boxe. Enquanto Rocky havia se transformado num astro que agora finalmente conseguia estrelar propagandas e cujo os treinamentos mais pareciam fazer parte do show business, Clubber Lang pega pesado para entrar na melhor forma possível, especialmente após derrotar Rocky no primeiro confronto e aceitar a revanche.

No entanto, a primeira luta é que reserva o momento de maior peso dramático do longa, indicado algumas vezes antes de se consumar através da resistência de Mickey (Burgess Meredith, novamente bem no papel) em abandonar a aposentadoria e treinar Rocky uma última vez, das dores que ele sente e de alguns diálogos e até mesmo movimentos de câmera. Observe, por exemplo, como a câmera lentamente nos aproxima de Rocky e Mickey quando ele convence o treinador a largar a aposentadoria e treiná-lo em mais uma luta através de um lento zoom, simbolizando a reaproximação de ambos, e compare com o movimento inverso que diminui ambos no fim do treinamento que antecede a luta, indicando sutilmente a nova separação de ambos e a tragédia que viria a acontecer. É como se Rocky tivesse uma última oportunidade de se aproximar do amigo e treinador antes da despedida.

Astro de luta livreEspalhafatoso Clubber LangFim do treinamento

Agora com a carreira engrenada, Rocky equilibra muito bem a profissão e a vida pessoal, reservando momentos para cuidar do filho que se tornam singelos e ajudam na solidificação do personagem, reforçando seu carisma junto ao público. Só que sua postura demasiadamente confiante quando se trata do boxe denota que o sucesso talvez tenha lhe subido a cabeça, mesmo que por um curto período de tempo. Assim, quando ele finalmente volta a ser derrotado, o choque de realidade se concretiza e traz um conflito pessoal firmado na desconfiança. Repare que, diferente da estrutura narrativa dos dois primeiros filmes, aqui temos uma luta antes de uma hora de projeção, o que alimenta o desejo dos fãs de ver Rocky mais tempo no ringue, mas a comovente morte de Mickey transforma a atmosfera do filme – e Stallone transmite a dor do personagem com tanta paixão que nos faz sofrer ainda mais.

A fotografia de Bill Butler então muda radicalmente e traz à tona o visual sombrio, notável quando Apollo surge para convencer Rocky a voltar a lutar e ser treinado por ele. Só que, devastado psicologicamente, Rocky não consegue render nos primeiros treinamentos, mesmo com todo o apoio do amigo Apollo. Adotando uma postura mais tranquila, Carl Weathers confere mais humanidade ao personagem e sua empatia com Stallone é essencial para o sucesso do longa. A amizade dos dois, aliás, é um dos pontos altos do filme. Quem também mostra enorme evolução é Adrian, agora uma mulher muito mais confiante e segura, capaz de falar com autoridade no marcante diálogo na praia em que questiona Rocky e todo seu sofrimento e o faz encontrar forças para voltar a treinar com a mesma determinação de antes, nos levando a já tradicional sequência de treinamento embalada pela clássica “Gonna fly now”, mas que agora não surge tão inspirada e empolgante como as anteriores, talvez por conta do ambiente diferente e do ritmo empregado pelos montadores Mark Warner e Don Zimmerman.

Cuida do filhoApollo convence Rocky a voltar a lutarMarcante diálogo na praia

Ainda que consiga transmitir emoção ao nos colocar dentro do ringue com a câmera se movimentando bastante sem nos deixar confusos e o design de som dando maior realismo ao que vemos na tela através do som dos golpes e das reações do público e dos narradores, a luta final segue a mesma fórmula das anteriores e demonstrava um certo desgaste. Ciente disto, o roteiro nos reserva um momento intimista, simpático e extremamente importante para nos aproximar ainda mais de Rocky e Apollo ao trazê-los divertindo-se numa revanche privada, escondida do grande público. Ali, eles deixam o panteão dos campeões e se tornam duas pessoas normais, com dúvidas, anseios, angústias e vontades, tirando a limpo de forma descontraída algo que por algum tempo os incomodou. O filme acerta ainda ao encerrar antes do primeiro golpe, deixando a dúvida sobre quem venceria aquele duelo privado, já que, no fim das contas, o resultado pouco importa. Já sabemos o mais importante sobre aqueles dois grandes homens.

Apesar de ter bons momentos e de manter algumas características importantes da série, “Rocky III – O Desafio Supremo” demonstrava os primeiros sinais de desgaste da fórmula que consagrou o lutador. Felizmente, assim como seu personagem, Stallone sabia como se reinventar e não seguiria este caminho por muito tempo.

Rocky III - O Desafio Supremo foto 2Texto publicado em 17 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY II – A REVANCHE (1979)

(Rocky II)

4 Estrelas

 

Videoteca do Beto #218

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Tony Burton, Joe Spinell, Sylvia Meals, Frank McRae, Leonard Gaines, John Pleshette, Allan Warnick, Stuart K. Robinson, Paul Micale, Fran Ryan, Taurean Blacque, Stu Nahan, Taaffe O’Connell, Paul McCrane e Frank Stallone.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky II – A Revanche[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após o enorme sucesso de público e crítica que tirou Sylvester Stallone do ostracismo, a continuação de “Rocky, um lutador” era ansiosamente aguardada e não apenas em Hollywood. Foram necessários 3 anos para que a espera terminasse e, felizmente, o resultado seria novamente satisfatório. Apostando mais uma vez no desenvolvimento de seu carismático personagem e do universo em que ele vive, o longa deixa a aguardada revanche em segundo plano, provando que Stallone não estava somente preocupado com os milhões de dólares que certamente viriam das bilheterias. Para ele, aquele personagem era mais do que uma fonte de renda, era também um reflexo nas telas da luta que ele próprio enfrentou para chegar ali.

Novamente escrito pelo próprio Stallone, que agora acumula também a direção, “Rocky II – A Revanche” começa relembrando os momentos finais de seu antecessor, resgatando imediatamente o espírito do longa e ambientando novamente o espectador naquele universo. No entanto, desta vez Rocky (Stallone) surge determinado a desfrutar de uma nova vida ao lado de sua esposa Adrian (Talia Shire), buscando um emprego que o mantenha distante dos ringues. Só que a dura realidade do mercado de trabalho tornaria as coisas mais difíceis e levaria o lutador a repensar sobre a proposta do campeão mundial Apollo Creed (Carl Weathers), que deseja uma revanche para provar que não venceu Rocky por sorte.

