ROCKY V (1990)

(Rocky V)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #221

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Sage Stallone, Burgess Meredith, Tommy Morrison, Richard Gant, Tony Burton, Jimmy Gambina, Delia Sheppard, Paul Micale, Stu Nahan e Michael Buffer.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky V[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Cinco anos depois de beijar a lona artisticamente com o fraco “Rocky IV”, Stallone tentava reerguer seu personagem e dar-lhe uma despedida digna – na época ele não imaginava retornar de maneira triunfal 16 anos mais tarde. Assim, “Rocky V” se caracteriza pela saída de cena do famoso pugilista da Filadélfia, que passa a focar os esforços no treinamento de um substituto. O resultado é um filme honesto, ainda que distante dos melhores momentos da franquia.

Apesar de novamente assumir o roteiro, Stallone desta vez aposta no retorno de John G. Avildsen à direção, o que se mostra uma decisão acertada especialmente pelos diversos momentos que buscam homenagear “Rocky, um Lutador”, construindo uma atmosfera nostálgica que certamente encontra eco nos sentimentos dos fãs. Basicamente, aqui vemos Rocky (Stallone, óbvio) impedido de voltar a lutar por conta de uma lesão permanente. Após ser enganado por seu contador, ele se vê obrigado a voltar para o bairro em que vivia e decide ajudar a impulsionar a carreira do jovem Tommy (Tommy Morrison), porém tudo muda com a chegada de um empresário (Richard Gant) que oferece muito dinheiro para assumir a carreira do promissor lutador.

Seguindo boa parte da estrutura narrativa clássica da franquia (o início relembra o filme anterior, temos uma luta no final, etc.), “Rocky V” aposta também na volta do tom melancólico ao trazer o protagonista enfrentando problemas de saúde e financeiros, retornando a uma vida difícil e, principalmente, constatando a passagem do tempo e a decadência de lugares importantes pra ele como a abandonada academia de Mickey. Assim, enquanto a direção de fotografia de Steven Poster ajuda a criar esta atmosfera através da escolha de cores escuras e ambientes sombrios, John G. Avildsen aproveita para também inserir a mencionada nostalgia, resgatando diversos elementos do primeiro filme que estabelecem uma conexão imediata com o espectador mais saudosista, como quando Rocky coloca seu chapéu preto e os óculos em Adrian.

Volta para o bairro em que viviaAbandonada academia de MickeyNostalgia

Confirmando esta estratégia, a trilha sonora de Bill Conti também relembra “Rocky, um Lutador” ao trazer a música “Tack it back”, os lentos acordes da clássica música tema que embalam suas lembranças do início de carreira, entre outros momentos. Por outro lado, em “Rocky V” não temos a famosa sequência do treinamento acompanhada pela empolgante trilha sonora presente nos outros filmes da franquia. Aliás, a trilha sonora surge apenas pontualmente, contrariando a presença tão marcante anteriormente. Talvez o excesso de clipes em “Rocky IV” tenha motivado a escolha de uma trilha sonora econômica em “Rocky V”.

Mais relaxado e a vontade na pele de seu personagem que no filme anterior, Stallone demonstra bem o peso da idade nas expressões de dor que o acompanham, tornando Rocky ainda mais falível e humano. Além disso, seu relacionamento cheio de carinho com o filho (Sage Stallone, que segura bem o papel) reforça seu carisma, especialmente ao constatar sua alegria por reviver etapas da vida através do garoto, em momentos simplesmente lindos. Até mesmo quando está nervoso Rocky não perde a humanidade e o bom coração, como fica claro em seus primeiros diálogos com Tommy. Nem mesmo a mídia e sua voracidade por notícias polêmicas conseguem tirá-lo do sério. No entanto, a possibilidade de reviver a adrenalina do boxe e de poder fazer o papel de Mickey empolgam Rocky, que se vê naquele jovem boxeador – ou ao menos tenta ver na luta daquele rapaz a sua luta para encontrar um lugar ao sol. Por isso, a decepção é ainda maior quando Tommy o deixa para trás para seguir o caminho mais fácil.

