KARATÊ KID – A HORA DA VERDADE (1984)

(The Karate Kid)

5 Estrelas 

Videoteca do Beto #160

Dirigido por John G. Avildsen.

Elenco: Ralph Macchio, Pat Morita, Elisabeth Shue, Martin Kove, Randee Heller, William Zabka, Ron Thomas e Rob Garrison.

Roteiro: Robert Mark Kamen.

Produção: Jerry Weintraub.

Karatê Kid – A Hora da Verdade[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Mesmo numa época marcada por excelentes produções voltadas para o grande público, “Karatê Kid – A Hora da Verdade” transformou-se num enorme e surpreendente sucesso, conquistando uma legião de fãs e rendendo duas continuações. No entanto, basta uma olhada rápida na sinopse do longa para constatar que ele não trazia exatamente nada de novo com sua história simples e até certo ponto previsível, o que comprova como a utilização de clichês pode funcionar com eficiência quando o diretor sabe trabalhar seu tema de maneira inteligente, sem ofender a inteligência da plateia. Assim, ao apostar na química entre seus personagens e na identificação do espectador com a trajetória de superação de seu protagonista, John G. Avildsen fez deste um verdadeiro ícone do cinema dos anos 80.

Mas qual o segredo de tanto sucesso? A resposta está na forma simpática e eficiente que o diretor transporta para a tela o roteiro básico escrito por Robert Mark Kamen, que narra o típico conflito adolescente dos tempos de escola em que o mocinho frágil e apaixonado luta pela garota bonita e rica contra o bad boy fortão e desleal. Neste caso, Daniel Larusso (Ralph Macchio) é o jovem que, após mudar-se para outra cidade com sua mãe (Randee Heller), conhece a linda e rica Ali (Elisabeth Shue) e conquista o interesse amoroso dela. Só que a garota é a ex-namorada do encrenqueiro Johnny (William Zabka), que, sendo faixa preta em caratê, começa a surrar Daniel constantemente, até que este encontra o auxílio do japonês Sr. Miyagi (Pat Morita), um velho conhecedor das técnicas de caratê que decide ensinar Daniel os segredos desta arte marcial.

Não é preciso muita bagagem cinematográfica para imaginar qual será a trajetória de Daniel Larusso, o eterno Daniel “San”. No entanto, a maneira como Avildsen conduz a narrativa envolve completamente o espectador, balanceando momentos bem humorados, como quando o carro da Sra. Larusso falha na frente da casa de Ali logo após ela apresentar Daniel para os pais dela, com momentos dramaticamente mais densos, especialmente aqueles que envolvem a construção da amizade entre o jovem e seu mentor. É verdade que o roteiro não presa exatamente pela originalidade e mesmo o velho conflito do par romântico ocasionado por um mal entendido está presente, mas até este velho clichê é usado com eficiência pelo diretor.

Além disso, Avildsen utiliza o trabalho técnico de sua equipe de maneira orgânica, contribuindo para o andamento da narrativa e, principalmente, nos dizendo um pouco mais sobre aqueles personagens. Repare, por exemplo, como a decoração nipônica da casa do Sr. Miyagi concebida pelo design de produção de William J. Cassidy nos transmite a paz de espírito de seu morador, ainda mais quando reforçada pela bela trilha sonora instrumental do ótimo Bill Conti, que remete à terra do sol nascente com precisão e contrasta muito bem com as músicas joviais escolhidas para muitas cenas de Daniel que casam perfeitamente com o espírito adolescente de “Karatê Kid”.

Amizade entre o jovem e seu mentorVelho conflitoDecoração nipônica da casa do Sr. MiyagiAs atuações também são essenciais para o sucesso da narrativa e, neste sentido, é impressionante como Avildsen consegue extrair um ótimo desempenho de quase todo o elenco. Comecemos pelo ótimo Ralph Macchio, que compõe Daniel como um garoto frágil e carismático, conquistando nossa empatia com seu jeito de ser e exibindo um humor autodepreciativo que realça sua falta de confiança e valoriza ainda mais sua trajetória de superação. Transmitindo esta característica do personagem com precisão, Macchio se destaca ainda em momentos que exigem uma postura mais visceral, como quando demonstra muito bem a revolta de Daniel após ser derrubado da bicicleta, evitando o contato com a mãe e gritando que deseja voltar para sua antiga casa – e repare como o travelling que encerra a cena faz questão de revelar que o Sr. Miyagi ouviu toda a discussão, indicando o momento em que o sábio vizinho decide ajudar o garoto. Vulnerável, Daniel conquista a empatia do espectador também pela nossa identificação com o tema, afinal, quem nunca quis enfrentar o valentão da escola pelo amor de uma garota?