De maneira inteligente e até mesmo corajosa, Stallone descontrói aquele que era o motor do sucesso do filme anterior, desmistificando o tal sonho americano em que um desconhecido (o underdog) consegue conquistar seu lugar ao sol quando a oportunidade surge, mostrando que a realidade não era bem essa para a maioria das pessoas (algo que, de alguma forma, já existia em “Rocky, um lutador” se pensarmos nos tantos outros boxeadores que frequentavam a academia em que ele treinava sem terem grandes perspectivas pela frente a não ser os poucos dólares que recebiam para lutar). E longe dos ringues, mesmo Rocky era apenas mais um buscando um emprego digno e boas condições para viver, numa realidade distante daquela pregada pelos defensores do american dream. É verdade que ele até consegue um emprego, mas não da maneira que gostaria, utilizando novamente sua força física, agora no frigorífico onde Paulie trabalhava. Só que, em tempos de crise, a empresa decide demiti-lo alegando que ele não tem muito tempo de casa, numa desculpa qualquer que não ameniza em nada a situação e que acontece ano após ano nas corporações mundo afora.

Antes disso, Rocky surge empolgado com a chance recebida na vida e com os dólares que lucrou na luta, rapidamente mudando de status ao comprar uma nova casa, um carro e roupas – observe a jaqueta com um tigre nas costas que, somada às cores do uniforme que ele usa na luta e ao tigre que presencia o pedido de casamento, curiosamente faz uma alusão talvez não intencional à famosa música que surgiria no terceiro filme (figurinos de Sandy Berke Jordan e Tom Bronson). Enquanto Rocky se empolga, Adrian se mantém mais comedida e reticente, ciente de que o mercado de trabalho não seria tão complacente com um homem que mal sabia ler e que se destacava pela força física. O primeiro choque de realidade surge já na tentativa de explorar a imagem de Rocky num comercial, quando ele mal consegue ler as falas e muito menos interpretá-las de maneira adequada, levando o raivoso diretor (John Pleshette) a desistir.

Coerente com o andamento da narrativa, a direção de fotografia de Bill Butler inteligentemente aposta num tom menos sombrio nesta primeira etapa do longa, ilustrando que Rocky e Adrian estão mais felizes somente para retornar ao visual afundado nas sombras no período mais difícil em que ele tentar conseguir um emprego. Observe, por exemplo, como o sol brilhando e a trilha sonora criam um clima alegre quando Rocky surge brincando com crianças na rua e, em seguida, Adrian confirma a gravidez. Compare este momento com a melancólica conversa entre Rocky e seu treinador Mickey no apartamento deste último, na qual o rosto de ambos surge parcialmente encoberto pelas sombras, num momento aliás em que Stallone demonstra seu talento ao dizer com dor quase palpável que precisa daquele ambiente, admitindo que não consegue viver longe dos ringues e daquela rotina de treinamentos. Burgess Meredith também não fica atrás, transmitindo seu incomodo ao ver aquele homem desperdiçando seu potencial. Novamente convincente na pele do treinador Mickey, ele demonstra com seu temperamento explosivo sua obsessão em tirar o melhor de Rocky.

Jaqueta com um tigreRocky brincando com criançasEncoberto pelas sombras

Ao investir todo o primeiro ato na afirmação do relacionamento do casal, Stallone não abre muito espaço para Apollo, que surge esporadicamente para nos lembrar que uma luta estava por vir. Isto ocorre por que o diretor prefere focar nos personagens ao invés do evento que fechará a narrativa, transformando “Rocky II” num filme muito mais sobre o relacionamento entre Rocky e Adrian do que sobre a revanche em si (apesar do subtítulo brasileiro indicar o contrário). Agora mais confiantes e entrosados, Stallone e Shire demonstram grande empatia, o que ajuda bastante a tornar a relação crível e conquistar o espectador. Surgindo num vestido vermelho quando Rocky deixa o hospital que simboliza sua nova fase na vida, superando em parte a timidez e se permitindo viver uma paixão, a Adrian de Talia Shire é mais do que o clichê machista “todo grande homem tem uma grande mulher por trás” sugere, assumindo o comando da casa e o sustento do lar. Mesmo grávida, ela trabalha para trazer dinheiro enquanto Rocky tenta se encontrar.

Já Carl Weathers surge menos caricato (mas não tanto), demonstrando nos poucos instantes em cena como Apollo remói a luta vencida por pontos contra Rocky e, principalmente, a repercussão daquela histórica luta. Agindo de maneira irracional e irritadiça muitas vezes, como no encontro dos pugilistas no hospital logo após a primeira luta, ele mantém as reações exageradas que se contrapõem ao lado centrado e até ingenuamente sarcástico de Rocky. Observe, por exemplo, como na entrevista coletiva, Apollo está mais agitado, bancando o durão, enquanto o deboche típico destes eventos pré-luta surge na voz de Rocky, que faz diversas piadas e diverte os repórteres.

Esta inocência ilustra uma das características mais fortes e marcantes de Rocky: a humanidade. Vivendo o personagem que parece ter nascido para interpretar, Stallone confere este lado humano com precisão ao boxeador, algo que fica evidente quando ele visita o quarto do oponente no hospital e pergunta se ele deu o seu melhor, demonstrando que ele próprio duvidava se o campeão tinha lutado com afinco. E que boxeador que não o humano Rocky pararia na frente da Igreja instantes antes de subir ao ringue somente para pedir aos berros no meio da rua a benção do padre? Este tipo de atitude humaniza Rocky Balboa e o aproxima do espectador. Só que Rocky também tem seus segredos, como podemos notar quando ele ri ao ver a caricatura de Apollo lhe esmagando num jornal, mas ao entrar no banheiro e isolar-se dos demais, demonstra estar chateado, algo reforçado pela câmera em plongée que o diminui em cena. Rocky é assim, um ser humano com qualidades e defeitos e não um destemido e perfeito herói.

Grande empatiaEncontro dos pugilistas no hospitalChateado

Reticente quanto a possibilidade de Rocky voltar a lutar, Adrian passa mal e o bebê nasce de forma prematura, colocando em risco a vida da mãe, o que leva o protagonista a sofrer muito e pensar em desistir da luta. Neste instante, Stallone e seus montadores Stanford C. Allen e Janice Hampton empregam um ritmo mais lento, que alterna entre silenciosas cenas na igreja e o sofrimento do protagonista diante do leito da esposa no hospital, o que cria o contraponto ideal para o momento em que ela acorda e, surpreendentemente, pede que ele vença a luta. A trilha sonora e a reação do treinador anunciam a mudança de ritmo da narrativa e dão início a mais uma empolgante sequência de treinamento embalada pela clássica música tema de Bill Conti. Consciente do poder desta sequência, Stallone trabalha na construção da imagem icônica do personagem, abusando de closes e planos que valorizam as corridas pelas ruas da Philadelphia e encerrando em câmera lenta já nas famosas escadarias do Museu de Arte, chegando a congelar a imagem do protagonista para gravá-la ainda mais na memória do espectador.

