(The Karate Kid)
Videoteca do Beto #160
Dirigido por John G. Avildsen.
Elenco: Ralph Macchio, Pat Morita, Elisabeth Shue, Martin Kove, Randee Heller, William Zabka, Ron Thomas e Rob Garrison.
Roteiro: Robert Mark Kamen.
Produção: Jerry Weintraub.
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Mesmo numa época marcada por excelentes produções voltadas para o grande público, “Karatê Kid – A Hora da Verdade” transformou-se num enorme e surpreendente sucesso, conquistando uma legião de fãs e rendendo duas continuações. No entanto, basta uma olhada rápida na sinopse do longa para constatar que ele não trazia exatamente nada de novo com sua história simples e até certo ponto previsível, o que comprova como a utilização de clichês pode funcionar com eficiência quando o diretor sabe trabalhar seu tema de maneira inteligente, sem ofender a inteligência da plateia. Assim, ao apostar na química entre seus personagens e na identificação do espectador com a trajetória de superação de seu protagonista, John G. Avildsen fez deste um verdadeiro ícone do cinema dos anos 80.
Mas qual o segredo de tanto sucesso? A resposta está na forma simpática e eficiente que o diretor transporta para a tela o roteiro básico escrito por Robert Mark Kamen, que narra o típico conflito adolescente dos tempos de escola em que o mocinho frágil e apaixonado luta pela garota bonita e rica contra o bad boy fortão e desleal. Neste caso, Daniel Larusso (Ralph Macchio) é o jovem que, após mudar-se para outra cidade com sua mãe (Randee Heller), conhece a linda e rica Ali (Elisabeth Shue) e conquista o interesse amoroso dela. Só que a garota é a ex-namorada do encrenqueiro Johnny (William Zabka), que, sendo faixa preta em caratê, começa a surrar Daniel constantemente, até que este encontra o auxílio do japonês Sr. Miyagi (Pat Morita), um velho conhecedor das técnicas de caratê que decide ensinar Daniel os segredos desta arte marcial.
Não é preciso muita bagagem cinematográfica para imaginar qual será a trajetória de Daniel Larusso, o eterno Daniel “San”. No entanto, a maneira como Avildsen conduz a narrativa envolve completamente o espectador, balanceando momentos bem humorados, como quando o carro da Sra. Larusso falha na frente da casa de Ali logo após ela apresentar Daniel para os pais dela, com momentos dramaticamente mais densos, especialmente aqueles que envolvem a construção da amizade entre o jovem e seu mentor. É verdade que o roteiro não presa exatamente pela originalidade e mesmo o velho conflito do par romântico ocasionado por um mal entendido está presente, mas até este velho clichê é usado com eficiência pelo diretor.
Além disso, Avildsen utiliza o trabalho técnico de sua equipe de maneira orgânica, contribuindo para o andamento da narrativa e, principalmente, nos dizendo um pouco mais sobre aqueles personagens. Repare, por exemplo, como a decoração nipônica da casa do Sr. Miyagi concebida pelo design de produção de William J. Cassidy nos transmite a paz de espírito de seu morador, ainda mais quando reforçada pela bela trilha sonora instrumental do ótimo Bill Conti, que remete à terra do sol nascente com precisão e contrasta muito bem com as músicas joviais escolhidas para muitas cenas de Daniel que casam perfeitamente com o espírito adolescente de “Karatê Kid”.
As atuações também são essenciais para o sucesso da narrativa e, neste sentido, é impressionante como Avildsen consegue extrair um ótimo desempenho de quase todo o elenco. Comecemos pelo ótimo Ralph Macchio, que compõe Daniel como um garoto frágil e carismático, conquistando nossa empatia com seu jeito de ser e exibindo um humor autodepreciativo que realça sua falta de confiança e valoriza ainda mais sua trajetória de superação. Transmitindo esta característica do personagem com precisão, Macchio se destaca ainda em momentos que exigem uma postura mais visceral, como quando demonstra muito bem a revolta de Daniel após ser derrubado da bicicleta, evitando o contato com a mãe e gritando que deseja voltar para sua antiga casa – e repare como o travelling que encerra a cena faz questão de revelar que o Sr. Miyagi ouviu toda a discussão, indicando o momento em que o sábio vizinho decide ajudar o garoto. Vulnerável, Daniel conquista a empatia do espectador também pela nossa identificação com o tema, afinal, quem nunca quis enfrentar o valentão da escola pelo amor de uma garota?
Por sua vez, Elisabeth Shue está encantadora como Ali, justificando perfeitamente a atração que Daniel sente por ela. Com seu jeito meigo e sua postura firme diante das investidas do ex-namorado, ela se torna ainda mais carismática pela maneira adulta com que resolve o conflito criado pelo mal entendido no restaurante, evitando o jogo de cena e aceitando rapidamente as desculpas de Daniel. Além disso, a empatia do casal é contagiante e faz com que o espectador torça muito pelo sucesso daquele relacionamento.