Garoto frágil e carismáticoRevolta de DanielSr. Miyagi ouviu toda a discussãoPor sua vez, Elisabeth Shue está encantadora como Ali, justificando perfeitamente a atração que Daniel sente por ela. Com seu jeito meigo e sua postura firme diante das investidas do ex-namorado, ela se torna ainda mais carismática pela maneira adulta com que resolve o conflito criado pelo mal entendido no restaurante, evitando o jogo de cena e aceitando rapidamente as desculpas de Daniel. Além disso, a empatia do casal é contagiante e faz com que o espectador torça muito pelo sucesso daquele relacionamento.

Encantadora AliPostura firmeEmpatia do casalEmpatia, aliás, é a palavra que melhor define “Karatê Kid”. Observe, por exemplo, a naturalidade com que Daniel e sua mãe conversam, demonstrando uma afinidade capaz de superar todos os momentos de crise. Otimista e dona de um alto astral quase inabalável, a Sra. Larusso é outra personagem simpática que conquista a plateia sempre que entra em cena graças ao bom desempenho de Randee Heller, mas que nem por isso deixa de demonstrar preocupação diante das constantes agressões sofridas pelo filho, o que humaniza a personagem e evita que ela se torne artificial.

AfinidadeAlto astral quase inabalávelPreocupaçãoTalvez esta artificialidade surja apenas no grupo de valentões que decide infernizar a vida de Daniel desde sua chegada. Detestável até praticamente sua última fala, William Zabka permite que Johnny se torne um pouco mais humano somente após ser derrotado por Daniel (“Você é legal!”, diz), escancarando que o único personagem realmente unidimensional de “Karatê Kid” é mesmo John, o professor durão dos “Cobra Kai” interpretado por Martin Kove que assume o papel de vilão e prega sem pestanejar que a piedade é para os fracos. Observe, por exemplo, como seus próprios alunos reagem com sinais de reprovação quando este ordena que tirem Daniel do combate, ainda que não tenham coragem de contrariar a ordem dada. Ainda assim, Kove faz bem o tipo durão e transforma seus alunos numa ameaça real ao protagonista, o que é importante para que o espectador tema pelo destino de Daniel no torneio.

Detestável JohnnyProfessor durão dos Cobra KaiSinais de reprovaçãoFinalmente, se hoje não podemos falar de “Karatê Kid” sem recordar do Sr. Miyagi é porque o grande destaque do elenco é mesmo Pat Morita, que transforma aquele senhor japonês num personagem adorável e inesquecível. Falando com um sotaque divertido que só reforça sua origem, Morita encarna o papel de tutor com incrível desenvoltura e carisma, conquistando não apenas o carinho de Daniel como também de toda a plateia. Aliás, é importante notar como esta linda relação de amizade é construída com calma pela narrativa e, por isso, soa tão verdadeira. Dono de uma sabedoria invejável e exalando a famosa “paciência oriental”, Miyagi utiliza os interessantes diálogos com Daniel para nos apresentar à sua verdadeira coleção de frases impactantes e sua visão peculiar do caratê e da própria vida. Morita se destaca ainda na tocante sequência em que o reservado Sr. Miyagi revela como perdeu a esposa e o filho, evidenciando a empatia existente entre eles e confirmando que confia plenamente em Daniel.

Adorável e inesquecívelLinda relação de amizadeSr. Miyagi revela como perdeu a esposa e o filhoOs diálogos da dupla e os treinamentos comandados por Miyagi se tornam ainda mais especiais quando Avildsen e o diretor de fotografia James Crabe resolvem explorar a beleza da praia e de um lago para criar planos belíssimos e ensolarados, que ilustram a empolgação do garoto durante o processo de aprendizagem e se contrapõem aos planos obscuros que acompanham parte das árduas tarefas realizadas na casa de seu mentor. O diretor também utiliza bem o segundo plano durante a conversa entre Daniel e sua mãe num restaurante, permitindo que o espectador acompanhe simultaneamente a conversa dos dois e os garotos que saem da escola de caratê e observam os Larusso a distancia, numa cena que serve para treinar o olho da plateia para que esta observe com mais atenção o excelente momento em que Miyagi impede que massacrem Daniel, no qual este surge também em segundo plano pulando uma grade e demonstra toda sua habilidade nas artes marciais.

TreinamentosÁrduas tarefasMiyagi impede que massacrem Daniel“Karatê Kid” tem ainda seus momentos encantadores, como o passeio de Daniel e Ali no parque, o inocente primeiro beijo do casal e a icônica cena em que Daniel treina seu famoso golpe na praia, que será vital no encerramento da narrativa. Mas talvez a sequência mais marcante seja o fascinante diálogo em que o Sr. Miyagi revela porque pediu todas aquelas tarefas pesadas para Daniel e o garoto percebe que já estava sendo treinado não apenas para o caratê, mas também para enfrentar a vida, evidenciando que Miyagi representa a figura paterna que tanto lhe faz falta.