Infelizmente, este ponto de virada do roteiro é extremamente previsível. Imaginamos muito antes que Tommy largará Rocky e cederá ao assédio do ganancioso empresário vivido por Richard Gant através de sinais nada sutis como o conflito familiar que sua chegada provoca – e, principalmente, por causa da atuação de Tommy Morrison. Ao contrário do que poderíamos imaginar, Rocky passa a ignorar o próprio filho e a esposa (Talia Shire, em sua despedida da série) e a centrar sua vida somente em Tommy, numa atitude que ele certamente não teria e que destoa do personagem humano que conhecíamos até então. Some a isto a revolta natural do filho, a aproximação sorrateira do empresário e a evidente ambição do jovem lutador e temos a receita pronta para a mudança do personagem.

Relacionamento cheio de carinho com o filhoJovem boxeadorGanancioso empresário

Igualmente previsível é o confronto entre eles, que obviamente surge no ato final, mas ao menos resgata a energia que faltou no confronto com Drago em “Rocky IV”, trazendo ainda um ar de novidade justamente por acontecer nas ruas, de maneira quase primitiva. Mantendo a câmera agitada e próxima do rosto dos personagens, Avildsen consegue criar a atmosfera desejada sem nos fazer perder a noção geográfica do que vemos na tela, o que é muito importante. O confronto é cru, repleto de sentimentos reprimidos que são jogados pra fora e, por isso, funciona. O esperado desfecho com a vitória de Rocky e sua reconciliação com a família apenas confirmam a ideia de encerrar sua carreira no cinema de maneira simples, porém digna.

Ainda que não seja um excelente filme, “Rocky V” resgata alguns aspectos importantes ao voltar a focar no desenvolvimento dos personagens e ao trazer a atmosfera melancólica e a faceta humana tão presentes nos melhores momentos da franquia. Determinado a encerrar a carreira de seu protagonista no cinema, “Rocky V” tem um final com cara de despedida, relembrando momentos de todos os filmes anteriores – afinal, Stallone não imaginava naquele momento que Rocky voltaria 16 anos depois com o ótimo “Rocky Balboa”. Ainda bem que ele desistiu da ideia.

Rocky V foto 2Texto publicado em 19 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY III – O DESAFIO SUPREMO (1982)

(Rocky III)

3 Estrelas 

 

Videoteca do Beto #219

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Tony Burton, Mr. T, Hulk Hogan, Ian Fried, Bob Minor, Frank Stallone e Stu Nahan.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky III - O Desafio Supremo[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Novamente após um intervalo de 3 anos após o lançamento do filme anterior, Stallone voltava as telonas com o terceiro filme da franquia “Rocky”, algo completamente esperado após o sucesso dos longas anteriores. Desta vez abandonando um pouco o tom intimista e sombrio que cercava aquele universo recheado de personagens interessantes, ele decide apostar numa abordagem mais leve e direta, com toda a cara da época em que foi criada. Assim, “Rocky III – O Desafio Supremo” surge com todos os excessos oitentistas, o que tira parte do peso dramático característico do personagem, ao menos até que uma tragédia resgate o tom melancólico.

Mais uma vez assumindo roteiro e direção, Stallone nos apresenta em “Rocky III” a evolução da carreira do agora astro Rocky Balboa, até que ele finalmente volte a ser derrotado, desta vez por um lutador promissor chamado Clubber Lang (Mr. T), que aproveita muito bem a chance de bater o campeão quando este surge abalado pelo estado de saúde de seu treinador – que, infelizmente, faleceria após a luta. Transtornado, Rocky aceita a proposta do ex-adversário Apollo Creed (Carl Weathers), que deseja treiná-lo para uma revanche com Lang em troca de um favor.

Como de costume, Stallone inicia o filme recordando o final do anterior, o que além de refrescar a memória dos espectadores (lembremos que 3 anos separavam um longa do outro), também resgata o espírito de superação que caracteriza a série, reforçado pelo clipe que surge em seguida e resume as inúmeras vitórias de Rocky ao som da empolgante “Eye of the tiger”, do Survivor, que se tornaria uma referência automática às lutas de boxe a partir dali. Desta vez abrindo mais espaço para Paulie, como fica evidente logo no início quando ele demonstra suas angústias e frustrações na infantil discussão com Rocky num estacionamento, o roteiro não investe tanto no desenvolvimento dos personagens como este início faz parecer, adotando uma abordagem bem humorada em boa parte do tempo, exemplificada perfeitamente na participação do então astro de luta livre Hulk Hogan como o canastrão Thunderlips, numa luta arranjada tão caricatural que chega a ser divertida.