Chegamos então a aguardada revanche, numa luta mais circense e menos realista que a do filme anterior, com Rocky mal se defendendo dos violentos golpes do adversário – ainda que a maquiagem que cria os machucados nos boxeadores novamente impressione. Ainda assim, o bom ritmo, o excelente design de som que nos joga dentro do ringue e a interpretação dos atores tornam tudo mais crível, nos levando ao ápice no round final onde o suspense (de certa forma até exagerado, mas que funciona) antecede a vitória de Rocky, fazendo a plateia na tela e fora dela explodir de alegria. Vale ainda observar como após a luta Apollo se redime e admite a grandeza de Rocky, num indício do que seria a relação entre eles a partir do terceiro filme.

“Rocky II – A Revanche” cumpre sua proposta ao trazer novamente Rocky para o ringue, mas outra vez decide ir além da luta e, assim como o treinador Mickey faz com o boxeador, consegue explorar todo o potencial dramático que o personagem tem.

Rocky II – A Revanche foto 2Texto publicado em 16 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ERA UMA VEZ NA AMÉRICA (1984)

(Once Upon a Time in America)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #159

Dirigido por Sergio Leone.

Elenco: Robert De Niro, James Woods, Elizabeth McGovern, Tuesday Weld, Treat Williams, Burt Young, Danny Aiello, Jennifer Connelly, Joe Pesci, James Hayden, William Forsythe, Larry Rapp, Amy Ryder, Scott Tiler, Rusty Jacobs, Brian Bloom, Adrian Curran, Mike Monetti, Noah Moazezi, James Russo, Julie Cohen e Sergio Leone.

Roteiro: Leonardo Benvenuti, Piero De Bernardi, Enrico Medioli, Franco Arcalli, Franco Ferrini e Sergio Leone, baseado em novela de Harry Grey.

Produção: Arnon Milchan.

Era uma vez na América[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Hoje reconhecido como um dos grandes mestres da história do cinema, Sergio Leone notabilizou-se na direção dos chamados western spaghetti, realizando obras de grande destaque e importância como a famosa “Trilogia dos Dólares” e “Era uma vez no Oeste”. No entanto, talvez o maior desafio de toda a carreira do diretor italiano tenha sido este ambicioso “Era uma vez na América”, justamente por representar sua incursão num ambiente diferente daquele em que estava habituado. Massacrado por público e crítica na época de seu lançamento devido à decisão do estúdio de lançar uma versão extremamente reduzida nos cinemas, o projeto da vida de Leone levou anos para ser realizado e só foi reconhecido quando a versão imaginada pelo diretor foi lançada tempos depois. E justiça seja feita, o verdadeiro “Era uma vez na América” é um filme belíssimo que justifica em cada momento a ambição de seu diretor.

Escrito por seis pessoas (inclusive o próprio Leone), “Era uma vez na América” narra à trajetória de ascensão e queda de um grupo de gângsteres de descendência judaica durante o período da lei seca em Nova York. A partir das memórias de Noodles (Robert De Niro), que resolve voltar ao local 35 anos após sua saída, conhecemos a história dele e de seus amigos Max (James Woods), Pasty (James Hayden) e Cockeye (William Forsythe), percorrendo desde a infância sofrida nas ruas do Lower East Side até o incidente trágico que destruiu o grupo.

Grandiloquente e recheado pelo tom operístico que caracteriza quase toda a filmografia de Sergio Leone, “Era uma vez na América” aposta numa estrutura narrativa complexa, que busca manter a atenção do espectador durante suas quase quatro horas de duração – o que, convenhamos, é um enorme desafio. Para conduzi-la com segurança e evitar que se torne enfadonha, Leone conta com o ótimo trabalho do montador Nino Baragli, que salta no tempo diversas vezes (tanto para o passado como para o futuro), mas sempre de maneira elegante e fluída; e o que é ainda mais interessante, demonstrando enorme confiança na inteligência do espectador ao jamais apelar para letreiros ou diálogos expositivos que indiquem a passagem do tempo – sempre que temos este tipo de informação, ela surge de maneira orgânica. Assim, temos uma verdadeira coleção de transições elegantes, como aquela em que Noodles olha para uma lamparina e a chama se transforma numa lâmpada, já debaixo de chuva e no cenário da morte de seus amigos – e é interessante notar também o excepcional design de som, que mantém o barulho do telefone tocando até que Noodles faça uma ligação, nos levando de volta ao teatro chinês onde toda a sequência se iniciou (voltaremos a este toque de telefone em instantes).

Noodles olha para uma lamparinaChama se transforma numa lâmpadaCenário da morte de seus amigosUtilizar o som diegético para provocar tensão, aliás, é outra característica marcante do diretor que aqui surge com força total, como na cena da descida de um elevador, momentos antes de Noodles surpreender seu perseguidor com um tiro na cabeça, numa cena graficamente impressionante que evidencia a violência que permeará a narrativa. Apesar do sangue exageradamente vermelho que busca ampliar o choque, a violência de “Era uma vez na América” é convincente e perfeitamente justificável naquele ambiente, surgindo em diversos momentos como na entrega dos diamantes ao amigo do mafioso Frankie (Joe Pesci, em participação pequena), na surra de Bugsy (James Russo) em Noodles e Max e na morte do pequeno Dominic (Noah Moazezi), além da violência sexual cometida por Noodles em dois momentos impactantes.

Descida de um elevadorEntrega dos diamantesMorte do pequeno DominicEstabelecendo a natureza violenta dos personagens desde os primeiros minutos de projeção, “Era uma vez na América” nos joga pra dentro daquele ambiente hostil de maneira impressionante, numa imersão que se dá também graças ao excepcional design de produção de Carlo Simi, que nos transporta para os Estados Unidos do início do século XX através dos carros, das casas e até mesmo da decoração do bar de Moe (Larry Rapp), além é claro dos impecáveis figurinos de Gabriella Pescucci, que recriam as roupas dos gângsteres e dos judeus com precisão, seguindo o padrão instituído no imaginário popular por “O Poderoso Chefão”. Nesta mesma linha, a fotografia de Tonino Delli Colli abusa do uso das sombras nos ambientes internos para ilustrar a natureza obscura daquele submundo, mas adota tons pastéis que realçam o tom nostálgico do longa, se destacando também na iluminação de cenas noturnas impressionantes – como aquela que revela a morte dos amigos de Noodles ainda no primeiro ato – e no uso da fumaça para conferir uma atmosfera onírica a certas lembranças do protagonista.