Passeio de Daniel e AliInocente primeiro beijoFascinante diálogoPor isso, quando um leve movimento de câmera revela o cartaz do campeonato de caratê na parede da escola, mal podemos esperar pelo dia do torneio. Trabalhando esta expectativa com inteligência, Avildsen nos leva até os esperados duelos, que se tornam ainda mais empolgantes graças à montagem dinâmica de Walt Mulconery, Bud Smith e do próprio Avildsen e à trilha sonora agitada que embala o início da competição – e aqui vale observar como os figurinos de Richard Bruno e Aida Swinson fazem questão de ilustrar quem é o mocinho, que surge vestido com roupão branco, e quem são os vilões, vestidos com roupões pretos, mas esta visão unidimensional não chega a atrapalhar o filme. Quando finalmente chegamos à luta final, estamos tão envolvidos pela narrativa e tão identificados com os personagens que é praticamente impossível não torcer loucamente pela vitória de Daniel.

Esperados duelosMocinho de brancoVilões de pretoE ainda que “Karatê Kid” termine abruptamente após o famoso golpe, este final emblemático teve força suficiente para marcar toda uma geração, o que comprova a qualidade da narrativa e o bom trabalho de Avildsen e seu elenco. Trabalhar com histórias que usam o esporte como ponte para a superação de barreiras pessoais parece mesmo ser a especialidade de John G. Avildsen.

Karatê Kid – A Hora da Verdade foto 2Texto publicado em 15 de Fevereiro de 2013 por Roberto Siqueira

DESPEDIDA EM LAS VEGAS (1995)

(Leaving Las Vegas)

 

Videoteca do Beto #126

Dirigido por Mike Figgis.

Elenco: Nicolas Cage, Elisabeth Shue, Julian Sands, Richard Lewis, Steven Weber, Kim Adams, Emily Procter e Valeria Golino.

Roteiro: Mike Figgis, baseado em livro de John O’Brien.

Produção: Lila Cazès e Annie Stewart.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Desde os primeiros minutos de “Despedida em Las Vegas” o espectador é envolvido por sua atmosfera melancólica, que reflete a triste e crítica situação de seu protagonista, interpretado brilhantemente por Nicolas Cage. Tratando o alcoolismo com seriedade, o longa dirigido por Mike Figgis acerta ao não julgar o viciado, ao mesmo tempo em que não alivia ao mostrar as sérias conseqüências de seu vicio. Completado ainda por uma trilha sonora belíssima e pela ótima atuação de Elisabeth Shue, este filme singelo nos deixa um gosto amargo na boca e uma mensagem forte para reflexão.

Escrito pelo próprio Mike Figgis, o longa esteve perto de sequer ser realizado, porque John O’Brien, o autor do livro em que é baseado, suicidou-se apenas dois meses após o lançamento de sua obra. Esta informação de bastidores é vital para compreender o clima que permeia toda a projeção. Estamos falando da obra de um homem que sabia estar próximo do fim (ou pelo menos tinha esta sensação) e Figgis é extremamente competente na transposição deste sentimento para a tela grande. O resultado é um longa eficiente, tocante e que nos atinge como um soco ao mostrar o viciado como alguém doente, sem qualquer capacidade de controle sobre seu vicio. Ao virarmos as costas para estas pessoas, estamos apenas empurrando-as um pouco mais pra perto do abismo.

Em “Despedida em Las Vegas”, acompanhamos Ben (Nicolas Cage), um roteirista alcoólatra abandonado por esposa e filho que, após ser demitido, decide mudar-se para Las Vegas e beber até morrer. Lá, ele conhece Sera (Elisabeth Shue), uma prostituta que compreende sua situação e lhe abre as portas de sua casa. Juntos, eles viverão momentos marcantes, porém ambos sabem que o processo de deterioração de Ben já é irreversível. “Eu não lembro se comecei a beber porque minha mulher me deixou ou se minha mulher me deixou porque comecei a beber”, ele diz em certo momento. De fato, o roteiro jamais explica porque sua esposa o abandonou, mas a foto de sua família deixada na fogueira antes de sua partida indica um passado feliz. Só que este passado é deixado para trás, queimando na fogueira ou largado dentro de sacos de lixo, enquanto Ben viaja para Las Vegas.