Igualmente espalhafatoso é o Clubber Lang interpretado por Mr. T, que tenta chamar a atenção com sua postura agressiva e polêmica, algo muito característico também no mundo do boxe. Enquanto Rocky havia se transformado num astro que agora finalmente conseguia estrelar propagandas e cujo os treinamentos mais pareciam fazer parte do show business, Clubber Lang pega pesado para entrar na melhor forma possível, especialmente após derrotar Rocky no primeiro confronto e aceitar a revanche.

No entanto, a primeira luta é que reserva o momento de maior peso dramático do longa, indicado algumas vezes antes de se consumar através da resistência de Mickey (Burgess Meredith, novamente bem no papel) em abandonar a aposentadoria e treinar Rocky uma última vez, das dores que ele sente e de alguns diálogos e até mesmo movimentos de câmera. Observe, por exemplo, como a câmera lentamente nos aproxima de Rocky e Mickey quando ele convence o treinador a largar a aposentadoria e treiná-lo em mais uma luta através de um lento zoom, simbolizando a reaproximação de ambos, e compare com o movimento inverso que diminui ambos no fim do treinamento que antecede a luta, indicando sutilmente a nova separação de ambos e a tragédia que viria a acontecer. É como se Rocky tivesse uma última oportunidade de se aproximar do amigo e treinador antes da despedida.

Astro de luta livreEspalhafatoso Clubber LangFim do treinamento

Agora com a carreira engrenada, Rocky equilibra muito bem a profissão e a vida pessoal, reservando momentos para cuidar do filho que se tornam singelos e ajudam na solidificação do personagem, reforçando seu carisma junto ao público. Só que sua postura demasiadamente confiante quando se trata do boxe denota que o sucesso talvez tenha lhe subido a cabeça, mesmo que por um curto período de tempo. Assim, quando ele finalmente volta a ser derrotado, o choque de realidade se concretiza e traz um conflito pessoal firmado na desconfiança. Repare que, diferente da estrutura narrativa dos dois primeiros filmes, aqui temos uma luta antes de uma hora de projeção, o que alimenta o desejo dos fãs de ver Rocky mais tempo no ringue, mas a comovente morte de Mickey transforma a atmosfera do filme – e Stallone transmite a dor do personagem com tanta paixão que nos faz sofrer ainda mais.

A fotografia de Bill Butler então muda radicalmente e traz à tona o visual sombrio, notável quando Apollo surge para convencer Rocky a voltar a lutar e ser treinado por ele. Só que, devastado psicologicamente, Rocky não consegue render nos primeiros treinamentos, mesmo com todo o apoio do amigo Apollo. Adotando uma postura mais tranquila, Carl Weathers confere mais humanidade ao personagem e sua empatia com Stallone é essencial para o sucesso do longa. A amizade dos dois, aliás, é um dos pontos altos do filme. Quem também mostra enorme evolução é Adrian, agora uma mulher muito mais confiante e segura, capaz de falar com autoridade no marcante diálogo na praia em que questiona Rocky e todo seu sofrimento e o faz encontrar forças para voltar a treinar com a mesma determinação de antes, nos levando a já tradicional sequência de treinamento embalada pela clássica “Gonna fly now”, mas que agora não surge tão inspirada e empolgante como as anteriores, talvez por conta do ambiente diferente e do ritmo empregado pelos montadores Mark Warner e Don Zimmerman.

Cuida do filhoApollo convence Rocky a voltar a lutarMarcante diálogo na praia

Ainda que consiga transmitir emoção ao nos colocar dentro do ringue com a câmera se movimentando bastante sem nos deixar confusos e o design de som dando maior realismo ao que vemos na tela através do som dos golpes e das reações do público e dos narradores, a luta final segue a mesma fórmula das anteriores e demonstrava um certo desgaste. Ciente disto, o roteiro nos reserva um momento intimista, simpático e extremamente importante para nos aproximar ainda mais de Rocky e Apollo ao trazê-los divertindo-se numa revanche privada, escondida do grande público. Ali, eles deixam o panteão dos campeões e se tornam duas pessoas normais, com dúvidas, anseios, angústias e vontades, tirando a limpo de forma descontraída algo que por algum tempo os incomodou. O filme acerta ainda ao encerrar antes do primeiro golpe, deixando a dúvida sobre quem venceria aquele duelo privado, já que, no fim das contas, o resultado pouco importa. Já sabemos o mais importante sobre aqueles dois grandes homens.