Estados Unidos do início do século XXRoupas dos gângsteres e judeusAtmosfera oníricaEmpregando seus tradicionais closes, zooms e travellings (o superclose surge em raras ocasiões), Leone desfila por estes cenários e personagens com elegância, criando um visual impactante e repleto de cenas belíssimas que, enriquecidas pela trilha sonora sempre marcante do mestre Ennio Morricone, conferem um tom épico ao filme, destacando-se em alguns momentos especiais, como quando Noodles liga para o velho amigo Moe da porta do bar, onde somente a música e as imagens já são suficientes para demonstrar o saudosismo daquele reencontro. Leone não precisa de palavras para nos emocionar, seu cinema é pura magia. E se a trilha sonora de Morricone realça a nostalgia do protagonista, destacando-se especialmente no lindo tema principal e nas composições que envolvem um coral de vozes, as longas sequências em silêncio tão características do diretor surgem como um contraponto interessante, criando cenas extremamente tensas como quando Noodles, após a decepção do encontro com Deborah (Elizabeth McGovern), mexe o café numa xícara por longos segundos antes de se manifestar, exalando uma eletricidade palpável que evidencia sem uma única palavra a possibilidade de uma briga entre ele e o amigo Max.

Noodles liga para o velho amigo MoeXícara de caféPossibilidade de uma brigaLeone mostra talento também na direção dos atores mirins através de pequenos momentos, como aquele em que Dominic volta para conferir se o bagageiro onde eles esconderam a maleta cheia de dinheiro estava mesmo trancado. Cobrindo a vida daqueles amigos desde a infância, quando surgem ateando fogo numa banca de jornal por falta de pagamento do dono, o diretor faz questão de investir muito tempo na construção meticulosa daqueles personagens e da relação entre eles. Assim, toda a fase da infância serve para nos familiarizar com cada um deles, apresentando seus medos, ansiedades e motivações, trazendo ainda cenas belíssimas como aquela em que Noodles observa Deborah dançando, o lindo primeiro beijo deles ou o tocante momento em que Pasty decide entre comer um bolo ou transar com Peggy – e a atuação do jovem Brian Bloom neste instante é primorosa, transmitindo a indecisão do garoto com precisão e ilustrando como ele ainda não estava pronto para aquele salto de maturidade. Ainda na infância, vale citar a curiosa e marcante participação de Jennifer Connelly, ainda criança, como a linda e expressiva Deborah, que rouba o coração de Noodles com seu jeito meigo e insinuante de agir.

Dominic volta para conferirDeborah dançandoComer um bolo ou transarDurante todo este tempo, a amizade genuína daqueles jovens nos convence. Também por isso, é doloroso acompanhar esta relação sendo lentamente destruída na fase adulta por causa da ganância da maioria deles. No entanto, esta mudança já pode ser notada logo após a volta de Noodles da prisão, quando os abraços calorosos não conseguem esconder o distanciamento entre o grupo e o jovem regresso. Compondo Noodles com um ar misterioso que nem por isso esconde sua expressão naturalmente ameaçadora, De Niro transmite com precisão toda a melancolia daquele personagem deslocado, que parece sempre preso às memórias do passado e torna quase palpável seu incômodo por ter provocado a morte dos amigos, o que acaba aproximando um pouco aquele homem sofrido do espectador, por mais cruéis que sejam algumas de suas atitudes.

DistanciamentoPersonagem deslocadoPreso às memórias do passadoÉ interessante notar ainda como Noodles parece seguir um curioso e indecifrável código de ética, irritando-se com certas atitudes dos amigos – como o envolvimento com o perigoso Frankie – ao mesmo tempo em que tolera outras ainda piores. Mas talvez a sequência que melhor sintetize sua instável personalidade seja o jantar romântico com Deborah, onde ele consegue ser ao mesmo tempo encantador (durante o jantar) e repugnante (no chocante estupro no carro). Esta relação dolorosamente conturbada ecoa até na velhice, quando tanto De Niro quanto McGovern demonstram com competência a dor dos personagens ao constatarem a impossibilidade de ficarem juntos – e aqui vale destacar a ótima maquiagem que transforma De Niro de maneira convincente, assim como acontece com Woods e outros nomes importantes do elenco.

Jantar românticoChocante estuproMaquiagemJames Woods também está bem seguro e ameaçador como o adulto Max, demonstrando a evolução da ganância de seu personagem em seu olhar cada vez mais confiante, chegando ao auge na cena em que se orgulha de ter comprado um trono – e a reação de Noodles neste instante é sensacional por dizer muito sem precisar de palavras. Talvez por isso, Noodles não demonstra raiva e não aceita atirar nele quando descobre sua traição, demonstrando em seu semblante apenas um sentimento: decepção. “É o meu jeito de ver as coisas”, diz, antes de afirmar que, de qualquer forma, ele perdeu um grande amigo naquela trágica noite. Chega a doer. E finalmente, a citada Elizabeth McGovern confere charme e mistério à bela Deborah, enquanto Tuesday Weld se destaca especialmente na cena em que Carol tenta convencer Noodles a tirar a ideia do assalto ao banco da cabeça de Max, ciente de que esta atitude poderia levar ao fim do grupo.

Seguro e ameaçadorTronoCarol tenta convencer NoodlesNo fim das contas, “Era uma vez na América” é muito mais do que um filme sobre gângsteres. É um filme sobre memórias, que traz em cada fotograma um retrato perfeito da nostalgia, personificado no rosto sofrido e emblemático do personagem vivido por Robert De Niro. Seu sorriso no plano derradeiro levanta até mesmo a curiosa possibilidade de ele ter sonhado em certas passagens (não à toa ele surge fumando ópio no início), reforçada pela atmosfera onírica de algumas cenas e pelo som do telefone tocando durante toda a cena do crime, que transmite com exatidão sua sensação de desorientação. Amargurado por ter provocado a morte dos amigos de infância, ele teria imaginado certos acontecimentos (como o suposto romance entre Max e Deborah e o misterioso destino do amigo na famosa cena do caminhão de lixo), talvez buscando amenizar sua dor. Mas Leone jamais deixa claro se estas passagens são sonhos ou memórias, o que torna tudo ainda mais interessante.

Sorriso no plano derradeiroFumando ópioCena do caminhão de lixoApresentando as lembranças de um homem consumido pela culpa de maneira tocante, Leone mergulha em sentimentos profundamente humanos ao mesmo tempo em que nos apresenta parte da construção da história norte-americana, que viria a se tornar a nação economicamente mais poderosa do mundo durante o período em que a narrativa se passa. Por isso, a versão completa de “Era uma vez na América” é um filme memorável, repleto de imagens belíssimas e cenas marcantes, que justifica cada minuto investido pelo espectador nesta verdadeira experiência cinematográfica.

Era uma vez na América foto 2Texto publicado em 12 de Fevereiro de 2013 por Roberto Siqueira

CHINATOWN (1974)

(Chinatown)

 

 

Filmes em Geral #77

Videoteca do Beto #210 (Filme comprado após ter a crítica divulgada no site e transferido para a Videoteca em 13 de Julho de 2015)

Dirigido por Roman Polanski.