O sucesso do trabalho de Figgis passa por sua direção competente, repleta de closes que realçam as fortes atuações de seus protagonistas. Detalhista, o diretor se preocupou até mesmo em compor a melancólica trilha sonora, repleta de jazz e que traz ainda duas lindas canções interpretadas por Sting, nos mergulhando ainda mais no triste mundo de Ben. O uso constante da câmera lenta e o predomínio de cenas noturnas colaboram na criação desta atmosfera sufocante que, associada ao ritmo corretamente desacelerado da montagem de John Smith, reflete as sensações daquele homem que lentamente se suicida. Além disto, a excelente fotografia de Declan Quinn abusa dos tons de vermelho, refletindo o inferno astral daquelas duas pessoas tristes, aproveitando também as luzes da noite de Las Vegas, que carregam alguma nostalgia e ilustram a melancolia que predomina a narrativa. E novamente Figgis confirma sua competência captando tudo isto com precisão através de sua câmera.

Talvez a imagem que mais apareça em “Despedida em Las Vegas” seja a de Ben com uma garrafa na mão, o que, para quem não conhece a trágica conseqüência do vicio, pode soar exagerado. Não é. Figgis retrata com precisão a necessidade constante que o alcoólatra tem de estar bebendo. Só que todo este cuidado do diretor poderia ser prejudicado caso o ator principal não fosse alguém tão talentoso. Em atuação excepcional, Nicolas Cage retrata um alcoólatra com precisão, através do olhar desfocado, das tremedeiras e das crises constantes que o levam a beber sempre mais e mais, acertando em praticamente tudo, desde os momentos que pedem uma atuação mais forte, como a impressionante crise no cassino, seguida pela tremedeira enquanto ele se arrasta até a geladeira, até os momentos minimalistas, como quando Ben, de costas, tropeça levemente na escada rolante, mostrando a falta de reflexos provocada por seu constante estado alcoolizado. Sua mente conturbada é refletida até mesmo na pilha de papéis em sua mesa de trabalho (direção de arte de Barry Kingston) e ele tem consciência disto, tanto que mal reage à sua demissão – em outro momento comovente da atuação de Cage.

Esta grande atuação encontra o contraponto ideal no excelente desempenho de Elisabeth Shue, que compõe uma Sera igualmente solitária e triste, que parece compreender mais o drama de Ben do que ele compreende o dela. A atriz também entrega uma atuação caprichada, que se preocupa com pequenos detalhes, como quando Sera evita olhar diretamente para a câmera enquanto fala sobre sua performance sexual ou em sua comovente expressão quando pede para Ben mudar pra casa dela. Cage e Shue ilustram a tristeza dos personagens em seus semblantes carregados, algo que Figgis capta muito bem empregando constantemente o citado close-up. Em certo momento, Ben diz que “mais cedo ou mais tarde vamos transar” e Sera responde: “seja lá o que isto quer dizer”. O sexo era o que menos importava naquela relação e isto fica evidente quando Ben pede para Sera parar o sexo oral e apenas conversar, derrubando uma lágrima dos olhos emocionados dela, em outra cena linda, embalada pela excelente trilha. Eles precisavam muito mais de companhia e compreensão do que de prazer.

Esta falta de apetite sexual, entretanto, não quer dizer desinteresse, refletindo apenas o devastado estado emocional dele. Repare, por exemplo, como Ben mal consegue segurar o copo em um jantar, mas se antecipa ao pegar o isqueiro para Sera antes que ela perceba, mostrando que presta atenção nela. Eles se importavam muito um com o outro. Mas este cuidado começa a se transformar em preocupação quando Ben passa a se incomodar com a profissão dela. Sera também já não estava totalmente confortável com a situação dele, apesar de ter aceitado jamais pedir que ele parasse de beber. Também fica claro que Sera deseja Ben, por isso, numa tentativa desesperada, ela derrama Vodka em seu corpo e tenta animá-lo, o que funciona, pelo menos até que ele tropece, quebre uma mesa de vidro, se corte e destrua o clima. Ele não consegue transar com ela, vaga pela casa com uma garrafa na mão e mais parece um fantasma. Por isso, quando ela volta pra casa e o encontra com outra prostituta, a dor é forte. Para ela, esta é a pior traição possível, mas no fundo ela também sabe que Ben é incapaz de perceber a gravidade de sua atitude. Triste, ela sai de casa, aceita fazer programa com alguns garotos e acaba violentada, numa cena de forte impacto. O choque é inevitável e ela o expulsa de casa, mas logo o arrependimento vem.