Apesar de ter bons momentos e de manter algumas características importantes da série, “Rocky III – O Desafio Supremo” demonstrava os primeiros sinais de desgaste da fórmula que consagrou o lutador. Felizmente, assim como seu personagem, Stallone sabia como se reinventar e não seguiria este caminho por muito tempo.

Rocky III - O Desafio Supremo foto 2Texto publicado em 17 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY II – A REVANCHE (1979)

(Rocky II)

4 Estrelas

 

Videoteca do Beto #218

Dirigido por Sylvester Stallone.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Tony Burton, Joe Spinell, Sylvia Meals, Frank McRae, Leonard Gaines, John Pleshette, Allan Warnick, Stuart K. Robinson, Paul Micale, Fran Ryan, Taurean Blacque, Stu Nahan, Taaffe O’Connell, Paul McCrane e Frank Stallone.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

Rocky II – A Revanche[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Após o enorme sucesso de público e crítica que tirou Sylvester Stallone do ostracismo, a continuação de “Rocky, um lutador” era ansiosamente aguardada e não apenas em Hollywood. Foram necessários 3 anos para que a espera terminasse e, felizmente, o resultado seria novamente satisfatório. Apostando mais uma vez no desenvolvimento de seu carismático personagem e do universo em que ele vive, o longa deixa a aguardada revanche em segundo plano, provando que Stallone não estava somente preocupado com os milhões de dólares que certamente viriam das bilheterias. Para ele, aquele personagem era mais do que uma fonte de renda, era também um reflexo nas telas da luta que ele próprio enfrentou para chegar ali.

Novamente escrito pelo próprio Stallone, que agora acumula também a direção, “Rocky II – A Revanche” começa relembrando os momentos finais de seu antecessor, resgatando imediatamente o espírito do longa e ambientando novamente o espectador naquele universo. No entanto, desta vez Rocky (Stallone) surge determinado a desfrutar de uma nova vida ao lado de sua esposa Adrian (Talia Shire), buscando um emprego que o mantenha distante dos ringues. Só que a dura realidade do mercado de trabalho tornaria as coisas mais difíceis e levaria o lutador a repensar sobre a proposta do campeão mundial Apollo Creed (Carl Weathers), que deseja uma revanche para provar que não venceu Rocky por sorte.

De maneira inteligente e até mesmo corajosa, Stallone descontrói aquele que era o motor do sucesso do filme anterior, desmistificando o tal sonho americano em que um desconhecido (o underdog) consegue conquistar seu lugar ao sol quando a oportunidade surge, mostrando que a realidade não era bem essa para a maioria das pessoas (algo que, de alguma forma, já existia em “Rocky, um lutador” se pensarmos nos tantos outros boxeadores que frequentavam a academia em que ele treinava sem terem grandes perspectivas pela frente a não ser os poucos dólares que recebiam para lutar). E longe dos ringues, mesmo Rocky era apenas mais um buscando um emprego digno e boas condições para viver, numa realidade distante daquela pregada pelos defensores do american dream. É verdade que ele até consegue um emprego, mas não da maneira que gostaria, utilizando novamente sua força física, agora no frigorífico onde Paulie trabalhava. Só que, em tempos de crise, a empresa decide demiti-lo alegando que ele não tem muito tempo de casa, numa desculpa qualquer que não ameniza em nada a situação e que acontece ano após ano nas corporações mundo afora.

Antes disso, Rocky surge empolgado com a chance recebida na vida e com os dólares que lucrou na luta, rapidamente mudando de status ao comprar uma nova casa, um carro e roupas – observe a jaqueta com um tigre nas costas que, somada às cores do uniforme que ele usa na luta e ao tigre que presencia o pedido de casamento, curiosamente faz uma alusão talvez não intencional à famosa música que surgiria no terceiro filme (figurinos de Sandy Berke Jordan e Tom Bronson). Enquanto Rocky se empolga, Adrian se mantém mais comedida e reticente, ciente de que o mercado de trabalho não seria tão complacente com um homem que mal sabia ler e que se destacava pela força física. O primeiro choque de realidade surge já na tentativa de explorar a imagem de Rocky num comercial, quando ele mal consegue ler as falas e muito menos interpretá-las de maneira adequada, levando o raivoso diretor (John Pleshette) a desistir.

