(The Searchers)
Filmes em Geral #71
Filmes Comentados #14 (Comentários transformados em crítica em 11 de Agosto de 2011)
Dirigido por John Ford.
Elenco: John Wayne, Natalie Wood, Jeffrey Hunter, Vera Miles, Ward Bond, Henry Brandon, Hank Worden, Harry Carey Jr., Dorothy Jordan, John Qualen, Olive Carey, Pippa Scott e Ken Curtis.
Roteiro: Frank S. Nugent.
Produção: C. V. Whitney.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Tecnicamente brilhante, “Rastros de Ódio” aborda uma temática difícil para a época, saindo dos padrões estabelecidos e dando maior realismo ao gênero preferido da dupla John Ford e John Wayne. Desta forma, Ford conseguiu criar um clássico do western, abusando das lindas paisagens e contando uma história sombria demais para os padrões até então estabelecidos em Hollywood, com seu anti-herói ambíguo e amargurado e uma narrativa repleta de sutilezas.
O veterano de guerra civil Ethan Edwards (John Wayne) resolve visitar a casa de seu irmão e, após sair para investigar um roubo de gado, encontra a casa queimada e a família assassinada por índios. Apenas as sobrinhas Lucy (Pippa Scott) e Debbie (Natalie Wood) escapam do massacre e são levadas pelos índios liderados por Scar (Henry Brandon). Ethan parte em busca das sobrinhas ao lado do sobrinho – que ele não reconhece como tal – Martin Pawley (Jeffrey Hunter) e de Brad Jorgensen (Harry Carey Jr.), o namorado de Lucy.
Como de costume, John Ford aproveita a belíssima paisagem de sua locação preferida (Monument Valley, Utah – EUA) para criar cenas lindas, desta vez apoiado pela tecnologia “Technicolor” para ressaltar o colorido da região. Auxiliado pela fotografia maravilhosa de Winton C. Hoch, o diretor cria um visual deslumbrante, misturando a luz amarelada do sol com o vermelho da terra. Além do tradicional cuidado com cada enquadramento e movimento de câmera, Ford ainda cria interessantes rimas narrativas, como aquela entre a imagem que abre o filme e o plano final, e espalha sutilmente informações que terão reflexo futuro, como o medalhão dado por Ethan de presente para Lucy. Ford mostra habilidade ainda na condução de cenas marcantes, como momentos antes do ataque dos índios, quando a tensão domina a tela e a própria fotografia sombria indica a tragédia. Sem que algum personagem diga uma palavra, Ford indica que duas pessoas sobreviveram, através da imagem das três cruzes no enterro (cinco pessoas estavam na casa antes do ataque). Este tipo de situação sutil permeia toda a narrativa de “Rastros de Ódio”.
Toda esta beleza visual é ressaltada ainda pela linda trilha sonora de Max Steiner e Stan Jones, repleta de canções melancólicas que refletem bem o estado de espírito de quem vive distante de tudo e, principalmente, de Ethan, um homem solitário e misterioso, que, como indica o último plano do filme, pertence aquele lugar mais do que ninguém. “Rastros de Ódio” conta ainda com a dinâmica montagem de Jack Murray, que cobre muitos anos sem jamais se tornar episódica, indicando a passagem do tempo, por exemplo, através das estações do ano ou de momentos simples, como a carta que informa a morte de Brad um ano depois do ocorrido. Reforçando a sutileza da narrativa, observe como Ethan diz que Lucy não cresceu muito e a garota aponta para a irmã maior (“Aquela é Lucy, eu sou Debbie”), indicando o longo tempo que ele esteve distante.