Caminhamos então para o anunciado final de “Despedida em Las Vegas”. O reencontro do infeliz casal, num quarto escuro e em silencio, é banhado em melancolia e nos leva à morte dele. Cage e Shue novamente dão um show à parte e encerram suas atuações com perfeição. As palavras finais dela resumem bem a mensagem da narrativa: ambos não esperavam que o outro mudasse, pois eles sabiam que não tinham muito tempo e, por isso, aceitavam o outro pelo que era. E assim como Sera, o espectador se sente incapaz durante toda a projeção, vendo aquele homem caminhar para a morte sem poder fazer nada a respeito.

Retratando com fidelidade a vida de um alcoólatra em fase final, “Despedida em Las Vegas” é um filme difícil, triste, mas extremamente competente dentro do que se propõe a fazer. Se você não se sentir tocado e repensar o vício após esta experiência, é melhor procurar um médico, pois talvez não tenha um coração batendo aí dentro. Não devemos tolerar o vício e muito menos subestimá-lo, mas compreender a situação do viciado é o primeiro passo para ajudá-lo.

Texto publicado em 06 de Maio de 2012 por Roberto Siqueira

DE VOLTA PARA O FUTURO 3 (1990)

(Back To The Future Part III)

 

Videoteca do Beto #73

Dirigido por Robert Zemeckis.

Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Mary Steenburgen, Thomas F. Wilson, Lea Thompson, Elisabeth Shue, Matt Clark, James Tolkan, Hugh Gillin, Mark McClure, Wendie Jo Sperber, Jeffrey Weissman, Bill McKinney, Todd Cameron Brown, Flea e Richard Dysart.

Roteiro: Robert Zemeckis e Bob Gale.

Produção: Neil Canton e Bob Gale.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Fechando a magnífica trilogia dirigida por Robert Zemeckis, “De Volta para o Futuro 3” não decepciona, entregando tudo que a série tem de melhor em forma de homenagem a um gênero clássico do cinema norte-americano. O roteiro inteligente, as excelentes piadas, as ótimas atuações e o sentido de aventura aparecem com força total neste ótimo filme, que garante uma despedida digna para esta trilogia que marcou a geração dos anos oitenta.

Marty McFly (Michael J. Fox) decide voltar ao velho oeste para evitar a morte de Doc (Christopher Lloyd) quando ambos descobrem o túmulo dele após ler a carta escrita pelo cientista em 1885. Ao chegar ao velho oeste, Marty terá apenas cinco dias para evitar que Doc se apaixone por Clara Clayton (Mary Steenburgen) e morra nas mãos do temível bandido Tannen (Thomas F. Wilson).

Logo na introdução, De Volta para o Futuro 3” revela a principal característica da trilogia, ao apresentar um momento decisivo do filme anterior e imediatamente fazer a conexão com a narrativa que será desenvolvida pelo excepcional roteiro de Robert Zemeckis e Bob Gale. Além de constantemente fazer referências às características marcantes dos personagens, como a reação intempestiva de Marty ao ser chamado de covarde, o roteiro revela ainda diversas ações que refletiriam no futuro das famílias da cidade, como quando Doc e Clara conversam sobre a geografia da lua, o que inspiraria o nome do cachorro do doutor muitos anos depois. O roteiro está ainda repleto de alívios cômicos, como quando Doc diz “ainda bem que não fui parar na Idade Média”, pois lá ele seria queimado na fogueira ou na divertida piada sobre o que é produzido no Japão. Ainda podemos citar a piada sobre a origem do “frisbee”, a origem da ravina “Clayton” que se transforma em ravina “Eastwood” e o final de Tannen que remete aos filmes anteriores.

Escrito como uma homenagem ao western, “De Volta para o Futuro 3” apresenta todas as características mais marcantes do gênero desde a primeira cena no velho oeste, com o conflito entre homens brancos e índios. Temos, por exemplo, o saloon, com as prostitutas no primeiro andar e o tradicional uísque servido para os homens mal encarados no térreo, homens andando de cavalo, carroças, a ferrovia, um roubo de trem e, logicamente, o duelo entre o mocinho e o vilão. Zemeckis aproveita ainda para fazer diversas referências a filmes clássicos como “Taxi Driver” e “Impacto Fulminante” (quando Marty brinca com a arma na frente do espelho) e, principalmente, ao astro Clint Eastwood e ao western spaghetti (repare como o travelling que revela a cidade de Hill Valey remete ao mesmo movimento de câmera de Sergio Leone que revela a cidade de “Era uma Vez no Oeste”), além de também fazer referências à cultura pop, como a dança de Marty no salão claramente inspirada em Michael Jackson. O diretor mostra talento também na criação de momentos sutis e simbólicos, como no plano em que McFly brinca com seu bisavô, ainda bebê, enquanto Seamus McFly conversa com sua esposa. O futuro da família McFly dependia da sobrevivência daquela criança e Marty sabia disto, como fica evidente quando diz para Seamus “cuidar bem do bebê”. Quando Marty informa Doc que o Deloren estava sem combustível, o close no rosto do cientista expõe a gravidade da situação e, ao mesmo tempo, revela a imagem de Marty no espelho, agora bastante preocupado. E finalmente, Zemeckis conduz com perfeição a emocionante seqüência da volta ao futuro na ferrovia, alternando entre os planos que mostram Marty aflito dentro do Deloren, Doc tentando chegar ao carro e Clara tentando alcançar Doc, numa ótima cena que conta também com os efeitos especiais da Industrial Light & Magic, que, por exemplo, permitem que o vôo final de Doc pareça verossímil.