Coerente com o andamento da narrativa, a direção de fotografia de Bill Butler inteligentemente aposta num tom menos sombrio nesta primeira etapa do longa, ilustrando que Rocky e Adrian estão mais felizes somente para retornar ao visual afundado nas sombras no período mais difícil em que ele tentar conseguir um emprego. Observe, por exemplo, como o sol brilhando e a trilha sonora criam um clima alegre quando Rocky surge brincando com crianças na rua e, em seguida, Adrian confirma a gravidez. Compare este momento com a melancólica conversa entre Rocky e seu treinador Mickey no apartamento deste último, na qual o rosto de ambos surge parcialmente encoberto pelas sombras, num momento aliás em que Stallone demonstra seu talento ao dizer com dor quase palpável que precisa daquele ambiente, admitindo que não consegue viver longe dos ringues e daquela rotina de treinamentos. Burgess Meredith também não fica atrás, transmitindo seu incomodo ao ver aquele homem desperdiçando seu potencial. Novamente convincente na pele do treinador Mickey, ele demonstra com seu temperamento explosivo sua obsessão em tirar o melhor de Rocky.

Jaqueta com um tigreRocky brincando com criançasEncoberto pelas sombras

Ao investir todo o primeiro ato na afirmação do relacionamento do casal, Stallone não abre muito espaço para Apollo, que surge esporadicamente para nos lembrar que uma luta estava por vir. Isto ocorre por que o diretor prefere focar nos personagens ao invés do evento que fechará a narrativa, transformando “Rocky II” num filme muito mais sobre o relacionamento entre Rocky e Adrian do que sobre a revanche em si (apesar do subtítulo brasileiro indicar o contrário). Agora mais confiantes e entrosados, Stallone e Shire demonstram grande empatia, o que ajuda bastante a tornar a relação crível e conquistar o espectador. Surgindo num vestido vermelho quando Rocky deixa o hospital que simboliza sua nova fase na vida, superando em parte a timidez e se permitindo viver uma paixão, a Adrian de Talia Shire é mais do que o clichê machista “todo grande homem tem uma grande mulher por trás” sugere, assumindo o comando da casa e o sustento do lar. Mesmo grávida, ela trabalha para trazer dinheiro enquanto Rocky tenta se encontrar.

Já Carl Weathers surge menos caricato (mas não tanto), demonstrando nos poucos instantes em cena como Apollo remói a luta vencida por pontos contra Rocky e, principalmente, a repercussão daquela histórica luta. Agindo de maneira irracional e irritadiça muitas vezes, como no encontro dos pugilistas no hospital logo após a primeira luta, ele mantém as reações exageradas que se contrapõem ao lado centrado e até ingenuamente sarcástico de Rocky. Observe, por exemplo, como na entrevista coletiva, Apollo está mais agitado, bancando o durão, enquanto o deboche típico destes eventos pré-luta surge na voz de Rocky, que faz diversas piadas e diverte os repórteres.

Esta inocência ilustra uma das características mais fortes e marcantes de Rocky: a humanidade. Vivendo o personagem que parece ter nascido para interpretar, Stallone confere este lado humano com precisão ao boxeador, algo que fica evidente quando ele visita o quarto do oponente no hospital e pergunta se ele deu o seu melhor, demonstrando que ele próprio duvidava se o campeão tinha lutado com afinco. E que boxeador que não o humano Rocky pararia na frente da Igreja instantes antes de subir ao ringue somente para pedir aos berros no meio da rua a benção do padre? Este tipo de atitude humaniza Rocky Balboa e o aproxima do espectador. Só que Rocky também tem seus segredos, como podemos notar quando ele ri ao ver a caricatura de Apollo lhe esmagando num jornal, mas ao entrar no banheiro e isolar-se dos demais, demonstra estar chateado, algo reforçado pela câmera em plongée que o diminui em cena. Rocky é assim, um ser humano com qualidades e defeitos e não um destemido e perfeito herói.

