(The Deer Hunter)
Filmes em Geral #102
Vencedores do Oscar #1978
Dirigido por Michael Cimino.
Elenco: Robert De Niro, Christopher Walken, Meryl Streep, John Cazale, John Savage, Chuck Aspegren, Pierre Segui, George Dzundza, Shirley Stoler e Rutanya Alda.
Roteiro: Deric Washburn, baseado em argumento dele próprio ao lado de Michael Cimino, Louis Garfinkle e Quinn K. Redeker.
Produção: Michael Cimino, Michael Deeley, John Peverall e Barry Spikings.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Criar expectativas é algo sempre negativo quando falamos de cinema. Quanto maior a expectativa criada, maiores são as chances de nos decepcionarmos com um filme, ainda que este apresente um resultado agradável. Mas como não se empolgar quando os créditos iniciais anunciam nomes como os de Robert De Niro, Meryl Streep e John Cazale, além do menos badalado, mas também competente Christopher Walken? No entanto, ainda que seja tecnicamente bem realizado e tente apostar numa interessante abordagem intimista, “O Franco-Atirador” se perde completamente em seus aspectos políticos e éticos, chegando a soar ofensivo e racista pela maneira desprezível que o diretor Michael Cimino retrata os rivais norte-americanos na guerra do Vietnã.
Escrito por Deric Washburn a partir de argumento dele próprio ao lado de Michael Cimino, Louis Garfinkle e Quinn K. Redeker, “O Franco-Atirador” narra a trajetória dos amigos Michael (De Niro), Nick (Walken) e Steven (John Savage), que são convocados para a Guerra do Vietnã e se veem obrigados a deixarem a família e os amigos para trás. Após viverem experiências traumáticas no conflito, dois deles conseguem regressar ao país, mas a vida de todos os envolvidos nunca mais será a mesma após eles terem experimentado os horrores da guerra.
Partindo da interessante premissa de nos apresentar as graves consequências psicológicas provocadas pela guerra naquele grupo de trabalhadores de uma pequena cidade no interior dos EUA, “O Franco-Atirador” se apoia ainda em seu excepcional elenco, repleto de nomes capazes de carregar qualquer narrativa com facilidade. Portanto, é uma pena que Cimino utilize um elenco de primeira qualidade num filme tão maniqueísta, que beira o jingoísmo pela forma como retrata os vietnamitas (voltarei ao tema em instantes).
Ainda assim, o longa apresenta um resultado agradável quando observamos somente os aspectos técnicos da produção. Observe, por exemplo, como a fotografia de Vilmos Zsigmond realça o clima melancólico daquela cidade industrial, apostando em cores frias que casam bem com a sujeira das ruas e os galhos secos das árvores, assim como fazem os figurinos sem vida de Eric Seelig e os ambientes poucos iluminados concebidos pelo design de produção de Ron Hobbs e Kim Swados. Da mesma forma, os tristes acordes da canção tema reforçam esta atmosfera, assim como as boas músicas escolhidas para a trilha sonora de Stanley Myers, com exceção apenas da trilha erudita que confere um tom épico à caçada dos cervos nas montanhas.
Montanhas que são captadas com elegância pelos belos enquadramentos de Cimino, que ainda apresenta um bom repertório de planos e movimentos de câmera interessantes. Por isso, mais uma vez é lamentável que o diretor utilize este talento para enviar mensagens nada sutis, como quando faz questão de focar por um longo tempo a bandeira dos Estados Unidos e a faixa com os dizeres “Servimos a Deus e a pátria com orgulho”. Além disso, em certo momento um homem pergunta para Michael se “nós ganhamos a guerra” e fica sem resposta, escancarando a grande fantasia norte-americana de ter vencido no Vietnã, que ficaria ainda mais evidente nas produções vindouras do país durante a “era Reagan”.
Apostando numa abordagem mais intimista na primeira metade do filme, Cimino investe um longo tempo no desenvolvimento das relações entre os personagens, mostrando o grupo bebendo no bar e se divertindo, o que ajuda a criar empatia com a plateia. No entanto, o pretensioso diretor se empolga e estende demais a sequência do casamento e da festa, que claramente poderia ser enxugada pelo montador Peter Zinner para melhorar o ritmo da narrativa. Ainda assim, esta longa sequência serve para nos aproximar daquelas pessoas, especialmente de Michael e Nick, que evidenciam suas fortes personalidades durante a caçada que precede o embarque para o Vietnã. Assim, quando este momento se aproxima, já nos sentimos mais íntimos daqueles jovens, o que confere um tom ainda mais melancólico à cena da despedida no bar, com as expressões tristes dos personagens, a música tocada no piano e o próprio travelling lento de Cimino que é abruptamente cortado pelas explosões das bombas já no Vietnã.