Zemeckis conta também com a montagem de Harry Keramidas e Arthur Schmidt para imprimir um ritmo acelerado, que sempre funciona bem em aventuras, além de fazer transições divertidas, como quando Doc diz que terá que explodir uma mina e em seguida vemos a explosão ou quando Doc diz para Marty que “aqueles índios nem estarão lá” e, na cena seguinte, vemos Marty gritando “Índios!”. Keramidas e Schmidt participam ainda de maneira decisiva na construção do clímax, ao balancear muito bem as cenas que antecedem o duelo, com a chegada de Tannen ao saloon, Marty acordando e partindo em busca de Doc, Doc divagando sobre o futuro no bar e Clara partindo no trem. O longa conta ainda com um ótimo trabalho de ambientação que nos joga pra dentro do clima do velho oeste, começando pela direção de fotografia de Dean Cundey, que emprega o tom sépia característico do western e, em conjunto com os planos gerais de Zemeckis, explora com competência as belas paisagens da região. A excelente direção de arte de Margie Stone McShirley e William James Teegarden e os figurinos de Joanna Johnston também ajudam a ambientar o espectador, através da estrutura de madeira dos imóveis da cidade, do tradicional saloon, dos chapéus e botas dos homens, dos vestidos impecáveis das mulheres e do próprio trem que percorre a ferrovia. Vale destacar a referencia ao personagem de Eastwood nos westerns através do figurino de Marty, especialmente na cena dentro do bar em que ele levanta o chapéu, momentos antes do duelo com Tannen. Além disso, a maquete que detalha o plano para voltar ao futuro é rica em detalhes e reforça a qualidade do cuidadoso trabalho de McShirley e Teegarden. E finalmente, observe a simetria de algumas construções da cidade com aquelas que vimos nos filmes anteriores, como o relógio em construção que mantém o exato formato que viria a ter no futuro. Aliás, é apropriado que o objeto que conecta os três filmes seja um relógio, já que a trilogia trata exatamente do tempo e de seus efeitos em nossas vidas. Vale destacar ainda o bom trabalho de som ao captar com precisão os cavalos galopando, os tiros, a máquina de Doc trabalhando e o trem em alta velocidade, e a empolgante trilha sonora de Alan Silvestri, que mantém as referências ao western e colabora com o clima de aventura.

Entre o elenco, Christopher Lloyd continua à vontade no papel do cientista “Doc”, com suas expressões exageradas que caracterizam muito bem a ansiedade constante do Dr. Emmett. A novidade é que neste filme seu personagem vive o drama central da trama, o que lhe garante mais espaço na narrativa, e encontra um amor, o que permite ao ator viver também momentos românticos e dramáticos – e Lloyd se sai bem nestes momentos também. Michael J. Fox novamente dá um show interpretando Marty com a leveza de sempre e de quebra vivendo Seamus, o patriarca da família McFly. A dupla, aliás, mantém a empatia dos filmes anteriores e se sai muito bem nas cenas em que atuam juntos, como quando Clara chega à oficina de Doc e ambos demonstram a ansiedade que sentem diante daquela presença. Doc, apaixonado, se mostra inquieto, enquanto Marty, preocupado com a provável descoberta do Deloren, também se mostra ansioso e procura esconder a miniatura do carro atrás das costas. E fechando os destaques, Thomas F. Wilson também repete o bom desempenho, agora como o cruel bandido Tannen, transmitindo através do olhar cerrado e da voz firme a confiança do personagem, que mandava e desmandava na cidade até a chegada de McFly.

Quando vemos o veículo que transportou nossos sonhos sendo completamente destruído, a sensação de tristeza é inevitável. O fim do Deloren simboliza também o fim da trilogia e, neste momento, a nostalgia toma conta do espectador. Nem mesmo o final alegre, com a feliz volta de Doc e Clara, evita esta sensação. Por outro lado, nos sentimos realizados por poder acompanhar três filmes com tamanha qualidade, que jamais caem na repetição batida de fórmulas, buscando se reinventar de diversas maneiras. Com muita criatividade e inspiração, Zemeckis e seu elenco nos deram um verdadeiro presente que, ao contrário do Deloren, jamais poderá ser destruído.