Grande empatiaEncontro dos pugilistas no hospitalChateado

Reticente quanto a possibilidade de Rocky voltar a lutar, Adrian passa mal e o bebê nasce de forma prematura, colocando em risco a vida da mãe, o que leva o protagonista a sofrer muito e pensar em desistir da luta. Neste instante, Stallone e seus montadores Stanford C. Allen e Janice Hampton empregam um ritmo mais lento, que alterna entre silenciosas cenas na igreja e o sofrimento do protagonista diante do leito da esposa no hospital, o que cria o contraponto ideal para o momento em que ela acorda e, surpreendentemente, pede que ele vença a luta. A trilha sonora e a reação do treinador anunciam a mudança de ritmo da narrativa e dão início a mais uma empolgante sequência de treinamento embalada pela clássica música tema de Bill Conti. Consciente do poder desta sequência, Stallone trabalha na construção da imagem icônica do personagem, abusando de closes e planos que valorizam as corridas pelas ruas da Philadelphia e encerrando em câmera lenta já nas famosas escadarias do Museu de Arte, chegando a congelar a imagem do protagonista para gravá-la ainda mais na memória do espectador.

Chegamos então a aguardada revanche, numa luta mais circense e menos realista que a do filme anterior, com Rocky mal se defendendo dos violentos golpes do adversário – ainda que a maquiagem que cria os machucados nos boxeadores novamente impressione. Ainda assim, o bom ritmo, o excelente design de som que nos joga dentro do ringue e a interpretação dos atores tornam tudo mais crível, nos levando ao ápice no round final onde o suspense (de certa forma até exagerado, mas que funciona) antecede a vitória de Rocky, fazendo a plateia na tela e fora dela explodir de alegria. Vale ainda observar como após a luta Apollo se redime e admite a grandeza de Rocky, num indício do que seria a relação entre eles a partir do terceiro filme.

“Rocky II – A Revanche” cumpre sua proposta ao trazer novamente Rocky para o ringue, mas outra vez decide ir além da luta e, assim como o treinador Mickey faz com o boxeador, consegue explorar todo o potencial dramático que o personagem tem.

Rocky II – A Revanche foto 2Texto publicado em 16 de Fevereiro de 2016 por Roberto Siqueira

ROCKY, UM LUTADOR (1976)

(Rocky)

5 Estrelas 

Filmes em Geral #5

Vencedores do Oscar #1976

Videoteca do Beto #18 (Adquirido quando a Videoteca estava no filme #17; crítica já havia sido publicada na categoria “Filmes em Geral”).

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Sylvester Stallone, Talia Shire, Burt Young, Carl Weathers, Burgess Meredith, Thayer David, Joe Spinell, Jimmy Gambina, Bill Baldwin Sr. e Jodi Letizia.

Roteiro: Sylvester Stallone.

Produção: Robert Chartoff e Irwin Winkler.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido o filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Quantas pessoas gostariam de ter uma chance na vida de mostrar o seu verdadeiro potencial e jamais conseguiram, somente porque a nossa sociedade e o nosso modo de viver raramente oferecem esta oportunidade? A tocante história do lutador amador que recebe a oportunidade de sua vida ao enfrentar o campeão mundial nos abre a possibilidade de refletir sobre este tema e observar como uma pessoa comum pode se tornar um verdadeiro campeão na vida, independente de ter ou não ter fama perante a sociedade. Escrito pelo próprio Sylvester Stallone, “Rocky, um Lutador” é muito mais que um filme sobre boxe, abordando questões delicadas de forma surpreendentemente competente.

Rocky Balboa (Sylvester Stallone) é um lutador amador de boxe que trabalha, paralelamente aos treinos, como cobrador (ou uma espécie de capanga) de um agiota na cidade de Filadélfia. A grande oportunidade de sua vida aparece quando o campeão mundial dos pesos-pesados Apollo Creed (Carl Weathers) decide, como uma estratégia de marketing, oferecer uma luta contra um desconhecido e Rocky é o escolhido. O “garanhão italiano”, como é chamado, decide se dedicar ao máximo para pelo menos sair do ringue ao término da luta sem ser nocauteado pelo campeão.

