(Alice in Wonderland)
Videoteca do Beto #153
Dirigido por Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske.
Elenco: Vozes de Kathryn Beaumont, Richard Haydn, Ed Wynn, Sterling Holloway, Jerry Colonna, Verna Felton e Bill Thompson.
Roteiro: Winston Hibler, Ted Sears, Bill Peet, Erdman Penner, Joe Rinaldi, Milt Banta, Bill Cottrell, Dick Kelsey, Joe Grant, Dick Huemer, Del Connell, Tom Oreb e John Walbridge, baseado nos livros Alice no País das Maravilhas e Alice Através do Espelho de Lewis Carroll.
Produção: Walt Disney (não creditado).
[Antes de qualquer coisa, gostaria de pedir que só leia esta crítica se já tiver assistido ao filme. Para fazer uma análise mais detalhada é necessário citar cenas importantes da trama].
Adaptada diversas vezes para o cinema ao longo de décadas, “Alice no país das maravilhas” pertence a um grupo de obras literárias complexas e fascinantes que permitem as mais distintas interpretações, o que, consequentemente, transforma o livro de Lewis Carroll numa ótima oportunidade para cineastas mais ousados imprimirem sua visão particular daquele mundo onírico e repleto de simbolismos. Por isso, era de se esperar que o visionário Walt Disney quisesse aproveitar a excelente equipe técnica que possuía para dar vida aos personagens excêntricos daquele universo. O resultado é uma animação que, se não tem o encanto e a magia dos filmes da primeira era de ouro do estúdio, ao menos consegue nos divertir.
Baseado na obra de Carroll publicada em 1865, o roteiro de “Alice no país das maravilhas” (creditado para treze pessoas nesta versão da Disney) nos apresenta Alice (voz de Kathryn Beaumont), uma garota que, após seguir um misterioso e apressado coelho branco (voz de Bill Thompson), acaba se aventurando por um mundo fantástico, recheado de figuras inusitadas.
Apresentando pouco avanço tecnológico em relação aos filmes anteriores, “Alice” segue com fidelidade algumas das convenções narrativas das animações Disney, com seu visual multicolorido, a interação entre humanos e animais e, especialmente, as diversas músicas espalhadas pela narrativa que, aliadas a trilha sonora quase incessante de Oliver Wallace, fazem com que o som diegético quase não tenha espaço sozinho no filme. Entretanto, isto não seria um problema se o longa apresentasse o mesmo encanto dos primeiros filmes do estúdio, mas isto não acontece na mesma intensidade, o que apenas reforça o desgaste da fórmula de Walt Disney, tão evidente nesta irregular segunda era de animações na qual os únicos filmes realmente memoráveis são o impecável “A Dama e o Vagabundo” e “A Bela Adormecida”.
Assim, para desfrutar o encanto de “Alice no país das maravilhas” é preciso olhar com olhos de criança – algo que não é tão simples no mundo mais cínico em que vivemos atualmente, mas que na época talvez fosse mais plausível, mesmo tão pouco tempo depois do fim da Segunda Guerra. Isto ocorre porque os diretores Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske transportam para a tela o espírito da obra que serviu de inspiração para o filme, criando uma sequência ininterrupta de momentos que não apresentam lógica alguma, seguindo apenas a fértil imaginação da protagonista. Curto e dinâmico como a maioria das animações do estúdio, “Alice” se beneficia da montagem ágil de Lloyd Richardson, que transita de um cenário ao outro de maneira orgânica, nos levando a lugares surreais como a casa rosa do Coelho Branco e a personagens igualmente surreais como as flores cantoras e a Lagarta fumante (voz de Richard Haydn), que hoje certamente seria criticada pelos chatos do politicamente correto.
Também devido à natureza onírica da história, muitos diálogos não fazem muito sentido, o que realça ainda mais momentos marcantes como a famosa conversa entre o Gato Risonho (voz de Sterling Holloway) e Alice: “Aonde você quer ir?”, pergunta o gato; “Tanto faz”, responde Alice; “Então tanto faz o caminho que deve seguir”, finaliza ele. Esta abordagem surreal chega ao auge na conversa sem pé nem cabeça entre Alice e os divertidos Chapeleiro Louco (voz de Ed Wynn) e Lebre Maluca (voz de Jerry Colonna), que levam tanto a protagonista quanto o espectador a loucura durante um chá da tarde. Também existe espaço para histórias mais lineares, como a triste passagem em que as ostras são convidadas para um jantar, mas este universo fantasioso fará sentido de fato somente quando tivermos a confirmação de que Alice estava sonhando. Até lá, somos levados pela narrativa através do olhar da garota.
Repleto de personagens criativos, “Alice” representava ainda uma oportunidade única para os talentosos animadores da Disney, que capricham na caracterização até mesmo de figuras secundárias que passam rapidamente pela narrativa, como os sapos instrumentos e o cavalo vassoura. Além disso, eles criam cenários impactantes e sequências belíssimas visualmente, dentre as quais vale destacar a chegada da temida Rainha de Copas (voz de Verna Felton) ao castelo, acompanhada de seu numeroso exército de cartas. E apesar das cores vivas que dominam grande parte do filme, a fotografia não se furta de carregar no tom pesado e sombrio quando Alice se perde na floresta, transmitindo para a plateia a mesma sensação melancólica da garota.
Quanto aos simbolismos da narrativa, cabe dizer que, assim como no livro, é possível fazer diversas leituras diferentes de cada situação vivida por Alice. Dentre todas elas, existe uma vertente que me agrada mais, que acredita numa alusão a passagem da infância para a adolescência, onde cada transformação vivida pela garota ilustraria, numa escala exagerada e caricatural, as mudanças radicais que sofremos nesta fase. Por isso, temos as constantes mudanças de tamanho, os enigmáticos desafios, as dúvidas sobre qual caminho seguir e a introdução a novas sensações, que esboçariam nossa desorientação diante das decisões que precisamos tomar quando nos aproximamos da fase adulta da vida. No entanto, uma obra tão rica e subjetiva como esta permite inúmeras leituras aceitáveis.
Aventura surreal e repleta de simbolismos, “Alice no país das maravilhas” está longe de ser uma obra-prima, mas ao menos nos diverte enquanto somos apresentados aos cenários e personagens descritos no clássico livro de Lewis Carroll. Ou seja, trata-se de uma animação típica da Disney daquele período, com tudo de bom e de ruim que isto possa significar.
Texto publicado em 13 de Janeiro de 2013 por Roberto Siqueira
Um comentário sobre “ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS (1951)”