Texto publicado em 02 de Dezembro de 2010 por Roberto Siqueira

DE VOLTA PARA O FUTURO 2 (1989)

(Back To The Future Part II)

 

Videoteca do Beto #61

Dirigido por Robert Zemeckis.

Elenco: Michael J. Fox, Christopher Lloyd, Lea Thompson, Thomas F. Wilson, Elisabeth Shue, James Tolkan, Jeffrey Weissman, Charles Fleischer, Darlene Vogel, Jason Scott Lee, Elijah Wood, Flea e Billy Zane.

Roteiro: Robert Zemeckis e Bob Gale.

Produção: Neil Canton e Bob Gale.

[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].

Apoiando-se num roteiro incrivelmente engenhoso e criativo e contando com um elenco muito afiado, o diretor Robert Zemeckis brindou os espectadores com uma verdadeira obra-prima quando lançou nos cinemas, em 1985, o primeiro filme da trilogia “De Volta para o Futuro”. Felizmente, este segundo filme da série mantém a qualidade primorosa do primeiro filme e presenteia os cinéfilos com uma continuação que consegue explorar a mesma premissa de forma original e igualmente criativa, renovando a trilogia e evitando que soe como algo repetitivo.

Após conseguir corrigir o passado e alterar o futuro, o cientista Doc Brown (Christopher Lloyd) volta desesperado ao ano de 1985 para levar Marty (Michael J. Fox) e sua namorada (Elisabeth Shue) para o ano de 2015, com o objetivo de evitar uma verdadeira tragédia familiar provocada pelos filhos do casal. Já no futuro, o velho Biff (Thomas F. Wilson) consegue entrar na máquina do tempo e voltar ao ano de 1955, somente para entregar a si mesmo o almanaque dos esportes, com todos os resultados esportivos do período entre 1950 e 2000. Por isso, quando Doc e Marty retornam ao ano de 1985, encontram um mundo completamente diferente, resultado do poder adquirido pelo milionário Biff ao longo dos anos. Desta forma, a única maneira de destruir esta realidade paralela e evitar este futuro sombrio é voltar ao ano de 1955 e impedir que o velho Biff entregue a si mesmo o tal almanaque.

Logo no inicio de “De Volta para o Futuro 2” podemos rever a cena que encerrou o primeiro filme, num dos inúmeros momentos em que o espectador poderá rever uma cena sob outra perspectiva, pois o longa é repleto de rimas narrativas entre os dois filmes (e até mesmo com o terceiro filme), o que é extremamente elegante. Ao chegarmos ao ano de 2015, até podemos questionar o avanço tecnológico apresentado num período tão curto de tempo (de 1989 para 2015 temos apenas 26 anos), mas é inegável que o longa aproveita mais uma vez as inúmeras oportunidades que a situação oferece, como podemos notar na inteligente justificativa para o não envelhecimento do professor, que explica sobre as avançadas clínicas de rejuvenescimento. Inteligente também é a forma como os dois Martys se cruzam embaixo do balcão, o que possibilita a troca entre eles e abre espaço para revivermos a grande cena, agora completamente renovada, em que Marty foge de Biff em cima de um skate. O bom humor também está novamente presente, como notamos quando Doc diz que a justiça ficou muito rápida depois que aboliram os advogados.

O longa de Robert Zemeckis também mantém o excelente nível técnico do filme anterior, com destaque especial para a bela direção de arte de Margie Stone McShirley, que recria a cidade de diferentes formas em cada período, sempre com muita criatividade, como fica evidente na evoluída cidade de 2015 através dos carros, do posto Texaco e da engraçada referência à Tubarão 19 (!) – sucesso de Spielberg, que é amigo de Zemeckis e também produtor executivo do longa. A fotografia colorida em 2015 de Dean Cundey e Jack Priestley dá lugar às tonalidades escuras do ambiente hostil e sombrio nos anos dominados por Biff e volta aos tons pastéis nostálgicos nos anos cinqüenta. Já a montagem ágil de Harry Keramidas e Arthur Schmidt reforça o clima de urgência da missão da dupla, que neste segundo filme é ainda maior que no primeiro, além de colaborar sensivelmente nas seqüências de ação, também mais freqüentes neste segundo longa. Também merece destaque a maquiagem, que permite com que o mesmo ator apareça duas ou três vezes na mesma cena de formas completamente diferentes, além, é claro, dos ótimos efeitos especiais, que trazem grande realismo às cenas. Finalmente, a bela trilha sonora de Alan Silvestri está novamente presente, com músicas joviais e com o imponente tema da série.