O grande trunfo do carismático filme é com certeza Sylvester Stallone. Escrito pelo próprio Stallone, Rocky é resultado de um projeto pessoal do astro, na época desconhecido do grande público. O roteiro trata basicamente da luta do homem comum para superar as adversidades em uma sociedade que não abre espaço para o seu crescimento. Podemos até considerar que existe um pouco da típica história americana, ou seja, se você trabalhar muito duro será um vencedor um dia. Mas a realidade do dia-a-dia daquelas pessoas é bem diferente, como podemos observar em pequenos detalhes da produção, como a vizinhança suja e arredia de Rocky e Paulie (Burt Young). Além disso, o filme conta com a segura direção de John G. Avildsen, que consegue criar alguns momentos inesquecíveis, como o treinamento de Rocky, recheado de belíssimos planos com o lutador correndo na beira da água e o sol nascendo, correndo pelo porto com o navio ancorado ao fundo e o belo plano no palácio da justiça da Filadélfia com Rocky subindo as escadarias e erguendo os braços lá em cima, com a bela cidade ao fundo. Ele também cria planos que dizem muito somente através da composição visual, como aquele em que Rocky está treinando no frigorífico ao vivo, enquanto Apollo e sua equipe (de costas para a televisão) fazem contas e debatem sobre o dinheiro ganho, demonstrando que para Apollo a luta contra Rocky é apenas um negócio menor. Ele é um astro e está mais preocupado com seus negócios do que com a luta em si, já que Rocky não é um adversário que o preocupe.

Stallone também é a grande força dentro do elenco do filme, oferecendo aquela que talvez seja a maior atuação de sua vida. Observe como ele vai dando pistas do temperamento explosivo de Rocky ao ficar irritado e começar a bater na carne crua no frigorífico ou quando ele reage e vence a primeira luta do filme. Observe como o ator soca o ar constantemente, como um lutador de boxe provavelmente faria, além de andar sempre com os ombros em movimento, como se estivesse prestes a desferir um soco em alguém. Além disso, ao ficar socando o ar ele também demonstra a determinação de Rocky em alcançar o seu objetivo na luta contra Apollo. Stallone também fala sempre com a boca mole, refletindo a personalidade de Rocky, que é alguém com pouco recurso intelectual, como ele mesmo diz na bela cena da patinação com Adrian. Até mesmo em cenas bem humoradas ele demonstra talento (em certo momento ele aperta uma carne crua e faz Mooo!). Repare como ele dá um leve sorriso ao ouvir as piadas de Apollo na televisão, e nem mesmo quando Paulie o repreende, dizendo que Apollo está tirando uma com a cara dele, ele para de sorrir, demonstrando que mal percebe o que está acontecendo, além de mostrar sua admiração pelo campeão. Rocky é um ser puro, simples e direto, que exatamente por ser assim, tem enorme dificuldade para viver em uma sociedade hipócrita e cheia de regras de comportamento. Finalmente, duas cenas refletem bem o talento de Stallone na composição deste personagem icônico em Hollywood. Na primeira delas, Rocky tenta conversar com Adrian, mas ela fica trancada no quarto e ele tem que falar com a porta. Stallone reflete bem o embaraço de Rocky, olhando para Paulie e depois pra baixo, indo e voltando em direção à porta e falando meio sem jeito com a garota, demonstrando sua hesitação e desconforto ao ter que passar por aquilo. A outra cena é quando Rocky discute com Mickey (Burgess Meredith). Ao ver Mickey sair, ele fica gritando e olhando para a porta com o canto do olho, demonstrando a revolta de Rocky com a vida que ele teve. Ele balança o corpo e soca a porta, explodindo em raiva quando Mickey sai, já que naquele momento Rocky estava expondo toda a dor que sentia por não ter conseguido o sucesso que seu talento permitia.