Demonstrando um maniqueísmo nojento desde o primeiro minuto no Vietnã em que um soldado local surge explodindo mulheres e crianças, Cimino não se envergonha de retratar a guerra como um conflito claramente dividido entre os norte-americanos bonzinhos que vieram pregar a paz e os cruéis vietnamitas que se aglomeram e pagam para ver pessoas explodindo as próprias cabeças, esquecendo-se das motivações políticas desprezíveis que levaram os EUA a intervir naquela guerra. Aliás, o povo do Vietnã é retratado como um bando de idiotas, numa coleção de seres da pior estirpe, como assassinos, jogadores sedentos por sangue e prostitutas que vendem o corpo diante dos próprios filhos. Além disso, as manifestações em massa sempre buscam deteriorar a imagem daquelas pessoas, como no primeiro plano da volta de Michael ao Vietnã que mostra o povo tentando desesperadamente invadir a embaixada norte-americana.
Ciente de que suas cenas de combate não impressionam, Cimino rapidamente salta do momento da chegada ao Vietnã para a sequência em que Michael, Nick e Steven estão presos. Assim, se num instante acompanhamos o grupo sofrendo um bombardeio, na cena seguinte eles já surgem enjaulados, em outro corte abrupto que desta vez depõe contra o trabalho dele e de seu montador. Ao menos, aqui Cimino consegue criar momentos de alta tensão, extraindo ainda excelentes atuações de seu elenco. Observe, por exemplo, como John Savage demonstra com precisão o desespero e a angústia de Steven enquanto aguarda para ser chamado pelos cruéis vietnamitas, ao passo em que De Niro transmite tranquilidade ao parceiro e ao espectador com seu tom de voz baixo e controlado. Durante o jogo da roleta russa, De Niro novamente se destaca, demonstrando muito bem sua ira e, ao mesmo tempo, sua compaixão pelo sofrimento do amigo.
Aliás, Christopher Walken também apresenta um desempenho excepcional nesta sequência eletrizante, com seu riso tenso e o olhar assustado demonstrando que Nick não sabe o que esperar diante daquela angustiante situação, segundos antes de Michael atirar nos vietnamitas e conseguir escapar. E se repito por diversas vezes a expressão “vietnamitas”, é porque Cimino faz questão de sequer dar nome aos habitantes locais, na mais perfeita confirmação de sua visão ufanista do conflito. Deste ponto em diante, o solitário Nick começa a se desapegar do passado e a perder o sentido na vida, perambulando pelo Vietnã até se reencontrar nos perigosos jogos de roleta russa promovidos por um grupo clandestino local. Após as torturas sofridas na guerra, viver ou morrer era indiferente, apenas uma questão de sorte que ele estava disposto a encarar.
Entre os que ficaram nos Estados Unidos, John Cazale encarna Stoch como alguém que parece sempre irritado e desconfiado, ao ponto de andar com uma arma na cintura e transmitir a constante sensação de que está sempre pronto para uma briga, ao passo em que George Dzundza pouco pode fazer com o tempo que tem com seu John. E finalmente, a grande Meryl Streep já demonstrava seu talento neste que é apenas o seu segundo papel na carreira. Mesmo com uma participação relativamente pequena, ela consegue conferir humanidade a Linda, equilibrando-se entre a felicidade ao ver Michael de volta e a tristeza por não reencontrar Nick.
Sentindo-se deslocado nesta volta ao país, Michael sequer consegue caçar e chega ao ponto de fazer a tal roleta russa com Stoch, num momento de pura insanidade que poderia tirar a vida do amigo. Demonstrando este incômodo com precisão, De Niro mais uma vez comprova sua enorme qualidade como ator, compondo outro personagem impactante através de suas expressões viscerais durante as torturas na guerra que se contrapõem diretamente aos olhares contidos em sua volta; que, por sua vez, refletem as graves consequências de tudo que ele sofreu.
Infelizmente, esta sequência da volta de Michael também é mais extensa do que deveria e quebra novamente o ritmo da narrativa, que só retoma o fôlego quando ele decide voltar ao Vietnã para resgatar o amigo perdido, nos levando a outra cena eletrizante envolvendo os jogos de roleta russa que culmina na impressionante morte de Nick – e aqui vale reparar como a fotografia se torna mais sombria, apostando na falta da luz para criar uma atmosfera sufocante. Após ver Steven ficar paralítico, Michael estava agora diante de um novo trauma, testemunhando a morte do amigo de maneira tão idiota.
Só que, aparentemente, nem mesmo os trágicos resultados da guerra fazem com que aquele grupo de pessoas questione as motivações de seu país, o que nos leva à deprimente cena que encerra “O Franco-Atirador”, com todos cantando “Deus abençoe a América” e confirmando a visão míope de Cimino. Assim, a longa extensão e o maniqueísmo exacerbado da narrativa acabam ofuscando a boa intenção de mostrar os trágicos resultados psicológicos e físicos da guerra.
Texto publicado em 21 de Fevereiro de 2013 por Roberto Siqueira
“O cinema não precisa expressar exatamente a realidade; muitas vezes é até bom que seja uma fuga a ela.” É justamente o contrário, as cenas são predominantemente irrealistas e focadas no maniqueísmo politicamente correto. O franco atirador não atira no animal, e, o olhar masoquista dele anuncia todo o inferno posterior. Ainda bem que o um filme às vezes transcende a propaganda política.