Empatia, aliás, é a palavra que melhor define “Karatê Kid”. Observe, por exemplo, a naturalidade com que Daniel e sua mãe conversam, demonstrando uma afinidade capaz de superar todos os momentos de crise. Otimista e dona de um alto astral quase inabalável, a Sra. Larusso é outra personagem simpática que conquista a plateia sempre que entra em cena graças ao bom desempenho de Randee Heller, mas que nem por isso deixa de demonstrar preocupação diante das constantes agressões sofridas pelo filho, o que humaniza a personagem e evita que ela se torne artificial.
Talvez esta artificialidade surja apenas no grupo de valentões que decide infernizar a vida de Daniel desde sua chegada. Detestável até praticamente sua última fala, William Zabka permite que Johnny se torne um pouco mais humano somente após ser derrotado por Daniel (“Você é legal!”, diz), escancarando que o único personagem realmente unidimensional de “Karatê Kid” é mesmo John, o professor durão dos “Cobra Kai” interpretado por Martin Kove que assume o papel de vilão e prega sem pestanejar que a piedade é para os fracos. Observe, por exemplo, como seus próprios alunos reagem com sinais de reprovação quando este ordena que tirem Daniel do combate, ainda que não tenham coragem de contrariar a ordem dada. Ainda assim, Kove faz bem o tipo durão e transforma seus alunos numa ameaça real ao protagonista, o que é importante para que o espectador tema pelo destino de Daniel no torneio.
Finalmente, se hoje não podemos falar de “Karatê Kid” sem recordar do Sr. Miyagi é porque o grande destaque do elenco é mesmo Pat Morita, que transforma aquele senhor japonês num personagem adorável e inesquecível. Falando com um sotaque divertido que só reforça sua origem, Morita encarna o papel de tutor com incrível desenvoltura e carisma, conquistando não apenas o carinho de Daniel como também de toda a plateia. Aliás, é importante notar como esta linda relação de amizade é construída com calma pela narrativa e, por isso, soa tão verdadeira. Dono de uma sabedoria invejável e exalando a famosa “paciência oriental”, Miyagi utiliza os interessantes diálogos com Daniel para nos apresentar à sua verdadeira coleção de frases impactantes e sua visão peculiar do caratê e da própria vida. Morita se destaca ainda na tocante sequência em que o reservado Sr. Miyagi revela como perdeu a esposa e o filho, evidenciando a empatia existente entre eles e confirmando que confia plenamente em Daniel.
Os diálogos da dupla e os treinamentos comandados por Miyagi se tornam ainda mais especiais quando Avildsen e o diretor de fotografia James Crabe resolvem explorar a beleza da praia e de um lago para criar planos belíssimos e ensolarados, que ilustram a empolgação do garoto durante o processo de aprendizagem e se contrapõem aos planos obscuros que acompanham parte das árduas tarefas realizadas na casa de seu mentor. O diretor também utiliza bem o segundo plano durante a conversa entre Daniel e sua mãe num restaurante, permitindo que o espectador acompanhe simultaneamente a conversa dos dois e os garotos que saem da escola de caratê e observam os Larusso a distancia, numa cena que serve para treinar o olho da plateia para que esta observe com mais atenção o excelente momento em que Miyagi impede que massacrem Daniel, no qual este surge também em segundo plano pulando uma grade e demonstra toda sua habilidade nas artes marciais.
“Karatê Kid” tem ainda seus momentos encantadores, como o passeio de Daniel e Ali no parque, o inocente primeiro beijo do casal e a icônica cena em que Daniel treina seu famoso golpe na praia, que será vital no encerramento da narrativa. Mas talvez a sequência mais marcante seja o fascinante diálogo em que o Sr. Miyagi revela porque pediu todas aquelas tarefas pesadas para Daniel e o garoto percebe que já estava sendo treinado não apenas para o caratê, mas também para enfrentar a vida, evidenciando que Miyagi representa a figura paterna que tanto lhe faz falta.
Por isso, quando um leve movimento de câmera revela o cartaz do campeonato de caratê na parede da escola, mal podemos esperar pelo dia do torneio. Trabalhando esta expectativa com inteligência, Avildsen nos leva até os esperados duelos, que se tornam ainda mais empolgantes graças à montagem dinâmica de Walt Mulconery, Bud Smith e do próprio Avildsen e à trilha sonora agitada que embala o início da competição – e aqui vale observar como os figurinos de Richard Bruno e Aida Swinson fazem questão de ilustrar quem é o mocinho, que surge vestido com roupão branco, e quem são os vilões, vestidos com roupões pretos, mas esta visão unidimensional não chega a atrapalhar o filme. Quando finalmente chegamos à luta final, estamos tão envolvidos pela narrativa e tão identificados com os personagens que é praticamente impossível não torcer loucamente pela vitória de Daniel.
E ainda que “Karatê Kid” termine abruptamente após o famoso golpe, este final emblemático teve força suficiente para marcar toda uma geração, o que comprova a qualidade da narrativa e o bom trabalho de Avildsen e seu elenco. Trabalhar com histórias que usam o esporte como ponte para a superação de barreiras pessoais parece mesmo ser a especialidade de John G. Avildsen.
Texto publicado em 15 de Fevereiro de 2013 por Roberto Siqueira