Talia Shire também tem uma grande atuação formando o par perfeito com Rocky. Nos primeiros contatos que ela tem com ele, na loja de animais, ela sorri de canto de boca com as piadas do rapaz, além de olhar quase sempre pra baixo, demonstrando a enorme timidez de Adrian. Ela só olha pra Rocky quando ele não está olhando pra ela. Na linda cena do primeiro beijo, observe como ela se entrega lentamente, recusando inicialmente o contato com ele até lentamente ir cedendo à paixão. O desajeitado beijo é extremamente realista e reflete a enorme dificuldade que aquelas duas pessoas têm de se relacionar com alguém. Burgess Meredith também está bem, demonstrando sua raiva por saber que Rocky desperdiçou a chance de ser alguém na vida, como ele deixa claro na discussão dentro da academia. O fracasso de Rocky reflete o próprio fracasso de Mickey, que também é uma pessoa amarga por não ter sido alguém no boxe, como ele deixa claro na discussão com Rocky na casa dele. Observe como nesta cena ele range os dentes, grita com raiva e olha sempre com os olhos arregalados, refletindo muito bem a ira do personagem. Carl Weathers está bastante caricato como o campeão mundial Apollo Creed, mais parecendo um astro pop entrando no palco do que um lutador de boxe entrando no ringue, provocando risos inclusive na equipe de seu adversário com a imitação de George Washington na luta final. Em todo caso, não compromete o filme. Burt Young completa o elenco principal como Paulie, o amigo fiel e explosivo de Rocky.

A dura caminhada do boxeador para chegar ao sucesso é extremamente bem refletida pelo bom trabalho técnico do filme. A começar pela direção de fotografia de James Crabe, que destaca propositalmente cores como o marrom e o preto, e cria muitos ambientes escuros. O filme se passa a maior parte do tempo à noite, refletindo a vida daquelas pessoas amarguradas e à margem da hipócrita sociedade, que parece se recusar a aceitar que existem pessoas que não são felizes com suas vidas e sequer tem a chance de mudar esta situação. Quando Rocky aconselha uma garota a parar de fumar e ficar por aí na rua até tarde, ela diz que ele não é ninguém pra falar isso pra ela. A trilha sonora toca o tema principal do filme com uma melodia lenta e triste, refletindo o momento de Rocky, que é mergulhado nas sombras da rua. Ele ficou mal com as palavras da garota, e o visual da cena, reforçado pela trilha sonora, reflete este estado psicológico do personagem. A excelente direção de arte de James H. Spencer cria ruas sujas, cheias de lixo e com paredes pichadas, mostrando um submundo de pessoas que vivem uma realidade muito diferente daquela pregada pelo “american way of life”. A casa de Rocky reflete bem sua decadência como pessoa. Observe o colchão rasgado perto da parede, as coisas bagunçadas, as paredes descascadas e a janela pichada. Ele não tem dinheiro pra nada. Os figurinos de Robert Cambel e Joanne Hutchinson colaboram na criação deste ambiente, com roupas pouco coloridas e sem vida. A trilha sonora, famosa nos dias de hoje, é muito empolgante. A música tema é cheia de energia e casa muito bem com a força do personagem. Finalmente, o trabalho de montagem de Scott Conrad e Richard Halsey mantém a narrativa sempre atraente ao focar a vida pessoal de Rocky (e não as lutas de boxe), além de colaborar com perfeição em dois momentos memoráveis do filme: o treinamento e a luta final.

Canalizando toda a frustração de sua vida para dentro do ringue, o lutador amador consegue transformar aquela simples luta em um verdadeiro embate entre as pessoas comuns e aquelas que têm o poder. Ao olhar para Rocky no ringue, a maioria dos espectadores reconhece características próprias e este é o segredo da empatia do personagem com a platéia (além é claro do carisma de Stallone). Torcemos loucamente pelo seu sucesso, mesmo sabendo da enorme dificuldade que ele precisa enfrentar para alcançá-lo. O filme acerta em cheio no realismo da luta final, já que Rocky, mesmo derrubando o campeão, perde por pontos após lutar todos os rounds. Seria difícil mesmo ele vencer o campeão mundial, mas a forma como é derrotado se torna uma vitória pessoal pra ele e, conseqüentemente, para o espectador também. O seu grito por Adrian no final da luta mostra o quanto ela foi importante para que ele buscasse forças e alcançasse seu objetivo, numa das mais belas cenas do filme.

Mostrando com extremo realismo como as pessoas comuns precisam lutar constantemente neste mundo que oferece tão poucas oportunidades para alcançar seus objetivos, “Rocky, um Lutador” consegue ser direto e ao mesmo tempo tocante. Com um personagem principal extremamente carismático, simples e inocente, mas cheio de força e garra, outros personagens muito bem desenvolvidos e boas interpretações, consegue se estabelecer como um filme maduro, que ultrapassa a barreira do esporte e simboliza a luta de toda uma vida. 

Texto publicado em 13 de Setembro de 2009 por Roberto Siqueira