Elenco: Jack Nicholson, Faye Dunaway, John Huston, Diane Ladd, Perry Lopez, John Hillerman, Darrell Zwerling, Roy Jenson, Richard Bakalyan, Joe Mantell, Bruce Glover, Nandu Hinds, Burt Young e Belinda Palmer.

Roteiro: Robert Towne.

Produção: Robert Evans.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apenas cinco anos após perder sua esposa Sharon Tate, assassinada no auge da contracultura pelo grupo liderado por Charles Manson, Roman Polanski voltou à Hollywood para dirigir este excepcional “Chinatown”, que com sua atmosfera noir e seu tom melancólico, reflete o estado de espírito de seu diretor e se confirma como uma das muitas obras-primas de Hollywood nos anos 70. Contando ainda com atuações inspiradas e um roteiro praticamente perfeito, o longa se estabelece também como uma das mais bem sucedidas incursões no gênero que se notabilizou nas décadas de 40 e 50.

Em “Chinatown”, acompanhamos a trajetória do detetive particular J. J. Gittes (Jack Nicholson) quando este é contratado pela esposa de Hollis Mulwray (Darrell Zwerling), o chefe do Departamento de Águas e Energia de Los Angeles, para descobrir se ele está tendo um caso extraconjugal. Após a confirmação da traição, Gittes descobre que a verdadeira esposa dele, Evelyn Mulwray (Faye Dunaway), jamais solicitou os seus serviços, exatamente no mesmo dia em que Hollis aparece morto. Gittes decide então investigar o assassinato e as possíveis ligações entre o crime e o pai de Evelyn, o poderoso Noah Cross (John Huston), que também era sócio de Hollis.

Escrito pelo ótimo Robert Towne, “Chinatown” apresenta uma estrutura narrativa perfeita, que gradativamente envolve o protagonista numa situação bastante complicada e, conseqüentemente, conquista também a atenção da platéia. Com um texto precioso e coeso, a narrativa intrincada e repleta de sutilezas aborda muitos temas complexos sob sua superfície de filme policial, apresentando personagens nada unidimensionais, que parecem sempre serem muito mais do que o que vemos na tela. Towne também espalha diversas pistas pela narrativa, que obrigam o espectador a prestar atenção em cada pequeno detalhe da investigação conduzida por Gittes, somente para descobrir momentos depois que muitas delas eram falsas. Além disso, ele constrói diversos diálogos marcantes, entre os quais vale destacar aquele no restaurante em que Evelyn confessa que também traía o marido e o embate entre Noah e Gittes, que também acontece num almoço e nos deixa em dúvida sobre o caráter do milionário e de sua filha.

Com este ótimo roteiro em mãos, Polanski conduz o longa com paciência até os 30 minutos de projeção, quando a morte de Hollis Mulwray insere o elemento noir que faltava para a narrativa definitivamente engrenar: o crime. Claramente inspirado na estética noir, como podemos notar através do terno do detetive Gittes (figurinos de Anthea Sylbert) e dos ambientes fechados, como o escritório dele e a casa dos Mulwray – que, por exemplo, indica a boa situação financeira do casal (direção de arte de W. Stewart Campbell) -, “Chinatown” só não apresenta o forte contraste entre o preto e o branco característico do gênero, mas ainda assim tem diversos momentos em que as sombras tomam conta da tela, como no diálogo entre Gittes e Evelyn num carro, logo após ela revelar quem é a sua irmã, onde podemos ver apenas parcialmente o rosto dos personagens. Além disso, os tradicionais ambientes esfumaçados e as sombras das persianas que invadem os escritórios criam o típico visual noir. Neste aspecto, vale destacar a fotografia de John A. Alonzo, que emprega cores sóbrias na maior parte do tempo (preto, marrom, cinza), conferindo uma aura melancólica coerente com o tom da narrativa. Ainda na parte técnica, a trilha sonora de Jerry Goldsmith acentua o clima apreensivo em diversos momentos e a direção de arte de Campbell volta a se destacar nos pequenos detalhes com função narrativa, como os quadros na parede que indicam a sociedade entre Hollis e Noah, além dos carros e casas que nos jogam para a Los Angeles dos anos 30 com precisão.

Voltando à direção, Polanski também comanda com precisão as cenas de alta tensão, como quando Gittes tenta invadir o Departamento de Águas à noite e é surpreendido por um tiro, pela água e por dois homens (um deles, armado com uma faca, é interpretado pelo próprio Polanski) ou quando ele é atacado num laranjal e perseguido por homens montados em cavalos. Auxiliado pela montagem de Sam O’Steen, o diretor conduz a narrativa com tranqüilidade e sutileza, acelerando a trama na medida em que Gittes se aproxima da verdade sobre o assassinato de Hollis ao emendar uma grande cena após a outra, como na seqüência em que Gittes visita um asilo, foge com Evelyn de carro, dorme com ela e descobre a natureza da relação dela com a amante de Hollis. E apesar de parecer quebrar o ritmo, a cena em que eles ficam juntos (embalada pela trilha romântica) serve para revelar um pouco mais sobre o passado misterioso de Gittes em Chinatown e indicar que a morte de alguma mulher o traumatizou. Outro aspecto importante a se ressaltar é que Polanski procura nos guiar na narrativa sob a perspectiva de Gittes, o que justifica sua presença em todas as cenas e a câmera que o acompanha por trás dos ombros em diversos momentos.

Tranqüilo e com tom de voz baixo, Jack Nicholson cria um personagem diferente do habitual, comprovando sua versatilidade e competência como ator. Ainda assim, seu Gittes é determinado e impõe respeito junto aos seus subordinados, como podemos notar logo no início quando ele repreende um de seus assistentes, saindo-se ainda melhor nos embates verbais com Noah, Evelyn e com o tenente Lou, quando sempre soa convincente em suas afirmações. Extremamente inteligente, seu Gittes sabe muito bem se adaptar aos ambientes que freqüenta – o que explica sua preocupação com a aparência (repare sua reação ao molhar os sapatos) e sua constante mudança de comportamento (no escritório, conta piadas; diante dos milionários, fala de forma refinada). Faye Dunaway também se destaca, criando uma Evelyn misteriosa e imponente, que sempre parece esconder algo através da fala reticente e do olhar enigmático quando que se refere ao marido e, especialmente, ao pai – um comportamento, aliás, que descobriremos ser totalmente coerente com o passado da personagem. Interpretado por John Huston (que dirigiu “O Falcão Maltês”), Noah Cross é mesmo um personagem ameaçador e Huston tem grande mérito nisto com sua presença marcante na tela. No restante do elenco, vale destacar o tenente Lou Escobar, interpretado por Perry Lopez, e a jovem Katherine Cross, interpretada por Belinda Palmer, que se destaca na cena final, com seu desespero tocante ao ver a mãe ser assassinada.