Escrito por Frank S. Nugent, o competente roteiro permite que John Ford crie um anti-herói complexo, amargurado e extremamente ambíguo. Ethan é um homem que carrega em seus ombros o peso do passado, associado a um racismo extremo, que fica explícito logo no início, quando responde “não creio” ao mestiço Pawley – que havia sido salvo por ele na infância – ao ouvi-lo afirmar que seu sangue indígena é misturado ao sangue galês e inglês. Ninguém melhor que John Wayne para interpretar Ethan Edwards, que parte em busca de vingança com toda sua brutalidade e rancor após sua família ser massacrada pelos índios cherokees. Entretanto, descobriremos que as razões de sua viagem ao lado do mestiço Pawley não eram tão nobres. Ethan quer ter certeza de que Debbie se transformou numa índia, somente para matá-la e garantir que não tenha nenhum laço com os índios. Interpretado por Jeffrey Hunter, Pawley quer evitar que o tio cometa esse ato insano, o que explica duas pessoas tão diferentes viajarem por tanto tempo lado a lado. Ethan escancara suas intenções quando escreve um testamento deixando tudo para Pawley, deixando de lado a sobrinha criada por índios.
Astuto ao ponto de pressentir um ataque (cena da fogueira), Ethan foge completamente do herói convencional do gênero, evidenciando seu racismo ao atirar duas vezes num Índio morto e dizer para o reverendo Clayton (Ward Bond) que ele não poderá mais andar pelo vale dos mortos sem os olhos. Aparentemente, ele não segue religião alguma, mas prefere garantir que o índio não ficará bem nem aqui e nem numa suposta outra vida. As razões de seu ódio jamais são explicadas, mas este sentimento é notável, por exemplo, quando ele diz que um cherokee andaria mais trinta quilômetros em um cavalo cansado, somente para matá-lo e comê-lo depois. Curiosamente, o assassinato da família Edwards faz o espectador sentir a mesma raiva dele pelos índios, o que confere peso dramático ao excelente momento em que os cherokees cercam o grupo antes da fuga pelo rio. Retratados na maior parte do tempo como selvagens cruéis, que caçam e matam sem piedade, os índios de “Rastros de Ódio” parecem seguir o padrão da época, mas a narrativa inverte as ações em determinado momento, eliminando o maniqueísmo e humanizando os “selvagens”, numa forma bastante original de tratar a questão. Ao mostrar homens brancos destruindo o acampamento indígena e fazendo prisioneiros, Ford cria uma impactante subversão de expectativa, que revela o outro lado da moeda para uma platéia acostumada a ver os índios como selvagens assassinos.
Entre o elenco de apoio, vale destacar a boa atuação de Hank Worden como o maluco (mas nem tanto) Mose Harper, além de Vera Miles, que está ótima como a atirada Laurie, partindo pra cima de Martin assim que o vê, beijando o rapaz e ajudando em seu banho. Completamente apaixonada, ela sofre com suas constantes viagens ao lado de Ethan e sua mãe (Olive Carey) parece ser a única que a compreende, como fica evidente quando ela lê a carta em que Pawley informa que se casou com uma índia. Aliás, a índia que persegue Pawley representa um ótimo momento de alivio cômico, embalado pelas tiradas de Ethan que rendem boas gargalhadas, assim como é divertida a sensacional briga entre Pawley e Charlie (Ken Curtis), em que os dois se ajeitam, ajudam um ao outro, param e conversam – vale destacar também o encanto de Laurie ao ver Pawley brigando por ela.
Após cruzar o cânion durante a viagem, a reação de Ethan indica algo terrível, que é confirmado momentos depois quando ele informa a morte de Lucy. Desesperado, Brad parte para a vingança e as reações de Ethan e Pawley (além da trilha sombria) indicam a morte dele. Em outro momento, é a reação de Martin, contida por Ethan na oca de Scar, que indica que eles encontraram Debbie, que surge no horizonte pouco tempo depois e é protegida por Martin enquanto Ethan tenta matá-la. Repare que em todas estas situações, as palavras são desnecessárias. Esta é a beleza de “Rastros de Ódio”, onde nada é muito explicado. Em diversos momentos, as reações dos personagens indicam que algo aconteceu no passado, pesando muito nos dias atuais. Porque Ethan é tão rancoroso e solitário? Qual a sua verdadeira relação com Pawley? Ele teve alguma relação além da amizade com a mulher de seu irmão, que o trata tão bem? Repare, por exemplo, a forma como Martha (Dorothy Jordan) ajeita suas roupas e o beijo que ele dá na testa dela, indicando alguma relação mais profunda no passado. Qual a relação entre Ethan, Martin e a mãe do garoto assassinada pelos índios? Após escalpelar Scar, Ethan fica em paz e aceita Debbie de volta, levando-a pra casa, mas por quê? Todas estas respostas devem ser encontradas por cada espectador. No fim das contas, refletimos a respeito enquanto vemos aquele homem solitário do lado de fora da casa, num plano final que ilustra bem este personagem ambíguo e amargo, que foge completamente do herói típico do western até então.