A direção de Robert Zemeckis é impecável, mantendo o ritmo ágil e criando um visual magnífico em todas as épocas da narrativa, além de criar seqüências muito interessantes sempre que um personagem encontra seu correspondente em cena, como nos encontros entre os dois “Docs”, “Biffs”, “Jennifers” e “Martys”. Zemeckis também acerta a mão na condução das cenas de ação, como a sensacional perseguição de Biff, com o carro, à Marty, que foge no skate, já próximo do final do filme. Finalmente, o diretor consegue sucesso mais uma vez na direção de atores, permitindo que o elenco apresente outro excelente desempenho. Michael J. Fox está novamente perfeito como Marty McFly. Devido a um acidente com seu carro que o impediu de continuar com a música, Marty se tornou um infeliz funcionário em seu trabalho, enquanto seu filho se tornou um verdadeiro idiota, como ele mesmo admite quando o vê. E o ator aproveita a excelente oportunidade de mostrar talento ao interpretar as diversas etapas da vida do personagem com competência, além de interpretar também seus próprios filhos. Thomas F. Wilson vai muito bem quando interpreta o cruel Biff, sempre ameaçador. Repare como o ator utiliza uma voz rouca que colabora com este poder de intimidação do personagem. E mesmo quando interpreta o velho Biff o ator convence, mostrando que a vida dura que levou após as mudanças no passado não tirou o seu apetite pelo poder. Já quando interpreta o jovem Griff, Wilson exagera e acaba soando caricato, mas nada que comprometa sua atuação. Quem também repete a excelente atuação do primeiro longa é Christopher Lloyd, com todos os trejeitos do maluco doutor Emmett. Seu “Doc” é um personagem extremamente carismático e o ator tem todo o mérito por isso. E finalmente, Elisabeth Shue pouco aparece com sua Jennifer, não permitindo uma atuação além de discreta.

Mas apesar de toda qualidade do elenco e do ótimo trabalho técnico, novamente o grande destaque do longa é o roteiro de Zemeckis e Bob Gale. Ainda mais intrincado que no primeiro filme, o roteiro permite uma viagem através do tempo e faz constantes referências ao primeiro e (melhor ainda) ao terceiro filme, provando a qualidade da engenhosa criação da trilogia por parte dos roteiristas. Não é raro notar menções ao velho oeste, como quando vemos um vídeo sobre o tio de Biff ou quando “Doc” diz que se arrepende de não ter visitado o velho oeste, o que já prepara o terreno para a parte final da trilogia. Zemeckis e Gale também aproveitam praticamente todas as oportunidades que a situação oferece para explorar ao máximo estas idas e vindas no tempo, como quando McFly comemora o fato de morar em determinado bairro que, na realidade, se tornou o mais perigoso da cidade devido às mudanças do passado, como fica evidente nas palavras de um taxista. O roteiro abusa ainda das elegantes rimas narrativas com o primeiro filme, como quando McFly sai com o skate pelas ruas da cidade sendo perseguido por Biff. Mais interessantes ainda são os momentos marcantes do primeiro longa que podemos reviver sob outra perspectiva, como quando Marty toca guitarra enquanto podemos ver o outro Marty andando por cima da estrutura do palco ao fundo.

Por tudo isto, “De Volta para o Futuro 2” pode ser considerado um filme tão qualificado quanto o primeiro da trilogia. Além disso, o longa tem ainda o mérito de preparar o espectador para a parte final da série, como podemos notar quando a Western Union entrega a carta de Doc para Marty com data de 1885. Isto acontece porque em outro momento muito importante, porém sutil, o acidente com o Deloren zera a máquina do tempo e altera a data para 1885, o que também reflete no terceiro filme da série. Desta forma, além de se deliciar com este segundo filme, o espectador praticamente se sente obrigado a assistir o terceiro, o que não deixa de ser inteligente.

Belíssima aventura que nos permite viajar através do tempo, passando pelos anos de 2015, 1985, 1955 e finalizando em 1855, “De Volta para o Futuro 2” é extremamente criativo e cativante, permitindo ao espectador notar claramente as diferenças entre cada época, tanto no aspecto cultural quanto no aspecto visual, além de proporcionar um delicioso exercício de imaginação por parte de cada espectador. É maravilhoso viajar com Marty e Doc através do tempo e por isso, mal podemos esperar pelo terceiro filme da série. Ainda bem que hoje em dia, com a trilogia disponível em DVD, não precisamos de um Deloren para avançar no tempo, como os espectadores certamente desejaram fazer quando o segundo filme foi lançado nos cinemas.

Texto publicado em 11 de Agosto de 2010 por Roberto Siqueira