Após um encontro inesperado entre Gittes e Lou no apartamento de uma prostituta, entramos na parte final de “Chinatown”, onde a revelação da relação incestuosa entre Noah e Evelyn abala as estruturas tanto do detetive como do espectador e inicia outra seqüência atordoante, em que descobrimos o verdadeiro assassino de Hollis e caminhamos para o clímax pessimista, na primeira vez em que o tão citado bairro chinês Chinatown aparece. E novamente, Polanski confirma sua habilidade na direção de maneira sutil. Em certo momento do filme, Evelyn encosta involuntariamente a cabeça na buzina de um carro. Parece uma cena sem propósito, mas não é à toa que ela está lá. Com este momento em mente, o espectador já sabe o destino cruel de Evelyn nesta cena final, somente através do som da buzina no plano distante em que vemos o carro parado na rua. Sua trágica morte é confirmada de maneira forte e tocante, com Katherine desesperada e o violento resultado do tiro surgindo na tela diante do espectador. O final amargo, com a chocante morte de Evelyn e Noah escapando ileso, deixa o espectador reflexivo e melancólico – algo refletido também na trilha que fecha a narrativa.

Repleta de momentos memoráveis, com um roteiro impecável e atuações inspiradas, a obra-prima “Chinatown” confirma o talento de Roman Polanski na direção e reforça o time dos maravilhosos filmes pessimistas que invadiram Hollywood em sua era dourada. Nestes casos, o gosto amargo que fica na boca do espectador ao final da projeção é gradualmente substituído pelo sentimento de respeito diante da grandiosidade da obra que testemunhamos.

Texto publicado em 25 de Novembro de 2011 por Roberto Siqueira

ROCKY, UM LUTADOR (1976)

(Rocky)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #5

Vencedores do Oscar #1976

Videoteca do Beto #18 (Adquirido quando a Videoteca estava no filme #17; crítica já havia sido publicada na categoria “Filmes em Geral”).

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Thayer David, Joe Spinell, Jimmy Gambina, Bill Baldwin Sr. e Jodi Letizia.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quantas pessoas gostariam de ter uma chance na vida de mostrar o seu verdadeiro potencial e jamais conseguiram, somente porque a nossa sociedade e o nosso modo de viver raramente oferecem esta oportunidade? A tocante história do lutador amador que recebe a oportunidade de sua vida ao enfrentar o campeão mundial nos abre a possibilidade de refletir sobre este tema e observar como uma pessoa comum pode se tornar um verdadeiro campeão na vida, independente de ter ou não ter fama perante a sociedade. Escrito pelo próprio Sylvester Stallone, “Rocky, um Lutador” é muito mais que um filme sobre boxe, abordando questões delicadas de forma surpreendentemente competente.

Rocky Balboa (Sylvester Stallone) é um lutador amador de boxe que trabalha, paralelamente aos treinos, como cobrador (ou uma espécie de capanga) de um agiota na cidade de Filadélfia. A grande oportunidade de sua vida aparece quando o campeão mundial dos pesos-pesados Apollo Creed (Carl Weathers) decide, como uma estratégia de marketing, oferecer uma luta contra um desconhecido e Rocky é o escolhido. O “garanhão italiano”, como é chamado, decide se dedicar ao máximo para pelo menos sair do ringue ao término da luta sem ser nocauteado pelo campeão.

O grande trunfo do carismático filme é com certeza Sylvester Stallone. Escrito pelo próprio Stallone, Rocky é resultado de um projeto pessoal do astro, na época desconhecido do grande público. O roteiro trata basicamente da luta do homem comum para superar as adversidades em uma sociedade que não abre espaço para o seu crescimento. Podemos até considerar que existe um pouco da típica história americana, ou seja, se você trabalhar muito duro será um vencedor um dia. Mas a realidade do dia-a-dia daquelas pessoas é bem diferente, como podemos observar em pequenos detalhes da produção, como a vizinhança suja e arredia de Rocky e Paulie (Burt Young). Além disso, o filme conta com a segura direção de John G. Avildsen, que consegue criar alguns momentos inesquecíveis, como o treinamento de Rocky, recheado de belíssimos planos com o lutador correndo na beira da água e o sol nascendo, correndo pelo porto com o navio ancorado ao fundo e o belo plano no palácio da justiça da Filadélfia com Rocky subindo as escadarias e erguendo os braços lá em cima, com a bela cidade ao fundo. Ele também cria planos que dizem muito somente através da composição visual, como aquele em que Rocky está treinando no frigorífico ao vivo, enquanto Apollo e sua equipe (de costas para a televisão) fazem contas e debatem sobre o dinheiro ganho, demonstrando que para Apollo a luta contra Rocky é apenas um negócio menor. Ele é um astro e está mais preocupado com seus negócios do que com a luta em si, já que Rocky não é um adversário que o preocupe.

Stallone também é a grande força dentro do elenco do filme, oferecendo aquela que talvez seja a maior atuação de sua vida. Observe como ele vai dando pistas do temperamento explosivo de Rocky ao ficar irritado e começar a bater na carne crua no frigorífico ou quando ele reage e vence a primeira luta do filme. Observe como o ator soca o ar constantemente, como um lutador de boxe provavelmente faria, além de andar sempre com os ombros em movimento, como se estivesse prestes a desferir um soco em alguém. Além disso, ao ficar socando o ar ele também demonstra a determinação de Rocky em alcançar o seu objetivo na luta contra Apollo. Stallone também fala sempre com a boca mole, refletindo a personalidade de Rocky, que é alguém com pouco recurso intelectual, como ele mesmo diz na bela cena da patinação com Adrian. Até mesmo em cenas bem humoradas ele demonstra talento (em certo momento ele aperta uma carne crua e faz Mooo!). Repare como ele dá um leve sorriso ao ouvir as piadas de Apollo na televisão, e nem mesmo quando Paulie o repreende, dizendo que Apollo está tirando uma com a cara dele, ele para de sorrir, demonstrando que mal percebe o que está acontecendo, além de mostrar sua admiração pelo campeão. Rocky é um ser puro, simples e direto, que exatamente por ser assim, tem enorme dificuldade para viver em uma sociedade hipócrita e cheia de regras de comportamento. Finalmente, duas cenas refletem bem o talento de Stallone na composição deste personagem icônico em Hollywood. Na primeira delas, Rocky tenta conversar com Adrian, mas ela fica trancada no quarto e ele tem que falar com a porta. Stallone reflete bem o embaraço de Rocky, olhando para Paulie e depois pra baixo, indo e voltando em direção à porta e falando meio sem jeito com a garota, demonstrando sua hesitação e desconforto ao ter que passar por aquilo. A outra cena é quando Rocky discute com Mickey (Burgess Meredith). Ao ver Mickey sair, ele fica gritando e olhando para a porta com o canto do olho, demonstrando a revolta de Rocky com a vida que ele teve. Ele balança o corpo e soca a porta, explodindo em raiva quando Mickey sai, já que naquele momento Rocky estava expondo toda a dor que sentia por não ter conseguido o sucesso que seu talento permitia.