Transformando o inabalável herói do faroeste em um sujeito ambíguo e alterando o modo de ver os indígenas nos filmes do gênero, “Rastros de Ódio” se estabelece como um marco na história do cinema, redefinindo o western de forma corajosa e reafirmando a competência de John Ford como diretor.
PS: Comentários divulgados em 20 de Dezembro de 2009 e transformados em crítica em 11 de Agosto de 2011.
Texto atualizado em 11 de Agosto de 2011 por Roberto Siqueira
Grande filme!
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Filmaço excepcional e boa crítica! Deixo aqui a dica do Podcast Filmes Clássicos que produziu episódio sobre este clássico. http://filmesclassicos.com.br/2016/03/15/rastros-de-odio/
Abs, Roberto e parabéns pela crítica!
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Obrigado Fred.
Um grande abraço.
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Meu filho! Rastro de Ódio é obra prima! Não tem como negar!!
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Obrigado pelo comentário Davi. Trata-se de um grande filme mesmo.
Abraço.
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Na minha opinião, “Rastros de Ódio”, “Era Uma Vez No Oeste”, “Shane”, “Três Homes Em Conflito” e “No Tempo das Diligências” são os 5 maiores westerns da história do cinema. Difícil dizer qual é o melhor, mais Rastros de Ódio é antes de tudo impactante pela beleza da fotografia.
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Olá Lucival,
Muito boa sua lista. Escrevi sobre 4 dos 5 filmes citados por você. Caso tenha cusiosidade, o link para os textos está na página inicial.
Um grande abraço.
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Esse filme é tao classico, q na primeira que eu assisti, tive um deja vu, e comecei a achar q algum dia tinha visto aquilo na tela em alguma vida passada, assim como tres homens em conflito.
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Curioso seu comentário Diego.
Obrigado pela visita e sinta-se à vontade para comentar sempre que quiser.
Abraço.
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Na minha opiniao de young espectador de cinema, o filme possui a melhor fotografia da historia do cinema.
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Não teria a ousadia de fazer uma afirmação destas Diego, mas com certeza a fotografia de “Rastros de Ódio” é linda.
Abraço.
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Eu tenho essa ousadia de afirmar, nao foi a toa que o Monument valley se tornou minha paisagem preferida e e um dia irei viisitar-la.
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Que legal Diego, espero que consiga!
Eu não faria uma afirmação destas porque não assisti todos os filmes já produzidos na história para dizer que algum deles tem a melhor fotografia da história. Mas que a fotografia é linda, é sim.
Abraço.
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Quando as listas dos maiores filmes de faroeste são compiladas, todos os estilos são colocados no mesmo saco. Deviam ser separadas, pois o estilo americano é totalmente diferente do spaghetti. Rastros de Ódio de John Ford representa o estilo americano, juntamente com Howard Hughes. Dentro desse estilo Rastros de Ódio é certamente o maior filme de faroeste já realizado. Já no estilo spaghetti, onde Sergio Leone é seu maior expoente, o estilo é totalmente diverso. Três Homens em Conflito e Era Uma Vez noOeste , ambos de Leone, são as maiores expressões desse estilo. Portanto, não há como dizer qual desses filmes é melhor. Eu, particularmente, prefiro o estilo spaghetti e consequentemente, Três Homens em Conflito é para mim o maior filme de faroeste já realizado. E o ator Eli Wallach ( o feio) nos brinda com a maior atuação que um ator já fez em um western spaghetii.
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Também prefiro o western spaghetti Cesar, mas gosto bastante de Ford e Howard Hawks.
Se tiver interesse, já escrevo sobre “Era uma vez no oeste” e “Três homens em conflito”.
Fique à vontade para comentar.
Abraço.
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