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“as cenas são predominantemente irrealistas”.. Pois é, você confirmou o que eu havia dito.
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Estereótipos são ponto positivo no cinema (ok, sei que estou indo contra a maré politicamente correta dos dias atuais..)
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Boa tarde Rodrigo,
Não quero politizar a discussão, especialmente no que tange ao politicamente correto, mas seria muito interessante entender por que vê os estereótipos como algo positivo. Entender os argumentos de quem pensa diferente sempre engrandece um bom debate.
Abraço.
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Boa tarde, Roberto.
Também não quero politizar a conversa; na verdade, minha intenção foi justamente evitar isso, mostrar a quem, por ideologia política, se sentir contrariado que estou consciente de que minha opinião é contrária à aparentemente predominante, sendo dispensáveis sermões e discussões que fogem ao assunto do blog.
Bom, vamos ao que interessa. Minha opinião baseia-se na maneira com que enxergo o cinema. Muitos (acredito que a maioria) esperam que o cinema apresente mensagens para reflexão, forme pontos de vista e apresente o mundo aos espectadores tal qual ele é; enfim, que seja um educador. Eu dispenso tudo isso. Não vejo filmes para ser estimulado à reflexão, não acho que a visão de mundo transmitida pelos cineastas seja necessariamente correta ou ideal e não espero que eles me ensinem como o mundo é. Esse é o ponto. O cinema não precisa expressar exatamente a realidade; muitas vezes é até bom que seja uma fuga a ela. Se contamos às crianças contos com personagens que mesmo apresentando aparência de reais não o são (o príncipe encantado, o ladrão legal que se casa com a princesa, etc.), por que não podemos criar a ficção com os vietnamitas estereotipados? Eles são nada mais que um recurso para a criação da história. De outra forma, como eu e todos os outros apreciadores de western, por exemplo, ficaríamos sem o estereótipo do índio selvagem malvadão? Pessoas maduras, como você e eu, que vivem em contato direto com informação real, podem perfeitamente apreciar uma obra assim e permanecer cientes de que aquilo é pura e simplesmente ficção.
Frise-se que tudo aqui é uma opinião estritamente particular. Não tenho a pretensão de convencer ninguém. Trata-se, portanto, mais de uma explicação do que de uma argumentação.
Abraço.
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E que mensagem, ou não, teria esse filme, onde só tem conversa fiada pra preencher o tempo? O filme deveria se concentrar na guerra e não em bobagens domésticas.
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O filme se propõe a passar uma mensagem antiguerra, com foco nas consequências físicas e psicológicas pós-conflito naqueles que dela participam.. assim, é acertada a ênfase na vida cotidiana antes e depois do conflito e não nas cenas de guerra, mas eu concordo que a proporção entre esses dois ambientes poderia ser diferente..
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Este filme é uma das maiores porcarias que eu já vi na vida. É estranho como tenha ganhado um Oscar. O filme tem 90% de enrolação e 10% de filme. Poderia muito bem ter apenas 15 minutos.
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Fiquei um pouco decepcionado com este filme, devido ao elenco forte esperava mais, concordo plenamente com as 2 estrelas e mais uma vez uma boa visao do filme Beto
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Decepção mesmo Rauny, esta é a palavra.
Um abraço.
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Olá, Roberto. Há ótimos filmes que me fazem assisti-lo inúmeras vezes. Há filmes médios que me obrigo assistir mais de uma vez para procurar entendê-lo. Por outro lado, existem películas que assisto uma única vez e dificilmente vou removê-lo da estante para uma nova sessão, ou pelo menos, demorarei bastante para vê-lo outra vez, seja por serem francamente ruins, seja por serem “formatados” de tal modo que nem mesmo assistindo uma segunda vez vou conseguir compreender, ou ainda porque prometem mais do que realmente conseguem ser.
O Franco Atirador possui um título pomposo em minha opinião. Um timaço de atores e uma história que teria tudo pra dar certo. Porém a coisa desandou em alguns aspectos como no aproveitamento de alguns astros (De Niro e Walken estão apenas modestos em cena, embora o esquecido John Savage tenha dado uma boa resposta), e também no velho e rançoso discurso pós-guerra do Vietnã, onde Davi venceu Golias, fazendo com que o soberbo e orgulhoso gigante nunca mais esquecesse disso e contasse uma versão diferente e distorcida a respeito do que verdadeiramente aconteceu através de uma análise ufanista e ultrapassada. Muitas obras falaram a respeito dessa guerra e com um resultado bem mais positivo como Nascido para Matar, Platoon e o excepcional Apocalipse Now. Filmes que assisti com muito gosto em mais de uma oportunidade, mas não posso dizer o mesmo em relação ao Franco Atirador.
Grande abraço.
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Obrigado pelo comentário Janerson.
Um abraço.
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