Talia Shire também tem uma grande atuação formando o par perfeito com Rocky. Nos primeiros contatos que ela tem com ele, na loja de animais, ela sorri de canto de boca com as piadas do rapaz, além de olhar quase sempre pra baixo, demonstrando a enorme timidez de Adrian. Ela só olha pra Rocky quando ele não está olhando pra ela. Na linda cena do primeiro beijo, observe como ela se entrega lentamente, recusando inicialmente o contato com ele até lentamente ir cedendo à paixão. O desajeitado beijo é extremamente realista e reflete a enorme dificuldade que aquelas duas pessoas têm de se relacionar com alguém. Burgess Meredith também está bem, demonstrando sua raiva por saber que Rocky desperdiçou a chance de ser alguém na vida, como ele deixa claro na discussão dentro da academia. O fracasso de Rocky reflete o próprio fracasso de Mickey, que também é uma pessoa amarga por não ter sido alguém no boxe, como ele deixa claro na discussão com Rocky na casa dele. Observe como nesta cena ele range os dentes, grita com raiva e olha sempre com os olhos arregalados, refletindo muito bem a ira do personagem. Carl Weathers está bastante caricato como o campeão mundial Apollo Creed, mais parecendo um astro pop entrando no palco do que um lutador de boxe entrando no ringue, provocando risos inclusive na equipe de seu adversário com a imitação de George Washington na luta final. Em todo caso, não compromete o filme. Burt Young completa o elenco principal como Paulie, o amigo fiel e explosivo de Rocky.

A dura caminhada do boxeador para chegar ao sucesso é extremamente bem refletida pelo bom trabalho técnico do filme. A começar pela direção de fotografia de James Crabe, que destaca propositalmente cores como o marrom e o preto, e cria muitos ambientes escuros. O filme se passa a maior parte do tempo à noite, refletindo a vida daquelas pessoas amarguradas e à margem da hipócrita sociedade, que parece se recusar a aceitar que existem pessoas que não são felizes com suas vidas e sequer tem a chance de mudar esta situação. Quando Rocky aconselha uma garota a parar de fumar e ficar por aí na rua até tarde, ela diz que ele não é ninguém pra falar isso pra ela. A trilha sonora toca o tema principal do filme com uma melodia lenta e triste, refletindo o momento de Rocky, que é mergulhado nas sombras da rua. Ele ficou mal com as palavras da garota, e o visual da cena, reforçado pela trilha sonora, reflete este estado psicológico do personagem. A excelente direção de arte de James H. Spencer cria ruas sujas, cheias de lixo e com paredes pichadas, mostrando um submundo de pessoas que vivem uma realidade muito diferente daquela pregada pelo “american way of life”. A casa de Rocky reflete bem sua decadência como pessoa. Observe o colchão rasgado perto da parede, as coisas bagunçadas, as paredes descascadas e a janela pichada. Ele não tem dinheiro pra nada. Os figurinos de Robert Cambel e Joanne Hutchinson colaboram na criação deste ambiente, com roupas pouco coloridas e sem vida. A trilha sonora, famosa nos dias de hoje, é muito empolgante. A música tema é cheia de energia e casa muito bem com a força do personagem. Finalmente, o trabalho de montagem de Scott Conrad e Richard Halsey mantém a narrativa sempre atraente ao focar a vida pessoal de Rocky (e não as lutas de boxe), além de colaborar com perfeição em dois momentos memoráveis do filme: o treinamento e a luta final.

Canalizando toda a frustração de sua vida para dentro do ringue, o lutador amador consegue transformar aquela simples luta em um verdadeiro embate entre as pessoas comuns e aquelas que têm o poder. Ao olhar para Rocky no ringue, a maioria dos espectadores reconhece características próprias e este é o segredo da empatia do personagem com a platéia (além é claro do carisma de Stallone). Torcemos loucamente pelo seu sucesso, mesmo sabendo da enorme dificuldade que ele precisa enfrentar para alcançá-lo. O filme acerta em cheio no realismo da luta final, já que Rocky, mesmo derrubando o campeão, perde por pontos após lutar todos os rounds. Seria difícil mesmo ele vencer o campeão mundial, mas a forma como é derrotado se torna uma vitória pessoal pra ele e, conseqüentemente, para o espectador também. O seu grito por Adrian no final da luta mostra o quanto ela foi importante para que ele buscasse forças e alcançasse seu objetivo, numa das mais belas cenas do filme.

Mostrando com extremo realismo como as pessoas comuns precisam lutar constantemente neste mundo que oferece tão poucas oportunidades para alcançar seus objetivos, “Rocky, um Lutador” consegue ser direto e ao mesmo tempo tocante. Com um personagem principal extremamente carismático, simples e inocente, mas cheio de força e garra, outros personagens muito bem desenvolvidos e boas interpretações, consegue se estabelecer como um filme maduro, que ultrapassa a barreira do esporte e simboliza a luta de toda uma vida. 

Texto publicado em 13 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira

ROCKY BALBOA (2006)

(Rocky Balboa)

4 Estrelas 

Filmes em Geral #98

Filmes Comentados #2 (Comentários transformados em crítica em 22 de Dezembro de 2012)

Videoteca do Beto #222 (Filme comprado após ter a crítica divulgada no site e transferido para a Videoteca em 20 de Fevereiro de 2016)

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Burt Young, Antonio Tarver, Milo Ventimiglia, Geraldine Hughes, Pedro Lovell, James Francis Kelly III, Tony Burton, A.J. Benza, Henry G. Sanders, Ana Gerena, Ângela Boyd, Louis Giansante, Carter Mitchell, Vinod Kumar e Robert Michael Kelly.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: William Chartoff, Kevin King, Charles Winkler e David Winkler.

Rocky Balboa[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

No sexto e último filme da série, Sylvester Stallone encerra de forma correta a saga do lutador que transformou sua vida e fez dele um dos nomes mais importantes de Hollywood entre os anos 70 e 80. Em certo momento de “Rocky Balboa”, o astro decadente reflete sua própria realidade, dando autógrafos pelas ruas e demonstrando o quanto permanece preso ao passado. E é justamente este tom melancólico que garante uma de despedida digna de Stallone para seu melhor personagem em toda a carreira.

Escrito e dirigido pelo próprio Stallone, “Rocky Balboa” nos traz seu personagem título (Sylvester Stallone) já envelhecido e distante dos dias de glória, vivendo de seu pequeno restaurante Adrian’s, batizado em homenagem à sua falecida esposa, enquanto seu filho Rocky Jr. (Milo Ventimiglia) luta para conseguir sucesso na vida profissional sem a ajuda da fama do pai. Só que uma simulação de computador feita pela ESPN coloca o atual campeão mundial dos pesos pesados Mason Dixon (Antonio Tarver) para lutar contra Rocky e gera uma enorme polêmica, chamando a atenção de empresários que, imediatamente, tentam convencer o lendário ex-lutador a voltar aos ringues.

Logo no primeiro minuto de projeção, “Rocky Balboa” evidencia seu tom nostálgico ao destacar a foto de Adrian ao lado da cama do protagonista, que, somada a versão melancólica da famosa trilha sonora de Bill Conti e a fotografia azulada de J. Clark Mathis, transmite ao espectador o mesmo sentimento de tristeza do lutador. Vivendo numa casa simples em um bairro humilde da cidade, Rocky escancara a diferença gritante de realidade entre os esportistas do passado e do presente quando comparamos suas posses com a mansão e o carro de luxo do atual campeão mundial. A partir daí, ganha espaço a eterna discussão existente em quase todos os esportes: passado versus presente. Perguntas como “Quem seria melhor?” ou “Quem venceria?” jamais encontrarão uma resposta definitiva, por isso, a comparação entre épocas é sempre um assunto polêmico e complicado. É óbvio que numa luta realizada no presente um campeão do passado não teria chances, mas se ambos estivessem no auge o vencedor poderia ser outro.

Ainda neste contexto, “Rocky Balboa” aproveita para abordar outro tema interessante, primeiro através de uma metáfora quando Rocky vai comprar um cachorro junto com Steps (James Francis Kelly III) e cada personagem defende seu ponto de vista com alguma dose de razão. O lutador opta pelo cão mais velho e experiente, contrariando o garoto que preferia o mais jovem e cheio de vitalidade. Aliás, até mesmo Steps serve para ilustrar como temos a tendência de julgar pela aparência, já que inicialmente ele parece um marginal, mas na realidade é um bom garoto. O preconceito contra a velhice surge novamente quando jornalistas dizem que Rocky venceria uma improvável luta contra Dixon e muitos respondem que ele é um velho acabado ou ainda quando Marie (Geraldine Hughes) recusa o convite para ser recepcionista do restaurante por entender que sua aparência não seria boa para o negócio dele.

Foto de AdrianRocky compra um cachorro junto com StepsJornalistas dizem que Rocky venceriaFinalmente oferecendo outra grande atuação, Stallone demonstra a falta que sente de Adrian com perfeição na tocante conversa que tem com Paulie (Burt Young) no frigorífico, quando afirma emocionado que é muito difícil conviver com a besta que existe dentro dele, convencendo também na realista discussão entre Rocky e seu filho através da oscilação do tom de voz, do olhar e das marcantes expressões faciais. Sempre com o olhar triste e amargurado, o ator retrata com competência o jeito grosseiro e encantador que o lutador tem de enfrentar a vida, jamais conseguindo esconder seus sentimentos e carregando uma simplicidade desconcertante que fica evidente na brilhante cena em que ele tenta convencer a comissão de que está em condições de voltar a lutar.

Também se destacando na citada discussão entre pai e filho, Milo Ventimiglia transmite muito bem a amargura de Rocky Jr. por ter a sombra da fama do pai sempre por perto. Mostrando-se constrangido por achar que a sombra de Rocky impede que ele evolua por conta própria, o garoto sequer consegue reagir quando os amigos assistem a luta virtual de seu pai num bar, sorrindo sem jeito enquanto todos vibram e falam com ele. Finalmente, vale citar ainda a boa participação de Burt Young, que, vivendo mais uma vez o rabugento Paulie, revela de maneira surpreendente e tocante o arrependimento dele por ter maltratado a irmã Adrian ao longo dos anos.

Besta que existe dentro deleTenta convencer a comissãoDiscussão entre pai e filhoAlém de acertar no ritmo mais lento e coerente com a proposta da narrativa, a montagem de Sean Albertson brinda novamente os fãs com uma sequência que remete a toda à saga, com Rocky correndo pelas ruas, bebendo ovos crus, socando a carne no frigorífico e chegando às escadarias do Museu de Arte da Filadélfia com a empolgante “Gonna Fly Now” tocando ao fundo. Aliás, até mesmo as músicas escolhidas por Bill Conti para a esperada luta casam bem com os personagens, com Rocky entrando no ringue ao som de Frank Sinatra enquanto Dixon escolhe um sucesso de sua época. E já que citei a luta final em que até mesmo Mike Tyson dá as caras, vale destacar a boa forma de Stallone, que colabora para tornar o confronto mais real.

Preparado com cuidado durante toda a narrativa, o grande clímax traz uma brincadeira metalinguística que evoca sentimentos intensos ao trabalhar com a memória afetiva dos fãs do lutador. E é este pequeno detalhe que faz toda a diferença e dá a dimensão da importância daquele momento. Quando o narrador diz que não acredita que vai narrar uma luta de Rocky, muito provavelmente aquele jovem ator também está querendo dizer que jamais pensou que participaria de um filme da saga, assim como boa parte da plateia imaginou que não assistiria Rocky Balboa nos cinemas novamente. Apesar de castigado pelas continuações distantes da qualidade do primeiro filme (“Rocky II – A Revanche é a exceção), um personagem importante da história do cinema está se despedindo; e todos, inclusive o espectador, sabem disso. Daí a carga emocional daquela cena e de todo o filme.

Misturando ficção e realidade, a luta carregada de energia é um dos pontos altos do filme, ainda que seja difícil de acreditar que um homem de 60 anos poderia apresentar aquele desempenho diante de um campeão mundial em plena forma. Mas este é um deslize perdoável e até mesmo compreensível, já que ninguém gostaria de ver Rocky levando uma surra sem tamanho em sua última luta.

Os créditos finais de “Rocky Balboa” trazem a imagem de dezenas de pessoas subindo às escadarias do Museu de Arte da Filadélfia e imitando os gestos de Rocky. Somente este instante já serviria para demonstrar a importância deste personagem na história recente do cinema. Goste dele ou não, é dever do bom cinéfilo respeitar personagens deste calibre.

PS: Comentários divulgados em 17 de Agosto de 2009 e transformados em crítica em 22 de Dezembro de 2012.

Rocky Balboa foto 2Texto atualizado em 22 de Dezembro de 2012 por Roberto Siqueira